O documento discute como RuPaul articula diferentes versões de Camp e como seu trabalho produz visibilidade queer, embora de forma normatizada. Analisa também como o acesso ao mainstream requer adesão a certas normatividades impostas pelo ethos terapêutico.
PROJETO DE EXTENSÃO I - SERVIÇOS JURÍDICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS.pdf
RuPaul e as articulações do Camp
1. RuPaul, Camp e Normatividade
Heitor Machado
UFRJ/CAPES – Mestrado de Mídias e Mediaç ões
Socioculturais
Març o/2015
XIV CONGRESSO INTERNACIONAL IBERCOM
2015
São Paulo/SP - Brasil
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Sobre o trabalho
Desenvolvido como trabalho final do curso Disputas na Arena do Gosto:
consumo cultural, distinç ão e sociabilidade, ministrado pela Prof. Mayka
Castellano.
O artigo utiliza a produç ão midiática de RuPaul Charles para problematizar
as diferentes articulaç ões do Camp.
Acredita-se, no entanto, que o Camp é capaz de produzir visibilidade
queer, mesmo normatizado. O queer é “o sujeito de sexualidade
desviante [...] que não deseja ser ‘integrado’ e muito menos
‘tolerado’” (LOURO, 2004. p. 07).
Observa-se também como o mainstream só é acessível através da
adesão de uma determinada normatividade.
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Sobre RuPaul Charles
“Eu, RuPaul, nasci uma pobre crianç a negra, na
comunidade de Brewster, em San Diego,
Califó rnia. Mas baby... you better work! Olhem
para mim agora. Como supermodelo original do
mundo, todos os meus sonhos se realizaram. E
agora, estána hora de partilhar meu amor”. (RPDR,
S01E01)
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Sobre o genderfuck:
É minha escolha não ser homem, e é minha escolha ser linda. Eu não sou
um imitador feminino; eu não quero zombar das mulheres. Eu quero criticar
e provocar os papé is femininos e també m os masculinos. Eu
quero tentar e mostrar como não-normal eu posso ser. Eu quero
ridicularizar e destruir toda a cosmologia dos restritivos papé is de
gênero e identificaç ão sexual (LONC, 1974 apud BERGMAN, 1993, p.
07).
[...] Porque eu fui capaz de transformar algo que era
entendido como subversivo em algo que era mainstream [...]
Esforç o calculado para retirar a sexualidade da minha
imagem. [...] as pessoas não se sentiam ameaç adas por
mim, e eu acho que isso tem a ver com a sexualidade. Elas
não pensam em mim desta forma; elas não se sentem sexualmente
ameaç adas por mim (RUPAUL, 03/09/2013, s/p).
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As articulaç ões do Camp. De acordo com Sontag
(1964),
1. [...] O Camp é um certo tipo de esteticismo.
É uma maneira de ver o mundo como um
fenô meno esté tico. Essa maneira, a maneira do
Camp, não se refere à beleza, mas ao grau de artifício,
de estilizaç ão.
2. Enfatizar o estilo é menosprezar o conteúdo [...]. Não
é preciso dizer que a sensibilidade Camp é
descompromissada e despolitizada — pelo
menos apolítica.
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No entanto, segundo Meyer (2005),
O Pop Camp surge como “veículo involuntário de uma operaç ão
subversiva que introduz os có digos de significaç ão
queer no discurso dominante” (MEYER, 2005, p. 11).
Sem o processo da paró dia, o agente marginalizado não tem
acesso à representaç ão, o aparelho que é controlado pela
ordem dominante. O Camp, especificamente como paró dia
queer, se torna então o único processo no qual o queer é
capaz de penetrar a representaç ão e produzir visibilidade
social” (MEYER, 2005, p. 09).
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Articulaç ões do Camp por
RuPaul
[...] Fazem graç a dos papéis que as pessoas representam. […]
São experts na paró dia, sátira, e desconstruç ão dos padrões
sociais [...] técnica de sobrevivência para evitar ser sugada
para a ‘seriedade’ de todo o drama” (RUPAUL, 2010, p. 11).
“Não levar a vida tão a sé rio; Se ame; Poucas coisas não
possuem limites, mas não ultrapasse a linha da gentileza; Faç a
o que quiser, desde que não machuque ninguém no processo;
Viva sua vida sem restriç ões” (RUPAUL, 2010, p. 12).
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41. A questão fundamental do Camp é destronar o sério. O
Camp é jocoso, anti-sé rio. Mais precisamente, o
Camp envolve uma nova e mais complexa relaç ão com o
"sério". Pode-se ser sério a respeito do frívolo, e frívolo a
respeito do sério.
43. Os recursos tradicionais que permitem ultrapassar a
seriedade convencional — ironia, sátira — parecem fracos
hoje, inadequados ao veículo culturalmente supersaturado
no qual a sensibilidade contemporânea é educada. O Camp
introduz um novo modelo: o artifício como ideal, a
teatralidade.
[...] Isso tira o foco da eliminação de algo negativo – o fato de
uma competidora sair do show – para algo positivo –
reafirmação do amor individual e da crítica construtiva
para o bem maior. Adicionalmente, essa afirmação enfatiza a
necessidade por amor mútuo e apoio na marginalizada
comunidade drag (HICKS, 2013, p. 156).
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[...] Em Drag Race e Drag U o campy homicida passional é utilizado para capitalizar
objetivos políticos homonormativos, transformando o drag em mercadoria
cultural mainstream a qual o consumo incorpora homens gays
(predominantemente brancos) em regimes normativos de poder. Heterossexuais
que assistem o programa são garantidos que gays partilham os mesmos valores, excluindo a
ameaç a e desestabilizando a forç a do drag e do camp atravé s de causas
assimilacionistas [...]. (MORRISON, 2014, p. 125).
O Camp homicida passional e a homonormatividade
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Concluindo
O Camp, normatizado, é oferecido como estilo de vida, muito
pró ximo ao proposto por Sontag (1964).
A positivaç ão do Camp não acontece mais silenciando a agência do queer,
mas sim transformando-o em um estilo de que promove a integraç ão do
queer às causas hetero e homonormativas, atendendo as normas do
ethos terapêutico (FUREDI, 2003; ILLOUZ, 2008, 2011) e do
imperativo da felicidade (FREIRE FILHO, 2010).
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Por fim,
Ainda que o Camp em RuPaul se articule como estilo de vida, muito
enfraquecido, ele é capaz de produzir visibilidade queer através da
paró dia. No entanto, é preciso lembrar que a política normativa que
busca sempre integrar o queer não exige apenas uma partilha de
valores, principalmente morais, mas també m um padrão de
conduta, muito pautado pelo ethos terapêutico. O acesso ao
mainstream só é possível ao aderir às normatividades impostas por esse
ethos, que exige dos indivíduos determinadas competências
emocionais e afetivas, como confianç a, auto-estima e
resiliência, sem importar as práticas sexuais, as questões de
identidade de gênero ou sexo bioló gico.
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Referências bibliográficas
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2009.
FREIRE FILHO, João. Ser Feliz Hoje (org.). Rio de Janeiro: FGV. 2010.
HICKS, Jessica. Can I Get an ‘Amen’?: marginalized communities and self-love on RuPaul’s Drag Race. In:
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Macmillan, 2013.
ILLOUZ, Eva. O amor nos tempos do capitalismo. Rio de Janeiro: Zahar. 2011
LONC, Christopher. Genderfuck and It’s Delights. In: Bergman, David. Camp Grounds: style and homossexuality.
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LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte:
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SONTAG, Susan. Notas sobre Camp. In: Contra a interpretação. Porto Alegre: L&PM, 1987.
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