1. A corrupção de cada dia a)
DOM EDUARDO KOAIK 1 (Jornal de Piracicaba - 08.Set.2011)
Restrinjo-me à que está aninhada na área da política a ponto de não deixá-la
viver sua dignidade. No pensamento do papa Paulo VI "a política é uma maneira
exigente... de viver o compromisso cristão, a serviço dos outros". A corrupção tem
seu início quase imperceptível. Seu processo é lento e progressivo, mas só tende a
prosperar. Ninguém nasce corrupto e ninguém começa a sê-lo cometendo um crime
espetacular. Para chegar a essa situacao há uma lenta preparação interior. Pouco a
pouco vai manifestando uma insensibilidade diante dos direitos dos outros. "A
corrupção política e administrativa é o aproveitamento do cargo público para
satisfação dos interesses pessoais, em geral de natureza pecuniária. Interesse maior
em preservar seus privilégios do que promover o bem comum" (Fernando Basto de
Ávila, Pequena Enciclopédia da Doutrina Social da Igreja, p. 123). Promover o bem
comum é a grande exigência ética com o propósito de vencer em nosso país, as
condições degradantes da miséria. A presidente da Republica lançou, recentemente,
um plano ambicioso para retirar 16,2 milhões de pessoas da extrema pobreza. Penso
que ela chegou a conclusão que se não fizer a chamada 'faxina' nos ministérios não
irá alcançar esse objetivo a que se propõe: diminuir a perversa desigualdade social.
Veio pronta a reação da base governamental no Legislativo em defesa de seus
interesses fazendo imeaças à governabilidade.
1
Bispo emérito da Diocese de Piracicaba.
2. Grave defeito moral é essa corrupção que se alastra no 'andar de cima' da nossa
sociedade. É fácil descobrir onde ela se esconde pelos seus maus odores e mais difícil
identificar seus autores. Triste realidade cujo exemplo tem poder de contaminação
sobre 'o andar de baixo'. Não se pode deixar de deplorar o desvio ético no serviço
público enquanto envolve a dilapidação dos recursos direcionados ao bem-estar da
população nas áreas da saúde, educação, saneamento básico, habitação, transporte. É
de deplorar, também, situação daqueles que deixaram de praticar o que aprenderam
na infância, na catequese da primeira comunhão: o sétimo mandamento da Lei de
Deus: "Não roubarás". No Evangelho vemos Jesus Cristo abençoar Zaqueu, chefe
dos publicanos, pelo compromisso que assumiu na presença dele, ao visitá-lo em sua
casa: "Se defraudei alguém, estou pronto a restituir o quádruplo" (Lc 19,8). Jesus
Cristo não excluiu ninguém de tornar-se seu discípulo. Ele nos deixou sua Palavra:
"Não são os que tem saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não
vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2,17). Não é fácil encontrar quem se
dispõe a seguir o exemplo de Zaqueu: restituir o quádruplo do que roubou. Pelo
menos o que se deve exigir dos fraudadores é que o dinheiro desviado volte aos
cofres públicos.
Os cofres públicos estão cheios de furos por onde escorre o dinheiro
arrecadado dos impostos para as mãos dos insaciáveis. O dia em que esses furos
desaparecerem de vez, o governo não necessitará recorrer tão faciltnente ao aumento
de impostos, como tern feito. Não faltarão mais recursos para investimentos de mais
urgência que tornem nosso país sempre mais sustentável. A sociedade está sempre a
queixar-se do desrespeito ao bem comum, não de todos os políticos e administradores
da coisa pública, mas daqueles que não distinguem o público do privado, não se
conduzem pela ética e colocam como prioridade seus interesses pessoais.
Quem ambiciona tornar-se rico na função pública deveria procurar outro
campo de trabalho. O serviço público mais se assemelha ao sacerdócio a quem Jesus
Cristo pede muitas renúncias, onde não há lugar para excesso de ambições. Quern
não conhece o provérbio popular "a ocasião faz o ladrão"? Conheço pessoas que
ocuparam cargos de confiança na vida pública e não fizeram dela oportunidade de
enriquecimento. É de se observar: a palavra 'corruptor' aplica-se ao delinquente
frequentador do 'andar de cima' e a palavra 'ladrão' ao do 'andar de baixo'. Será que
quem é chamado de corruptor não se reconhece verdadeiro ladrão? Ética e bem
comum, enquanto esses valores não forem respeitados, ficaremos a patinar na crise
de país emergente.
Li, em algum lugar, não me lembro onde, que a corrupção em nosso país está
se alastrando em uma velocidade de fazer inveja a qualquer piloto de Fórmula 1. Não
partilho totalmente desta comparação. Considero-a exagerada. Tenho certeza que o
bem é mais poderoso que o mal. Acredito que os discípulos de Jesus Cristo têm força
de fermento misturado à massa que nela penetra numa ação invisível para
transformá-la.
a)
Transcrito pelo Professor Gilberto Canto.