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País: Portugal
Period.: Semanal
Âmbito: Informação Geral
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associação que essas populações
fizeram deste mundo antigo à
pobreza e até à sua destruição e
substituição por sinais de
“progresso”.
Ainda assim a pergunta do
regime de Salazar não ficou pelo
caminho. Não existia obviamente
uma casa portuguesa, existiam
sim variadas e complexas
respostas ao meio, determinadas
pelas contingências de vida das
populações. Existia variedade,
complexidade e adequação, uma
associação que o mundo
contemporâneo e a arquitectura
em particular teria muita
dificuldade em concretizar.
O Inquérito à Arquitectura
Regional é hoje uma viagem no
tempo que nos permite ir a
determinados lugares antes de
uma certa entropia se ter
instalado. Essa viagem dá-nos
através das fotografias a
atmosfera, a temperatura dos
materiais, a maneira como a luz
se comportava, dá-nos uma ideia
da paisagem construída sem a
perturbação de alguns elementos
mais recentes cuja presença hoje
temos dificuldade em
compreender. Pode dar também
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Essa ideia de harmonia contudo
provinha das condições de vida
da população, arredadas do que
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do século XX. Ainda assim até
hoje é possível encontrar estas
fotografias em publicações sobre
arquitectura contemporânea
erudita, que resgatam do
inquérito, legitimamente, um
fascínio pela intemporalidade da
arquitectura vernacular e pela
referida adequação desta à
paisagem.
Hoje pouco se pode visitar dos
aglomerados registados no
Inquérito, salvo raras excepções.
A noção de progresso que
dominou Portugal desde o final
da década de 1960 favoreceu a
sua transformação quase
completa ao ponto do
irreconhecível. O trabalho de
Duarte Belo confirma este facto
quando fotografa, de modo
sistemático, os aglomerados
urbanos, mas revela uma
paisagem menos transformada
onde não existem aldeias ou
cidades. A grande excepção vai
para os lugares que acolheram as
barragens. As paisagens de
Duarte Belo deixam adivinhar um
território que sobreviveu intacto
pelo sua condição de abandono.
O Inquérito à Arquitectura do
Século XX, lançado pela Ordem
dos Arquitectos, coordenado pela
investigadora Ana Tostões, da
qual fiz parte enquanto
coordenador de uma equipa, não
partiu para o terreno à procura
da confirmação de uma tese –
estava, como o trabalho de
Duarte Belo, disponível para
registar o que não conhecia
previamente. Neste sentido em
pouco se assemelha ao Inquérito
à Arquitectura Regional, já que se
Está em exibição na galeria da
Fundação EDP do Porto a
exposição Território Comum
construída a partir do conjunto
de fotografias que integraram a
investigação do Inquérito à
Arquitectura Regional
Portuguesa. Este material foi, nas
últimas décadas, amplamente
divulgado no meio da
arquitectura, mas a exposição,
comissariada por Sérgio Mah,
permite hoje alargar o público
deste património gerado pelos
arquitectos que percorreram
Portugal entre 1955 e 1957. A
exposição é também um
pretexto, nesta crónica, para
revisitar dois trabalhos
complementares, o Inquérito à
Arquitectura Portuguesa do
Século XX (IAP20) e o trabalho do
arquitecto e fotógrafo Duarte
Belo, que publicou em 2011 o
livro Portugal. Luz e Sombra,
também este uma viagem, desta
vez como um palimpsesto gerado
sobre o trabalho fotográfico do
geógrafo Orlando Ribeiro.
Embora o Inquérito à
Arquitectura Regional Portuguesa
seja uma referência da disciplina
a partir do final da década de
1950 (e em particular a partir da
sua publicação em 1961), que
coincide com a crítica
internacional ao Movimento
Moderno, a sua acção de
questionar o processo de
transformação do território não
estava isolada. Entre 1930 e 1940
engenheiros agrónomos do
Instituto Superior de Agronomia
conduziram um Inquérito à
Habitação Rural, trabalho que foi
recentemente reeditado e que
inevitavelmente aborda a
arquitectura portuguesa. O
escrutínio ao meio provinha de
várias disciplinas e olhares.
Em comum encontramos uma
abordagem à “casa portuguesa”,
tema que estimulou uma relação
tensa entre os vários meios
disciplinares e o regime. Mas o
Estado Novo não estava isolado
no desejo de inquirir o seu país à
procura de uma e só uma
identidade. Regimes como o de
Mussolini também apoiaram este
tipo de investigação (o livro
Architettura Rurale Italiana, de
1936, é o melhor exemplo), na
expectativa de poder construir
uma retórica nacionalista apoiada
numa forma perene de expressão
do homem no território – a
arquitectura.
Para uma pergunta algo
primária como a da existência
fundadora de uma casa
portuguesa, como aquela
elaborada pelo Estado Novo, que
justificava o investimento no
Inquérito, os arquitectos
encontraram uma resposta mais
profunda e revelaram a
complexidade que está na base de
tudo o que possui significado
cultural. Não encontraram uma
casa encontraram várias,
distintas de norte a sul.
Encontraram formas de
arquitectura tão diversas como os
espigueiros que se elevam do solo
e as açoteias do Algarve que
rematam as vilas piscatórias.
Fixaram o território num período
de rápida transformação, de
alteração de paradigmas,
permitindo que hoje possamos
ter acesso, numa viagem no
tempo, a esses lugares. Foi
possível registar a paisagem e a
arquitectura popular de um país
que estava a acabar – pela
concentração das populações no
litoral, pela emigração, pela
explosão da actividade da
construção civil na década de
1960, pelo desejo de urbanidade
dos habitantes que ficaram, pela
Arquitectura:
interrogar
osinquéritos
Nãodeixade
sersurpreendente
queovelho
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aarquitectura
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dopresente
Do mesmo modo que nos anos 1950 vários
arquitectos olharam para um arquitectura
em vias de desaparecimento, entre 2003
e 2004 novas gerações partiram em viagem
para ver o que a arquitectura erudita
do século XX tinha operado no território.
Convidado RicardoCarvalho*Opinião
Capela de Nossa Senhora
de Guadalupe, Vila do Bispo
- Arquivo Orlando Ribeiro e
Arquivo Duarte Belo
Tiragem: 41267
País: Portugal
Period.: Semanal
Âmbito: Informação Geral
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inevitavelmente, porque como
manifestação cultural que
também é manifesta-se de um
modo complexo e em vários
estratos.
O olhar retrospectivo de um
Inquérito não serve apenas
propósitos de investigadores.
Como o Inquérito à Arquitectura
do Século XX pretendeu-se
partilhar o trabalho colectivo de
uma comunidade. Comunidade
essa que, provavelmente, antes
da realização destes trabalhos
não estava atenta ao seu valor e
eventual relevância fora da vida
quotidiana. O Inquérito sobre o
século XX não teve ainda uma
exposição à sua altura. Nem um
catálogo. Há centenas de
fotografias em arquivo à espera
de uma exposição que as revelem
como merecem.
Não deixa de ser surpreendente
que o velho Inquérito sobre a
arquitectura popular, hoje
passível de um olhar lacónico
sobre um passado já distante,
continue a alimentar o debate e a
merecer vários pontos de vista,
enquanto que este outro, sobre o
mundo contemporâneo, continue
por se expor à complexidade das
interpretações do presente. Será
esta apenas mais uma
manifestação do medo da não
inscrição que o filósofo José Gil
refere no livro de 2004 Portugal
Hoje. O Medo de Existir?
*Ricardo Carvalho é arquitecto,
professor universitário, curador
e critico de arquitectura
realizou num país em democracia
e, nesse período, capaz de
recorrer a apoios europeus para
projectos de investigação. Do
mesmo modo que nos anos 1950
vários arquitectos se ocuparam
em olhar para um arquitectura
em vias de desaparecimento,
entre 2003 e 2004, novas
gerações partiram em viagem (em
brigadas) para ver o que a
arquitectura erudita do século XX
tinha operado no território.
Muitas das obras registadas são
de autores desconhecidos, muitas
outras foram amplamente
publicadas dentro e fora de
Portugal. Muitas obras não irão
permanecer, outras estão
profundamente alteradas e o seu
significado original difícil de
descodificar. Mas aquilo que
emerge desse trabalho é um
conjunto de obras qualificadas
em estão dispersas por todas as
décadas do século XX.
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século que procurou romper com
uma ideia de tradição e que
depois se reconciliou com a
mesma - e o Inquérito à
Arquitectura Regional Portuguesa
foi disso sinal. Foi o século que
hesitou em afirmar se o projecto
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Para uma pergunta algo primária como a da existência fundadora de uma casa portuguesa, como aquela elaborada pelo Estado Novo, que justificava o investimento no Inquérito, os arquitectos encontraram uma resposta mais profunda e revelaram a complexidade que está na base de tudo o que possui significado cultural. Não encontraram uma casa encontraram várias, distintas de norte a sul. Encontraram formas de arquitectura tão diversas como os espigueiros que se elevam do solo e as açoteias do Algarve que rematam as vilas piscatórias. Fixaram o território num período de rápida transformação, de alteração de paradigmas, permitindo que hoje possamos ter acesso, numa viagem no tempo, a esses lugares. Foi possível registar a paisagem e a arquitectura popular de um país que estava a acabar – pela concentração das populações no litoral, pela emigração, pela explosão da actividade da construção civil na década de 1960, pelo desejo de urbanidade dos habitantes que ficaram, pela Arquitectura: interrogar osinquéritos Nãodeixade sersurpreendente queovelho Inquéritosobre aarquitectura popular,hoje passívelde umolharlacónico sobreumpassado jádistante, continuea alimentarodebate eamerecervários pontosdevista, enquantoque esteoutro, sobreomundo contemporâneo, continue porseexpor àcomplexidade dasinterpretações dopresente Do mesmo modo que nos anos 1950 vários arquitectos olharam para um arquitectura em vias de desaparecimento, entre 2003 e 2004 novas gerações partiram em viagem para ver o que a arquitectura erudita do século XX tinha operado no território. Convidado RicardoCarvalho*Opinião Capela de Nossa Senhora de Guadalupe, Vila do Bispo - Arquivo Orlando Ribeiro e Arquivo Duarte Belo
  • 2. Tiragem: 41267 País: Portugal Period.: Semanal Âmbito: Informação Geral Pág: 39 Cores: Cor Área: 10,31 x 31,97 cm² Corte: 2 de 2ID: 47480616 03-05-2013 | Ípsilon inevitavelmente, porque como manifestação cultural que também é manifesta-se de um modo complexo e em vários estratos. O olhar retrospectivo de um Inquérito não serve apenas propósitos de investigadores. Como o Inquérito à Arquitectura do Século XX pretendeu-se partilhar o trabalho colectivo de uma comunidade. Comunidade essa que, provavelmente, antes da realização destes trabalhos não estava atenta ao seu valor e eventual relevância fora da vida quotidiana. O Inquérito sobre o século XX não teve ainda uma exposição à sua altura. Nem um catálogo. Há centenas de fotografias em arquivo à espera de uma exposição que as revelem como merecem. Não deixa de ser surpreendente que o velho Inquérito sobre a arquitectura popular, hoje passível de um olhar lacónico sobre um passado já distante, continue a alimentar o debate e a merecer vários pontos de vista, enquanto que este outro, sobre o mundo contemporâneo, continue por se expor à complexidade das interpretações do presente. Será esta apenas mais uma manifestação do medo da não inscrição que o filósofo José Gil refere no livro de 2004 Portugal Hoje. O Medo de Existir? *Ricardo Carvalho é arquitecto, professor universitário, curador e critico de arquitectura realizou num país em democracia e, nesse período, capaz de recorrer a apoios europeus para projectos de investigação. Do mesmo modo que nos anos 1950 vários arquitectos se ocuparam em olhar para um arquitectura em vias de desaparecimento, entre 2003 e 2004, novas gerações partiram em viagem (em brigadas) para ver o que a arquitectura erudita do século XX tinha operado no território. Muitas das obras registadas são de autores desconhecidos, muitas outras foram amplamente publicadas dentro e fora de Portugal. Muitas obras não irão permanecer, outras estão profundamente alteradas e o seu significado original difícil de descodificar. Mas aquilo que emerge desse trabalho é um conjunto de obras qualificadas em estão dispersas por todas as décadas do século XX. São sedes do Banco de Portugal, estações de Caminho- de-Ferro, fábricas, escolas, tribunais, barragens, bairros, casas, universidades, monumentos, entre muitos outros programas. Este foi o século que procurou romper com uma ideia de tradição e que depois se reconciliou com a mesma - e o Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa foi disso sinal. Foi o século que hesitou em afirmar se o projecto da modernidade estava em aberto ou se estava já superado. A arquitectura reflectiu tudo isso, Fotografia de Orlando Ribeiro de 1944/ fotografia de Duarte Belo. Idanha-a-Nova