RESUMO
Esta dissertação pretende realizar um estudo sobre um programa de habitação específico realizado em Portugal, tornando-se imperativo estudar as implantações, as envolventes, as tipologias e os conceitos adoptados nos projectos do SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local). O trabalho divide-se em duas partes, a primeira parte centra-se na análise da componente teórica que está por detrás das operações SAAL. A segunda parte centra-se na análise da componente prática dos projectos SAAL realizados no Porto.
Numa primeira parte do trabalho analisou-se o enquadramento do SAAL no panorama histórico nacional, tendo como objectivo contextualizar o que já se realizara ao nível da habitação social em Portugal. Tornou-se, assim incontornável especificar programas anteriores realizados e, estudou-se implantações e tipologias projectadas de outros bairros.
Numa segunda parte do trabalho fez-se a reflexão sobre os conceitos inerentes à parte prática das operações SAAL, obrigando a estudar casos práticos existentes no Porto, revelando os seus autores, a paradigmática e o enquadramento urbano das intervenções na cidade. Estudaram-se as operações na Maceda, em São Vitor, em Massarelos e na Bouça, de acordo com ordem de caracterização desde a implantação, ao sistema construtivo, especificando os conceitos assumidos e neste sentido, por fim explicando o critério para a selecção dos casos em estudo.
O objectivo deste trabalho foi centrado na exploração das operações SAAL, ao estudar o passado da habitação social em Portugal, pretendeu-se eventualmente contribuir para o entendimento do programa da habitação social no panorama da arquitectura portuguesa. Revelou-se as suas condicionantes, as opções e as escolhas que permitiram executar na prática os respectivos programas ideológicos.
1. UNIVERSIDADE LUSÍADA DO PORTO
ESTUDO DO SAAL – DA TEORIA À PRÁTICA
Carácter da sua execução no Porto
Bruno Miguel Moura Gadelho Tavares
Tese para a obtenção do Grau de Mestre
Porto
2011
2. “O SAAL foi considerado excessivamente revolucionário face ao sistema
representativo, por se encontrarem no seu alicerce formas de democracia directa (...) Foi
o fim de um sonho poder acabar com as barracas e com as ilhas. Assinados muitos dos
projectos por alguns dos mais conceituados arquitectos portugueses, ficaram certas
realizações como testemunho do muito que se poderia ter feito e de uma forma politica,
social e tecnicamente inovadora para um problema que se arrastava há décadas…”°1
° Nuno Teotónio Pereira, in Público, 23/09/1993
3. AGRADECIMENTOS
Gostaria de expressar os agradecimentos a várias pessoas e às instituições que me
ajudaram a concretizar o trabalho. Desde logo, a primeira palavra de agradecimento é
dirigido á professora doutora Edite Rosa, pela compreensão, paciência e insistência,
pela disponibilidade demonstrada e pelos trabalhos de leitura executado, pelo incentivo
constante e motivação orientada desde o inicio do trabalho.
Agradecimento ao às instituições que forneceram dados essenciais para a realização
do trabalho, nomeadamente: ao Arquivo Distrital do Porto, à biblioteca da Universidade
Lusíada do Porto, à biblioteca da FAUP–CDUA e à biblioteca Almeida Garrett.
Agradeço e dedico o trabalho aos meus pais e irmão, pois sem eles não realizaria um
sonho comum, a eles um obrigado sincero pelo carinho, amor, e paciência, assim como
a força despendida, sem eles não seria possível. À Carla (namorada) obrigada por seres
um pilar na minha vida, a bússola que orienta o meu caminho, juntos concretizaremos
todos os sonhos. Aos seus pais, irmã e restantes familiares deixo um agradecimento
especial pelo carinho demonstrado.
Aos que não anunciei mas que passaram pela minha vida e, que com um sorriso e
simples palavras de apoio permitiram ganhar força e coragem para finalizar um
objectivo.
I|
4. ÍNDICE GERAL
Agradecimento I
Índice Geral II
Resumo III
Abstract IV
Palavras-chave V
Introdução 1
Parte I – Contexto histórico das operações SAAL
I.1 – Inicio das operações SAAL
I.1.1 – Surgimento das operações SAAL 8
I.1.2 – Carga política/social das operações SAAL 18
I.1.3 – Estrutura orgânica do SAAL 27
I.1.4 – Aparecimento do SAAL/Norte 34
I.2 - Trilogia das operações SAAL
I.2.1 – Estado Novo e o SAAL 40
I.2.2 – Revolução 25 de Abril de 1974 e o SAAL 51
I.2.3 – «Direito ao Lugar» e a nova ideologia SAAL 59
Parte II – Contributo para a Arquitectura Portuguesa
II.1 – Os projectos SAAL no Norte 67
II.2 – Bairros do SAAL – Casos de estudo no Porto
II.2.1 – Estudo SAAL – bairro na Maceda-Acácio 78
II.2.2 – Estudo SAAL – bairro em São Vitor 87
II.2.3 – Estudo SAAL – bairro em Massarelos 95
II.2.4 – Estudo SAAL – bairro na Bouça 101
Conclusão 111
Fonte das imagens 115
Bibliografia 120
Anexos 124
II |
5. RESUMO
Esta dissertação pretende realizar um estudo sobre um programa de habitação
específico realizado em Portugal, tornando-se imperativo estudar as implantações, as
envolventes, as tipologias e os conceitos adoptados nos projectos do SAAL1 (Serviço
Ambulatório de Apoio Local). O trabalho divide-se em duas partes, a primeira parte
centra-se na análise da componente teórica que está por detrás das operações SAAL. A
segunda parte centra-se na análise da componente prática dos projectos SAAL
realizados no Porto.
Numa primeira parte do trabalho analisou-se o enquadramento do SAAL no
panorama histórico nacional, tendo como objectivo contextualizar o que já se realizara
ao nível da habitação social em Portugal. Tornou-se, assim incontornável especificar
programas anteriores realizados e, estudou-se implantações e tipologias projectadas de
outros bairros.
Numa segunda parte do trabalho fez-se a reflexão sobre os conceitos inerentes à parte
prática das operações SAAL, obrigando a estudar casos práticos existentes no Porto,
revelando os seus autores, a paradigmática e o enquadramento urbano das intervenções
na cidade. Estudaram-se as operações na Maceda, em São Vitor, em Massarelos e na
Bouça, de acordo com ordem de caracterização desde a implantação, ao sistema
construtivo, especificando os conceitos assumidos e neste sentido, por fim explicando o
critério para a selecção dos casos em estudo.
O objectivo deste trabalho foi centrado na exploração das operações SAAL, ao
estudar o passado da habitação social em Portugal, pretendeu-se eventualmente
contribuir para o entendimento do programa da habitação social no panorama da
arquitectura portuguesa. Revelou-se as suas condicionantes, as opções e as escolhas que
permitiram executar na prática os respectivos programas ideológicos.
1
Programa tutelado pelo MFA (Movimento das Forças Armadas) iniciado a 6 de Agosto de 1974 por
despacho conjunto do Ministério de Administração Interna e da Secretaria de Estado da Habitação e
Urbanização (SEHU) com as premissas de dar resposta à população na sua luta pelo «direito à habitação».
III |
6. ABSTRACT
This essay intends to conduct a study on a specific housing program carried out in
Portugal, with fundamental study of deployments and their surroundings, typologies and
the adopted concepts to the projects involved in the SAAL 2 (Outpatient Services of
Local Support). The work is divided into two parts, the first part focuses on theoretical
analysis of what is behind the SAAL operations, while the second part focuses on the
analysis of the practical component of SAAL projects carried out in Oporto.
The first part of the study undertook the framework of the SAAL national historic
prospect, aiming to contextualize what had already been performed at the level of social
housing in Portugal. It became essential to specify the previous conducted programs and
to study how other districts have been deployed and what typologies projected.
The second part of the work shows a reflection on the concepts inherent to the
practical operations of SAAL, compelling a study on the practical case of Oporto,
revealing their authors and the paradigmatic framework of urban interventions in the
city. We studied the operations in Maceda, in St. Victor, in Massarelos and in Bouça,
according to the order of characterization from the establishment to the construction
system, specifying the adopted concepts, and finally announcing the reasons for the
selection of the project.
The focus of this work is on the exploration of the SAAL operations, studying the past
of social housing in Portugal, aiming to specify and analyze the social housing program
within the panorama of Portuguese architecture. This project will also reveal which
constraints, options and choices allow to run the program on a practical level.
2
Program overseen by the MFA (Armed Forces Movement) started August 6, 1974 by a joint Ministry of
Interior and the Secretary of State for Housing and Urbanization (SEHU) to the premises to meet the
people in their struggle for "right to housing ".
IV |
7. PALAVRAS-CHAVE
Politica Habitacional
Bairro
Revolucionar
Intervir
Urbanizar
Projectar
Implantar
Conceitos
Cidade do Porto
KEY WORDS
Housing Policy
Neighborhood
Revolutionize
Intervene
Urbanizing
Design
Implementation
Concepts
Oporto City
V|
9. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
INTRODUÇÃO
ENQUADRAMENTO AO TEMA
A problemática que a habitação social criou no passado e que actualmente está a
criar, faz-nos pensar que é um problema por resolver. Dessa forma, é importante uma
reflexão urgente sobre este tema e, acima de tudo, estudar o que está para trás neste
âmbito para se tirar elações para o futuro. O tema das Operações SAAL enquadram-se
numa perspectiva social que pode ser revelada em duas vertentes, uma relacionada com
casos práticos existentes e outra direccionada às teorias que envolvem toda a
componente da habitação social. A habitação é um problema social que tem associado a
si diferentes características, nas quais constam as preocupações que alguns fenómenos
sociais criam ou têm vindo a criar em quase todas as políticas de habitação adoptadas. A
prática dos projectos SAAL está inserida no panorama arquitectónico português, datada
de 1974/76, surgindo num período revolucionário e que têm como alavanca novas
ideologias. As operações realizadas ainda estão pouco estudadas e não se pode afirmar o
peso que teve na arquitectura de Portugal, porém revelou-se ser um programa inovador,
que ao nível da cidade do Porto permitiu projectar cidade, e para a cidade.
2|
10. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
OBJECTIVOS/MOTIVAÇÕES
A escolha do tema teve como ponto de partida o interesse pessoal pela matéria a
estudar. Os problemas que a habitação social tem criado e que ainda podem criar são
factores relevantes e interessantes que vão proporcionar uma melhor compreensão sobre
a habitação social. Dessa forma, é claramente instigador perceber o que é o bairro social
de hoje e a minha experiência pessoal direcciona-me para o estudo de casos práticos do
Porto. Sempre estudei no Porto e estive muito perto da realidade que está inerente à
habitação social, e desde que iniciei o ensino de artes tive grande interesse sobre este
tema revelando-se, em termos pessoais, um tema construtivo, relevante e interessante.
Além do mais, posso enquadrar as operações SAAL no âmbito da sociologia urbana,
mas acima de tudo, permite estudar o programa SAAL de uma forma arquitectónica,
olhando os projectos para a cidade, de uma forma distanciada, e para, os projectos ao
nível da execução de propostas. A matéria que este tema vai permitir estudar soluções
diversificadas, formas diferentes de encarar o mesmo problema, permite perceber as
condicionantes sociais e disciplinares, as obras de referência para os autores e as opções
tomadas em todo o processo. A possibilidade de enriquecimento pessoal, a utilidade de
alertar para um problema real, que por certo vai continuar a existir, torna este tema um
desafio bastante aliciante.
3|
11. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
ÂMBITO (DELIMITAÇÃO)
O estudo da habitação social, em Portugal, e até do caso concreto das operações
SAAL apresentam muitas e diversas matérias, porém, é importante balizar o conteúdo
da tese. Posto isto, é de referir que é pretendido, acima de tudo, realizar ou centrar a tese
apenas nas operações SAAL que se realizaram na cidade do Porto. Assim sendo, os
limites de toda a tese será ao nível do Porto tendo como preocupação referir casos
práticos que estão inseridos nesta cidade, pretendendo também, apresentar conteúdo ao
nível teórico às práticas aplicadas. O conteúdo será delimitado no âmbito do estudo das
materiais inerentes à operação SAAL e a todo o enquadramento histórico e social
envolvente pela datação da própria operação. Os limites das matérias a estudar serão
apresentados pela datação das operações SAAL, isto é, como as operações decorrem
num determinado e específico período de tempo, será essa mesma delimitação ou a
baliza de toda a tese a desenvolver. Ao nível do espaço físico a delimitação será
aplicada à cidade do Porto e às operações que se realizaram nesta cidade.
ESTUDO DA ARTE
O tema é específico, porém, a informação, as matérias escritas, os artigos, os livros e
as teses sobre as Operações SAAL são inúmeras e tornam-se, por isso, importante fazer
4|
12. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
uma selecção rigorosa de quais os exemplos a adoptar e que servirão de base. Numa
vertente mais sociológica, enquadrada ao nível da habitação social e seguindo uma
ordem cronológica, é de referir nomes como Mário Brochado Coelho, assim como, em
matérias inerentes a esta temática, destaca-se também Boaventura de Sousa Santos1,
Isabel Guerra, Marielle Christine Gros1, Margarida Coelho1, Manuel C. Teixeira1,
Carlos Nunes Silva1, Maria Rodrigues1, José António Bandeirinha1, Virgílio Borges
Pereira1, Vasco Cardoso1 e Fátima Loureiro Matos1. Numa vertente que aproxima as
teorias envolventes da operação SAAL e as práticas operativas adoptadas, surgem
nomes como o Nuno Teotónio Pereira, Manuel Tainha, Alcino Soutinho, Álvaro Siza
Vieira1, Nuno Portas1, Luís Trigueiros1, Pedro Ramalho, Adalberto Dias, Mário
Trindade, João Godinho, José Pulido Valente, Manuel Lessa, Rolando Torgo, Manuel
Fernandes de Sá, Fernando Távora, Carlos Prata, José Manuel Gigante, Sérgio
Fernandes, Manuel Correia Fernandes, Francisca Faria1, Maria Leitão1 e Eduardo
Fernandes.1
METODOLOGIA
Da teoria à prática é o que é pretendido analisar, descrever e estudar os projectos
SAAL realizados, apesar de não serem abdicadas as características sociais que levaram
1
Ver bibliografia de cada autor no capítulo das Bibliografias nas p. 121, p.122 e p.123
5|
13. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
a uma ideologia das operações SAAL.
Na tese a desenvolver é pretendido apresentar um estudo que vai desde a matéria
teórica até à utilização em casos práticos. Com isto, tenta-se perceber todos os dados
que rodearam o programa SAAL, para que se possa ter uma opinião crítica mas, acima
de tudo, construtiva e evolutiva. Numa primeira parte traça-se a contextualização
teórica, estudando o projecto em causa numa datação específica, delimitada pelo
período das operações SAAL. É importante este estudo, baseado na habitação social
pois, é a partir dele que vai ser permitido entender o que no passado se elaborou em
termos arquitectónicos em Portugal. A noção de que o poder político esteve sempre a
par e, de certa forma, a controlar a habitação social é relevante para se compreender os
programas que foram executados durante diferentes épocas, ao nível da arquitectura em
Portugal. É necessário entender como e quando surge o SAAL, especificar a carga
política inerente a este programa, assim como, é relevante anunciar a estrutura orgânica
do programa e revelar a importância do SAAL/Norte, principalmente para a cidade do
Porto. O estudo dos antecedentes da habitação social praticada no Porto é importante
para se perceber as raízes do SAAL, para este facto é pretendido estudar o que fora feito
no Estado Novo, depois do 25 de Abril de 1974 e a nova ideologia do «direito ao
lugar».
6|
14. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Numa segunda parte é pretendido especificar qual o contributo do SAAL para a
cidade do Porto e, para isso, realiza-se um trabalho mais prático de pesquisa
enumerando os casos realizados, ou não, do projecto SAAL, sendo feito a nível local
apenas no distrito do Porto, estudando depois, quatro casos práticos executados. Os
projectos a estudar são executados no centro do Porto, nomeadamente o bairro na
Maceda, o bairro em São Vitor, bairro em Massarelos e bairro na Bouça. É importante
fazer-se uma reflexão sobre diversas respostas arquitectónicas, às várias implantações
dos projectos, assim como, fazer uma descrição dos conjuntos ou dos volumes
construídos, especificar os conceitos adoptados, descrever sumariamente os sistemas
construtivos e, explicar a escolha de cada operação escolhida. A intenção deste estudo é
tentar entender qual o espaço deste programa na arquitectura portuguesa, quais os
pontos essenciais que os projectos executados trouxeram para a arquitectura Portuguesa.
Por fim, a conclusão pretende entender todo o processo ao nível do SAAL, mais
especificamente do SAAL/Norte, estudando a sua evolução temporária, analisando
projectos realizados, as suas componentes desenhadas, as vertentes sociais e o seu
enquadramento dentro do SAAL. A vertente teórica não se esgotará, assim, em
conceitos vagos, sistemáticos e sem coerência, pelo contrário, estará sempre associada à
vertente prática, pretendendo demonstrar os projectados e as obras executadas.
7|
15. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Parte I – Contexto histórico das Operações SAAL
I.1 – Inicio das Operações SAAL
I.1.1 - Surgimento das Operações SAAL
8|
16. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 1 - Porto, Rua de S. Vitor – principais tipologias de “ilhas”
←1
Portugal deparou-se com graves problemas ao nível da habitação social, que foram
criados, ao longo do tempo, devido a más políticas habitacionais aplicadas. De facto, as
diversas tentativas de aplicar modelos diversificados com a evidente intenção de
combater esse problema habitacional não proporcionaram efeitos práticos satisfatórios
como refere Marielle Christine Gros (1994):
―(…) O Estado Novo não implementou medidas consistentes que permitissem
contrariar os mecanismos estruturais que propiciaram a «crise da habitação»: as
condições da produção dos alojamentos, por um lado; as condições de remuneração
da força de trabalho, por outro. (…)‖2.
Na verdade o que se verifica é que com o passar dos anos, em meados de 1900, a
procura pela habitação é tanta, que existe uma lotação excessiva na cidade do Porto e
consequentemente uma acentuada degradação do edificado, criando um problema ao
nível da higiene e da segurança. Essa procura associou-se a um fenómeno populacional,
no qual foi evidente a deslocação de milhares de pessoas do meio rural para a cidade do
Porto na procura de trabalho e melhores condições de vida. Associado, também, a esse
2
GROS, Marielle Christine. 1982. O Alojamento Social sob o Fascismo. “«Pequena» história do
alojamento social em Portugal” . Afrontamento. Porto. 1994. p.88
9|
17. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 2 – Tipos principais de entradas de “ilhas”
Imagem 3 – Tipologias tipo de “ilhas” construídas
←2
3→
fenómeno está a evolução e o aumento da indústria no centro do Porto, tendo como
consequência a deslocação da população para o centro da cidade, dando origem á
construção de “ilhas” (ver anexo 1) no interior dos quarteirões, foram construídas
habitações precárias na tentativa de abrigar toda a população fabril. Segundo Fátima
Loureiro de Matos e Rosa Maria Veloso Vieira Rodrigues (2009):
―(…) As ilhas surgiram como uma resposta ao aumento da procura de habitação de
baixo custo. Só começaram a ser construídas após a saturação dos velhos edifícios
do centro histórico e quando a crescente imigração para a cidade do Porto exigiu
uma nova solução para abrigar a classe trabalhadora, com modestos recursos
económicos (…) as condições de vida das ilhas eram e continuam a ser muito más,
dadas as suas características construtivas, à sobreocupação, à existência de
instalações sanitárias comuns, à falta de saneamento básico, de água quente e
degradação física. (…)‖3.
Era essencial tomar medidas ao nível da habitação, para melhorar as condições de
vida da população mais desfavorecida. Porém todas as medidas tomadas para tentar
melhorar o panorama da habitação social revelaram-se insuficientes e insatisfatórias, o
3
MATOS, Fátima Loureiro de; RODRIGUES, Rosa Maria Veloso Vieira. 2009. As ilhas do Porto:
lugares e resistência. Minas Gerais: Universidade Federal de Uberlândia Observatorium: Revista
Electrónica de Geografia, v.1, n.1. Jan. 2009. p.37
10 |
18. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 4 – Fotografia do bairro das Condominhas (Estado – Novo), 1934/35
Imagem 5 – Implantação do bairro das Condominhas
←4
←3
5→
panorama foi sendo cada vez mais negro e a situação foi agravando de década em
década. Sem dúvida os problemas associados á habitação social foram persistindo ao
longo do tempo, porém, desde o inicio do séc.XX foram elaboradas diversas tentativas,
e algumas delas aplicadas pelo Estado Novo para combater este flagelo. Uma dessas
políticas é a dos Bairros das Casas Económicas4 (BCE) (ver anexo 3) e inicia-se em
meados de 1933, sendo elaborada pelo Estado Novo, o estado deixava tudo nas mãos
dos privados, apenas fiscalizava-os; atraia privados e por fim, comprava e fazia a
distribuição dos terrenos. Para Carlos Nunes Silva (1994):
―(…) Em 1928, o governo retomou a ideia da casa económicas, que a 1ª República
estabelecera em 1918, casas unifamiliares para as classes menos abastadas (…)
Neste programa, casa económica era uma «casa isolada para uma só família» e
seria arrendada em regime de renda resolúvel. O modelo urbanístico e
arquitectónico foi o modelo inglês, como, explicitamente, se afirma no diploma que
4
O programa dos Bairros das Casas Económicas torna-se relevante referir devido ao facto de ser um
programa levado a cabo pelo Estado, no qual evidência a característica tipológica de espaços reduzidos,
mínimos e de baixa qualidade. Demonstra uma característica tipológica semelhante as Operações SAAL,
o paralelismo é evidente, e os programas convergem neste ponto.
11 |
19. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 6 – Planta tipo A, programa das casas económicas (Estado – Novo)
Imagem 7 – Corte tipo A, programa das casas económicas (Estado – Novo)
←6
7→
criou o programa: «facilitar a construção de habitação independente e ajardinada,
semelhante às de Inglaterra» (…)‖5.
Durante esse período de tempo surgem propostas para a resolução da habitação
operária, nomeadamente habitação unifamiliar e habitação colectiva. Duarte Pacheco
surge como defensor da habitação unifamiliar (concentração operária), revelando que “a
casa individual aglutinante, social forte, estável e duradouro (…) apresenta traços
constituídos tanto na natureza humana como na cultura portuguesa”6 , na sequência
desta lógica, Teófilo Pereira afirma que “enquanto as casas unifamiliares são «os lares
próprios, a cujo fogo se aquece o amor da família e se robustecem os laços da vida
moral” 7 , ideias estas, que se associam às pretensões do Estado Novo de criar um
modelo social, urbanístico e arquitectónico baseado na família como elemento central.
5
SILVA, Carlos Nunes. 1996. Mercado e Políticas Públicas em Portugal: A Questão da Habitação na
Primeira Metade do Século XX. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa. Análise Social.
Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.659-660
6
Duarte Pacheco, Discurso de 27/1/1934. Retirado de GROS, Marielle Christine. 1982. O Alojamento
Social sob o Fascismo. “«Pequena» história do alojamento social em Portugal” . Afrontamento. Porto.
1994. p.88
7
P. Teófilo Pereira, Discurso de 10/3/1935. Boletim do INTP, 15/3/1935. Idem.
12 |
20. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 8 – Plantas e Corte tipo C-D, programa das casas económicas (Estado – Novo)
←8
Surgem propostas de habitação colectiva, sempre rejeitadas pelo regime, como o
projecto do bloco do Saldenha no Porto que “chocava frontalmente com a ideologia do
Estado Novo em matéria de habitação (…) um bloco de apartamentos com vários
andares, em forma de U e com um pátio interior, era exactamente o oposto dos modelos
de habitação favorecidos pelo regime”8. As ideologias defendidas pelo Estado Novo
rejeitam propostas como a do Saldanha e surgem críticos como Manuel Vicente Moreira
defendendo que “o bloco, ou grande casa colectiva é, por essência, contrario à
natureza humana e portuguesa”9.
O Estado Novo, como refere Carlos Nunes Silva (1994) vai basear-se nas ideias de
Ebenezer Howard, nomeadamente no modelo da cidade jardim10 (ver anexo 5):
8
TEIXEIRA, Manuel C. 1996. Habitação Popular na Cidade Oitocentista - As Ilhas do Porto. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. Análise
Social. Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.82
9
MOREIRA, Manuel Vicente. 1950. Problemas de habitação – Ensaios Sociais. Lisboa
10
As “cidades jardins” surgem no século XX idealizadas por Ebenezer Howard e caracterizam-se pela
utilização da casa unifamiliar como elemento principal de urbanização na extensão espacial da cidade
dando relevância à índole rural.
13 |
21. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 9 – Diagrama da Cidade Jardim nº1
Imagem 10 - Diagrama da Cidade Jardim nº2
←9
10 →
―(…) Neste programa, casa económica era uma «casa isolada para uma só família»
e seria arrendada em regime de renda resolúvel. O modelo urbanístico e
arquitectónico foi o modelo inglês, como, explicitamente, se afirma no diploma que
criou o programa: «facilitar a construção de habitações independentes e
ajardinadas, semelhantes às que em Inglaterra – propriedade das famílias – têm
produzido interessantes efeitos». (…)‖11.
Torna-se imperativo salientar a política das casas económicas, não só devido á carga
política á qual esta estava associada, mas também devido às inovações habitacionais e
arquitectónicas reveladas. Segundo Carlos Nunes Silva (1994):
―(…) casas económicas de 1933 definiu os parâmetros fundamentais da intervenção
do Estado na promoção da habitação social, com vista à «solução do problema da
habitação das classes trabalhadoras». O Estado assumiu deste modo um maior
protagonismo na questão da habitação e na questão conexa da urbanização, criando
as condições necessárias ao relançamento de acumulação. Aquele programa de
habitação social foi uma síntese dos programas ensaiados anteriormente e teve
11
SILVA, Carlos Nunes. 1996. Mercado e Políticas Públicas em Portugal: A Questão da Habitação na
Primeira Metade do Século XX. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa. Análise Social.
Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.660
14 |
22. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 11 – Planta de localização do bairro nas Antas (SAAL)
Imagem 12 – Planta de piso tipo do bairro nas Antas (SAAL)
← 11
12 →
como modelo, uma vez mais, o modelo britânico da cidade-jardim. (…)‖12.
O modelo da “cidade jardim” adequa-se às pretensões do Estado Novo devido ao
“ideal sustentado na casa unifamiliar (…) sujeito sobretudo a motivos políticos e
económicos (…) caracterizada por uma esquematização estagnadora e uma
formalização arquitectónica assente no pitoresco (…) ideologia ―racionalista‖ do
regime, impõe-se como normativa representativa de um modelo social (…) ” 13 . As
preocupações que estavam associadas á política das casas económicas passavam por
razões de ordem social, tendo como intuito combater um fenómeno urbano crescente,
nomeadamente, a inúmera construção de ilhas e pátios no interior de quarteirões criando
habitações para operários.
O programa dos Bairros das Casas Económicas foi aplicado dentro do âmbito de
politicas habitacionais levadas a cabo pelos governos, bem ou mal, sujeito a criticas, a
verdade é que pôde ser entendido pelos intervenientes das operações SAAL como
referência e, encarado como um ponto de partida para novas mediadas aplicadas. O
facto de existir um processo evolutivo, ao nível de politicas na área da habitação,
12
idem p.662-663
13
FIGUEIREDO, Edite. 2005. ODAM: Valores Modernos y la confrontación con la realidad productiva,
tese de doctorado. ESTAB. p.40
15 |
23. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 13 – Planta de localização do bairro em S. Vitor (SAAL)
Imagem 14 – Desenho do bairro em S. Vitor (SAAL)
← 13
14 →
proporciona uma certa base de sustentação para uma operação futura, podendo ser
entendido então, um ponto-chave o passado da politica habitacional aplicada pela
Ditadura Militar e pelo Estado Novo. A iniciação das operações SAAL insere-se nas
políticas levadas a cabo após a revolução 25 de Abril de 1974. Segundo Margarida
Santos Coelho (1986):
―(…) O Despacho Conjunto MAI-MESA, que criou o SAAL, aprovou em 31 de Julho
de 1974, a organização de um corpo técnico especializado designado por ―Serviço
de Apoio Ambulatório Local‖ (SAAL), destinado a apoiar as iniciativas de
populações mal (…)‖ 14.
Pode dizer-se que a 31 de Julho de 1974 conjugaram-se indicações para a ajuda do
Estado, a planos pretendidos pelos moradores de bairros degradados e para o apoio
específico às autarquias locais, nomeadamente, acções que decorreram nos chamados
“bairros de lata”, muitas vezes localizados na periferia da cidade de Lisboa, ou nas
denominadas “ilhas” do Porto, onde existia uma grande precariedade e uma decadência
habitacional grave, na verdade “no dia 31 de Julho de 1974, foram promulgadas
directivas para o apoio às autarquias locais e da ajuda do estado às iniciativas dos
14
COELHO, Margarida Santos. 1986. Uma experiência de transformação no sector habitacional do
Estado SAAL - 1974-1976. Revista Crítica de Ciências Sociais. - nºs 18, 19, 20, Fev. 1986. p.34
16 |
24. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 15 – Planta de localização do bairro na Boavista (SAAL)
Imagem 16 – Planta tipológica do bairro na Boavista (SAAL)
← 15
16
16 →
moradores dos bairros degradadas. Estas acções desenvolvem-se de preferência, nos
chamados ―bairros de lata‖, localizados na periferia da cidade de Lisboa, e nas
denominadas ―ilhas‖ da cidade do Porto, onde a situação habitacional se reconhece
ser da maior gravidade. 15 Estando assim, lançadas premissas importantes para a
iniciação de um novo programa que, de certa forma, iria defender os interesses dos
moradores, tentando colmatar carências existentes. O facto, é que, o Serviço
Ambulatório de Apoio Local (SAAL) foi elaborado em 6 de Agosto de 1974 como
descrevem João Arriscado Nunes e Nuno Serra (2003):
―(…) A 6 de Agosto de 1974, um despacho conjunto do Ministério de Administração
Interna e da Secretaria de Estado da Habitação e Urbanismo (SEHU) determinava a
criação de uma entidade designada por «Serviço Ambulatório de Apoio Local»,
como parte de (…) iniciativas no domínio das políticas de habitação. (…)‖16.
Esta operação revela-se uma iniciativa inovadora no âmbito das políticas de
habitação, apresentando um programa sem dúvida inovador, tendo como principal
objectivo uma melhoria significativa na forma de habitar.
15
PORTUGAL. Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção. 1976. O problema da habitação:
análise sectorial: programas de acção em 74-75 : princípios de orientação futura. Lisboa. MHUC.
16
SANTOS, Boaventura de Sousa. 2003. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa. Edições Afrontamento. Porto. Textos de João Arriscado Nunes e Nuno Serra. p.230-231
17 |
25. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
I.1.2 – Carga política/social das Operações SAAL
←1
18 |
26. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 17 – Imagem ilustrativa do regime da Ditadura Militar
Imagem 18 – Imagem ilustrativa do regime do Estado Novo
← 17
18 →
19
Para se entender melhor a carga política que envolviam as políticas de habitação
económica é importante enquadrar o panorama nacional ao nível do que se propunha
sobre a habitação social, deste modo, apesar de serem períodos simultâneos, o tempo
passado remete-nos para a Ditadura Militar na década 20 até década 30, e para o Estado
Novo na década 30 até década de 40. Importa referir Carlos Nunes Silva pois afirma que
existem:
―(…) duas conjunturas distintas, no plano politico, económico e urbanístico: a
ditadura militar (1932-1936) e os primeiros anos do Estado Novo (1933-1945).
Representam dois períodos diferentes quanto ao papel atribuído ao Estado e ao
mercado na questão da habitação. (…)‖17
pode-se concluir, que estes dois períodos tem características próprias, entendimentos
diferentes em relação à problemática da habitação. São dois períodos que propõe
diferentes políticas de habitação, mas com o mesmo intuito, querer acabar com o flagelo
das habitações degradadas, apresentando muitas delas, uma enorme insalubridade, e
falta de condições mínimas.
17
SILVA, Carlos Nunes. 1996. Mercado e Políticas Públicas em Portugal: A Questão da Habitação na
Primeira Metade do Século XX. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa. Análise Social.
Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.656
19 |
27. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 19 – Planta de implantação do bairro da colónia Estêvão Vasconcelos (Ditadura Militar)
← 18
19
DITADURA MILITAR
Num primeiro período, durante a Ditadura Militar, o problema da habitação foi tido
em conta devido à pressão exercida pela classe operária que lutava contra a falta de
habitação nas grandes cidades, dessa forma ―o regime republicano, confrontado com a
crescente vaga de movimentos sociais e de greves, viu-se obrigado a contemporizar
com as classes operárias, que constituíam um segmento importante da sua base social
de apoio. Neste contexto, a habitação tornou-se uma questão política importante.‖18.
De facto os governos propuseram propostas concretas para a resolução da habitação
social, segundo Marielle Christine Gros (1994):
―(…) O primeiro programa que procurou implementar a participação financeira
directa do estado na construção de «bairros sociais» data de 1918/1919 (…) Este
programa acabou, no entanto, por se saldar num completo fracasso (…) A falta de
disponibilidade financeira do próprio Estado parece ter constituído uma das
18
TEIXEIRA, Manuel C. 1996. Habitação Popular na Cidade Oitocentista - As Ilhas do Porto. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. Análise
Social. Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.76
20 |
28. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 20 – Planta de implantação do bairro em Manuel Laranjeira (Ditadura Militar)
← 20
principais causas próximas do falhanço (…)‖19.
Durante a Ditadura Militar foram todas medidas sobre a habitação social em
Portugal, a classe operária precipitou o estado a tomar medidas que se revelaram
importantes por serem as primeiras. Na verdade, os programas adoptados mostraram-se
insuficientes devido à conjuntura económica do país à data, sentia-se ―a fraca
industrialização da economia portuguesa, com a baixa taxa de urbanização. Estas duas
características estruturais tornaram menos premente do que em outros países europeus
a existência de uma política de habitação, e dai o número reduzido de fogos
construídos.‖20.
A tentativa de resolução do problema ao nível da habitação ficou longe de estar
resolvido durante este período da Ditadura Militar, porém revelou-se um passo
importante para futuras bases na política de habitação pois foi o ponto de partida
concreto do estado para elaborar programas específicos na área da habitação.
19
GROS, Marielle Christine. 1982. O Alojamento Social sob o Fascismo. “«Pequena» história do
alojamento social em Portugal” . Afrontamento. Porto. 1994. p.81
20
SILVA, Carlos Nunes. 1996. Mercado e Políticas Públicas em Portugal: A Questão da Habitação na
Primeira Metade do Século XX. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa. Análise Social.
Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.656
21 |
29. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 21 – Planta de implantação do bairro no Amial (Estado Novo - BCE)
← 21
ESTADO NOVO
À posteriori, passado uma década, assumido o Estado Novo, é um facto, que como
atesta Manuel C. Teixeira (1994):
―(…) A política habitacional do Estado Novo era fundamentalmente dirigida às
classes médias, a sua principal base de apoio, ainda que no discurso oficial se
procurasse dirigir às classes trabalhadoras. Ainda em 1933 o governo cria um
programa de habitação de casas económicas. (…)‖21.
Este programa pode ser entendido como um ponto de partida para uma política com
preocupações e pretensões reais de resolução de uma problemática habitacional. O
programa do Bairro das Casas Económicas 22 (BCE) torna-se importante pois mostra,
evidentemente, as reais preocupações que envolvem a habitação social, não só existe a
preocupação inerente á carga social que acarreta mas, também pela parte que envolvente
a arquitectura propriamente dita.
21
TEIXEIRA, Manuel C. 1996. Habitação Popular na Cidade Oitocentista - As Ilhas do Porto. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. Análise
Social. Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.80
22 |
30. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 22 - Planta de implantação do bairro em S. Roque (Estado Novo - BCE)
← 22
O Estado Novo inicia o programa dos Bairros das Casas Económicas de acordo com
premissas lançadas no Decreto nº 16055, de 22 de Outubro de 1928:
―(…) São consideradas casas económicas (…) ao alojamento das classes pouco
abastadas, sejam construídas dentro de dez anos, contados da data da sua
publicação e satisfaçam cumulativamente aos requisitos seguintes: (1º) não
excederem na sua construção o custo máximo de 350$00 por metro quadrado
coberto e por andar habitável; (2º) serem construídas de alvenaria de pedra e cal,
tijolo ou adôbo, cimento ou cimento armado; (3º) reuniram todas as condições de
solidez, duração, conservação, isolamento e impermeabilidade e de higiene moderna
e conforto, sendo preferidas as de construção anti-sísmica; (4º) terem atestado
oficial de casa económica, passado pela comissão de casas económicas (…)‖23.
OPERAÇÕES SAAL
O surgimento das operações SAAL está associada á revolução do 25 de Abril e á
capacidade de o povo mudar. Na verdade as operações SAAL revelaram-se muito
23
SILVA, Carlos Nunes. 1996. Mercado e Políticas Públicas em Portugal: A Questão da Habitação na
Primeira Metade do Século XX. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa. Análise Social.
Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.650
23 |
31. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 23 - Planta de implantação do bairro em Chaves de Oliveira (SAAL)
← 23
importante para a construção de habitações para a população local de baixo recurso,
podendo ser consideradas uma bandeira para a luta travada pela liberdade de expressão,
pela luta travada pelo povo e pelos movimentos associativos criados, a operação
acarretou, desde sempre, uma simbologia especial para o povo carenciado, e de certa
forma, foi vista como uma esperança para a nova democracia. Essa ideologia levou a
que, no início, fossem elaboradas diversas reuniões em estreita ligação entre moradores
e associações de moradores com vários arquitectos conceituados, sendo assim
pretendido que o entendimento conjunto passasse de um mero ―(…) instrumento de
denominação social para um campo de exercícios de formas de democracia directa.
(…)‖ 24 como refere Marielle Christine Gros (1994), acrescentando também que a
operação SAAL:
―(…) Tentou, igualmente, opor-se à construção de um subhabitat em termos
arquitectónicos e procurou, em consequência, ganhar a participação de arquitectos
conceituados. Reconheceu, enfim, os moradores localmente organizados em
associações como parceiros decisivos das equipas técnicas pluridisciplinares
criadas numa perspectiva descentralizada. O desenvolvimento do processo de
concepção, planeamento, construção e gestão dos novos espaços residenciais, em
24
GROS, Marielle Christine. 1982. O Alojamento Social sob o Fascismo. “«Pequena» história do
alojamento social em Portugal” . Afrontamento. Porto. 1994. p.88
24 |
32. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 24 - Planta de implantação do bairro no Leal (SAAL)
← 24
estreita interacção com os moradores, visava, pelo menos, no plano das intenções,
garantir uma efectiva apropriação destes espaços pelos seus futuros utentes. (…)‖ 25.
As operações SAAL permitiram uma nova forma de “estar” social no enquadramento
da problemática da habitação, era, sem dúvida, um ganho a inclusão das opiniões dos
moradores nas opções e decisões importantes a tomar na projecção de novas habitações.
Fora na base deste entendimento entre técnicos em diversas matérias da habitação e
os moradores que, se evoluiu na preparação de programas, definição de novas
perspectivas politicas habitacionais, esclarecimentos efectivos das matérias a aplicar e a
especificação de como intervir:
―(…) em resumo, no estabelecimento da futura politica habitacional obter-se-á, por
força das disposições tomadas, uma acentuada participação dos cidadãos,
encarados estes, nas suas varias inserções sócio-profissionais: como população
local activa (…) como população local, ainda, intervindo na fixação dos programas
habitacionais através dos seus representantes no concelho geral, que desempenhara
um papel na estrutura do MHUC; (…) como moradores, através da sua
25
GROS, Marielle Christine. 1982. O Alojamento Social sob o Fascismo. “«Pequena» história do
alojamento social em Portugal” . Afrontamento. Porto. 1994. p.88
25 |
33. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 25 - Planta de implantação do bairro no Lapa (SAAL)
← 25
representação nos órgãos regionais e locais que colaborarão na distribuição dos
fogos; (…)‖26
de facto, estas são as opções de base na politica habitacional nos anos 74/75. Os
programas que foram aplicados tentaram, desde logo, objectivar as acções de forma a
melhorar, ajudar e solucionar os problemas causados pela ausência de planos efectivos e
correctos ao nível da habitação social.
30
Denota-se, então, que os arquitectos convidados para este projecto fizeram reuniões
com as populações, ao mesmo tempo que se organizavam associações de moradores nas
quais se debatiam os problemas essenciais, porém, de alguma maneira, era ainda
evidente que a população tivera tanto tempo sem opinião própria que, as suas opiniões
tornavam-se demasiado iguais e sem qualquer sentido crítico, criando um impasse na
evolução de qualquer processo.
26
PORTUGAL. Ministério da Habitação, Urbanismo e Construção. 1976. O problema da habitação: 30
análise sectorial: programas de acção em 74-75 : princípios de orientação futura. Lisboa. MHUC.
26 |
34. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
I.1.3 – Estrutura Orgânica do SAAL
27 |
35. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
30
Imagem 26 – Esquema das operações SAAL (Elementos de intervenção)
← 26
A estrutura das operações SAAL teria, quase que, obrigatoriamente, ser orgânica,
isto é, apresentar uma forma de dirigir com uma total disponibilidade e com a
particularidade de permitir a ligação de diversos factores, de diversos intervenientes e,
até mesmo de diversas entidades, José António Bandeirinha (2007) afirma que:
―(…) o SAAL estava entregue a si próprio. O futuro iria balizar a sua emancipação
ou a sua orfandade, a sua rigidez ou a sua flexibilidade, a sua especificidade
vanguardista e revolucionária ou a sua capacidade de adaptação social (…)‖27
este processo SAAL, ao longo do tempo, foi-se adaptando a novas realidades, a novas
situações e novos contextos. As operações SAAL foram alvo de várias reuniões, de
vários seminários com o intuito de moldar as directrizes para o arranque, e para a
evolução de todo o processo.
Apesar de todas as reuniões efectuadas, e de todos os seminários realizados, a
verdade é que o processo esteve sempre relacionado a uma grande complexidade, tanto
27
BANDEIRINHA, José António. 2001. O Processo SAAL e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974,
Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade Arquitectura e Construção
apresentada à Universidade de Coimbra. p.246
28 |
36. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 27 - Esquema das operações SAAL (Programa)
← 27
a nível administro como a nível organizativo, de acordo com arquitecto José António
Bandeirinha (2007):
―(…) o SAAL e os seus serviços centrais começavam a transformar-se num quebra-
cabeças, não só pela dinâmica inusitada que impunham à rotina funcional mas
também pela imprevisível elasticidade orgânica que, a qualquer momento, lhe
conferia diferentes contornos e novas asserções. (…)‖28.
Torna-se, deste modo, evidente uma interligação de diversas entidades, esta situação
evidenciava a dificuldade de assegurar todas as vertentes associadas a essas mesmas
entidades, sendo crítico o facto de existirem demasiadas formalidades criadas pelos
aparelhos administrativos autárquicos.
De inicio, o processo mostrava-se demasiado burocrático, tornando-se difícil realizar
pedidos de declarações de utilidade pública e tornando possível a expropriação de
terreno, as formalidades envolvidas nos pedidos atrasavam os processos, além de
desmoralizarem os intervenientes.
28
BANDEIRINHA, José António. 2001. O Processo SAAL e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974,
Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade Arquitectura e Construção
apresentada à Universidade de Coimbra. p.145
29 |
37. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 28 - Esquema das operações SAAL (1ª Fase - Programa)
← 28
As operações SAAL revelaram-se difíceis de executar ao nível da legislação, as
normas criadas e os decretos-lei aplicados, não eram suficientemente satisfatório para
melhor organizar toda a operação, na verdade como referem João Arriscado Nunes e
Nuno Serra (2003):
―(…) (operação SAAL) estava ligada à promoção de uma plasticidade
organizacional, procurando experimentar modos flexíveis de organizar comissões ou
associações de moradores, de maneira a permitir que as formas de
institucionalização se adaptassem às especificidades locais. Esta plasticidade e
gradualismo na normatividade e regulamentação do SAAL foi contudo responsável,
em diversos momentos, pelo défice de legitimação jurídica do processo, não tanto
pela estratégia em si mesma, mas sobretudo pela fragilidade e ambiguidade da
conjuntura política então vivida. (…)‖29.
Como todo o processo era novo, percebem-se as dificuldades iniciais de ligação e
cooperação entre intervenientes, que de inicio, não se mostravam organizados. Porem
com o passar do tempo, com reuniões realizadas, comissões criadas e uma forte
organização participativa, o processo SAAL começara a fazer sentido.
29
SANTOS, Boaventura de Sousa. 2003. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa. Edições Afrontamento. Porto. Textos de João Arriscado Nunes e Nuno Serra. p.233
30 |
38. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 29 - Esquema das operações SAAL (Relação entre intervenientes)
← 29
Foram criadas as brigadas técnicas que tinham como função fazer a aproximação
entre arquitectos/moradores/técnicos, realizar o trabalho de campo no qual a
participação directa da população era o ponto-chave. Era pretendido uma construção
tecnicamente assistida, adequando a participação dos diversos intervenientes,
aproximando uma estrutura organizada, na qual os moradores assumiam um papel
fundamental na forma de intervir, existindo, por isso, uma relação directa de
aproximação como se pode constatar no excerto de texto de João Arriscado Nunes e
Nuno Serra (2003):
―(…) Desde muito cedo, estas movimentações populares captaram a atenção e a
imaginação de arquitectos, engenheiros, jovens estudantes e profissionais com
distintas formações cientificas e técnicas (…) o seu interesse pela cidade como lugar
privilegiado para a transformação social e para a exploração de novos caminhos
nos domínios da arquitectura e do urbanismo permitiu a criação de um amplo
espaço de convergência destes intelectuais específicos com os movimentos populares
e com as organizações de moradores (…)‖30.
30
SANTOS, Boaventura de Sousa. 2003. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa. Edições Afrontamento. Porto. Textos de João Arriscado Nunes e Nuno Serra. p.225
31 |
39. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 30 - Esquema das operações SAAL (Relação entre intervenientes - Projectos)
← 30
De facto a participação dos moradores e da população em geral, veio tornar-se uma
mais-valia para todo o processo SAAL. Nunca antes, se tinha visto uma intervenção tão
dinâmica, participativa e coerente, por parte dos interessados (população carenciada) e
por parte dos profissionais envolvidos nas várias fases do processo. Esta combinação
nunca foi fácil como relata Siza Vieira (2010):
―(…) um processo de participação move-se entre conflitos, tensões, choques,
entrega, saltos, paragens; compreende erros e também a sua crítica; acumula
experiências; tende à globalização. (...)‖31
porém revelara-se, tanto essencial para o sucesso, como também gratificante e
estimulante para arquitectos e técnicos profissionais estas conversas, debates e conflitos
com a população.
Na verdade, a tentação de assumir um programa importante como as operações
SAAL era muita, a nova experiência era do agrado de todos. A possibilidade de ajuda
de novos arquitectos para com a população mais desfavorecida era uma oportunidade
31
VIEIRA, Álvaro Siza. CASTANHEIRA, Carlos. 2001. As cidades de Álvaro Siza. Livraria
Figueirinhas. Lisboa. p.25
32 |
40. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 31 - Esquema das operações SAAL (Relação entre intervenientes - Terrenos)
← 31
única que não podia ser desperdiçada, mas a questão mais relevante neste processo, é a
sua capacidade de puder ter um certo impacto no futuro. A hipótese de trabalhar a
habitação social de uma forma inovadora, séria e coerente, era entusiasmante para
qualquer arquitecto ou técnico envolvido no processo, Siza Vieira (2010) revela que:
―(…) tive muito interesse messe processo, até porque tive, pela primeira vez, a
oportunidade de construir no centro da cidade, como em S. Victor (…)‖32
a aproximação à população mostrava-se um desafio, tornava-se importante ter reuniões
e discussões com temas concretos, reflexões sobre arquitectura e toda a sua componente
ideológica, continua Siza Vieira dizendo:
―(…) não houve muito tempo, mas tínhamos reuniões com muitas pessoas e a
determinada altura o que se estava a discutir não era a ligação de cada cozinha mas
a vida pública, os espaços públicos, a cidade. (…) Há pouco acesso ao processo
total da arquitectura porque as pessoas não têm capacidade económica (…)‖33
a arquitectura passa, assim, a ser o tema central de todo o processo SAAL, as
populações apercebem-se que o processo é delas.
43
32
VIEIRA, Álvaro Siza. 2010. Revista “Arquitectura 21” – Sizaless nº9 Janeiro/Fevereiro 2010.
Entrevista concedida a José Romano e João Afonso. p.24
33
Idem. p.24
33 |
41. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
I.1.4 – Aparecimento do SAAL/Norte
34 |
42. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 32 – Cartaz alusivo aos movimentos dos moradores
Imagem 33 – Fotografia de uma manifestação dos moradores
← 32
33 →
45
As operações SAAL tiveram um grande impacto no norte do país existiu um enorme
envolvimento das populações, uma maior colaboração entre moradores e arquitectos,
uma organização exemplar das brigadas técnicas e, acima de tudo, uma força de vontade
que impulsionou as operações para futuros projectos. José António Bandeirinha (2007)
refere que:
―(…) Houve no Porto, e desde muito cedo, a intuição de que o projecto poderia
desempenhar um papel central e aglutinador, dentro do âmbito mais vasto do
processo. Mais do que ser um, entre outras, etapas, esperava-se, quase
instintivamente, que o projecto pudesse incorporar a síntese de novas condições
sociais, de uma nova ordem urbana e, segundo esse ponto de vista, ter uma função
que podia também ser decisiva. (…)‖34
como é evidente neste texto, surge a ideia de que com o esforço conjunto de técnicos
especializados e da população que vivia em condições degradas, existia a oportunidade
de ―aplicação de novos direitos e de novas condições de vida centradas (…) na
34
BANDEIRINHA, José António. 2001. “O Processo SAAL e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974”.
Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade Arquitectura e Construção
apresentada à Universidade de Coimbra. p.131
35 |
43. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 34 – Fotografia dos técnicos envolvidos nas operações SAAL
← 34
exigência de uma habitação decente‖ 35 . Sustentando esta ideia de novas vivências
dignas, está um novo programa orientado para resolver o problema criado pela
existência de muitas habitações precárias, na qual, a principal característica se
evidenciava pelo inovador aproveitamento da dinâmica instaurada por organizações de
moradores e de técnicos, pela envolvência de sectores do estado, nomeadamente
departamentos e bases locais, assim como pela participação de organizações partidárias
e políticas. Nunca antes tinha existido uma cumplicidade tão grande entre moradores,
arquitectos, estudante e o estado.
De facto, o que se pode entender, é que, com estas operações era pretendido
solucionar os problemas da habitação social e, ao mesmo tempo, dar um maior papel
participativo aos moradores. É neste âmbito que se percebe o entendimento entre
moradores e arquitectos, percebendo-se então, que o papel dos arquitectos e outros
intervenientes é extremamente importante, tendo a responsabilidade de formar brigadas
de intervenção. José António Bandeirinha (2007) lança alguns nomes relevantes de
arquitectos ligados às brigadas das operações SAAL:
35
SANTOS, Boaventura de Sousa. 2003. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa. Edições Afrontamento. Porto. Textos de João Arriscado Nunes e Nuno Serra. p.221
36 |
44. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 35 – Porto, plenário dos moradores no Palácio de Cristal, 13/09/1975
← 35
―(…) Foi assim que, para a composição destas brigadas, começaram num primeiro
momento a surgir os nomes de Alcino Soutinho, Pedro Ramalho, Manuel Leisa,
Domingos Tavares, Mário Trindade, Sérgio Fernandes, Alfredo Matos Ferreira,
Carlos Guimarães, Fernando Seixas, Manuel Correia Fernandes, Francisco Melo e
António Moura. (…)‖36.
Interessante foi o facto de o SAAL/Norte estar muito ligado aos movimentos dos
moradores e das lutas cerradas que estas travavam, para João Arriscado Nunes e Nuno
Serra (2003):
―(…) O SAAL/Norte é disso um bom exemplo, a capacidade de influência, controlo e
monitorização dos movimentos populares por parte destas organizações revelou-se
em regra contida, quando não mal sucedida, face à espontaneidade e
heterogeneidade social dos próprios movimentos, bem como em virtude de estes se
orientarem mais por objectivos ligados a necessidades de curto prazo e relacionados
com a luta pela habitação, e só de maneira indirecta por objectivos políticos mais
amplos. Mas é necessário acrescentar que essas mesmas organizações, em muitos
36
BANDEIRINHA, José António. 2001. “O Processo SAAL e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974”.
Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade Arquitectura e Construção
apresentada à Universidade de Coimbra. p.131 48
37 |
45. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 36 – Mapa da cidade do Porto – projectos SAAL
← 36
casos, forneceram uma boa parte dos recursos – nomeadamente competências no
plano da organização, trabalho e, não poucas vezes, apoios materiais – que
permitiram aos movimentos agir com eficácia. (…)‖37.
O SAAL/Norte tinha como principal missão erradicar os bairros de lata ou as
chamadas “ilhas”, surgindo como um projecto-piloto que se empenhava a fundo na
resolução da problemática habitacional dos bairros pobres e habitações degradadas.
Apesar do entusiasmo, arrancou sobre bases frágeis explicadas pelo enquadramento do
programa SAAL no difícil panorama económico nacional, envolvido numa época pós-
revolucionara onde não existia um governo, nem politicas estáveis e onde pressão
exercida pela população para a obtenção de habitações dignas era sentida por todos os
sectores do estado e forças politicas. A precipitação de querer tomar medidas concretas
rápidas levou a que o SAAL fosse iniciado sobre meros despachos, nomeadamente ―o
Despacho Conjunto MAI-MESA (Ministério da Administração Interna e Ministério do
Equipamento Social e do Ambiente), que criou o SAAL, aprovou
37
SANTOS, Boaventura de Sousa. 2003. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa. Edições Afrontamento. Porto. Textos de João Arriscado Nunes e Nuno Serra. p.225
38 |
46. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Legendas: operações SAAL no Porto
1. Antas 9. Francos 17. Prelada
2. Arrábida 10. Heroísmo 18. S. Roque
3. Bela Vista 11. Lapa 19. São Vitor
4. Boavista 12. Leal 20. Sé
5. Bouça 13. Maceda - Acácio 21. Serralves
6. Chaves de Oliveira 14. Massarelos 22. Vilar
7. Contumil 15. Miragaia
8. Fontainhas 16. Parceria Antunes
em 31 de Julho de 1974, a organização de um corpo especializado designado
Serviço de Apoio Ambulatório Local‖38.
Esta operação foi muito importante para a cidade do Porto pois permitiu a um vasto
leque de arquitectos intervir de forma directa na cidade. Muita da preocupação dos
arquitectos não se ficou, na necessidade de fazer habitação, foi mais além, muitos
intervenientes tentaram conciliar a habitação com reais preocupações urbanas. Ao
contrário do que fora feito nos bairros do Estado Novo, ou até mesmo antes, não era
pretendido projectar bairros novos de baixa densidade, em áreas novas da cidade, era
sim, pretendido resolver um problema habitacional evidente, criado pela carenciada
habitação presente no interior dos quarteirões existentes, caracterizados por
apresentarem alta densidade, sendo bem definidos e fechados, característicos da cidade
do Porto. Assim sendo, o SAAL/Norte, permitiu que os arquitectos projectassem,
muitas vezes, dentro de uma malha urbana já definida, com carácter e identidade,
criando condições para projectar para a (e na) cidade.
38
COELHO, Margarida Santos. 1986. Uma experiência de transformação no sector habitacional do
Estado SAAL - 1974-1976. Revista Crítica de Ciências Sociais. - nºs 18, 19, 20, Fev. 1986. p.34
39 |
47. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
I.2- Princípios orientadores das Operações SAAL
I.2.1. – Estado Novo e o SAAL
40 |
48. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 37 – Planta de localização de “Ilhas” na cidade do Porto
← 37
A cidade do Porto é um forte exemplo da crescente procura de habitação, este
fenómeno de aumento de população “imigrante” está relacionado com o facto de
começarem a aparecer as primeiras fábricas operárias na cidade do Porto, segundo
Fátima Matos e Rosa Rodrigues (2009):
―(…) Durante a segunda metade do séc. XIX, agravou-se devido a aumento
populacional, associado ao êxodo rural e ao processo de industrialização da cidade
(…)‖39.
A excessiva procura de habitação levou à construção das chamadas “ilhas” (ver
anexo 1) e, estas surgem no interior dos quarteirões do Porto. Virgílio Pereira (2003)
refere:
―(…) o centro da cidade (Porto) funcionou regularmente como porta de entrada na
cidade e, uma vez esgotadas as respectivas capacidades de ocupação, alarga-se
posteriormente a área de ocupação para os territórios mais próximos. (…) O
resultado de tudo isto foi, numa fórmula simplificada e sintética, que o Porto como
que foi crescendo para dentro, densificando
39
MATOS, Fátima Loureiro de; RODRIGUES, Rosa Maria Veloso Vieira. 2009. As ilhas do Porto:
lugares e resistência. Minas Gerais: Universidade Federal de Uberlândia Observatorium: Revista
Electrónica de Geografia, v.1, n.1. Jan. 2009. p.34
41 |
49. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 38 – “Ilhas” – Zona de S.Vitor; tipologia tipo de “ilhas”; fotografia de interior de uma “ilha”
← 38
se nas traseiras com a construção das ilhas – por excelência, mas sem ela, a
habitação do operariado industrial da cidade (…)‖40.
A tipologia das “ilhas” (ver imagem 38 e anexo 1) apresenta características muito
próprias que estão associadas a diferentes condicionalismos, entre eles, o mais evidente
é a falta de capital das classes interessadas na construção da habitação, tendo por isso
acesso, apenas a construção de baixo custo, assumindo a consequência de fogos com
baixa qualidade. O excesso de lotação espacial no centro do Porto foi outro
condicionalismo importante para a tipologia das “ilhas”, isto porque, como existia
pouco espaço para construir, passando-se a construir no interior dos quarteirões.
A tipologia tipo das “ilhas” caracteriza-se por apresentar uma cércea baixa, quase
sempre de apenas um piso, salvo excepções chegando aos dois pisos, o acesso aos fogos
realiza-se por estreitos corredores e, o conjunto é constituído por inúmeros fogos. A
qualidade dos materiais utilizados é muito baixa e pobre, a construção é, quase sempre,
elementar e amadora.
40
PEREIRA, Virgílio Borges. 2003. “Uma imensa espera de concretizações. Ilhas, bairros e classes
laboriosas brevemente perspectivados a partir da cidade do Porto”. Sociologia - Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto. Serie I, Vol. 13, 2003. p.139-148
42 |
50. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 40 – Planta de implantação do bairro BCE no Amial (Estado Novo) Novo)
39 nas Condominhas (Estado
← 39
O aumento da população proporciona mudanças profundas na cidade do Porto,
nomeadamente ao nível da habitação, importa revelar casos particulares de “ilhas”
construídas no Porto, às quais estão associadas operações SAAL futuras, revela-se então
prioritário citar as “ilhas” de S.Vítor e da Lapa, porém existem outras “ilhas” na cidade,
principalmente nas zonas de Carvalheiros, Barredo, Eirinhas, Antas, Maternidade, Santo
Isidro, Monte Pedral e Freixo. (ver Anexo 2)
Durante o Estado Novo, o aumento da população está relacionado com o emergente
fenómeno de desenvolvimento económico, levando a população do interior a deslocar-
se para as grandes cidades na busca de uma melhoria de vida, essa procura incessante de
habitação, faz com que aumentasse a população residente na cidade do Porto como
refere Manuel C. Teixeira (1996):
―(…) Porto aumentou de 27 500 habitantes, aumentando novamente de 28 800
habitantes entre 1930 e 1940, enquanto que o crescimento populacional entre 1911 e
1920 tinha sido de apenas 10 400 habitantes. De 1920 a 1940 construíram-se no
Porto 19 300 novas habitações. (…)‖41
41
TEIXEIRA, Manuel C. 1996. Habitação Popular na Cidade Oitocentista - As Ilhas do Porto. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. Análise
Social. Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.79
43 |
51. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 40 – Planta de implantação do bairro BCE no Amial (Estado Novo)
← 40
55
com o aumento da população o Estado Novo, tomou como medida iniciar algumas
reformas na construção da habitação. Na tentativa de contrariar este fenómeno o Estado
Novo decide iniciar reformas na área da habitação e, como descreve Manuel C. Teixeira
(1992):
―(…) a construção de habitação pelo Estado aumentou substancialmente a partir
dos anos 40, mas sem conseguir acompanhar as carências crescentes nas grandes
cidades…(…)‖42
a par de existir esse aumento, não suficiente do número de habitações a disponibilizar as
populações, existia também a necessidade de rentabilizar economicamente as operações
a realizar. Surgem, assim, as habitações sociais e a realização de projectos de bairros
sociais, na qual acarretavam a obrigação de suprimir a falta de habitação e, ao mesmo
tempo, a função de tentar diminuir os custos de todas as operações realizadas na área da
habitação.
42
TEIXEIRA, Manuel C. 1996. Habitação Popular na Cidade Oitocentista - As Ilhas do Porto. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. Análise
Social. Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.83
44 |
52. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 41 – Planta de implantação do bairro BCE na Azenha (Estado Novo)
←41
Por volta de 1933, inicia-se um programa inovador chamado de bairro das Casas
Económicas, (BCE) (ver anexo 3) e este, pretendia como refere Manuel C. Teixeira
(1992):
―(…) as casas económicas construídas pelo Estado Novo pretendia ser baseada nos
supostos valores e modos de vida tradicionais da população portuguesa. (…) O
Estado controlava todo o processo de construção das casas económicas, incluindo a
aquisição de terrenos, o financiamento, a construção, a distribuição das casas e a
gestão dos bairros. (…) A estrutura coordenadora de todo o processo, a nível
nacional, era a Secção de Casas Económicas, um departamento do Instituto
Nacional do Trabalho e Previdência (…) No Porto, no mesmo período, forma
construídas 836 casas em seis bairros: Ilhéu, Condominhas, Ameal, Azenha,
Paranhos e Ramalde. (…)‖43.
Na cidade do Porto são inúmeros os bairros construídos (ver anexo 4), o estudo da
56
componente arquitectónica destes bairros vai permitir perceber quais as evoluções
43
TEIXEIRA, Manuel C. 1996. Habitação Popular na Cidade Oitocentista - As Ilhas do Porto. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica. Análise
Social. Vol XXIX, nº 127, (1994-3º). p.81-82
45 |
53. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 42 – Planta de implantação do bairro BCE em Paranhos (Estado Novo)
←42
tipológicas e as preocupações sociais, entre os bairros desenhados durante o Estado
Novo e as tipologia das habitações projectadas nas operações SAAL.
É de salientar que os locais de implantações dos bairros de Casas Económicas
partiram de dois princípios, o primeiro prende-se ao facto de aproveitar os vazios
urbanos na cidade do porto e implantar aproveitando redes viárias já existentes, o
segundo princípio, prende-se á exploração de espaços ainda pouco urbanizados na
periferia da cidade, tendo como ponto comum o facto de utilizar, também, redes viárias
já existentes. Como afirma Vasco Cardoso (2009):
―(…) Em qualquer das duas situações descritas, ou a promover a urbanização de
uma área da cidade, ou estendendo áreas urbanizadas, a rede de circulações foi o
elemento que estabeleceu a alguma relação com as envolventes preexistentes.
(…)‖44.
O programa das Casas Económicas lançado pelo Estado Novo teve como base as
ideias das cidade-jardim (ver anexo 5), onde se evidenciava a ideia de volume
44
CARDOSO, Vasco. 2009. Bairros de casas económicas e grupos de moradias populares: o encontro de
duas morfologias de padrão geométrico. Cadernos. Cursos de Doutoramento em Geografia. Faculdade
Universidade do Porto. p. 48
46 |
54. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 43 – Planta de implantação do bairro BCE em Ramalde (Estado Novo)
←43
individual, organizado por unidades, formando quarteirões bem definidos, e que cada
volume está implantando num terreno próprio. Segundo Vasco Cardoso (2009):
―(…) As propostas de habitação individual foram oficialmente adoptadas pelo
Estado Novo em 1933, para o plano das casas económicas. O Estado Novo importou
o modelo da casa individual e organizou-as no terreno segundo o modelo da cidade-
jardim. Estes modelos foram os encontrados para formalizar as ideias do Estado
sobre a família e sociedade. (…) A organização das casas segue uma planta
ortogonal, o mesmo acontecendo como os quarteirões. Há ainda organizações que
derivam de uma malha triangular (...) Os quarteirões apoiam-se numa ou duas ruas
principais, espinha dorsal do bairro. No principal ponto de viragem ou de
cruzamento das ruas principais, estabelece-se uma praça ou alargamento, onde em
alguns casos se implantou um equipamento social de apoio ao bairro (…)45
45
CARDOSO, Vasco. 2009. Bairros de casas económicas e grupos de moradias populares: o encontro de
duas morfologias de padrão geométrico. Cadernos. Cursos de Doutoramento em Geografia. Faculdade
Universidade do Porto. p. 44
47 |
55. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 44 – Planta de implantação do bairro BCE em Costa Cabral (Estado Novo)
←44
Os conjuntos são organizados por classes sociais, proporcionando por isso diferentes
tipologias (ver anexo 3). As tipologias são condicionadas por factores de ordem social,
de facto as habitações são diversificadas na sua morfologia, na sua área de implantação,
na orientação, e até mesmo, no método de construção e acabamentos. Basicamente a
tipologia vai estar sempre condicionada pelos custos, reflectindo-se na área dos espaços
controlados e mínimos, áreas regradas com espaços limitados, lotes espacialmente
idênticos e tipologias quase semelhantes.
Existe um condicionalismo imposto pela implantação exigida e necessidade de
respeitar os parâmetros definidos pelos quarteirões, é levado em conta o carácter social
adoptado, isto é, está inerente na implantação a ideologia do Estado Novo, revelando-se
no uso do lote, projectando casas geminadas com jardim próprio e logradouro. A
professora doutora Edite Rosa (2005) refere-se ao programa dos Bairros das Casas
Económicas (BCE) da seguinte forma:
―(…) A família humilde (respeitosa e simples) é proprietária de casa própria, dotada
de quintal e jardim (…) O bairro é constituído por casas – tipo associadas,
ordenadas num conjunto de extensão moderada, de modo a constituir-se como um
tecido urbano que convenientemente ilustrasse a ideia de eterna aldeia e cumprindo,
deste modo, objectivos políticos precisos (…) O modelo imposto, que assenta na
constituição de património pelo recurso à casa individual, é aplicado genericamente
48 |
56. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 45 – Planta de implantação do bairro BCE em S. Roque (Estado Novo)
←45
também para a pequena e média burguesia variando apenas, na dimensão,
qualidade dos materiais, consoante a categoria social e no conjunto decorativo de
arquétipos supostamente caracterizadores da região em que se localiza (…) A casa
económica resulta, assim, da redução do modelo burguês, de casa de gente rica e
afirma em plenitude a concepção de viver e habitar à ―portuguesa‖,apresentando o
pequeno como a valorização do simples e do individual, características da tranquila
felicidade de um povo pressupostamente contido e conservador. (…)‖46.
As politicas habitacionais praticadas pelo Estado Novo assumiam um controlo social,
erradicando qualquer tipo de relações sociais e, acima de tudo, demonstrando uma
enorme falta de sensibilidade organizativa, cuidado democrático e carácter social. De
facto como referem João Arriscado Nunes e Nuno Serra (2003):
―(…) Nunca como neste período as politicas de habitação haviam sido usadas de
modo tão expressivo enquanto instrumento de controlo social e meio de difusão dos
valores autoritários e repressivos do regime. Por conseguinte, esta concepção das
políticas urbanas e de habitação excluía qualquer tipo de preocupação com as
46
ROSA, Edite. 2005. ODAM: Valores Modernos y la confrontación con la realidad productiva, tese de
doctorado. ESTAB. p.40
49 |
57. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 46 – Planta de implantação do bairro BCE em M. Gomes da Costa (Estado Novo)
←46
expectativas e as representações das populações em matéria de habitação,
organização do espaço vicinal e apropriação do espaço urbano (…)‖47.
Constata-se que as politicas habitacionais praticadas até à data pelo Estado Novo
eram pensadas de forma cuidada, tentando assumir um controlo social, erradicando
qualquer tipo de relações sociais e, acima de tudo, demonstrando uma enorme falta de
sensibilidade organizativa, cuidado democrático e carácter social. Era evidente que na
pós-revolução iria existir uma tentação de contrariar todas estas características,
lançando para primeiro plano novas ideologias sociais e democráticas, sendo estas
conduzidas por entidades políticas, demonstrando vontade participativa, por um lado do
povo e por outro lado do próprio Estado. Neste aspecto o carácter ideológico do Estado
Novo, difere com o das operações SAAL, e isso, vai reflectir-se na maneira de projectar
os bairros.
47
SANTOS, Boaventura de Sousa. 2003. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia
participativa. Edições Afrontamento. Porto. Textos de João Arriscado Nunes e Nuno Serra (2003) p.223
50 |
58. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
I.2.2. – Revolução 25 de Abril de 1974 e o SAAL
51 |
59. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 47 – Planta de implantação do bairro SAAL no Leal
← 47
As movimentações da população e a pressão que as massas sociais mais
desfavorecidas exerciam, após a revolução de 25 de Abril de 1974, proporcionaram uma
observação mais cuidada, incidindo uma maior atenção, e importância, á problemática
da habitação social. Esta época era importante, apontando num futuro imediato, para
uma política diferente à que tinha vindo a ser assumida pelo Estado Novo, traduzindo-se
numa política habitacional que se preocupava primeiramente com os direitos de todos
ao acesso a uma habitação digna preocupando-se, também, em solucionar os problemas
das famílias mais carecidas. Segundo Marielle Christine Gros (1994):
―(…) Com a institucionalização da liberdade de expressão decorrente das mudanças
políticas desencadeadas pelo 25 de Abril de 1974, eclodem movimentos populares de
reivindicação em torno da distribuição e, ainda que mais pontualmente, da gestão
do consumo social urbano: alojamento e equipamentos sociais. (…)‖48.
Tendo por base a afirmação anterior, é possível dizer que não existiam apenas
preocupações de carácter individual, isto é, existiam preocupações ao nível de habitação
carenciada mas também existia um cuidado social na tentativa de resolver novas
ideologias sociais, reveladas pelas tentativas de associar cuidados habitacionais com
48
GROS, Marielle Christine. 1982. O Alojamento Social sob o Fascismo. “«Pequena» história do
alojamento social em Portugal” . Afrontamento. Porto. 1994. p. 85
52 |
60. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 48 – Planta de implantação do bairro SAAL em S. Vitor
← 48
novos espaços de carácter social, nomeadamente, espaços comuns de possível utilização
de todas as pessoas, espaços esses, que de certa forma vinham contrariar as tentativas de
controlo social que o Estado Novo praticava, mas que a revolução de 25 de Abril
permitiu anular. No entanto passa-se a ter uma maior preocupação com o carácter que
os espaços deveriam oferecer às pessoas, preocupações com o associativismo entre as
habitações e espaços privados, com os espaços comuns e públicos, com os
equipamentos sociais cada vez mais necessários e com todas as infra-estruturas
pretendidas.
Este aspecto é um ponto comum a todas as operações SAAL realizadas, o interesse
pelas preocupações sociais, tanto a nível individual da habitação, como ao nível comum
dos equipamentos sociais. Esta preocupação nova, é introduzida pelas novas
necessidades, ou implicada pelas novas ideologias. O facto é que, será uma
característica que influenciará a realização dos projectos, nomeadamente ao nível dos
programas a definir. De certa forma citando José António Bandeirinha (2007):
―(…) A implantação de pequenos logradouros agrícolas, os espaços indiferenciados
para oficinas, as estreitas relações entre vizinhos, estes e outros temas lá foram
surgindo nos projectos como expressão dedutiva da vontade dos moradores,
devidamente interpretada e sintetizada pelos arquitectos. Noutro caso ainda, as
opções construíam-se a partir da auscultação dos moradores, acrescida das relações
de continuidade com a envolvente existente. Assim, era ―levada à letra‖ a
53 |
61. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 49 – Planta de implantação do bairro SAAL na Maceda-Acácio
← 49
manutenção das relações de identidade com o local e a reafirmação do direito à
cidade. De forma quase programática, essa foi uma premissa metodológica muito
evidente, por exemplo nas operações do SAAL/Norte (…).‖49
do ponto de vista arquitectónico este é um facto que une todas as operações, e pode ser
entendido como um aspecto geral que, de certa forma condiciona todos os projectos a
realizar. No norte do país, nomeadamente, na cidade do Porto é mais evidente, esta
associação do terreno ao nível da implantação, nalgumas operações é mesmo evidente o
condicionalismo do terreno e esse é um aspecto levado em conta na projecção das
habitações. Nas operações SAAL, em Chaves de Oliveira (ver anexo 14), do arquitecto
Manuel Lessa, isso é notório, assim como, em Contumil (ver anexo 19), projectado pelo
arquitecto Célio Costa, e também, em Massarelos (ver anexo 16), realizado pelo
arquitecto Manuel Fernandes de Sá. Outra operação que está condicionada pelo local é
S.Víctor (ver anexo 13), de Álvaro Siza Vieira, porém não é só o terreno que influencia
a implantação, mas sim é a próprio implantação que está associada à sua localização
49
BANDEIRINHA, José António. 2001. “O Processo SAAL e a Arquitectura no 25 de Abril de 1974”.
Dissertação de Doutoramento na área científica de Arquitectura, especialidade Arquitectura e Construção
apresentada à Universidade de Coimbra. p.254
54 |
62. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 49 – Planta de implantação do bairro SAAL emLapa
50 na Francos
← 50
especifica, pois o arquitecto tem como conceito aproveitar ruínas de antigos fogos
existentes no local.
As operações SAAL apresentam outro ponto comum entre todas elas, que se traduz
nos baixos custos associados á construção das habitações. Desde logo, todas as
operações estão condicionadas pelo limite orçamental imposto, a mão-de-obra é
assegurada pela população, em muitas operações realizadas e, os materiais,
acabamentos e sistemas técnicos são pensados com a preocupação de respeitar certas
limitações económicas. As próprias tipologias projectadas revelam essas mesmas
necessidades de controlo económico, e isso é revelado pelas áreas mínimas, de carácter
quase minimalismo e simplicista, que muitas tipologias apresentam.
O carácter populista, rudimentar não está só associado á tipologia das habitações,
mas também aos métodos construtivos, à mão-de-obra escolhida e opções técnicas
adoptadas. Do ponto de vista da arquitectura, as bases para uma nova ideologia estão
enraizadas numa arquitectura de habitação social, mas mesmo assim, como iremos
verificar no estudo de algumas operações SAAL o carácter individual de cada obra está
preservada pelas opções do arquitecto. A arquitectura apresentada pelas operações
revelam um carácter simplicista, introduzido pelas necessidades económicas e pelas
limitações técnicas dos intervenientes na execução das obras, é evidente ―uma escolha
55 |
63. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 51 – Planta de implantação do bairro SAAL em Massarelos
← 51
criteriosa dos materiais, tendo em consideração as suas vantagens económicas,
qualidades de manutenção, e de aplicação‖50.
Em todas as operações realizadas na cidade do Porto sobressai a concretização das
habitações utilizando materiais de baixo custo (tijolo, reboco, estruturas pilarizadas,
etc.), revelando uma importante influência económica. A construção pretendia eliminar
qualquer elemento inútil, acessório ou postiço, assim sendo os sistemas construtivos,
como se irá constatar, são simplicistas e, apresentam todos eles a condição de serem
económicos, cada projectará de modo diferenciado as tipologias, porem terão sempre
presente a ideia de baixo custo de todos os aspectos do projecto da obra.
A revolução de 25 de Abril de 1974 possibilitou iniciar uma nova forma de fazer
arquitectura, isto é, permitiu intervir na ―cidade escondida dos interiores de quarteirão,
dos pátios e das ilhas. Esta é a cidade marginalizada, tolerada porque indispensável ao
50
FERNANDES, Eduardo. 2010. “A Escolha do Porto: contributos para a actualização de uma ideia de
Escola”. Tese de Doutoramento em Arquitectura, Área de Conhecimento de Teoria e Projecto.
Universidade do Minho – Escola de Arquitectura. p.441
56 |
64. Estudo da Operação SAAL – Da teoria à prática 2011
Imagem 51 – Planta de implantação do bairro SAAL em Francos
← 52
seu desenvolvimento‖51, assim sendo as operações SAAL são encaradas como únicas,
tanto ao nível social, como também, ao nível da preservação de valores históricos da
cidade. Com as operações SAAL, Portugal conseguiu dar um salto, ainda que lento,
para se colocar a par das tendências arquitectónicas europeias, isto devido a ―momentos
de um processo criativo de participação aconteceram em Portugal, depois do 25 de
Abril‖ 52 que permitiram, também, uma colagem importante no retorno de ideias
modernas e uma maior abertura para a arquitectura internacional. Se por um lado existia
uma tendência para copiar modelos externos a Portugal, por outro lado, existiu também,
a possibilidade de intervir de raiz, de forma consciente e inovadora.
O carácter social e dialogante das operações SAAL foram sem dúvida, importantes
para o contributo de novas mentalidades, a mobilização de diversos intervenientes
permitiram uma forte aproximação das classes mais desfavorecidas com uma política
participativa, estas operações estavam enquadradas numa época em que foram
realizadas diversas experiências sociais em diferentes âmbitos e interligando vários
intervientes, na verdade, Arriscado Nunes e Nuno Serra (2003) referem:
51
VIEIRA, Álvaro Siza; CASTANHEIRA, Carlos. 2001. As cidades de Álvaro Siza. Livraria
Figueirinhas. Lisboa. p.25
52
Idem
57 | 63