As Musas na mitologia grega eram filhas de Zeus e Mnemosine, deusa da memória. Sua função era cantar sobre os feitos de Zeus para garantir que sua ordem permanecesse na memória do povo. A música na Grécia antiga ("mousiké") era toda arte presidida pelas Musas e tinha o objetivo de trazer o passado para o presente e providenciar reflexão ao povo.
2. A Origem das Musas
• Na cultura grega, as Musas são filhas de Zeus,
provenientes de sua união com Mnemosine.
• Cada união de Zeus é determinante para garantir a
vigência e manutenção de seu reinado.
• Mnemosine é a deusa da Memória. Sua união com
Zeus é a união da possibilidade de Memória com a
possibilidade de presença.
3. A Função das Musas
• Diz a Teogonia, de Hesíodo: “no começo e fim do
canto hineiam as Deusas” (v. 48). As Musas são
evocadas, na poética grega, para cantar algo, isto é,
fazer com que um determinado acontecimento
permaneça na memória do povo.
• O poeta, não canta, ele empresta a sua voz para que
a Musa se coloque, daí todo poema épico começar
com a evocação da Musa:
“Canta, ó Musa, do Peleio Aquiles / a ira tenaz…”
- Ilíada, vs. 1 e 2
4. A Função das Musas II
• Na mitologia grega, a descendência divina carrega,
em alguma medida, as características de sua
ascendência.
• Sendo fruto da união de Memória e Presença, as
Musas são, na partilha do mundo olímpico, as
responsáveis por cantar sempre a justiça de Zeus e
seu reinado para que sua ordem seja sempre
memorada, isto é, nunca se apague ou modifique.
5. Filologia do Canto
• A palavra “Musa” (em grego ,Μουσα Mousa)
carrega consigo o radical “*ms-”
• Este radical é decorrente de um processo de
suavização linguística de outro radical, o indo-
europeu “*mn-”, presente também em Μνημοσινη
(Mnemosine).
• Podemos encontrar, na língua portuguesa, diversas
palavras que devém, com mais ou menos alterações,
destes radicais: música, musa, mnemônico,
manutenção, memória…
6. Filologia do Canto II
• Zeus, por sua vez, tem por radical “*dei-”,
igualmente indo-europeu, que, em sua origem
significa “brilho”, mas também “alteridade”, isto é,
o reconhecimento da presença de um outro, que seja
di-ferente de si.
• Esse radical espalha-se, com diversas alterações, por
todos os povos cujas línguas possuem sua origem no
indo-europeu.
7. Presença do Canto
• Μουσική, mousiké, música quer dizer, em grego,
“toda arte presidida pelas Musas”. Isso quer dizer
que toda espécie de fazer poético é, em última
instância, música.
• O poeta, ao evocar a Musa para cantar na ágora da
antiga pólis, não o fazia, conforme nos faz supor a
tradição romântica, para expressar seu sentimento,
mas para atualizar a história de um povo.
8. Presença do Canto II
• Atualizar a história de um povo é: trazê-la para o
presente, mais propriamente, presentificá-la.
• Ao presentificá-la, a Musa não estaria meramente
contando uma história, mas rememorando um povo
de sua própria origem, recordando-lhe em seus
momentos de decisão, providenciando a reflexão
necessária a uma resposta ou atitude.
• Daí serem os cantadores, oráculos e profetas
fundamentais à Grécia arcaica.
9. A Unidade Temporal
• Os gregos possuíam três medidasde tempo: Cronos,
o tempo contável, Kairós, o tempo do instante,
imperceptível, e Aión, o tempo vivido, não-
contável, o tempo de duração de uma experiência
ou acontecimento.
• Quando a Musa atualiza o povo em sua origem, ela
confere unidade à estas temporalidades, há a quebra
com o entendimento modelar de passado, presente e
futuro e instaura-se a permanência, uma idéia cara
aos gregos primevos.
10. Unidade e Di-ferença
• Os deuses são imortais, nós somos mortais. Por isso,
aspiramos à imortalidade. Várias são as tentativas
de superar a condição humana (a condição de
mortal): as honras, a produção do saber, a
procriação.
• Essa notoriedade alcançável, em grego, é chamada
λογος (logos). “Logos”, porém, tem outros
significados e traduções, como ‘discurso, palavra,
razão’, sendo o ‘proveniência’ o seu significado mais
antigo.
11. Unidade e Di-ferença II
• Essa notoriedade compõe os temas que cantam as
Musas. O reconhecimento no mundo grego se dá
pelo canto da Musa. Os notórios e suas histórias são
referência para o povo nos momentos de reflexão
necessários.
• Esse reconhecimento da própria origem, que
permite modificações inclusive nas próprias
histórias contadas é estranho à rigidez da Grécia
helênica.
12. A Conversão do Logos / Fim
• Após o advento da Filosofia, o ‘logos’ converte-se
em ‘razão’. O conhecimento passa à medida do
provável, a história converte-se em historiografia.
• Note-se que a palavra para ‘verdade’ muda de
(ἀληθεια aletheia, não-esquecimento) para
ὀρθωτης (orthotes, correção).
• A separação disciplinar aristotélica, com pequenas
modificações, se faz vigente até hoje.
13. Bibliografia
• - LIDELL, Henry George & SCOTT, Robert. A
Greek-English Lexicon. Oxford University Press,
1996.
• POKORNY, Julius. Indogermanisches
Etymologisches Wörterbuch. 1959.
• - TORRANO, Jaa. Teogonia. A origem dos deuses.
São Paulo: Iluminuras, 1995.