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Anexo II – Prova oral de leitura expressiva - poemas

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

                                              Fernando Pessoa
Este livro

Este livro é de mágoas. Desgraçados
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem , sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes... Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades!
Livro de Sombras... Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!...


                                               in Livro de Mágoa de Florbela Espanca

As árvores e os livros

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.
Ler

Ler sempre.
Ler muito.
Ler “quase tudo”.
Ler com os olhos, os ouvidos, com o tacto, pelos poros e demais sentidos.
Ler com razão e sensibilidade.
Ler desejos, o tempo, o som do silêncio e do vento.
Ler imagens, paisagens, viagens.
Ler verdades e mentiras.
Ler o fracasso, o sucesso, o ilegível, o impensável, as entrelinhas.
Ler na escola, em casa, no campo, na estrada, em qualquer lugar.
Ler a vida e a morte.
Saber ser leitor, tendo o direito de saber ler.
Ler simplesmente ler.

                                             Edith Chacon Theodoro (poetisa brasileira)

Os livros

Os livros gostam de ser amados,
de ser lidos e lembrados
e de crescer com os meninos
com que foram embalados.
Os livros têm um sonho:
o de ver outros livros nascer
para que a paixão da leitura
não possa nunca morrer.
                                           José Jorge Letria, Ler, Doce Ler, Terramar

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  • 2. Este livro Este livro é de mágoas. Desgraçados Que no mundo passais, chorai ao lê-lo! Somente a vossa dor de Torturados Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo. Este livro é para vós. Abençoados Os que o sentirem , sem ser bom nem belo! Bíblia de tristes... Ó Desventurados, Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo! Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades! Livro de Sombras... Névoas e Saudades! Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...) Irmãos na Dor, os olhos rasos de água, Chorai comigo a minha imensa mágoa, Lendo o meu livro só de mágoas cheio!... in Livro de Mágoa de Florbela Espanca As árvores e os livros As árvores como os livros têm folhas e margens lisas ou recortadas, e capas (isto é copas) e capítulos de flores e letras de oiro nas lombadas. E são histórias de reis, histórias de fadas, as mais fantásticas aventuras, que se podem ler nas suas páginas, no pecíolo, no limbo, nas nervuras. As florestas são imensas bibliotecas, e até há florestas especializadas, com faias, bétulas e um letreiro a dizer: «Floresta das zonas temperadas». É evidente que não podes plantar no teu quarto, plátanos ou azinheiras. Para começar a construir uma biblioteca, basta um vaso de sardinheiras.
  • 3. Ler Ler sempre. Ler muito. Ler “quase tudo”. Ler com os olhos, os ouvidos, com o tacto, pelos poros e demais sentidos. Ler com razão e sensibilidade. Ler desejos, o tempo, o som do silêncio e do vento. Ler imagens, paisagens, viagens. Ler verdades e mentiras. Ler o fracasso, o sucesso, o ilegível, o impensável, as entrelinhas. Ler na escola, em casa, no campo, na estrada, em qualquer lugar. Ler a vida e a morte. Saber ser leitor, tendo o direito de saber ler. Ler simplesmente ler. Edith Chacon Theodoro (poetisa brasileira) Os livros Os livros gostam de ser amados, de ser lidos e lembrados e de crescer com os meninos com que foram embalados. Os livros têm um sonho: o de ver outros livros nascer para que a paixão da leitura não possa nunca morrer. José Jorge Letria, Ler, Doce Ler, Terramar