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10 Livros da literatura
brasileira
Diego Peterson
N°15
1°EMA
Autran Dourado: Ópera dos Mortos
• Ópera dos Mortos é um dos romances que melhor espelha a temática e o rigor formal de Autran Dourado.
Cruzando as vozes dos diversos personagens em comentários e contrapontos, Autran Dourado mostra que o título de seu
romance não foi escolhido ao acaso. Como no gênero musical a que faz referência, é a certeza de um fim trágico e as
emoções arquetípicas que percorrem esta Ópera dos Mortos, uma meditação sobre os fantasmas do passado e, sobretudo,
um exercício de virtuosismo narrativo.
Sua narrativa é um mergulho no passado da família Honório Cota a partir de um velho sobrado que, em sua arquitetura
barroca, já corroída pelo tempo, vai revelando o destino de seus moradores, marcados pela tragédia, numa cidadezinha no
interior de Minas Gerais.
O senhor atente depois para o velho sobrado com a memória, com o coração, adverte um narrador que aos poucos se
confunde com a cidade onde reinava o coronel Lucas Procópio Honório Cota. Homem valente, que impunha respeito pela
força e truculência, traços que passavam distante da personalidade de seu filho e herdeiro, João Capistrano. Melancólico,
em luta permanente para se livrar do fantasma do pai, este fracassa na política — sua única chance de se impor na cidade, e
passa o resto de seus dias trancado no sobrado que ergueu como uma espécie de monumento à família.
Com o correr dos anos, o casarão vai se impregnando cada vez mais dos fantasmas dos antepassados, que transformam
tudo, de objetos a ambientes, em signos da morte. É neste ambiente opressivo e desolado que Rosalina, filha única de
Capistrano, vai viver depois da morte de seus pais. Solteira, isolada do mundo e tendo como única companhia a empregada
Quiquina, que é muda, ela passa seus dias fazendo flores de pano e vagando entre relógios parados e paredes carcomidas.
A rotina do sobrado vai ser alterada com a chegada de José Feliciano. Biscateiro, em busca de trabalho de cidade em cidade,
Juca Passarinho, como é chamado por todos, vai aos poucos entrando no universo enigmático da casa e, principalmente, na
vida da austera Rosalina.
A obra é dividida em nove capítulos cujos títulos servem de temática ao desenvolvimento dos mesmo; cada capítulo induz o
leitor a uma leitura visual pelo interior e exterior dos personagens e à medida que a narrativa se desenrola, o leitor vai
recebendo explicações sobre os acontecimentos anteriores e entendendo que, na verdade, são os mortos que comandam
essas vidas.
Haroldo de Campos: Galáxias• Eis um marco dentro da poesia brasileira, para muitos esse é a grande obra-prima do não menos grande Haroldo de
Campos. A primeira vez que vi essa obra foi há muito tempo atrás as portas do esgotamento, quando consegui quase por
milagre dois exemplares para uma amiga muito querida, mas já há muito distante, e percebi pelo encantamento em seu
olhar que aquilo ou era o segundo volume da Poética de Aristóteles, ou a menina era louca ou eu estava perdendo alguma
coisa dentro daquele círculo que eu julgara conhecer tão bem. As respostas para essas perguntas são 1 – O livro realmente
ficou um bom tempo esgotado, então era realmente um raridade. 2 – Ninguém desse ramo pode ser considerado normal,
afinal não é incomum transformar qualquer objeto em estantes para livros, gastar todo o salário com livros raro, se
emocionar ao entrar em sebos em promoção, dentre outros exemplos esdrúxulos. 3 – Nunca estive por dentro de certos
movimentos poéticos e o concretismo é o exemplo mais claro.
• O que é engraçado pois a maioria da minha produção de poeta adolescente é concreto (e ruim), essa obsessão pela forma
dentro da obra de arte que se manifesta claramente a partir do Modernismo é o pilar central do Concretismo, que é um
movimento made in Brasil diga-se de passagem, e tem ainda muitas repercussões tanto na poesia contemporânea como na
forma de certos romances como Rasif de Marcelino Freire, ou mesmo Os anões da Verônica Stigger, que eu falei a pouco.
Sua influência é clara, aqueles que odeiam o movimento dizem que é publicidade, brincadeira ou que simplesmente não é
poesia. Não sou adepto disso e essa tendência em “falar mal” do movimento que é vista até nas principais Universidades do
país é uma implicância mas tem uma base bem sólida pois se poesia fosse religião, os concretistas seriam os fanáticos, e se
poesia fosse poesia, o concretismo seria uma religião.
• Aí entra a minha crítica a forma em que as coisas tomaram. Não sei exatamente onde foi atirada a primeira pedra, mas nos
muitos momentos em que se tenta aderir ao estudo ou apreciação da poesia concreta, uma série de normas, tendências
(você não pode gostar de Gullar pois ele traiu o sistema!) e conhecimentos prévios invadem sua visão. Já cheguei a flagrar
pessoas rindo e se perguntando se ele “tinha entendido” o livro, e a pessoa da chacota era um leitor sério de Byron e outros
poetas. Situações como essa sempre me afastaram infelizmente. Mas como eu sou chato e todos sabem disso, estou eu com
a reedição da Galáxias em mãos e sem querer dizer que entendi tudo, antes que seja apedrejado, gostei bastante da leitura
e vou fazer comentários de uma mente que nada tem de adepta ao movimento.
• Primeira coisa que devo dizer é que é um tour de force. Salientei que não entendi tudo, pois minha leitura foi em banco de
ônibus entrecortadas por eventuais pausas entre o itinerário e esse é um livro ao qual você pode debruçar sua vida
analisando. Pois dentro de sua estrutura não só o português redescoberto em suas várias formas está presente, e sim o
latim, o espanhol, o inglês, italiano e até alemão até onde minha compreensão permite distinguir, mas pode ser algum tipo
de sérvio pelo contexto. O genial do livro é que muitas dessas línguas não são percebidas como dificuldade durante a leitura
pois elas se mesclam em perfeição com nossa língua nativa. Nesse ponto o livro é bem “fácil”, pois nota-se que a linguagem
utilizada pode assustar um pouco, mas quando lido em voz alta ele se aproxima muito mais do coloquialismo da fala do que
um poema pomposo, certinho e com fases de desenvolvimento do Parnasianismo. Ou seja é mais simples você
entender Galáxiasdo que Olavo Bilac.
João Cabral de Melo Neto: Morte e
Vida Severina
• A primeira parte da obra trata sobre a viagem que o protagonista – Severino da Maria –
empreende ao sair do sertão na tentativa de fugir da morte. Seu nome é proposital: a não
especificação de seu nome, ou seja, a ausência de um sobrenome denota o enorme número
de Severinos que vivem em condições precárias no nordeste brasileiro. Severino da Maria
nada mais é do que a representação de todos os retirantes.
Tem-se a constante impressão de movimento à medida que o texto vai se desenvolvendo
através da viagem de Severino. Aspectos físicos, climáticos e socioeconômicos vão sendo
revelados nos relatos e nos diálogos realizados.
• A coletânea parece uma sobreposição de fotografias da viagem do retirante, que vai sendo
fotografado em todas as localidades onde se encontra.
• A segunda parte da obra já relata a chegada e a estadia do personagem principal da cidade
de Recife. A desilusão do sertanejo é evidenciada em sua conversa com José, mestre carpina -
morador de um dos mocambos localizados entre o cais e a água do rio - na qual Severino
confessa sua vontade de cometer suicídio. O retirante que tentava fugir da morte não
encontrou a vida na capital pernambucana.
• No meio do diálogo vem a notícia que o filho de José acaba de nascer. Um grande número de
pessoas vêm fazer visita ao recém nascido. É uma clara comparação com o nascimento de
Jesus Cristo, um menino pobre e fadado ao sofrimento. Algumas ciganas presentes vaticinam
o futuro da criança. Embora Recife se modernize, o futuro homem oferecerá sua mão de obra
em uma fábrica e continuará sendo subjugado pela elite recifense.
José Cândido de Carvalho: O Coronel
e o Lobisomem
• Quando em 1964 se publicou O Coronel e o Lobisomem, de José Cândido de Carvalho, o autor recebeu imediatamente a
aprovação dos círculos da crítica e dos leitores. Havia sem dúvida algo de novo nesse romance, onde se percebia, ao menos,
um humor cheio de viço. O narrador, em primeira pessoa, conta com fluência e inusitadas descrições a sua história: "A bem
dizer, sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que tenho honra e faço alarde. Herdei do meu avô Simeão
terras de muitas medidas, gado do mais gordo, pasto do mais fino. Leio no corrente da vista e até uns latins arranhei em
tempos verdes da infância (...). Digo, modéstia de lado, que já discuti e joguei no assoalho do Foro mais de um doutor
formado”. Criado pelo avô, que nele vê "todo o sintoma do povo da política” por ser "invencioneiro e linguarudo”, esse
Ponciano com herança e patente de coronel tem na falta de cerimônia o impulso para apoderar-se - como um bom contador
de histórias - do que deseja e aventurar-se nas mais estapafúrdias situações, como a caça de uma onça; o namoro com uma
sereia; a companhia de um galo de briga e de estimação, o Vermelhinho; a luta contra um lobisomem. Seu poderio na região
de Campos de Goitacazes decai com o tempo, à medida que perde seus bens. A paixão por Esmeraldina, mulher casada,
nada lhe rende concretamente. Termina enlouquecendo. Essas singulares memórias de um homem que já estaria louco
revelam, no conjunto e no saldo negativo dessas aventuras, a inadequação do protagonista - um homem ligado a um mundo
rural, autoritário e patriarcal - ao circuito urbano e a um tempo de nova política e novos costumes.
Os méritos de O Coronel e o Lobisomem se devem às construções lingüísticas que o escritor, calculadamente, empregou. Há
não apenas deliciosas inserções do folclore brasileiro na trama, mas também o uso de termos e expressões regionais em
perfeita harmonia com a narrativa. É curioso notar como já se aproximou este romance de Grande Sertão: Veredas, de
Guimarães Rosa. Em ambas as obras, há um esforço contínuo e bem elaborado de conciliação entre a linguagem do
narrador e o universo que ele descreve. A primeira pessoa impregna-se na narrativa. As lembranças dos bordéis
freqüentados por Ponciano, as conversas com subalternos, o uso de palavras construídas por prefixos e sufixos inesperados,
tudo remete à linguagem falada popular e regional: "Andei vai-não-vai para soltar o ferrão da língua nos costados deles
todos, cambada de mariquinhas, magote de assombrados. (...) fui levar (...) os espavoridos de volta ao robalo. E mais: como
sou sujeito humanal, levantei o ânimo decaído dele”.
José Cândido de Carvalho nasceu em 1914 em Campos, Rio de Janeiro, e faleceu em 1989, em Niterói. Filho de portugueses
que se estabeleceram em Campos de Goitacazes e formado em direito, trabalhou como jornalista em várias publicações. É
também autor de Olha para o Céu, Frederico! e Ninguém Mata o Arco-Íris (perfis jornalísticos). Deixou inacabado o romance
O Rei Baltazar.
José Lins do Rego: Fogo Morto
• O tema central de Fogo Morto é o desajuste das pessoas com a realidade resultante do
declínio do escravismo nos engenhos nordestinos, nas primeiras décadas do século XX. O
romance conta a história de um poderoso engenho, o Santa Fé, desde sua fundação até o
declínio, quando se transforma em "fogo morto", expressão com que, no Nordeste,
designam-se os engenhos inativos.
• Retomando o espírito de observação realista, o autor produz um minucioso levantamento da
vida social e psicológica dos engenhos da Paraíba. Em virtude do apego ao cotidiano da
região, Fogo Morto apresenta não apenas valor estético, mas também interesse documental.
• Fogo Morto não se esgota na classificação de romance regionalista, embora essa seja uma
noção correta. Há outros componentes importantes na obra, a partir dos quais se pode
enquadrá-la numa tipologia consagrada. Talvez o mais ilustre antecedente de Fogo Morto na
literatura brasileira seja O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo.
• Em que sentido? No sentido de tomar uma personagem coletiva como objeto de análise.
Assim como Aluísio investiga o nascimento, vida e morte de um cortiço do Rio de Janeiro,
José Lins penetra no surgimento, plenitude e declínio do Engenho Santa Fé, localizado na
zona da mata da Paraíba. Com efeito, o engenho parece possuir vida própria, embora suas
células sejam as pessoas que o formam.
• Como análise quer dizer decomposição, o autor decompõe as pessoas como forma de expor
a constituição do todo. Por essa perspectiva, Fogo Morto tanto pode ser entendido como um
romance social quanto psicológico. Em rigor, uma categoria não existe sem a outra. O livro é
forte em ambas as dimensões.
Murilo Mendes: As Metamorfoses
• Publicado originalmente em 1944, AS METAMORFOSES é considerado, pelos críticos, um dos livros mais importantes do
poeta mineiro Murilo Mendes. De caráter extremamente social, o livro traz poemas como A liberdade e A vida cotidiana e
faz parte do projeto da Editora Record de recolocar no mercado as obras do poeta modernista. As novas edições contam
com um projeto gráfico da artista plástica Regina Ferraz e prefácios de estudiosos e críticos da obra de Murilo Mendes. AS
METAMORFOSES é o terceiro da série, logo após Poesia e liberdade e Tempo Espanhol, já publicados, e traz introdução de
Fábio de Souza Andrade.
Com o modernismo brasileiro, surgiram alguns poetas que estão entre os melhores de nossa literatura. Um deles é Murilo
Mendes, que se situa ao lado de nomes como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Nascido em 1901, na
cidade mineira de Juiz de Fora, e falecido em 1975, em Lisboa, depois de morar por 18 anos em Roma, Murilo Mendes
publicou seu primeiro livro, Poemas, em 1930, ano em que também estreou em livro Carlos Drummond de Andrade.
Saudada com entusiasmo por Mário de Andrade, a poesia de Murilo Mendes já surgia como uma das mais representativas
de sua geração. Ao longo de sua carreira, a melhor crítica brasileira - Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux, José Guilherme
Merquior, Davi Arrigucci Jr. - ressaltou sua importância fundamental.
Se surgiu integrada ao movimento modernista, com seu impulso de ruptura e instauração de novas orientações, a obra de
Murilo Mendes, durante mais de quatro décadas de produção, passou por algumas metamorfoses, incorporando novos
aspectos e dicções. Assim, do momento modernista inicial, com poemas em que muitas vezes ressaltam a linguagem
coloquial e o recurso do humor, passou a uma exploração da imagem inusitada e fulgurante como meio de abordar as
dimensões da realidade para a qual se voltavam os poemas, desenvolvendo a seguir uma poesia de caráter mais contido,
conciso, grave e reflexivo, não sem deixar de fazer incursões por procedimentos formais de caráter experimental.
Além de poesia, Murilo Mendes também produziu importantes livros de uma prosa bastante pessoal e inovadora, como A
idade do serrote e Poliedro, que em vários aspectos se situam nos limites entre prosa e poesia. Poeta que certa vez declarou
ter como divisa o título de um de seus livros mais importantes, Poesia liberdade, Murilo Mendes criou poemas em que fica
visível a insubordinação a todas as tentativas de cerceamento da capacidade criativa e das formas de expressão, poemas
que muitas vezes alcançam rara beleza, graças ao refinamento de seu lirismo. Em livros como Mundo enigma, Siciliana,
Tempo espanhol e Convergência, está um poeta em que se pode identificar um dos melhores momentos de nossa literatura,
um poeta que nos oferece uma das mais bem elaboradas e belas produções poéticas do nosso tempo.
Murilo Rubião: O Ex-Mágico
• Jornalista e escritor mineiro que somente se tornou reconhecido após a publicação de O Pirotécnico Zacarias em 1974,
Murilo Rubião (1916-1991) é o primeiro contista moderno na incipiente literatura fantástica brasileira. Escreveu apenas
alguns contos, a maioria redigida na busca obsessiva pela clareza característica ao seu estilo.
Seu primeiro e melhor livro, O Ex-Mágico (1947), foi recebido pela crítica com pouco interesse. O crítico Álvaro Lins
reconheceu nele algumas qualidades, mas sem se entusiasmar. Mário de Andrade fez o mesmo, mas de maneira mais
desconfiada. O livro (hoje em catálogo como Contos de Murilo Rubião) é um coletânea de 15 textos cujo título original é
tirado de seu texto mais conhecido — O Ex-Mágico da Taberna Minhota. A história é de um mágico que está desencantado
com o mundo. Ele é capaz de tirar animais do bolso e reconstituir as próprias mãos depois de cortá-las fora. Causa espanto e
admiração no público, mas ainda assim não se surpreende com seus feitos e se sente entediado com a própria profissão.
Tenta se suicidar, mas não consegue. Então passa a trabalhar como funcionário público, o que seria para ele uma espécie de
morte lenta. Ele não morre, mas perde os poderes mágicos diante de toda a burocracia.
Evidentemente pontuada por críticas à sociedade, a narrativa utiliza o fantástico para atacar as precariedades do cotidiano,
sem fantasias. Os elementos mágicos são tratados com naturalidade e não chegam a causar propriamente estranhamento
no leitor — exceto pela excentricidade de alguns casos. “E, por mais absurdas que sejam as novas relações estabelecidas
entre as coisas e o homem, a verdade é que elas não são mais absurdas do que as condições de vida normal, controlada
pela razão: eis a lição amarga que se tira de sua sátira, tão poética e tão rica de invenção”, escreveu Carlos Drummond de
Andrade ao autor. Para os críticos, há nisso uma grande semelhança com o universo de Franz Kafka — autor que Rubião
desconhecia na época em que escreveu O Ex-Mágico. O humor irônico e gélido do escritor, que lembraria a literatura
machadiana, recai sobre o tédio e a inércia do mundo, que segue inalterado mesmo diante dos feitos mágicos. Para o crítico
Jorge Schwartz, “a solidão toma conta dos personagens, que se caracterizam por uma perpétua procura e um contínuo
desencontro”. Entre os recursos sobrenaturais mais comuns estão a inversão da causalidade espaço-temporal, a tendência
ao infinito, a metamorfose e o zoomorfismo e a contaminação homem-objeto.
A linguagem clara, direta e coloquial contrasta com os enredos fantásticos. Mas, ao mesmo tempo, parece condizente com a
origem na anedota mineira que está no coração de vários contos. A presença de Minas Gerais é constante, mas nunca
explícita ou exaltada. Está emaranhada em um visão moderna que descreve os pequenos centros urbanos, os palcos das
histórias — espaços cinzentos, decaídos e arruinados. Murilo Rubião é também autor de, entre outros, O Convidado (1974)
e A Casa do Girassol Vermelho (1978).
Sérgio Sant'Anna: A Senhorita
Simpson• A narrativa A Senhorita Simpson, de Sérgio Sant'Anna, foi publicada em 1989. A obra serviu de inspiração para o cineasta
Bruno Barreto produzir "Bossa Nova", filme lançado em 2000.
O assunto deste conto envolve o choque de valores que se dá entre a puritana protagonista, que parece ter saído das
páginas do romancista americano Henry James, e a burguesia carioca com quem convive nas aulas de inglês que ministra em
Copacabana.
Em A Senhorita Simpson o ponto de partida é um cursinho de inglês, o Piccadilly, que serve como motivo principal para a
narrativa. As inter-relações vitais para o enredo vão surgindo como decorrência dos encontros noturnos para as aulas, tendo
como narrador-protagonista Pedro Paulo Silva, um dos alunos da turma, 29 anos, funcionário-público no Tribunal de Justiça,
separado da mulher, um casal de filhos, habitando sozinho um pequeno apartamento na Prado Júnior e profundamente
envolvido com uma dependência por Valium, como soporífero, e por mulheres, como carência de afeto. De certa forma
sugerindo em tom de paródia o tipo romântico: a crise existêncial, uma espécie de obsessão pelo encontro intermeada por
um ligeiro temor, a fuga das responsabilidades 'morais' e a fragilidade das relações não duradoura.
A narrativa sugere um pequeno espaço brasileiro, essencialmente urbano: a zona sul da cidade do Rio de Janeiro,
Copacabana, a classe-média, o inglês como língua de mercado e da moda, a mulher no trabalho, a separação conjugal, o
misticismo oriental e a utopia da trilha pela Bolívia e Peru rumo a Cuzco e Machu-Pichu (roteiro seguido por tantos jovens da
época). Tudo isto trabalhado com muita ironia e consciência crítica sobre o ato de narrar, por parte de um autor que
certamente esteve no contexto, olhando desconfiado para alguns modelos, apreciando o sabor e a possibilidade do
encontro e parecendo ter nunca se submetido ao vício.
Assim, mantendo-se fora do interior da narrativa, Sérgio Sant'Anna distancia-se do mundo de seu protagonista, não se
identifica enquanto narrador e através da alteridade transfere para a personagem a vivência da história (em seu duplo
sentido: ficção e experiências do passado). A intertextualidade metaficcional enquanto reflexividade consciente do papel da
ficção na contemporaneidade, é feita através do 'pastiche' em relação às histórias do gênero "meu tipo inesquecível", que
aparecem na "Seleções do Reader's Digest", conforme apresentação feita na epígrafe da obra. E esse roteiro
problematizador confunde-se com a própria narração enquanto técnica e modo de compor a narrativa. Como característica
pós-modernista, no entanto, em tomo de uma superposição crítica e paródica, ficcional e historiográfica, Sérgio Sant'Anna
procura reconstituir o estilo (gênero) ao invés da sensibilidade compositiva mais do que sob uma conceituação estética que
privilegie o contexto puramente ideológico do discurso.
Raul Pompéia: O Ateneu
• O texto é em primeira pessoa e Sérgio, já adulto, relata a convivência em um internato, intitulado Ateneu,
um ambiente corrupto e moralista, sendo dirigido pelo Dr. Aristarco, um homem que visava apenas o lucro
e o ganho de bens materiais, então diretor do colégio. A cena pioneira do romance relata a ida do jovem
para o internato. Seu pai o leva de encontro a um novo ambiente. Ele irá encontrar novas pessoas, até
então imaturas nas suas ações, e Sérgio deve “encontrar o mundo” como afirmava o pai. É a típica cena de
paternidade da época: o pai anseia em ver o filho pródigo com um futuro promissor, procura um internato
para enquadrá-lo às cobranças de um mundo exigente e esmagador. “Coragem para a luta”, dizia seu pai.
Sérgio atende as necessidades do pai e, ao longo de toda a narrativa, relata seus medos, decepções, as
disciplinas impostas duramente, os relacionamentos e as amizades. É nítida a crítica quanto ao modo
moralista e severo das instituições de elite do século XIX. De forma irônica, Aristarco representa bem o que
um típico ditador assume em seu caráter. O enredo está repleto de metáforas e isso contribui para
enfatizar o caráter hiperbólico da obra, marcada pelos exageros da língua.
• Como um diário de bordo, Sérgio não deixa perder nenhuma memória sobre os seus dois anos no
internato. O seu cotidiano, como os lazeres, os encontros, as aulas e os banhos de piscina são retratados a
partir de uma perspectiva particular. O naturalismo presente dá abertura a temas como o
homossexualismo e do amor imaturo, já que em suas férias, contraiu sarampo e Dr. Aristarco ficou
responsável pelo menino, assim conhecendo D. Emma, mulher do diretor, apaixonando-se e desejando
sempre encontrá-la.
• Em uma fatídica manhã, todos gritavam por fogo, um incêndio provocado supostamente pelo novo aluno,
Américo. Deixado no internato contra sua vontade, o pai do jovem Américo faz um pedido ao diretor
Aristarco: ele deseja ver seu filho disciplinado às normas rígidas, curando-lhe o mau comportamento. Com
o incêndio, D. Emma desaparece misteriosamente. Junto com o Ateneu, que foi destruído pelo fogo, Sérgio
encerra suas memórias sobre uma vida de aprendizagem na escola.
Osman Lins: Avalovara
• Este romance de 1973 assinala o ápice do percurso literário do pernambucano
Osman Lins. Tendo como ponto de partida a intersecção entre uma espiral e um
quadrado, nos quais se inscreve uma curiosa frase em latim, o romance cria uma
intrincada trama de texto e mundo, em que a imagem dos nomes sobrepõe-se à
imagem dos seres e das coisas, compondo um terceiro destino que cabe
necessariamente ao homem decifrar.
Avalovara intercala oito temas narrativos que atravessam tempos e espaços
distintos, de Amsterdã a Recife, de Recife à Roma Antiga, daí a São Paulo e vice-
versa, numa narrativa notável, que ambiciona abarcar o mundo e a linguagem em
sua totalidade. Neste mergulho no cerne da linguagem, o ritmo poético precede e
ordena os nexos narrativos, num casamento entre prosa e poesia que marcou o
romance brasileiro contemporâneo.
"Avalovara representa na literatura brasileira atual um momento de decisiva
modernidade, porque o Autor (como diz a certa altura) exerce 'uma vigilância
constante sobre o seu romance, integrando-o num rigor só outorgado, via de
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  • 2. Autran Dourado: Ópera dos Mortos • Ópera dos Mortos é um dos romances que melhor espelha a temática e o rigor formal de Autran Dourado. Cruzando as vozes dos diversos personagens em comentários e contrapontos, Autran Dourado mostra que o título de seu romance não foi escolhido ao acaso. Como no gênero musical a que faz referência, é a certeza de um fim trágico e as emoções arquetípicas que percorrem esta Ópera dos Mortos, uma meditação sobre os fantasmas do passado e, sobretudo, um exercício de virtuosismo narrativo. Sua narrativa é um mergulho no passado da família Honório Cota a partir de um velho sobrado que, em sua arquitetura barroca, já corroída pelo tempo, vai revelando o destino de seus moradores, marcados pela tragédia, numa cidadezinha no interior de Minas Gerais. O senhor atente depois para o velho sobrado com a memória, com o coração, adverte um narrador que aos poucos se confunde com a cidade onde reinava o coronel Lucas Procópio Honório Cota. Homem valente, que impunha respeito pela força e truculência, traços que passavam distante da personalidade de seu filho e herdeiro, João Capistrano. Melancólico, em luta permanente para se livrar do fantasma do pai, este fracassa na política — sua única chance de se impor na cidade, e passa o resto de seus dias trancado no sobrado que ergueu como uma espécie de monumento à família. Com o correr dos anos, o casarão vai se impregnando cada vez mais dos fantasmas dos antepassados, que transformam tudo, de objetos a ambientes, em signos da morte. É neste ambiente opressivo e desolado que Rosalina, filha única de Capistrano, vai viver depois da morte de seus pais. Solteira, isolada do mundo e tendo como única companhia a empregada Quiquina, que é muda, ela passa seus dias fazendo flores de pano e vagando entre relógios parados e paredes carcomidas. A rotina do sobrado vai ser alterada com a chegada de José Feliciano. Biscateiro, em busca de trabalho de cidade em cidade, Juca Passarinho, como é chamado por todos, vai aos poucos entrando no universo enigmático da casa e, principalmente, na vida da austera Rosalina. A obra é dividida em nove capítulos cujos títulos servem de temática ao desenvolvimento dos mesmo; cada capítulo induz o leitor a uma leitura visual pelo interior e exterior dos personagens e à medida que a narrativa se desenrola, o leitor vai recebendo explicações sobre os acontecimentos anteriores e entendendo que, na verdade, são os mortos que comandam essas vidas.
  • 3. Haroldo de Campos: Galáxias• Eis um marco dentro da poesia brasileira, para muitos esse é a grande obra-prima do não menos grande Haroldo de Campos. A primeira vez que vi essa obra foi há muito tempo atrás as portas do esgotamento, quando consegui quase por milagre dois exemplares para uma amiga muito querida, mas já há muito distante, e percebi pelo encantamento em seu olhar que aquilo ou era o segundo volume da Poética de Aristóteles, ou a menina era louca ou eu estava perdendo alguma coisa dentro daquele círculo que eu julgara conhecer tão bem. As respostas para essas perguntas são 1 – O livro realmente ficou um bom tempo esgotado, então era realmente um raridade. 2 – Ninguém desse ramo pode ser considerado normal, afinal não é incomum transformar qualquer objeto em estantes para livros, gastar todo o salário com livros raro, se emocionar ao entrar em sebos em promoção, dentre outros exemplos esdrúxulos. 3 – Nunca estive por dentro de certos movimentos poéticos e o concretismo é o exemplo mais claro. • O que é engraçado pois a maioria da minha produção de poeta adolescente é concreto (e ruim), essa obsessão pela forma dentro da obra de arte que se manifesta claramente a partir do Modernismo é o pilar central do Concretismo, que é um movimento made in Brasil diga-se de passagem, e tem ainda muitas repercussões tanto na poesia contemporânea como na forma de certos romances como Rasif de Marcelino Freire, ou mesmo Os anões da Verônica Stigger, que eu falei a pouco. Sua influência é clara, aqueles que odeiam o movimento dizem que é publicidade, brincadeira ou que simplesmente não é poesia. Não sou adepto disso e essa tendência em “falar mal” do movimento que é vista até nas principais Universidades do país é uma implicância mas tem uma base bem sólida pois se poesia fosse religião, os concretistas seriam os fanáticos, e se poesia fosse poesia, o concretismo seria uma religião. • Aí entra a minha crítica a forma em que as coisas tomaram. Não sei exatamente onde foi atirada a primeira pedra, mas nos muitos momentos em que se tenta aderir ao estudo ou apreciação da poesia concreta, uma série de normas, tendências (você não pode gostar de Gullar pois ele traiu o sistema!) e conhecimentos prévios invadem sua visão. Já cheguei a flagrar pessoas rindo e se perguntando se ele “tinha entendido” o livro, e a pessoa da chacota era um leitor sério de Byron e outros poetas. Situações como essa sempre me afastaram infelizmente. Mas como eu sou chato e todos sabem disso, estou eu com a reedição da Galáxias em mãos e sem querer dizer que entendi tudo, antes que seja apedrejado, gostei bastante da leitura e vou fazer comentários de uma mente que nada tem de adepta ao movimento. • Primeira coisa que devo dizer é que é um tour de force. Salientei que não entendi tudo, pois minha leitura foi em banco de ônibus entrecortadas por eventuais pausas entre o itinerário e esse é um livro ao qual você pode debruçar sua vida analisando. Pois dentro de sua estrutura não só o português redescoberto em suas várias formas está presente, e sim o latim, o espanhol, o inglês, italiano e até alemão até onde minha compreensão permite distinguir, mas pode ser algum tipo de sérvio pelo contexto. O genial do livro é que muitas dessas línguas não são percebidas como dificuldade durante a leitura pois elas se mesclam em perfeição com nossa língua nativa. Nesse ponto o livro é bem “fácil”, pois nota-se que a linguagem utilizada pode assustar um pouco, mas quando lido em voz alta ele se aproxima muito mais do coloquialismo da fala do que um poema pomposo, certinho e com fases de desenvolvimento do Parnasianismo. Ou seja é mais simples você entender Galáxiasdo que Olavo Bilac.
  • 4. João Cabral de Melo Neto: Morte e Vida Severina • A primeira parte da obra trata sobre a viagem que o protagonista – Severino da Maria – empreende ao sair do sertão na tentativa de fugir da morte. Seu nome é proposital: a não especificação de seu nome, ou seja, a ausência de um sobrenome denota o enorme número de Severinos que vivem em condições precárias no nordeste brasileiro. Severino da Maria nada mais é do que a representação de todos os retirantes. Tem-se a constante impressão de movimento à medida que o texto vai se desenvolvendo através da viagem de Severino. Aspectos físicos, climáticos e socioeconômicos vão sendo revelados nos relatos e nos diálogos realizados. • A coletânea parece uma sobreposição de fotografias da viagem do retirante, que vai sendo fotografado em todas as localidades onde se encontra. • A segunda parte da obra já relata a chegada e a estadia do personagem principal da cidade de Recife. A desilusão do sertanejo é evidenciada em sua conversa com José, mestre carpina - morador de um dos mocambos localizados entre o cais e a água do rio - na qual Severino confessa sua vontade de cometer suicídio. O retirante que tentava fugir da morte não encontrou a vida na capital pernambucana. • No meio do diálogo vem a notícia que o filho de José acaba de nascer. Um grande número de pessoas vêm fazer visita ao recém nascido. É uma clara comparação com o nascimento de Jesus Cristo, um menino pobre e fadado ao sofrimento. Algumas ciganas presentes vaticinam o futuro da criança. Embora Recife se modernize, o futuro homem oferecerá sua mão de obra em uma fábrica e continuará sendo subjugado pela elite recifense.
  • 5. José Cândido de Carvalho: O Coronel e o Lobisomem • Quando em 1964 se publicou O Coronel e o Lobisomem, de José Cândido de Carvalho, o autor recebeu imediatamente a aprovação dos círculos da crítica e dos leitores. Havia sem dúvida algo de novo nesse romance, onde se percebia, ao menos, um humor cheio de viço. O narrador, em primeira pessoa, conta com fluência e inusitadas descrições a sua história: "A bem dizer, sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que tenho honra e faço alarde. Herdei do meu avô Simeão terras de muitas medidas, gado do mais gordo, pasto do mais fino. Leio no corrente da vista e até uns latins arranhei em tempos verdes da infância (...). Digo, modéstia de lado, que já discuti e joguei no assoalho do Foro mais de um doutor formado”. Criado pelo avô, que nele vê "todo o sintoma do povo da política” por ser "invencioneiro e linguarudo”, esse Ponciano com herança e patente de coronel tem na falta de cerimônia o impulso para apoderar-se - como um bom contador de histórias - do que deseja e aventurar-se nas mais estapafúrdias situações, como a caça de uma onça; o namoro com uma sereia; a companhia de um galo de briga e de estimação, o Vermelhinho; a luta contra um lobisomem. Seu poderio na região de Campos de Goitacazes decai com o tempo, à medida que perde seus bens. A paixão por Esmeraldina, mulher casada, nada lhe rende concretamente. Termina enlouquecendo. Essas singulares memórias de um homem que já estaria louco revelam, no conjunto e no saldo negativo dessas aventuras, a inadequação do protagonista - um homem ligado a um mundo rural, autoritário e patriarcal - ao circuito urbano e a um tempo de nova política e novos costumes. Os méritos de O Coronel e o Lobisomem se devem às construções lingüísticas que o escritor, calculadamente, empregou. Há não apenas deliciosas inserções do folclore brasileiro na trama, mas também o uso de termos e expressões regionais em perfeita harmonia com a narrativa. É curioso notar como já se aproximou este romance de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Em ambas as obras, há um esforço contínuo e bem elaborado de conciliação entre a linguagem do narrador e o universo que ele descreve. A primeira pessoa impregna-se na narrativa. As lembranças dos bordéis freqüentados por Ponciano, as conversas com subalternos, o uso de palavras construídas por prefixos e sufixos inesperados, tudo remete à linguagem falada popular e regional: "Andei vai-não-vai para soltar o ferrão da língua nos costados deles todos, cambada de mariquinhas, magote de assombrados. (...) fui levar (...) os espavoridos de volta ao robalo. E mais: como sou sujeito humanal, levantei o ânimo decaído dele”. José Cândido de Carvalho nasceu em 1914 em Campos, Rio de Janeiro, e faleceu em 1989, em Niterói. Filho de portugueses que se estabeleceram em Campos de Goitacazes e formado em direito, trabalhou como jornalista em várias publicações. É também autor de Olha para o Céu, Frederico! e Ninguém Mata o Arco-Íris (perfis jornalísticos). Deixou inacabado o romance O Rei Baltazar.
  • 6. José Lins do Rego: Fogo Morto • O tema central de Fogo Morto é o desajuste das pessoas com a realidade resultante do declínio do escravismo nos engenhos nordestinos, nas primeiras décadas do século XX. O romance conta a história de um poderoso engenho, o Santa Fé, desde sua fundação até o declínio, quando se transforma em "fogo morto", expressão com que, no Nordeste, designam-se os engenhos inativos. • Retomando o espírito de observação realista, o autor produz um minucioso levantamento da vida social e psicológica dos engenhos da Paraíba. Em virtude do apego ao cotidiano da região, Fogo Morto apresenta não apenas valor estético, mas também interesse documental. • Fogo Morto não se esgota na classificação de romance regionalista, embora essa seja uma noção correta. Há outros componentes importantes na obra, a partir dos quais se pode enquadrá-la numa tipologia consagrada. Talvez o mais ilustre antecedente de Fogo Morto na literatura brasileira seja O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo. • Em que sentido? No sentido de tomar uma personagem coletiva como objeto de análise. Assim como Aluísio investiga o nascimento, vida e morte de um cortiço do Rio de Janeiro, José Lins penetra no surgimento, plenitude e declínio do Engenho Santa Fé, localizado na zona da mata da Paraíba. Com efeito, o engenho parece possuir vida própria, embora suas células sejam as pessoas que o formam. • Como análise quer dizer decomposição, o autor decompõe as pessoas como forma de expor a constituição do todo. Por essa perspectiva, Fogo Morto tanto pode ser entendido como um romance social quanto psicológico. Em rigor, uma categoria não existe sem a outra. O livro é forte em ambas as dimensões.
  • 7. Murilo Mendes: As Metamorfoses • Publicado originalmente em 1944, AS METAMORFOSES é considerado, pelos críticos, um dos livros mais importantes do poeta mineiro Murilo Mendes. De caráter extremamente social, o livro traz poemas como A liberdade e A vida cotidiana e faz parte do projeto da Editora Record de recolocar no mercado as obras do poeta modernista. As novas edições contam com um projeto gráfico da artista plástica Regina Ferraz e prefácios de estudiosos e críticos da obra de Murilo Mendes. AS METAMORFOSES é o terceiro da série, logo após Poesia e liberdade e Tempo Espanhol, já publicados, e traz introdução de Fábio de Souza Andrade. Com o modernismo brasileiro, surgiram alguns poetas que estão entre os melhores de nossa literatura. Um deles é Murilo Mendes, que se situa ao lado de nomes como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Nascido em 1901, na cidade mineira de Juiz de Fora, e falecido em 1975, em Lisboa, depois de morar por 18 anos em Roma, Murilo Mendes publicou seu primeiro livro, Poemas, em 1930, ano em que também estreou em livro Carlos Drummond de Andrade. Saudada com entusiasmo por Mário de Andrade, a poesia de Murilo Mendes já surgia como uma das mais representativas de sua geração. Ao longo de sua carreira, a melhor crítica brasileira - Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux, José Guilherme Merquior, Davi Arrigucci Jr. - ressaltou sua importância fundamental. Se surgiu integrada ao movimento modernista, com seu impulso de ruptura e instauração de novas orientações, a obra de Murilo Mendes, durante mais de quatro décadas de produção, passou por algumas metamorfoses, incorporando novos aspectos e dicções. Assim, do momento modernista inicial, com poemas em que muitas vezes ressaltam a linguagem coloquial e o recurso do humor, passou a uma exploração da imagem inusitada e fulgurante como meio de abordar as dimensões da realidade para a qual se voltavam os poemas, desenvolvendo a seguir uma poesia de caráter mais contido, conciso, grave e reflexivo, não sem deixar de fazer incursões por procedimentos formais de caráter experimental. Além de poesia, Murilo Mendes também produziu importantes livros de uma prosa bastante pessoal e inovadora, como A idade do serrote e Poliedro, que em vários aspectos se situam nos limites entre prosa e poesia. Poeta que certa vez declarou ter como divisa o título de um de seus livros mais importantes, Poesia liberdade, Murilo Mendes criou poemas em que fica visível a insubordinação a todas as tentativas de cerceamento da capacidade criativa e das formas de expressão, poemas que muitas vezes alcançam rara beleza, graças ao refinamento de seu lirismo. Em livros como Mundo enigma, Siciliana, Tempo espanhol e Convergência, está um poeta em que se pode identificar um dos melhores momentos de nossa literatura, um poeta que nos oferece uma das mais bem elaboradas e belas produções poéticas do nosso tempo.
  • 8. Murilo Rubião: O Ex-Mágico • Jornalista e escritor mineiro que somente se tornou reconhecido após a publicação de O Pirotécnico Zacarias em 1974, Murilo Rubião (1916-1991) é o primeiro contista moderno na incipiente literatura fantástica brasileira. Escreveu apenas alguns contos, a maioria redigida na busca obsessiva pela clareza característica ao seu estilo. Seu primeiro e melhor livro, O Ex-Mágico (1947), foi recebido pela crítica com pouco interesse. O crítico Álvaro Lins reconheceu nele algumas qualidades, mas sem se entusiasmar. Mário de Andrade fez o mesmo, mas de maneira mais desconfiada. O livro (hoje em catálogo como Contos de Murilo Rubião) é um coletânea de 15 textos cujo título original é tirado de seu texto mais conhecido — O Ex-Mágico da Taberna Minhota. A história é de um mágico que está desencantado com o mundo. Ele é capaz de tirar animais do bolso e reconstituir as próprias mãos depois de cortá-las fora. Causa espanto e admiração no público, mas ainda assim não se surpreende com seus feitos e se sente entediado com a própria profissão. Tenta se suicidar, mas não consegue. Então passa a trabalhar como funcionário público, o que seria para ele uma espécie de morte lenta. Ele não morre, mas perde os poderes mágicos diante de toda a burocracia. Evidentemente pontuada por críticas à sociedade, a narrativa utiliza o fantástico para atacar as precariedades do cotidiano, sem fantasias. Os elementos mágicos são tratados com naturalidade e não chegam a causar propriamente estranhamento no leitor — exceto pela excentricidade de alguns casos. “E, por mais absurdas que sejam as novas relações estabelecidas entre as coisas e o homem, a verdade é que elas não são mais absurdas do que as condições de vida normal, controlada pela razão: eis a lição amarga que se tira de sua sátira, tão poética e tão rica de invenção”, escreveu Carlos Drummond de Andrade ao autor. Para os críticos, há nisso uma grande semelhança com o universo de Franz Kafka — autor que Rubião desconhecia na época em que escreveu O Ex-Mágico. O humor irônico e gélido do escritor, que lembraria a literatura machadiana, recai sobre o tédio e a inércia do mundo, que segue inalterado mesmo diante dos feitos mágicos. Para o crítico Jorge Schwartz, “a solidão toma conta dos personagens, que se caracterizam por uma perpétua procura e um contínuo desencontro”. Entre os recursos sobrenaturais mais comuns estão a inversão da causalidade espaço-temporal, a tendência ao infinito, a metamorfose e o zoomorfismo e a contaminação homem-objeto. A linguagem clara, direta e coloquial contrasta com os enredos fantásticos. Mas, ao mesmo tempo, parece condizente com a origem na anedota mineira que está no coração de vários contos. A presença de Minas Gerais é constante, mas nunca explícita ou exaltada. Está emaranhada em um visão moderna que descreve os pequenos centros urbanos, os palcos das histórias — espaços cinzentos, decaídos e arruinados. Murilo Rubião é também autor de, entre outros, O Convidado (1974) e A Casa do Girassol Vermelho (1978).
  • 9. Sérgio Sant'Anna: A Senhorita Simpson• A narrativa A Senhorita Simpson, de Sérgio Sant'Anna, foi publicada em 1989. A obra serviu de inspiração para o cineasta Bruno Barreto produzir "Bossa Nova", filme lançado em 2000. O assunto deste conto envolve o choque de valores que se dá entre a puritana protagonista, que parece ter saído das páginas do romancista americano Henry James, e a burguesia carioca com quem convive nas aulas de inglês que ministra em Copacabana. Em A Senhorita Simpson o ponto de partida é um cursinho de inglês, o Piccadilly, que serve como motivo principal para a narrativa. As inter-relações vitais para o enredo vão surgindo como decorrência dos encontros noturnos para as aulas, tendo como narrador-protagonista Pedro Paulo Silva, um dos alunos da turma, 29 anos, funcionário-público no Tribunal de Justiça, separado da mulher, um casal de filhos, habitando sozinho um pequeno apartamento na Prado Júnior e profundamente envolvido com uma dependência por Valium, como soporífero, e por mulheres, como carência de afeto. De certa forma sugerindo em tom de paródia o tipo romântico: a crise existêncial, uma espécie de obsessão pelo encontro intermeada por um ligeiro temor, a fuga das responsabilidades 'morais' e a fragilidade das relações não duradoura. A narrativa sugere um pequeno espaço brasileiro, essencialmente urbano: a zona sul da cidade do Rio de Janeiro, Copacabana, a classe-média, o inglês como língua de mercado e da moda, a mulher no trabalho, a separação conjugal, o misticismo oriental e a utopia da trilha pela Bolívia e Peru rumo a Cuzco e Machu-Pichu (roteiro seguido por tantos jovens da época). Tudo isto trabalhado com muita ironia e consciência crítica sobre o ato de narrar, por parte de um autor que certamente esteve no contexto, olhando desconfiado para alguns modelos, apreciando o sabor e a possibilidade do encontro e parecendo ter nunca se submetido ao vício. Assim, mantendo-se fora do interior da narrativa, Sérgio Sant'Anna distancia-se do mundo de seu protagonista, não se identifica enquanto narrador e através da alteridade transfere para a personagem a vivência da história (em seu duplo sentido: ficção e experiências do passado). A intertextualidade metaficcional enquanto reflexividade consciente do papel da ficção na contemporaneidade, é feita através do 'pastiche' em relação às histórias do gênero "meu tipo inesquecível", que aparecem na "Seleções do Reader's Digest", conforme apresentação feita na epígrafe da obra. E esse roteiro problematizador confunde-se com a própria narração enquanto técnica e modo de compor a narrativa. Como característica pós-modernista, no entanto, em tomo de uma superposição crítica e paródica, ficcional e historiográfica, Sérgio Sant'Anna procura reconstituir o estilo (gênero) ao invés da sensibilidade compositiva mais do que sob uma conceituação estética que privilegie o contexto puramente ideológico do discurso.
  • 10. Raul Pompéia: O Ateneu • O texto é em primeira pessoa e Sérgio, já adulto, relata a convivência em um internato, intitulado Ateneu, um ambiente corrupto e moralista, sendo dirigido pelo Dr. Aristarco, um homem que visava apenas o lucro e o ganho de bens materiais, então diretor do colégio. A cena pioneira do romance relata a ida do jovem para o internato. Seu pai o leva de encontro a um novo ambiente. Ele irá encontrar novas pessoas, até então imaturas nas suas ações, e Sérgio deve “encontrar o mundo” como afirmava o pai. É a típica cena de paternidade da época: o pai anseia em ver o filho pródigo com um futuro promissor, procura um internato para enquadrá-lo às cobranças de um mundo exigente e esmagador. “Coragem para a luta”, dizia seu pai. Sérgio atende as necessidades do pai e, ao longo de toda a narrativa, relata seus medos, decepções, as disciplinas impostas duramente, os relacionamentos e as amizades. É nítida a crítica quanto ao modo moralista e severo das instituições de elite do século XIX. De forma irônica, Aristarco representa bem o que um típico ditador assume em seu caráter. O enredo está repleto de metáforas e isso contribui para enfatizar o caráter hiperbólico da obra, marcada pelos exageros da língua. • Como um diário de bordo, Sérgio não deixa perder nenhuma memória sobre os seus dois anos no internato. O seu cotidiano, como os lazeres, os encontros, as aulas e os banhos de piscina são retratados a partir de uma perspectiva particular. O naturalismo presente dá abertura a temas como o homossexualismo e do amor imaturo, já que em suas férias, contraiu sarampo e Dr. Aristarco ficou responsável pelo menino, assim conhecendo D. Emma, mulher do diretor, apaixonando-se e desejando sempre encontrá-la. • Em uma fatídica manhã, todos gritavam por fogo, um incêndio provocado supostamente pelo novo aluno, Américo. Deixado no internato contra sua vontade, o pai do jovem Américo faz um pedido ao diretor Aristarco: ele deseja ver seu filho disciplinado às normas rígidas, curando-lhe o mau comportamento. Com o incêndio, D. Emma desaparece misteriosamente. Junto com o Ateneu, que foi destruído pelo fogo, Sérgio encerra suas memórias sobre uma vida de aprendizagem na escola.
  • 11. Osman Lins: Avalovara • Este romance de 1973 assinala o ápice do percurso literário do pernambucano Osman Lins. Tendo como ponto de partida a intersecção entre uma espiral e um quadrado, nos quais se inscreve uma curiosa frase em latim, o romance cria uma intrincada trama de texto e mundo, em que a imagem dos nomes sobrepõe-se à imagem dos seres e das coisas, compondo um terceiro destino que cabe necessariamente ao homem decifrar. Avalovara intercala oito temas narrativos que atravessam tempos e espaços distintos, de Amsterdã a Recife, de Recife à Roma Antiga, daí a São Paulo e vice- versa, numa narrativa notável, que ambiciona abarcar o mundo e a linguagem em sua totalidade. Neste mergulho no cerne da linguagem, o ritmo poético precede e ordena os nexos narrativos, num casamento entre prosa e poesia que marcou o romance brasileiro contemporâneo. "Avalovara representa na literatura brasileira atual um momento de decisiva modernidade, porque o Autor (como diz a certa altura) exerce 'uma vigilância constante sobre o seu romance, integrando-o num rigor só outorgado, via de regra, a algumas formas poéticas'