O documento discute como as Constelações familiares podem ajudar na reconciliação e restauração da paz ao trazer à luz o passado de dor e violência e libertar as gerações atuais e futuras de sua repetição. A violência do passado, como a escravidão e opressão de índios e negros, ainda influencia os conflitos presentes, e só podemos quebrar este ciclo integrando o passado e assumindo co-responsabilidade pelas consequências atuais da história.
Constelação sistêmica na restauração da cultura da paz
1. Constelação Sistêmica na Restauração da Cultura da Paz:
Caminhos para a Reconciliação
Por Ana da Fonte
Para falar da restauração da Paz é importante lembrar o passado desta terra que
testemunhou seguidamente invasões, escravizações e torturas. Escravos, índios e europeus se
encontraram nas encruzilhadas desta terra com seus hábitos culturais, valores e crenças bem
distintos. Até hoje, sabemos que as guerras acontecem por conflito de crenças e valores, da
ideia que alguém se faz de si como maior e melhor e da ideia do outro como menor ou pior.
Os fatos apresentados sobre o passado do nosso povo me fazem acreditar que eles continuam
interligados com o momento atual das famílias em Pernambuco, e por trás deste movimento
de desintegração, de intolerância, de violência física e social de pobreza crônica que parece se
perpetuar nos anos e décadas. Dr Bert Hellinger em seu livro “A Paz começa na Alma”
reconhece, com base nas Constelações familiares realizadas aqui no Brasil, a atualidade do
sofrimento dos índios e dos negros que aqui viveram há muito tempo e diz: “Os mortos não
estão mortos, no sentido de que tudo termina com a morte”. Eles continuam atuando, até que
isto seja reconhecido e até que os culpados se igualem a eles, na morte. Quando isto é negado,
inocentes serão atingidos nas gerações posteriores, sem que se saibam os motivos.
Inversamente, quando alguém se torna culpado e reconhece a culpa, por exemplo, se alguém
matou uma pessoa e reconhece a sua culpa, aí, então, as gerações posteriores não serão
influenciadas tão fortemente.
O passado não passou, ele atua dentro do presente, e de múltiplas maneiras. Se ainda existe
algo que tenha que ser colocado em ordem, então é necessário, no presente, olhar para trás,
para o que aconteceu antes. O passado precisa ser colocado em ordem e só então os vivos
estarão livres.
Em uma reflexão sobre nosso momento atual, em que se alarga a violência entre os mais
“pobres” e os mais “ricos”, poderíamos perguntar se não está havendo alguma uma
compensação ou uma reparação de uma violência de “ricos” contra “pobres” no passado?
Será que a vingança penetrou em nossa sociedade como um sintoma convidando-nos a olhá-la
de frente para poder interrompê-la? Do ponto de vista sistêmico esta violência tem o mesmo
papel de um câncer como um sintoma de uma família.
Muitas vezes a repetição do sintoma se faz pela nostalgia do passado. Quando cultuamos as
histórias dos antepassados sem sabermos seus mistérios acontece de ficarmos aprisionados
por elas. A saída é nos perguntamos como se sentem esses mortos quando seus “nomes”
estão sempre lembrados. Será que eles ficam em Paz? Ou ficam também aprisionados na
história e na dor. E como ficam os vivos a rememorarem essas imagens de dor em todo
momento, tornando-se vítimas do passado? Este tipo de recordação tem efeitos dramáticos
para as gerações que se seguem. Tanto os descendentes dos agressores como das vítimas
ficam aprisionados por este passado.
O trabalho das Constelações familiares trás luz para o passado de dor. Traz consciência sobre o
momento em que as vítimas e os agressores, por razões diferentes, se colocaram em lugares
que jamais poderemos compreender com os olhos saudosos de gerações que evoluíram com
base neste sofrimento. As Constelações fazem que cresçamos no amor e nos libertar para
2. olhar um futuro sem repetições do passado. Sabemos que mesmo que com roupagem
diferente, a violência do passado continua presente nos conflitos presentes de diversas
naturezas – classistas, étnicos, religiosos, de gênero entre outros - e só podemos quebrar
este ciclo de violência se integramos o passado dentro de cada um de nós e ficar com a parte
boa de tudo o que aconteceu.
Penso que trabalhos como estes das Constelações podem ter usos inovadores para indivíduos
prisioneiros de situações extremamente adversas como é o caso daqueles que movidos por
razões diversas enveredaram na criminalidade. Será que esses indivíduos não estão repetindo
histórias transmitidas por seus antepassados?
Será que ao entender o contexto em que aconteceu os fatos , não podem eles assumir suas
responsabilidades e livrar seus filhos de segui-los na mesma sina? Este mesmo raciocínio pode
ser aplicado aos excluídos da sociedade por razões diversas relacionadas com dinheiro,
moradia, alimentos etc. Não podemos encontrar um lugar para esses indivíduos e famílias na
sociedade, sabendo-se que somos também co-responsáveis de toda a violência atual?