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EnfrEntamEnto à Exploração SExual
      dE CriançaS E adolESCEntES




Guia de RefeRência
para o        Diálogo com a míDia
 Realização: ANDI   Parceria estratégica: Childhood Brasil
Guia de RefeRência
para o         diálogo Com a mídia
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES




    Realização: ANDI    Parceria estratégica: Childhood Brasil
EXPEDIENTE
                           ANDI – AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA

Presidente do Conselho Diretor: Oscar Vilhena Vieira         SDS – Ed. Boulevard Center – Bloco A – sala 101
                 Secretário Executivo: Veet Vivarta          CEP: 70391-900 – Brasília/DF
       Secretária Executiva Adjunta: Ely Harasawa            Tel: (61) 2102-6508 / Fax: (61) 2102-6550
      Gerente do Núcleo de Mobilização: Carlos Ely           Site: www.andi.org.br


                                                 FICHA TÉCNICA
                                  Guia de Referência para o Diálogo com a Mídia
                          Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
                                           (ISBN: 978-85-99118-15-3)

                                             Realização      Parceria Estratégica
                                                     ANDI    Childhood Brasil


                                    Supervisão Editorial     Projeto Gráfico, Diagramação e Capa
                                            Veet Vivarta     Viviane Barros

                                                    Texto    Impressão e Acabamento
            Marília Mundim. Colaboração: Ana Flávia Flôres   Pancrom Indústria Gráfica

                                                  Edição     Tiragem
                         Adriano Guerra e Marília Mundim     5.000 exemplares

                                       Revisão de Texto      São Paulo, novembro de 2008
                       Maria do Socorro Novaes de Senne
                                                             Advertência: o uso de linguagem que não discrimine nem estabeleça a diferença
                                        Análise de Mídia     entre homens e mulheres, meninos e meninas é uma preocupação deste texto.
                                                             O uso genérico do masculino ou da linguagem neutra dos termos criança e
                          Railssa Alencar e Diana Barbosa    adolescente foi uma opção inescapável em muitos casos. Mas fica o entendimento
                                                             de que o genérico do masculino se refere a homem e mulher e que por trás do
                                                Produção     termo criança e adolescente existem meninos e meninas com rosto, vida, histórias,
                                               Tainá Frota   desejos, sonhos, inserção social e direitos adquiridos.
Sumário

             04   Apresentação

Capitulo 1   05   A Imprensa como Aliada

Capitulo 2   13   Construindo Estratégias de Comunicação

Capitulo 3   21   Fontes de Informação: Papel Central na Notícia

Capitulo 4   39   Por Dentro da Redação

Capitulo 5   51   Violência Sexual na Pauta da Imprensa Brasileira

Capitulo 6   65   Mídia em Foco
Apresentação
Este guia de referência integra uma série de estratégias desenvolvidas pela Agência de Notícias dos
Direitos da Infância (ANDI) e pela Childhood Brasil com o objetivo de contribuir para a qualificação
da cobertura jornalística oferecida às temáticas relacionadas ao universo de crianças e adolescentes
brasileiros – especialmente no que se refere à exploração sexual.
    Atentos ao fato de que o processo de aprimoramento do trabalho da imprensa nesse campo vai além
da capacitação de jornalistas e demais profissionais da comunicação, ANDI e Childhood focalizam na
presente obra outro agente fundamental nesse âmbito: as fontes de informação. Organizações sociais,
pesquisadores, agentes públicos, membros da academia e demais atores ligados à temática da Explora-
ção Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCCA) constituem, portanto, o público-alvo deste
material. A proposta é estimular e preparar esses profissionais para um diálogo mais articulado e pro-
dutivo com os veículos de comunicação.
    Para isso, ao longo da publicação são apresentadas, em detalhes, as dinâmicas de funcionamento da
mídia: a lógica da notícia, o processo de construção da pauta jornalística, como se dá a elaboração de uma
reportagem nos diferentes meios e outras especificidades da área.
     Com mais esta iniciativa, ANDI e Childhood Brasil esperam contribuir diretamente para o fortaleci-
mento do jornalismo investigativo com foco na ESCCA – capaz de informar, pautar e fiscalizar as inicia-
tivas públicas do setor. O objetivo fundamental é potencializar a atuação da imprensa como aliada estra-
tégica nos processos de mobilização da sociedade e do poder público para o enfrentamento desse grave
problema que atinge meninos e meninas de todo o país.

                                                               Ana Maria Drummond – Diretora Executiva
                                                                                         Childhood Brasil

                                                                        Veet Vivarta – Secretário Executivo
                                                     ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância
A Imprensa     A     liberdade de imprensa é um preceito de qualquer
               sociedade democrática. Thomas Jefferson, terceiro pre-
como Aliada1   sidente dos Estados Unidos, disse que entre um governo
               sem imprensa e uma imprensa sem governo, não tinha
               dúvida em escolher a segunda alternativa. O comentário
               de Jefferson, um dos fundadores da democracia estadu-
               nidense, constitui uma defesa intransigente da capacida-
               de da mídia em exercer um efetivo controle social sobre
               o Estado e os governantes – um dos princípios inegociá-
               veis em qualquer sistema democrático de governo.

               1 Parte do conteúdo deste capítulo foi baseada em trechos da publicação Orçamento
               Público, Legislativo e Comunicação – três eixos estratégicos para incidência nas
               políticas públicas, editada pela ANDI em parceria com o Instituto Ágora, o Instituto
               de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Instituto Telemig Celular, a Fundação Avina, a
               Fundação Vale e a Oficina de Imagens – Comunicação e Educação.
6   Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



    No Brasil, não por acaso, a liberdade de            Ainda que possa ser freqüente a presença
imprensa foi uma importante bandeira dos            de tal tratamento nos meios brasileiros, essa
movimentos contra a ditadura. Hoje, ain-            está longe de ser uma regra aplicável a todos os
da que não possamos afirmar que essa é uma          veículos ou profissionais. Assim como ocorre
questão superada para a sociedade brasileira        em outros segmentos, é importante aqui saber
– haja vista os casos ainda registrados de co-      diferenciar o bom jornalismo do mau jornalis-
erção, de agressão e até mesmo de assassinato       mo. Precisamos, portanto, aprender a analisar
de profissionais da imprensa –, certamente          mais detalhadamente a produção da imprensa,
contamos com um contexto político de maior          identificando os vários parâmetros que podem
abertura e com melhores condições para o            contribuir para uma cobertura de qualidade.
exercício de nossas liberdades.                         Nesse âmbito, é fundamental que as avalia-
    Mesmo que ninguém duvide da relevância          ções que costumamos fazer sobre o trabalho dos
de uma imprensa livre e plural, também é ver-       veículos passem a levar em consideração os as-
dade que os meios noticiosos são alvo constan-      pectos de ordem técnica – e não sejam pautados
te de críticas endereçadas por variados atores      apenas por abordagens genéricas ou com base
sociais. Isso porque o noticiário muitas vezes      no senso comum. Cabe aos grupos organizados
repercute os principais temas presentes na          da sociedade o papel de monitorar o trabalho
esfera pública sem levar em conta os diferen-       jornalístico, partindo de parâmetros objetivos,
tes ângulos e visões existentes na sociedade.       capazes de diagnosticar, por exemplo, falhas e
    Da mesma forma, são comuns críticas             avanços na cobertura.
questionando a abordagem dada por alguns                Estudos sobre a função do jornalismo em
veículos de imprensa a temas como violência         sociedades democráticas, sistematizados em
e direitos humanos de crianças e adolescen-         pesquisas recentes da ANDI, apontam para três
tes. Não é raro ouvir de representantes dos
                                                    importantes características de um tratamento
movimentos sociais comentários do tipo: “os
                                                    editorial qualificado dos temas sociais:
jornalistas distorcem tudo que eu falo quando
dou entrevistas”, “os noticiários só querem         • Prover a sociedade com informação con-
mostrar sangue e crimes”, “a mídia só traz no-         fiável e contextualizada – de forma a
tícias ruins”.                                         empoderar cidadãos e cidadãs, que assim
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   7



   podem melhor conhecer seus direitos e           as campanhas de vacinação, os períodos de ma-
   passar a exigi-los.                             trícula escolar ou os direitos do consumidor –
                                                   é um bom exemplo de como a mídia noticiosa
• Introduzir questões relevantes na agenda         pode apoiar o exercício da cidadania.
   pública de debates, de forma plural – ou
                                                       A oferta de informação qualificada está tam-
   seja, a mídia pode não ter o poder de nos
                                                   bém no cerne do que chamamos de jornalismo
   dizer “como” devemos pensar, mas define
                                                   preventivo, que busca antecipar ameaças – tais
   fortemente sobre “o que” pensamos.
                                                   como enchentes ou epidemias –, apontando
• Exercer controle social sobre os represen-       medidas capazes de evitar crises futuras ou
   tantes do governo e as políticas públicas,      minimizar seus impactos. Além de disseminar
   assim como sobre os demais atores sociais.      orientações relativas a ações mais imediatas,
                                                   um jornalismo preventivo eficiente encoraja
Qualidade das informações                          cidadãos e cidadãs a participarem ativamente
A primeira das importantes contribuições           do combate ao problema e a cobrarem medidas
que a imprensa pode oferecer ao processo de        objetivas por parte das autoridades públicas.
consolidação das sociedades democráticas é
informar sobre os temas de interesse público       Agendamento
de maneira qualificada. Uma cobertura jorna-       Um segundo papel relevante dos veículos de
lística contextualizada fortalece a cidadania e    imprensa diz respeito à sua capacidade de
a construção de capital social, contribuindo       influenciar a construção da agenda pública.
para reduzir a assimetria de informação que        Em outras palavras, isso significa dizer que
tradicionalmente existe entre os governantes       os temas abordados pela mídia serão, quase
e a população – a qual, ao conhecer seus direi-    sempre, também aqueles priorizados pelos
tos, pode também passar a exigi-los.               governos – e pelos atores sociais e políticos de
     Embora ainda deva superar desafios nesse      maneira geral –, no momento de definir suas
campo, a imprensa brasileira registra impor-       linhas de atuação. Por outro lado, os assuntos
tantes avanços no que se refere à disponibiliza-   “esquecidos” pelos jornalistas dificilmente
ção de informações de qualidade. O tratamento      conseguirão receber atenção da sociedade e,
dado a questões de amplo alcance – tais como       conseqüentemente, dos decisores públicos.
8   Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia




    Mídia ou imprensa?
    Entenda a diferença

    É preciso ter em mente que muitas vezes se usa              Já o entretenimento está relacionado ao lazer e à
    os termos “meios de comunicaçäo” ou “mídia”            diversão: filmes, novelas, desenhos animados, revistas
    como se fossem sinônimos para o jornalismo. Na         em quadrinhos e programas de humor são algumas
    verdade, tais termos abarcam também outras for-        das atrações que se enquadram nessa categoria.
    mas de conteúdo midiático além da imprensa. De              O Jornal Nacional, por exemplo, é um programa
    maneira geral, podemos apontar três categorias         jornalístico, ao passo que o Domingão do Faustão é
    mais comuns, no que se refere a estes conteúdos:       uma atração da grade de entretenimento da TV Glo-
    jornalísticos, de entretenimento e publicitários. E    bo. Essa diferenciação também pode ser encontrada
    todos eles podem ser veiculados nos mais diver-        nos veículos de mídia impressa: existem os espaços
    sos tipos de mídia, como jornais, revistas, rádio,     jornalísticos e os que têm como foco o divertimento
    televisão ou internet.                                 dos leitores (horóscopo, quadrinhos e palavras cru-
         O jornalismo – foco de nosso interesse – con-     zadas são alguns dos exemplos).
    siste na divulgação de acontecimentos e informa-            Já a publicidade consiste em anúncios de pro-
    ções sobre a realidade. Nesse sentido, os profissio-   dutos ou serviços, geralmente veiculados no intervalo
    nais dessa área da comunicação atuam na coleta,        dos programas, nas mídias eletrônicas (rádios e tevês)
    redação, edição e publicação de informações sobre      e ao lado das reportagens, nos veículos de mídia im-
    eventos atuais e de interesse público.                 pressa (jornais e revistas).
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   9



É a chamada Teoria do Agendamento (ou na
expressão em inglês, agenda-setting).
    Essa talvez seja a característica da mídia          Imprensa e
mais comumente reconhecida pelas pessoas.
Ninguém estranha quando se diz que “o que
                                                        desenvolvimento
não está na mídia não é importante”. Apesar
de conter um certo exagero, tal expressão é             Da mesma forma que mantém uma relação di-
uma tradução popular para o que afirmam os              reta com os mecanismos que contribuem para
estudiosos da Teoria do Agendamento.                    a consolidação da democracia, a imprensa tam-
    Reconhecer e entender tal característica            bém desempenha um papel central quando estão
da imprensa é um passo importante para que              em debate as políticas de desenvolvimento de
os movimentos e organizações sociais pensem             um país. Ao observarmos o trabalho jornalístico
nos jornalistas como aliados estratégicos e             a partir desta perspectiva, fica claro porque seu
não como adversários. Estabelecer um diálo-             impacto nas sociedades contemporâneas vem
go ético e construtivo com esses profissionais          sendo estudado, cada vez, mais por especialistas
pode contribuir para aumentar a visibilidade            de um novo campo de conhecimento, chamado
de temas e causas sociais que normalmente               de “comunicação para o desenvolvimento”.
recebem pouca atenção da sociedade.                          Trata-se de um conceito abrangente, no
    Vale destacar, no entanto, que a presença de        qual estão abrigadas as mais diversas mani-
um assunto na imprensa não representa a única           festações comunicacionais, quando buscam
condição para que ele seja considerado por go-          incidir em aspectos sociais, culturais, econô-
vernos e parlamentos. O trabalho de incidência          micos e de sustentabilidade ambiental, para
política, por exemplo, costuma favorecer gran-          citar alguns exemplos. Nesse sentido, pode-se
demente esse processo. Da mesma forma, é ne-            afirmar que os níveis de democratização e de
cessário considerar que questões com impacto            liberdade de expressão e de imprensa de uma
mais direto na vida das pessoas – como saúde            nação são também fatores determinantes para
e educação – sempre serão foco de atenção de            seu processo de desenvolvimento.
governantes e parlamentares, independente-
mente de estarem presentes na mídia.
10    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia




           É o que afirma, por exemplo, o ex-presidente       Infância e adolescência
     do Banco Mundial, James D. Wolfensohn: “uma im-          Quando observamos o debate sobre mídia e desenvol-
     prensa livre não é um luxo. Ela está no núcleo do        vimento a partir de um de nossos campos de interesse
     desenvolvimento eqüitativo. Os meios podem expor a       – os direitos de crianças e adolescentes –, um exem-
     corrupção. Podem se manter vigilantes em relação às      plo chama a atenção: a contribuição oferecida pela
     políticas públicas, lançando luz sobre as ações gover-   imprensa brasileira a essa agenda, a partir dos anos
     namentais. E permitem às pessoas exprimir suas di-       de 1990. Desde a aprovação do Estatuto da Criança
     ferentes opiniões sobre governança e reformas, além      e do Adolescente (ECA), a atividade jornalística passou
     de contribuir para os consensos públicos necessários     a ocupar um papel central tanto na disseminação dos
     às mudanças”.                                            princípios estabelecidos pela nova legislação quanto na
           Não por outra razão, o indiano Amartya Sen, Prê-   discussão sobre os progressos e deficiências das polí-
     mio Nobel de Economia e um dos formuladores do           ticas públicas direcionadas a essa população.
     conceito de Desenvolvimento Humano, enfatiza: “a li-           Essa constatação não significa que a cobertura
     berdade de imprensa exige a nossa mais forte defesa,     nessa área não continue apresentando limites. Mas o
     entretanto a imprensa tem tanto obrigações quanto        fato é que o interesse da imprensa sobre a tema cres-
     direitos. Na verdade, a liberdade de imprensa define     ceu vertiginosamente – e com repercussões muito po-
     ambos – um direito e um dever – e nós temos boas         sitivas. O registro deste processo vem sendo feito, ano
     razões para lutar pelos dois”.                           a ano, pelas metodologias de monitoramento e análise
           Entre as funções que cabem à mídia, no âm-
                                                              de mídia desenvolvidas pela ANDI – Agência de Notí-
     bito do desenvolvimento, vale relembrar aquelas
                                                              cias dos Direitos da Infância (veja mais no Capítulo 5).
     que abordamos anteriormente: produção de infor-
     mações contextualizadas no campo da cidadania;           Fonte: Orçamento Público, Legislativo e Comunicação – três eixos
     agendamento de temas sociais relevantes na pauta         estratégicos para incidência nas políticas públicas (Oficina de
     da agenda de debates; e controle social das institui-    Imagens / ANDI / Ágora / Inesc / Fundação Avina / Fundação Vale
     ções públicas.                                           do Rio Doce / Instituto Telemig Celular)
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   11



Cão de guarda                                              tar a sociedade sobre equívocos e, também,
Ao mesmo tempo em que influencia a cons-                   acertos dos governos.
trução da agenda pública, a imprensa pode                      Nesse sentido, o acompanhamento, não
exercer outra importante função: fiscalizar                apenas do lançamento oficial de projetos, mas de
a atuação do Estado e dos governantes. Para                sua continuidade, da idoneidade em sua execu-
diversos estudiosos da comunicação, a liber-               ção e de seus resultados é – ou deveria ser – uma
dade de imprensa assegura aos profissionais                das responsabilidades centrais dos jornalistas.
da notícia uma voz independente e a capaci-                    Existem casos clássicos, com repercussão
dade de monitorar as instituições públicas                 mundial, que ilustram claramente esse papel
nos mais diversos campos.                                  desempenhado pelos meios de comunicação –
    Esse papel exercido pelos meios de co-                 como o Watergate, que acarretou na renúncia
municação foi chamado pelos especialistas                  de Richard Nixon, então presidente norte-
de “cão de guarda” (ou watchdog, em inglês).               americano, e o impeachment do ex-presidente
O termo indica o potencial da mídia em aler-               brasileiro Fernando Collor de Mello.

Impeachment na Presidência

Os meios de comunicação estiveram no centro do único processo de afastamento legal de um presidente da República
no Brasil: o impeachment de Fernando Collor de Mello, ocorrido em 1992. O escândalo que marcou a história política
brasileira começou a tomar corpo quando a revista Veja publicou entrevista com Pedro Collor de Mello, irmão do então
presidente, trazendo graves acusações sobre corrupção e tráfico de influência no governo. Com a denúncia, o Con-
gresso Nacional instaurou uma comissão de inquérito para investigar a veracidade e abrangência do crime. Durante
todo o processo, a mídia esteve engajada em levar ao público os principais desdobramentos da questão, contribuindo
na mobilização da sociedade (nesse âmbito, o movimento mais representativo foi o dos “caras pintadas”), que passou
a exigir das autoridades respostas à crise no governo. Menos de cinco meses após a denúncia veiculada pela revista,
Fernando Collor foi julgado pelo Senado Federal e condenado à perda do cargo de presidente e a uma inabilitação
política de oito anos.
12   Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



    No entanto, não apenas em situações com          a cobertura de fatos negativos é exagerada, e
essas proporções, verificamos a imprensa exer-       64% disseram que raramente encontram na
cendo sua função de “cão de guarda”. Em 2004,        grande mídia as informações que gostariam
por exemplo, o governo federal enviou para o         de obter.
Congresso Nacional uma proposta orçamentária             Apesar do resultado aparentemente negativo,
prevendo o corte de 80% dos recursos desti-          a pesquisa Trust in the Media – que ouviu mais de
nados ao Programa de Erradicação do Trabalho         10 mil pessoas em dez países, sendo mil delas
Infantil (Peti). O jornal Folha de S.Paulo teve      de nove regiões metropolitanas brasileiras –
acesso ao documento e denunciou a intenção           concluiu que a credibilidade da imprensa ainda
do governo. A repercussão gerada pela matéria,       é maior que a dos governos, especialmente nas
associada à mobilização e à articulação do movi-     nações em desenvolvimento. Em nosso país,
mento social de defesa dos direitos da criança e     o percentual de credibilidade é de 45% para a
do adolescente, fez com que o governo recuasse       mídia contra 30% para o governo (a íntegra da
logo em seguida.                                     pesquisa, em inglês, pode ser acessada em: www.
                                                     globescan.com/news_archives/bbcreut.html).
Credibilidade da imprensa                                Já a pesquisa Trust Barometer, divulgada
Seria exagerado afirmar que todo o conteú-           em janeiro de 2008 pela empresa de rela-
do publicado nos meios de comunicação está           ções públicas Edelman (www.edelman.com/
correto ou vira tema de interesse da socie-          trust/2008), revelou que a mídia é a institui-
dade. Entretanto, como vimos, não há como            ção mais confiável para 64% dos brasileiros
negar a forte influência e a credibilidade que       formadores de opinião, seguida por empresas
a imprensa possui junto a públicos distintos,        (61%), ONGs (51%), instituições religiosas
como gestores públicos, empresários e a po-          (48%) e governo (22%). O levantamento ou-
pulação em geral.                                    viu 150 pessoas no Brasil e permite fazer um
    Estudo realizado em 2006, a pedido da            comparativo com outras 17 nações que tam-
BBC, da Reuters e de The Media Center, reve-         bém foram pesquisadas. Na Suécia, na Ho-
lou que 55% dos brasileiros não confiam nas          landa e na Bélgica, por exemplo, onde o poder
informações obtidas por meio dos veículos            público está mais presente, os governos fica-
jornalísticos. Além disso, 80% afirmaram que         ram mais bem classificados.
Construindo      Qualquer no debate público não poderá ignorar a
                            ator social que busque incidir de forma
                 mais ampla
Estratégias de   relevância da imprensa na definição do foco das dis-
                 cussões, independente do cenário ao qual estejamos
Comunicação      nos referindo: político, econômico, social, ambien-
                 tal ou cultural. Hoje, já não é possível imaginar, por
                 exemplo, uma organização que tenha como foco a mo-
                 bilização social em torno dos direitos da criança e do
                 adolescente que não conte com uma eficiente – ainda
                 que simples – estrutura de comunicação.
                     Para manter uma incidência mais sistemática na de-
                 finição dos temas da agenda pública, o contato com a im-
                 prensa deve ser feito de forma constante e profissional.
                 Para isso, é desejável que a instituição possua uma polí-
                 tica comunicacional bem definida, ou seja, com orienta-
14   Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



ções bastante claras, tanto para a comunicação       a instituição pode contar com a contribuição
interna (dentro da organização) quanto para a        de profissionais voluntários; desenvolver par-
externa (parceiros, público-alvo e imprensa,         cerias com universidades (algumas possuem
por exemplo). Esse processo pode ser inicia-         agências juniores que prestam serviço à co-
do com uma reflexão simples: “o que eu quero         munidade); ou contratar jornalistas freelances
informar e para quem eu quero informar?”. O          para ocasiões nas quais a demanda é maior.
fundamental, porém, é que a estratégia de co-             O diálogo com os profissionais e veículos
municação adotada esteja pautada nos princí-         de imprensa também pode ser buscado por
pios e valores éticos da instituição, bem como       meio de parcerias com os sindicatos de jorna-
na sua missão, visão e objetivos.                    listas (cada estado tem o seu) e com organiza-
    Para isso, um passo inicial é a construção       ções não-governamentais que atuem na área de
de um plano de comunicação – documento que           comunicação. O importante é que instituições
define objetivos, metas e estratégias da organi-     que trabalhem para promover os direitos de
zação, tendo em vista a visibilidade de seus pro-    crianças e adolescentes – entre as quais estão
jetos bem como da temática sobre a qual traba-       incluídas aquelas que lidam com o enfren-
lha. Para que esse plano seja eficiente, é preciso   tamento da Exploração Sexual Comercial de
estruturá-lo cuidadosamente. De preferência,         Crianças e Adolescentes (ESCCA) – não fiquem
ele deve estar acompanhado de uma planilha de        de fora do debate público agendado pela cober-
ações a serem desenvolvidas, na qual constem         tura jornalística. Com criatividade e parcerias,
informações como o responsável pela ação, o          é possível superar as dificuldades financeiras e
público-alvo, o objetivo, as metas e o prazo de      estruturais e desenvolver iniciativas capazes de
execução (veja modelo na página 17).                 dar visibilidade para a pauta da violência sexual
    O ideal é que o trabalho de comunicação          que tem como vítimas meninos e meninas.
fique nas mãos de um comunicador habilitado
para isso (seja jornalista, seja relações públi-     A imprensa e o combate à ESCCA
cas). No entanto, nem todas as organizações          Como vimos até aqui, a capacidade de informar,
possuem condições de arcar com um profis-            pautar e fiscalizar as iniciativas públicas faz da
sional com dedicação exclusiva. Nesse senti-         imprensa uma aliada estratégica nos processos
do, algumas alternativas podem ser pensadas:         de mobilização social e de monitoramento das
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   15



políticas públicas, especialmente quando es-          as especificidades que cercam o intrincado
tamos falando de um fenômeno multifacetado            universo da Exploração Sexual Comercial de
como a violência sexual contra crianças e ado-        Crianças e Adolescentes.
lescentes. Do mesmo modo, os meios de co-                  Outro fator que dificulta o trabalho dos
municação são parceiros fundamentais para o           jornalistas – e que deve ser suprido na medida
esclarecimento da população sobre o tema, in-         do possível pelas fontes – é a quantidade limi-
clusive no que se refere ao papel de cada pessoa      tada de dados e estatísticas oficiais, em parte
na prevenção e na erradicação do problema.            resultante da própria característica criminosa
    Vale destacar, contudo, que a tarefa de for-      do fenômeno. Esse obstáculo pode ser supe-
talecer a relevância do assunto entre as reda-        rado por meio da sugestão de novas formas de
ções não é exclusiva dos jornalistas já sensíveis     abordar a temática, apresentando-lhes olha-
ao problema. Pelo contrário, as fontes de infor-      res e enfoques sobre a questão que tenham
mação especializadas também são peças fun-            sido pouco abordados pela imprensa de sua
damentais para a inserção da problemática da          região. Por exemplo, o impacto na vida social
ESCCA no noticiário veiculado por jornais, si-        da criança ou adolescente explorado, a pouca
tes, rádios, revistas e tevês de todo o país. Mais    visibilidade dada ao cliente ou a quantidade de
do que isso, especialistas na área desempe-           projetos de leis sobre o tema que tramitam nas
nham um papel estratégico na qualificação dos         casas legislativas do país sem que sejam apro-
conteúdos disponibilizados para a população.          vados e colocados em prática.
    Certamente, não estamos falando aqui                   No diálogo com os profissionais da im-
de uma temática simples de se abordar no              prensa, é preciso tomar cuidado, porém, para
noticiário, pois sabemos das complexidades            não exigir atitudes que vão além da sua capa-
que permeiam essa grave questão: trata-se de          cidade/responsabilidade. Não é certo querer
um tema delicado e cercado de preconceitos.           que a imprensa resolva sozinha os problemas
Sendo assim, cabe a especialistas e fontes de         do Brasil, entre os quais a questão da ESCCA.
informação a missão de repassar os dados,             Não podemos transferir para ela demandas e
conceitos e reflexões de forma clara e preci-         ações que são do escopo do poder público e da
sa para os jornalistas, certificando-se de que        sociedade civil organizada – como a elaboração
compreenderam exatamente a amplitude e                e a apresentação de propostas de enfrentamen-
16    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia




     Agenda de Comunicação
     Como vimos, a elaboração de uma Agenda de          • Também é possível identificar, entre as enti-
     Comunicação – ou de ações mobilizatórias – é           dades parceiras, a programação de eventos
     importante para garantir a presença de um tema         organizados em cada uma delas e articular
     na mídia. Nesse sentido, seguem algumas orien-         uma agenda de acordo com as atividades
     tações para garantir a efetividade desse instru-       previstas. Exemplos: lançamentos de pes-
     mento de trabalho:                                     quisas e estudos, campanhas, atividades es-
                                                            pecíficas com a mídia (como a elaboração e
     • A agenda deve incluir várias estratégias e
                                                            envio de artigos de opinião para publicação),
         sua elaboração precisa ser articulada com
                                                            atividades de mobilização (panfletagem, se-
         diversos setores. Umas das formas de se
                                                            minários), articulação com empresários, etc.
         compor a Agenda de Comunicação é por
         meio da criação de ações locais e nacionais    • Uma outra possibilidade é traçar uma lista de
         a partir das datas de mobilização – como o         temas relevantes e, a cada mês, organizar
         Dia Nacional de Combate ao Abuso e Explo-          atividades no contexto do assunto estabe-
         ração Sexual de Crianças e Adolescentes (18        lecido – educação, direitos, saúde, etc. Por
         de maio), Dia do Aniversário do Estatuto da        exemplo, se em determinado mês o tema é
         Criança e do Adolescente (13 de julho) e o         saúde, a discussão pode se dar em torno da
         Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil        vulnerabilidade de crianças e adolescentes
         (12 de junho). Ou ainda aproveitar grandes         vítimas de Exploração Sexual de Crianças e
         eventos nos quais o tema “Direitos da Crian-       Adolescentes a doenças sexualmente trans-
         ça” possa ser difundido.                           missíveis, como a Aids (veja ao lado modelo
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   17




   de tabela a ser preenchida pelo
   conjunto de instituições mobiliza-              AGENDA DE COMUNICAÇÃO
   das no tema).
                                                                    Atividades
• Ao lançar um livro ou estudo, focar        Período
                                                                                              Instituição
   a divulgação em dois ou três temas,                                                        Responsável
                                         Tema            Janeiro     Fevereiro     Março
   pois informação em muita quanti-
   dade não é assimilada de imediato
   – seja porque existe pouco espaço
                                           Saúde
   na imprensa, seja porque a opinião
   pública não consegue digeri-la.
   Nesse sentido, sugere-se utilizar
   os temas do estudo para pautar a       Educação

   mídia ao longo de um período que
   pode se iniciar antes do lançamen-
   to e perpetuar-se por meses após o     Direitos
                                          Humanos
   mesmo –, sempre fornecendo um
   enfoque ou leitura diferenciados de
   um determinado aspecto, ou en-
                                          Inclusão
   tão priorizando um dado ainda não
   muito explorado do mesmo estudo.
18    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



Palavra de fonte                                      to ao fenômeno. Os meios de comunicação precisam ser
                                                      vistos como mediadores do debate público e aliados na luta
                                                      por um país mais justo e igualitário – e não como os agentes
“Entre os erros mais comuns cometidos
                                                      responsáveis por fazer esse desejo se concretizar.
pela imprensa destaca-se o uso de cha-
vões ou conceitos equivocados sobre o
tema ou sobre aspectos relacionados a                 Espaço aberto
ele. Um exemplo bem atual está na discus-             Está claro que o trabalho de divulgação das estratégias
são sobre os pedófilos. Existe uma grande             de enfrentamento da Exploração Sexual Comercial de
confusão sobre a situação da pedofilia e a            Crianças e Adolescentes não deve se resumir ao período
situação de abuso sexual. Uma não pres-               do 18 de maio e a outras datas relevantes. Nesses mo-
supõe a outra, mas via de regra as ma-                mentos, entretanto, é importante uma intensificação na
térias reforçam o entendimento contrário.             tarefa de sugerir pautas para os meios de comunicação,
Cabe a nós (fontes de informação) tentar              pois há, espontaneamente, maior abertura para assun-
esclarecer essas confusões conceituais e              tos dessa natureza (veja mais informações sobre sugestões
torná-las compreensíveis não só para os
                                                      de pauta no Capítulo 4).
jornalistas, mas para o público em geral.
                                                          Nessas ocasiões, vale aproveitar para discutir de forma
Os papéis precisam estar muito claros. A
nós, das organizações, cabe oferecer fonte            mais aprofundada os avanços conquistados, apresentar ex-
de consulta, dados, conceitos e reflexões             periências exitosas e, se for o caso, denunciar a omissão do
sobre o tema. E aos jornalistas cabe utili-           poder público ou a falta de articulação e/ou mobilização das
zar dessas informações para elaborar ma-              instâncias responsáveis por combater os casos de ESCCA.
térias de qualidade que estejam de acordo             Por outro lado, é preciso tomar cuidado para que a questão
com a pauta definida e que respeitem a                não seja banalizada. Lembre-se de que todas as informa-
linha editorial do veículo. Não podemos               ções passam por um amplo processo de seleção nas reda-
extrapolar nosso papel e querer escrever o            ções – e somente as mais interessantes e/ou impactantes
texto pelo jornalista, ou definir como deve           ganham espaço no noticiário.
ser a foto que ele vai utilizar”.
                                                          A ocorrência de casos que naturalmente geram grande
                             Carolina Padilha,
coordenadora de programas da Childhood Brasil.        visibilidade também abre espaço nos meios de comunica-
                                                      ção. Por um lado, crimes de violência sexual contra meni-
                                                      nos e meninas geralmente comovem a opinião pública e
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   19



impulsionam maior mobilização da imprensa            cas para a área. Aqui segue uma breve lista de
para o debate sobre as causas e as políticas para    formas pelas quais o trabalho da imprensa pode
a área. Por outro, em momentos assim se acen-        contribuir na erradicação do problema:
tua a tendência a um enfoque mais sensacio-
nalista. O importante em tais situações é que as     • Denunciar situações de Exploração Sexual
fontes de informação estejam atentas para co-             Comercial sempre que estas forem identi-
laborar no sentido de que a cobertura da mídia            ficadas e cobrar medidas efetivas para re-
evite adotar estes comportamentos.                        solver o problema.
    Um outro aspecto é que, ao contrário das
                                                     • Conscientizar a população sobre a impor-
datas consagradas, situações de denúncia
                                                          tância de denunciar.
costumam surgir repentinamente e deman-
dam um posicionamento imediato das orga-             • Pressionar o Legislativo para a aprovação
nizações que atuam no combate a esse tipo                 de leis que garantam a proteção integral de
de violência. Por isso, é fundamental que elas            meninos e meninas, especialmente no que
estejam preparadas para agir em contextos de              diz respeito à Exploração Sexual Comercial.
emergência. Assim, não perderão a oportuni-
dade de dar maior visibilidade ao tema, colo-        • Cobrar do Executivo a elaboração e a im-
cando-o na agenda de discussões da sociedade              plementação de políticas públicas de en-
de forma consistente e responsável.                       frentamento da questão.

Contribuições da imprensa para
                                                     • Monitorar a dotação e a execução orça-
o fim da ESCCA                                            mentária dos projetos de combate à vio-
A essa altura, já deve estar evidente que os              lência sexual.
meios de comunicação são peças-chave no es-          • Questionar a ausência de dados e estatísti-
clarecimento da população sobre as questões               cas sobre o problema.
que envolvem o universo da Exploração Sexu-
al Comercial de Crianças e Adolescentes. Da          • Divulgar ações e estratégias desenvolvidas
mesma forma, a mídia é central no acompa-                 pelo movimento social focadas na Explo-
nhamento e monitoramento de políticas públi-              ração Sexual Comercial.
20       Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia




     Critérios para uma boa reportagem
     Embora o processo de avaliação de uma matéria jor-          •   Pesquisar o que está por trás do fenômeno, como
     nalística não tenha a objetividade de uma equação               valores culturais, questões de gênero e raça/etinia.
     matemática, existem fatores que auxiliam na identi-
                                                                 •   Discutir o sistema de recuperação de agresso-
     ficação de um bom trabalho. Mais do que o espaço
                                                                     res e de assistência às vítimas.
     oferecido pela imprensa, é preciso levar em consi-
     deração outros importantes critérios. Vale apontar          •   Acompanhar o inquérito policial e atualizar a
     alguns dos parâmetros a serem observados:                       população sobre os desdobramentos do caso.
     •     Oferecer ao público um conteúdo de qualidade,         •   Não tratar suspeitos ou acusados como crimi-
           com análise crítica da questão.                           nosos. Vale lembrar que a lei brasileira prevê
                                                                     que o acusado só será considerado culpado
     •     Ouvir todos os lados da história, com opiniões e
                                                                     em casos de flagrante, confissão ou após o
           pontos de vista divergentes.
                                                                     julgamento.
     •     Buscar informações que levem à prevenção do
                                                                 •   Evitar identificar a vítima e pessoas da família.
           fenômeno e à punição dos agressores.
                                                                 •   Evitar identificar parentes do agressor.
     •     Oferecer serviços (como denunciar, indicar ins-
           tituições que oferecem apoio, etc.).                  •   Evitar utilizar tarjas pretas nos rostos de crian-
                                                                     ças e adolescentes, bem como fotos que exi-
     •     Tratar a criança e/ou o adolescente vítima de ex-
                                                                     bam as crianças na rua ou em trajes íntimos.
           ploração sexual como sujeito de direito, respeitan-
           do sua condição de pessoa em desenvolvimento.         •   Fugir da cobertura baseada nos BOs (boletins
                                                                     de ocorrência).
     •     Produzir a reportagem pautada pelo discurso éti-
           co e contextualizado, com linguagem acessível.        •   Evitar o sensacionalismo.
Fontes de     Csimplesmente responderdeàsinformação feitasmaisum
              que
                  umprir o papel de fonte
                                          perguntas
                                                    exige
                                                          por
                                                               do

Informação:   jornalista. Esta, aliás, é somente a etapa final do processo
              de atuação de uma fonte comprometida com a qualidade
Papel         da notícia. A produção de uma boa reportagem envolve

Central na
              um processo longo que passa pela contribuição direta de
              especialistas, agentes do poder público, de representantes

Notícia       de organizações não-governamentais e da população afe-
              tada pela questão em foco – enfim, todos os que, de alguma
              forma, podem apontar uma visão relevante ao debate.
                  Quem domina ou trabalha com questões de inte-
              resse coletivo, como é o caso daqueles que lidam com
              o fenômeno da ESCCA, assume também uma função
              estratégica na produção de conhecimento e no debate
              público. A atuação das fontes de informação pode ser
22    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



Palavra de fonte                                      central, por exemplo, ao oferecer uma perspectiva mais
                                                      contextualizada sobre as temáticas em pauta e sugerir di-
                                                      ferentes elementos de pesquisa, dados atualizados ou no-
“Um especialista no tema, seja soció-
logo, psicólogo, advogado etc., precisa
                                                      mes de especialistas capazes de trazer análises comple-
ter consciência de que nada sabe sobre                mentares e até mesmo divergentes em relação a um certo
as técnicas do jornalismo. O seu papel é              aspecto. Quando a fonte consegue estabelecer um diálogo
explicar ao repórter o conteúdo temático.             mais qualificado com o jornalista, o resultado é visível na
É preciso respeitar o papel e o trabalho              densidade do conteúdo final.
do jornalista, reconhecendo-o naquele                     Não por outro motivo, o relacionamento com a impren-
momento como o principal parceiro no                  sa precisa, cada vez mais, ser pensado de forma estratégica
enfrentamento dessa causa. E com di-                  pelas instituições, tanto em ações e campanhas específicas
plomacia, cabe ao especialista mostrar                como no dia-a-dia. O diálogo deve ser sistematicamente
ao repórter a importância de proteger                 fortalecido, seja a partir de iniciativas internas – criação de
os direitos dos vitimados, de seus fami-
                                                      um mailing de mídia, por exemplo –, seja pela articulação
liares e dos agressores sexuais, não os
expondo a situações constrangedoras,
                                                      de atividades voltadas especificamente para as redações,
seja em palavras, seja em imagens. É                  como uma oficina de capacitação sobre um tema relevante.
importante, também, sensibilizar os jor-
nalistas para que não tratem o agressor               Mas o que se entende por fonte?
como culpado, pois quem julga é o sis-                De modo geral, podemos dizer que fonte de informação
tema legal”.                                          é toda pessoa ou documento (livros, enciclopédias, si-
                                  Marlene Vaz,        tes, boletins, jornais, revistas, etc.) que fornece dados
                consultora em Violência Sexual        e/ou emite opinião para uma reportagem, de forma a
               Contra Crianças e Adolescentes.
                                                      contextualizá-la, esclarecer fatos ocorridos ou refletir
                                                      sobre o tema abordado. No universo da imprensa, as
                                                      fontes consideradas mais confiáveis são os documen-
                                                      tos oficiais e os especialistas renomados. A possibili-
                                                      dade de haver o repasse de alguma informação equivo-
                                                      cada é considerada pequena nesses casos. Já quando se
                                                      trata de pessoas diretamente envolvidas com o aconte-
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   23



cimento, o cuidado com a checagem das informações                   Direto da redação
tende a ser maior – não por se tratar de fontes pouco
qualificadas, mas por estarem emocionalmente envol-
                                                                    “O grande problema de muitas fontes é
vidas com o fato.                                                   querer aparecer mais do que a notícia.
    São consideradas fontes “oficiais” aquelas ligadas ao           Mais importante do que ter o nome es-
poder público, nas três esferas de governo (federal, esta-          tampado no jornal é criar um laço de
dual e municipal) e nos três níveis de Poder (Executivo,            confiança com o jornalista, que possivel-
Legislativo e Judiciário). No entanto, especialistas e ato-         mente fará outras entrevistas e, aí sim,
res sociais engajados no assunto a ser abordado pela ma-            poderá fazer menção às fontes com mais
téria também são considerados fontes particularmente                segurança. Outro problema é esperar
qualificadas pelos veículos de comunicação. A diferença é           que tudo se resolva com a publicação/
que não falam em nome do Estado, mas da sociedade civil             veiculação de uma reportagem. Há que
organizada – a qual, muitas vezes, serve como contrapon-            se compreender que a imprensa tem li-
                                                                    mites no seu campo de atuação”.
to à perspectiva governamental apresentada.
                                                                                                       Mauri Konig,
                                                                                             Gazeta do Povo (PR),
Diversidade necessária                                               vencedor da 2ª edição do Concurso Tim Lopes
Vamos imaginar que, ao final do seu contato com o jorna-                               de Investigação Jornalística,
lista, ele lhe peça para indicar outras fontes de informa-                                         categoria Jornal.
ção, a fim de repercutir diferentes pontos da questão ou
apresentar argumentos opostos ao seu. Isso significa que
o conhecimento aportado não satisfez às necessidades da
matéria, donde você não é uma boa fonte, certo? Errado.
Se uma situação como a descrita acima acontecer é porque
você está diante de um bom profissional, comprometido
com a ética e a qualidade do produto jornalístico.
    Reza a cartilha da imprensa que o conteúdo deve ser
imparcial e isento de qualquer julgamento. Para isso, o
profissional precisa apresentar ao leitor os diferentes la-
dos de uma determinada história – ou seja, os vários ato-
24    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



Palavra de fonte                                      res envolvidos no fato em questão devem ter direito à voz.
                                                      Desta forma, o público terá condições de fazer sua avalia-
                                                      ção e tirar as próprias conclusões sobre o acontecimento
“Um jornalista hoje sai da redação com três           retratado na reportagem.
pautas para cumprir: uma sobre violência
                                                          Entretanto, a atual situação das redações – quadro re-
sexual, outra sobre uma feira de automóveis
                                                      duzido de jornalistas, profissionais sobrecarregados e com
e outra sobre problemas de saneamento da
cidade. Pode parecer um exemplo grotesco,             formação acadêmica deficiente, etc. – não tem favorecido
mas não está longe da realidade. Ele não              que esta prática seja comum na rotina de jornais, revistas,
tem condições de saber dos conceitos; da              rádios, tevês e sites de todo o país. O que ocorre com certa
diferença entre abuso e exploração sexual;            freqüência é um jornalismo superficial, baseado no depoi-
da Convenção Internacional sobre os Di-               mento de uma ou duas fontes, quando muito – as quais,
reitos da Criança; de o Brasil ter um Plano           não raro, corroboraram a tese previamente definida pelo
Nacional de Enfrentamento; das parcas                 jornalista. Por isso, é importante que as fontes de informa-
rubricas orçamentárias para esta política;            ção estejam atentas às oportunidades de colaborarem na
das limitações do Direito Penal brasileiro; de        produção da notícia, sugerindo ao repórter outras pessoas
que nós queremos denunciar o crime, mas
                                                      e documentos que possam contribuir para a construção de
queremos cobrar atendimento de qualidade
                                                      conteúdo mais contextualizado e abrangente.
às vítimas. As escolas profissionais formam
para o mercado e não para estes temas. É
nossa responsabilidade oferecer um reper-             Princípio do contraditório
tório conceitual e existencial que aquele             Conforme vimos, na cobertura jornalística é sempre
jovem profissional não teve. Oferecer-lhe             importante haver pessoas que repercutam o assunto
de forma didática (mas não simplista) este            sob diferentes pontos de vista. Embora a diversidade
repertório é responsabilidade pública”.               de fontes seja essencial, ela deixa de ter fundamento
                              Renato Roseno,          se todos os atores ouvidos defenderem exatamente o
 advogado, é ex-coordenador do Cedeca Ceará,          mesmo argumento.
       da Anced e ex-conselheiro do Conanda.
          Atualmente assessora organizações e             Em uma matéria sobre orçamento da educação, por
              movimentos de direitos humanos.         exemplo, espera-se encontrar tanto leituras críticas a res-
                                                      peito dos recursos destinados para a área quanto as razões
                                                      dos gestores governamentais. O importante é que sejam
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   25



ouvidas – de ambos os lados – pessoas que possuam um                Direto da redação
discurso qualificado e bem fundamentado. Assim, serão
oferecidos subsídios ao fortalecimento do debate público
em torno das políticas para o setor.                                “Uma boa fonte na área de Exploração
                                                                    Sexual Comercial de Crianças e Adoles-
    Embora a pauta da Exploração Sexual Comercial de
                                                                    centes, ou em qualquer outro tema, deve
Crianças e Adolescentes não seja polarizada entre os que
                                                                    falar a verdade. Ser transparente. Não
são contra e os que são a favor do enfrentamento da ques-           pode ficar se escondendo atrás da legis-
tão – já que hoje trata-se de um crime inaceitável perante          lação para não revelar dados. Pode pedir
a opinião pública –, o princípio do contraditório pode (e           sigilo e discrição para proteger a si e a
deve) ser observado por meio da discussão sobre a eficácia          outros envolvidos, mas jamais negar uma
de determinada política pública ou do método de atendi-             informação pública. Repórter e fonte têm
mento de uma unidade de ressocialização, por exemplo.               o mesmo objetivo, embora os caminhos
Além disso, a matéria deve buscar garantir espaço aos ato-          possam ser diferentes”.
res que representem os diferentes aspectos daquela ques-                                       Nelcira Nascimento,
tão: o explorador, o poder público, psicólogos, familiares,                                    Rádio Gaúcha (RS),
                                                                    vencedora da 1ª edição do Concurso Tim Lopes
entidades de atendimento às vítimas, etc.                                              de Investigação Jornalística,
                                                                                                   categoria Rádio.
Valor-notícia
Um dilema freqüente de instituições que dialogam com
a imprensa é definir o que deve ser repassado para os
meios de comunicação. Quais dados e informações po-
dem interessar aos jornais, revistas, rádios, tevês ou
sites? Por que alguns acontecimentos são notícia e ou-
tros não?
    Para ser considerado “notícia” o fato deve possuir
algumas características básicas, também chamadas, nos
estudos sobre o jornalismo, de “valores-notícia”. Entre
os principais estão:
26   Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



• Caráter inédito.                                   lificadas sobre a ESCCA, especialmente no
• Atualidade.                                        que se refere ao monitoramento das políticas
                                                     públicas na área.
• Impacto que pode exercer sobre as pessoas
  e sobre suas vidas.                                Relacionamento com as redações
• Curiosidade que desperta.                          Além de reconhecer os meios de comunicação
• Grau de imprevisibilidade e/ou improba-            como potenciais aliados estratégicos, as fontes
  bilidade.                                          de informação precisam estar atentas a aspec-
                                                     tos simples, mas fundamentais, para o forta-
• Proximidade com o acontecimento.                   lecimento de sua relação com as redações. Vale
• Nível de importância dos envolvidos.               apontar algumas dicas gerais:

    Sendo assim, não faz sentido tentar em-          • O tempo de fechamento dos conteúdos
placar nos meios jornalísticos uma pauta de-           jornalísticos é escasso. Não faz sentido
satualizada, desgastada ou que desperta pouco          querer ser perfeccionista ao extremo e
interesse no público daquele veículo ou local. É       demorar para dar o retorno ao repórter.
preciso que organizações e fontes de informa-          Por isso, procurar saber o prazo que ele
ção repensem suas estratégias comunicacionais          tem para concluir a matéria deve ser uma
com freqüência, buscando aprimorar a forma             preocupação constante da fonte. Nos casos
de apresentar os fatos aos órgãos de imprensa          em que não for possível disponibilizar as
– de tal maneira que aumentem a possibilidade          informações em tempo hábil, é indispen-
de serem considerados “notícia”.                       sável fazer um primeiro atendimento e ex-
    As organizações devem sempre ter em                plicar a situação ao jornalista.
foco que o diálogo com a imprensa, mais do           • Deixar de dar retorno a uma consulta da
que garantir espaço para suas agendas ins-             redação é uma situação ainda mais deli-
titucionais, é uma oportunidade para a pro-            cada se foi sua organização que mobilizou
moção de um debate mais amplo sobre a te-              a imprensa. Nesse caso, é essencial ga-
mática. Por isso, é fundamental que estejam            rantir espaço na agenda para responder
preparadas para aportar informações qua-               às demandas.
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   27



• Deve-se evitar o excesso de releases (su-           ângulo ou o enfoque que considerem mais
  gestões de pautas) encaminhados à im-               apropriados para a reportagem, com o ob-
  prensa. Trata-se de um recurso a ser                jetivo de facilitar o trabalho jornalístico.
  utilizado somente em situações que justi-           Entretanto, a palavra final é sempre do re-
  fiquem a mobilização dos meios de comu-             pórter ou do editor.
  nicação. Encher as caixas de e-mail dos
  jornalistas com sugestões de pautas sobre       • Pedir para ver o texto ou a reportagem an-
  assuntos de pouca importância geralmen-           tes de ser publicada ou ir ao ar demonstra
  te provoca resistência dos profissionais          que a fonte não confia naquele profissio-
  em relação àquela instituição/fonte (veja         nal que a entrevistou. Além disso, o ato
  mais sobre releases no Capítulo 4).               pode ser visto pelo repórter como forma
                                                    de intimidá-lo ou de interferir no seu
• Objetividade é fundamental no relacio-            trabalho. A melhor maneira de evitar
  namento com a imprensa. É importante              essas situações é certificar-se de que o
  que as fontes de informação busquem               jornalista compreendeu bem o conteúdo
  responder ao que lhes foi perguntado.             repassado durante a conversa.
  Ser prolixo, além de não facilitar o traba-
  lho do jornalista, pode abrir espaço para      • Ao constatar ter feito repasse de dados in-
  interpretações amplas e distorcidas da           corretos, é dever da fonte informar o jorna-
  mensagem que realmente se deseja pas-            lista o mais rápido possível. Além de evitar
  sar. Mas atenção: isso não significa que         a publicação de uma informação inverídica,
  a fonte não possa contribuir para a am-          esta atitude revela o comprometimento e a
  pliação e o enriquecimento da cobertura,         preocupação da fonte com a qualidade da
  contextualizando, por exemplo, dados e           reportagem, gerando, inclusive, mais con-
  estatísticas sobre o problema.                   fiança por parte do repórter.
• Não cabe à fonte interferir na edição da        • Fazer insinuações sobre aspectos que não
  matéria, dizendo ao repórter o que deve           se deseja ou não se possa mencionar aber-
  e o que não deve constar no texto. O que          tamente abre espaço para que o jornalista
  fontes qualificadas podem fazer é sugerir o       possa fazer interpretações equivocadas.
28    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



Pauta exclusiva                                       • Ao fazer declarações para qualquer veículo de comu-
                                                        nicação, é importante que a fonte de informação não
                                                        se afaste dos conceitos e convicções defendidas pela
A idéia da pauta exclusiva é que a pu-
blicação da informação cause grande
                                                        instituição a qual representa.
impacto entre a população e possa gerar               • Discriminar um veículo de comunicação qualquer por
repercussões em toda a mídia, além de                   este não se enquadrar no grupo dos chamados “gran-
provocar o posicionamento das autorida-                 des” é um erro que não pode ser cometido por fontes
des públicas em relação ao problema em
                                                        de informação qualificadas. O mesmo se aplica em
foco. Nesses casos, deve-se manter um
contato telefônico inicial com o repórter
                                                        relação a possíveis posicionamentos políticos ou ide-
e, em seguida, estabelecer encontros                    ológicos dos veículos.
para que sejam repassados todos os                    • Os meios alternativos de comunicação – como rá-
detalhes, com o intuito de garantir um                  dios e televisões comunitárias e jornais de bairro
melhor aproveitamento da informação.
                                                        – atingem grande público, principalmente nas co-
Embora a pauta exclusiva seja uma es-
tratégia importante de comunicação, é
                                                        munidades populares. Firmar parcerias com esses
sempre importante avaliar com cuidado                   veículos é uma forma interessante de ampliar o raio
se a exclusividade é a melhor forma de                  de ação das entidades do Terceiro Setor na missão
divulgação de uma determinada pauta                     de educar a sociedade para prevenir e denunciar a
de impacto. Dependendo do assunto, faz                  violência sexual.
mais sentido disponibilizá-lo para vários
ou todos os veículos de comunicação.
                                                      • Repassar uma informação com exclusividade para
                                                        determinado veículo faz parte da estratégia de co-
                                                        municação e divulgação de qualquer instituição. No
                                                        entanto, é preciso tomar cuidado para que haja rodí-
                                                        zio entre meios e profissionais, de modo a garantir
                                                        que o diálogo não esteja focado em um grupo muito
                                                        restrito (veja mais na nota ao lado).
                                                      • Quando não se sentir qualificada ou não quiser tra-
                                                        tar de um assunto, a fonte deve dizer isso claramente
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   29



   ao jornalista e se colocar à disposição para esclare-         Identidade resguardada
   cimentos futuros sobre outros temas. Além disso,
   é importante indicar para o repórter fontes de in-
                                                                 No Brasil, é garantido ao jornalista o di-
   formação que possam responder à demanda que ele               reito de não revelar a sua fonte de in-
   possui no momento.                                            formação. Geralmente este recurso é
• Quando o assunto é Exploração Sexual Comercial de              utilizado em situações complexas, nas
  Crianças e Adolescentes, muitos profissionais não              quais a integridade física ou moral da
                                                                 fonte pode ser violada. Mas também
  querem dar entrevistas, temendo represálias por
                                                                 ocorre quando a fonte não quer aparecer
  parte das pessoas envolvidas no crime. É importan-             por outras razões, sejam elas pessoais
  te saber que o jornalista tem meios para resguardar a          ou profissionais. Nesses casos, ninguém
  identidade da fonte (veja mais na nota ao lado).               pode obrigar o jornalista a dizer quem foi
• É importante buscar estratégias para estreitar o re-           a pessoa ou o órgão que lhe forneceu a
                                                                 informação. Assim, alguém que tenha
  lacionamento com a redação. Dar telefonemas ou
                                                                 algo importante a revelar pode sentir-se
  enviar cartas aos jornalistas, quando publicam ma-             seguro a fazê-lo, em segredo.
  térias de qualidade, são exemplos de ações nesse
  sentido. As críticas também devem ser feitas, mas
  em tom ponderado, apresentando argumentos e in-
  dicando caminhos para o repórter melhorar o enfo-
  que em outras oportunidades.
• Uma boa estratégia de comunicação deve buscar man-
  ter uma relação não só com os repórteres. É impor-
  tante buscar acesso também a editores e diretores de
  redação, pois esses profissionais são os responsáveis
  pelo foco editorial das matérias, com poder para alte-
  rar o ponto de vista da cobertura.
• Organizações governamentais e não-governamen-
  tais podem e devem estabelecer parcerias com os
30    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia




      Gerenciamento de crises

     A relação com a imprensa não é uma via de mão        •   Ignorar a demanda gerada pela imprensa não
     única. Da mesma forma que as organizações                é a melhor estratégia nunca. Atenda a todas as
     da sociedade civil buscam acessar os meios de            solicitações de explicação/informação e, se ne-
     comunicação, estes também demandam delas                 cessário, convoque uma coletiva de imprensa.
     informações e posicionamentos. No entanto,
                                                          •   Não responda no susto. É importante sempre
     nem sempre este é um diálogo amistoso. Podem
                                                              avaliar o melhor momento para dar as expli-
     também ocorrer situações de conflito, nas quais a        cações e somente oferecê-las quando todos
     demanda gerada por um lado não corresponde à             os posicionamentos institucionais estiverem
     resposta oferecida pelo outro. E, geralmente, em         bem definidos.
     momentos assim as bases desse relacionamento
     ficam estremecidas.                                  •   Por outro lado, o tempo da imprensa é curto;
          Ter habilidade para gerenciar crises – como         não faz sentido estender em demasia o prazo
     denúncias de maus-tratos em instituições de in-          para apresentar respostas eficazes.
     ternação, ou de mau uso de recursos públicos,        •   É importante saber o quê e para quem falar,
     por exemplo – revela maturidade e clareza quanto         atendendo às especificidades de cada tipo de
     à atuação pública exigida de instituições sérias e       mídia (rádio, tevê, impresso, internet).
     comprometidas com a qualidade e a transparência
                                                          •   Busque fazer uso de linguagem clara e de
     das suas ações.
                                                              fácil compreensão.
          O que vem a seguir são algumas dicas de como
     as organizações devem agir diante de fatos e acon-   •   Manter o equilíbrio emocional é fator essen-
     tecimentos inesperados:                                  cial nessas situações.
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   31



                                                                     veículos de comunicação e com as
                                                                     faculdades de jornalismo, estimu-
                                                                     lando discussões sobre o tema com
                                                                     o qual trabalham. Isto pode ocorrer
                                                                     por meio da realização de cursos es-
•   Estar atento para não falar nada que não                         pecíficos de curta ou média duração,
    deva ser publicado ou que não possa ser ple-                     palestras, seminários e grupos de de-
    namente esclarecido.                                             bates. Essa é uma forma de conscien-
                                                                     tizar os atuais e futuros profissionais
•   Não faz sentido mascarar o problema. Ser
                                                                     a trabalhar o assunto com a sensibili-
    verdadeiro é o caminho mais eficiente para
                                                                     dade necessária, objetivando reper-
    resolver a situação da melhor forma possível.
                                                                     cussão positiva junto ao público.
•   Procure não privilegiar este ou aquele veícu-
    lo. Em momentos de crise o conteúdo trans-                 Diálogo pedagógico
    mitido à imprensa deve ser igual para todos.               Como já reiteramos até aqui, a respon-
                                                               sabilidade pela qualidade da informação
•   É necessário eleger um representante da institui-
                                                               pública veiculada em jornais, revistas,
    ção para atuar como o porta-voz da crise. Essa
                                                               rádios, tevês e sites de todo o país não é
    pessoa deve ser segura e conhecer a fundo to-
                                                               atribuição exclusiva dos jornalistas. A
    dos os detalhes do que está sendo questionado.
                                                               produção cada vez mais “generalista” da
•   Se necessário, busque a ajuda de um espe-                  imprensa praticamente não permite que
    cialista. Existem no mercado profissionais                 repórteres e editores se especializem
    capacitados para agir em crises de imagem.                 em uma ou outra temática. Com exceção
                                                               das editorias consideradas “nobres” pe-
Fonte: A era do escândalo: lições, relatos e bastidores
                                                               los veículos de comunicação – tais como
de quem viveu as grandes crises de imagem, Mário
                                                               política, economia e internacional –, a
Rosa. São Paulo: Geração Editorial, 2003.
                                                               tendência é que os assuntos sejam cober-
                                                               tos por profissionais capacitados apenas
                                                               na prática jornalística em si. Lamenta-
32     Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



Direto da redação                                      velmente, com freqüência este é o caso das temáticas
                                                       da agenda social – incluindo a Exploração Sexual de
                                                       Crianças e Adolescentes.
“O prazo das redações é sempre mínimo                      Tal realidade certamente não representa o contexto
e com pouca negociação. Para esse tipo
                                                       de trabalho ideal ou desejado pelos jornalistas. Trata-
de matéria (ESCCA), no entanto, é sem-
                                                       se de uma distorção provocada, em grande parte, por
pre necessário o maior cuidado possível.
Checar, rechecar, cruzar e voltar a bater              uma herança cultural perversa – em um dos países com
as informações, para que nada saia do                  maiores índices de desigualdade do planeta, a temáti-
prumo. Qualquer falha pode virar uma                   ca social não é entendida como pauta prioritária. Esse
acusação leviana. As fontes precisam ter               contexto termina agravado por questões mercadológi-
noção de que geralmente os prazos são                  cas relacionadas, inclusive, à própria sobrevivência dos
curtíssimos, mas que existem casos em                  veículos de comunicação – que operam, como vimos,
que a denúncia precisa ser apurada ao                  com redações cada vez mais enxutas. No entanto, algu-
máximo, para que a redação se resguar-                 mas experiências no sentido de superar esse formato
de de processos judiciais e problemas                  têm sido desenvolvidas em redações brasileiras, parte
similares. É preciso perceber esses tem-
                                                       delas motivadas pelo fortalecimento da agenda social
pos diferentes”.
                                                       registrado no âmbito do governo de Luiz Inácio Lula da
                               Cláudio Ribeiro,
        O Povo (CE), vencedor da 3ª edição do
                                                       Silva. Ainda assim, esta é uma lógica de trabalho que
Concurso Tim Lopes de Investigação Jornalística,       precisa ser revista em muitos dos veículos de comuni-
                   categoria Temática Especial.        cação do país.
                                                           Nesse cenário, não é excessivo sublinhar que a atu-
                                                       ação das fontes de informação torna-se fator muito im-
                                                       portante para um bom resultado final da reportagem.
                                                       Uma fonte bem preparada – e consciente do seu papel
                                                       nesse processo – sabe que está diante de um profissio-
                                                       nal da área de comunicação e não de um especialista na
                                                       temática X ou Y. Por isso, conforme temos destacado, é
                                                       fundamental que a questão seja apresentada da manei-
                                                       ra mais simples, prática e objetiva possível.
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   33



    O uso de jargões ou de expressões técni-     a imprensa. São cursos de curta duração, que
cas, por exemplo, não facilita em nada a com-    repassam dicas e orientações sobre como dia-
preensão da mensagem que se quer passar.         logar melhor com os meios de comunicação,
Pelo contrário, além de dificultar o entendi-    como se sair bem em entrevistas para os dife-
mento, pode gerar um distanciamento entre        rentes tipos de mídia e como agir em situações
fonte e repórter – capaz de comprometer não      de crise ou comoção.
só a qualidade do material, mas a inclusão           No entanto, além de não serem, na
daquela abordagem no texto a ser publicado.      maioria das vezes, elaborados para insti-
    Ter paciência e explicar o assunto quan-     tuições da sociedade civil, respeitando suas
tas vezes forem necessárias é outro indi-        singularidades, esses cursos – chamados de
cativo de uma boa fonte de informação.           media training – costumam apresentar um
Dificilmente um jornalista coloca um dado        custo alto. Para capacitar cinco pessoas, por
equivocado na matéria de propósito. Qua-         exemplo, certas empresas chegam a cobrar
se sempre o erro é resultado da pressa, que      até R$ 20 mil, quantia fora do orçamento
leva à má compreensão durante o processo         da maior parte das organizações brasileiras
de captação das informações. Por isso, é         com foco social.
importante certificar-se de que o conteúdo           Uma forma de superar essa dificuldade é
repassado foi compreendido em toda a sua         buscar parcerias com organizações não-go-
amplitude, sem espaço para interpretações        vernamentais que atuam com foco na inter-
dúbias ou equivocadas. Não se furtar a repe-     face mídia–direitos humanos. Algumas de-
tir uma informação sempre que for preciso        las não só oferecem material de orientação
pode ser o fator determinante para uma re-       sobre como dialogar de forma mais eficien-
portagem de melhor ou pior qualidade.            te com a imprensa, como também realizam
                                                 cursos de capacitação para atores sociais a
Capacitação para o relacionamento                preços bem mais acessíveis. De resto, se-
com a mídia                                      guir algumas dicas simples, ter bom senso e
Atualmente, existem diversas empresas espe-      buscar dominar amplamente o assunto a ser
cializadas em oferecer treinamento com o ob-     abordado são fatores que tendem a facilitar
jetivo de preparar para o relacionamento com     muito essa relação.
34   Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



Especificidades                                      loque em contato com crianças vitimadas.
                                                     A apresentação de um caso real traz o proble-
da ESCCA                                             ma mais para perto de quem acessa a notícia e
                                                     causa um impacto maior junto à opinião pú-
                                                     blica como um todo. Apontar que milhares de
De modo geral, a conduta a ser adotada pelas         crianças e adolescentes brasileiros sofrem com
fontes de informação requer os mesmos cui-           a ESCCA não tem o mesmo peso, do ponto de
dados para toda e qualquer área de atuação.          vista da sensibilização do público, que relatar
No entanto, quando o assunto em pauta é a            em detalhes a história de uma menina de 16
Exploração Sexual Comercial de Crianças e            anos que começou a ser explorada aos 13 e pas-
Adolescentes, alguns aspectos exigem aten-           sou por toda a sorte de problemas e desrespei-
ção redobrada.                                       tos. “Via de regra os jornalistas buscam retratar
    Além da escassez de dados quantitativos          um lado bem cruel das situações de violação de
sobre o problema (os quais facilitariam a in-        direitos de crianças e adolescentes, ainda se-
terlocução com os meios de comunicação),             guindo a lógica de que o que choca a sociedade
especialistas em violência sexual cometida           deve servir como instrumento para a mobili-
contra meninos e meninas lidam com um                zação”, lembra Carolina Padilha, coordenadora
conjunto amplo de questões bastante delica-          de programas da Childhood Brasil.
das. Podemos mencionar como exemplo os                   Qual deve ser, portanto, a postura da
aspectos culturais e legais envolvidos, além         fonte diante desse tipo de solicitação? Será
da necessidade de orientar a mídia quanto aos        que sempre dizer não é a melhor solução? De
riscos de exposição indevida e revitimização         acordo com a consultora em violência sexu-
da criança ou adolescente explorado sexual-          al contra crianças e adolescentes, Marlene
mente. Trata-se, portanto, de uma temática de        Vaz, o ideal é que o especialista, de forma
difícil manejo.                                      didática, ajude o jornalista a compreender a
                                                     razão pela qual os vitimados não devem ser
Busca por personagens                                expostos. Ao mesmo tempo, caberia a ele
Geralmente, ao produzir uma matéria sobre            oferecer dicas de quem pode ser entrevista-
ESCCA, o jornalista solicita à fonte que o co-       do e/ou fotografado.
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES    35



    Fontes que atuam em instituições de atendimento às             Direto da redação
vítimas podem identificar mais facilmente aqueles ga-
rotos ou garotas mais bem preparados para falar sobre
o assunto. Vale lembrar que, no processo de entrevista,            “A boa fonte sobre Exploração Sexual
possivelmente a vítima reviverá muito do sofrimento ex-            Comercial de Crianças e Adolescentes é
                                                                   aquela que tem formação e sensibilidade
perimentado durante o tempo em que foi explorada. É por
                                                                   para repassar informações ao jornalista
isso que só devem ser indicados meninos ou meninas que             dentro dos critérios de respeito aos di-
já tenham passado por um amplo processo de acompa-                 reitos humanos. Ela não utiliza as vítimas
nhamento e tratamento psicológico.                                 como ‘troféu’ para coroar o seu trabalho,
    Não dá para esquecer, porém, que embora a impren-              ou seja, não expõe crianças e adolescen-
sa desempenhe um papel importante no enfrentamento                 tes para dizer que fez o seu papel. Além
a este problema, algumas vezes a cobertura pende para o            disso, está sempre disposta a contribuir
viés sensacionalista. Por isto, é importante que um pro-           com as reflexões levantadas nos meios
fissional da instituição discuta com o jornalista a pauta          de comunicação e indica aos jornalistas
da conversa, de forma a definirem juntos as melhores               pautas novas e interessantes”.
perguntas a serem feitas. Além disso, ele deve acompa-                                              Ana Quezado,
                                                                                           TV Verdes Mares (CE),
nhar o repórter durante toda a entrevista.                         vencedora da 1ª edição do Concurso Tim Lopes
    Em resumo, cabe à instituição checar o nível de com-                              de Investigação Jornalística,
preensão do profissional de imprensa sobre o assunto e                                         categoria Televisão.
suas intenções/propostas em relação àquela cobertura.
A mídia precisa entender que proteger a criança ou o
adolescente violentado deve ser prioridade e que nem
sempre a entrevista é a única ou a melhor alternativa.
Muitas vezes uma descrição bem feita e sensível pode
ser tão esclarecedora quanto um depoimento. De qual-
quer forma, em último caso, é mais sábio não permitir
que a entrevista seja realizada. Afinal, é menos grave
perder a reportagem do que revitimizar um menino ou
uma menina.
36    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



    “Estamos falando de uma violência com                      que o autor da matéria seja capaz de, sem ser
conseqüências muito complexas. Uma reda-                       piegas ou sensacionalista, descrever que há
ção fria e desprovida de sensibilidade não al-                 elementos muito profundos da subjetividade
cança a magnitude do problema. Redigir sobre                   humana envolvidos. Reconhecer esta subje-
violência sexual não é a mesma coisa que redi-                 tividade é chave, inclusive, para compreender
gir sobre outras formas de violência como, por                 porque é melhor não forçar um depoimento”,
exemplo, um assalto a banco ou mesmo sobre                     sintetiza Renato Roseno, assessor de organi-
um problema no sistema de transportes. Exige                   zações e movimentos de direitos humanos.


Tribunal midiático: as fontes de informação e o julgamento precipitado

Diante de crimes bárbaros – como os de violência sexual contra crianças e adolescentes – é comum que o desejo de
responsabilização e justiça imediata tome corpo na sociedade. Via de regra, essa ânsia punitiva – que também se reflete na
imprensa – se mostra de duas diferentes formas: a responsabilização da vítima ou o julgamento precipitado do agressor.
     Como sabemos, não são raras as reportagens sobre ESCCA que estampam vítimas – especialmente meninas
– sob ângulos que tendem a reforçar uma imagem de sedução e consentimento. Esse é um equívoco perigoso e
diante do qual as fontes de informação devem sempre estar atentas. É importante esclarecer aos profissionais da
notícia que crianças e adolescentes são suscetíveis a serem manipulados, induzidos ou pressionados a consentir
relacionamentos, atividades e contratos e que, acima de tudo, meninos e meninas são indivíduos em processo de
desenvolvimento, donde precisam ter seus direitos fundamentais garantidos.
     Outro deslize ao qual as fontes de informação devem estar alertas diz respeito a prejulgamentos do agressor.
Por vezes, a cobertura da imprensa tende a ganhar um caráter policialesco, reforçando julgamentos precipitados e
de apelo punitivo – que em nada contribuem para o debate acerca da solução para o problema em seu aspecto mais
amplo. Uma contribuição que as fontes podem oferecer para tornar essa cobertura mais equilibrada é ressaltar junto
ao jornalista a importância de uma abordagem esclarecedora e educativa, e que também assegure ao agressor o
direito de receber o tratamento judicial legalmente determinado pelas instâncias competentes.
EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES   37



Cuidados com imagens                                 fia ou imagem eletrônica para veicular nos
Um dos desafios de quem atua na interface mí-        meios de comunicação. Embora a fonte de
dia e violência sexual é administrar o uso de fo-    informação não tenha ingerência sobre o
tos e vídeos em jornais, revistas, tevês e sites.    processo de edição da reportagem, é papel
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente        dela alertar o jornalista para os cuidados ne-
seja claro – em seu artigo 17 – com relação à in-    cessários nessa área, esclarecendo dúvidas e
violabilidade da integridade física, psíquica e      orientando o profissional a agir segundo as
moral da criança e do adolescente, abrangen-         diretrizes estabelecidas no ECA. Confira a
do a preservação da imagem e da identidade de        seguir algumas sugestões:
meninos e meninas, ainda é intensa a demanda
                                                     • Orientar o jornalista a não utilizar tarjas
dos meios de comunicação por fotografias ou
                                                       pretas nos rostos das crianças. Além de não
imagens eletrônicas de garotos e garotas víti-
                                                       garantir a proteção da identidade da vítima,
mas das mais diferentes formas de violação de
                                                       que pode ser identificada por meio de ou-
direitos, inclusive a exploração sexual.
                                                       tras partes do corpo ou até mesmo por rou-
    Esta demanda tem relação direta com a
                                                       pas e objetos pessoais, esses recursos ten-
prática jornalística em si. Quem nunca ouviu
                                                       dem a reforçar estereótipos e passar uma
dizer que uma imagem vale mais do que mil
                                                       imagem negativa do menino ou da menina.
palavras? Nos meios de comunicação im-
pressos – jornais e revistas –, a utilização de      • Há uma outra prática com relação à pre-
imagens funciona como um chamariz para o               servação da vítima que precisa ser in-
texto. Já no caso da mídia televisiva, a função        corporada ao fazer jornalístico: evitar a
da imagem vai além: ela representa a própria           identificação de crianças e adolescentes
razão de ser do veículo de comunicação. Em             explorados por meio do uso das iniciais
ambos os casos, a imagem ajuda a reforçar a            dos nomes. Além de fortalecer um as-
idéia que se quer passar sobre o assunto em            pecto pejorativo construído ao longo dos
discussão e pode, se mal utilizada, contribuir         anos, se associado a outras informações
para disseminar estereótipos e preconceitos.           contidas no texto, esse dado pode per-
    Por isso, é preciso que se tenha muito             mitir facilmente a identificação da vítima
cuidado na hora de selecionar uma fotogra-             por parentes, conhecidos ou vizinhos.
38    Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia



• Não adianta preservar o nome da vítima e,                   • Recursos técnicos como a contraluz, a
  ao mesmo tempo, estampar uma foto ou                          distorção da voz e o desfocar a imagem da
  mencionar nomes de parentes ou fornecer                       criança ou do adolescente podem ser uti-
  o endereço do local onde a criança mora.                      lizados pelos meios de comunicação no
  Embora pareça impensável, esta ocorrên-                       sentido de preservarem a identidade e a
  cia é mais comum na cobertura jornalísti-                     integridade de meninos e meninas vio-
  ca do que se imagina.                                         lentados sexualmente.


Abusos por parte dos meios de comunicação

Como visto, os profissionais da imprensa estão sujeitos a incorrer em equívocos na cobertura jornalística cotidiana, espe-
cialmente quando abordam temáticas mais complexas – como é o caso da violência sexual contra meninos e meninas.
Nesses casos, uma atitude proativa das fontes de informação é buscar um diálogo franco com o jornalista, esclarecendo
as especificidades da questão e os caminhos para uma cobertura mais qualificada. Esse, inclusive, pode ser um caminho
importante para a construção de uma relação profícua com aquele repórter.
     Nem sempre, no entanto, esse diálogo propositivo alcança o resultado esperado. Como em todas as áreas, o jor-
nalismo também está sujeito a profissionais pouco éticos e que, deliberadamente, utilizam o espaço midiático como
palco para desrespeitos de direitos. Para esses casos, é importante saber que a sociedade dispõe de instrumentos
legais para coibir abusos por parte dos meios de comunicação.
     Em novembro de 2005, por exemplo, uma decisão judicial inédita tirou do ar por 60 dias o programa Tarde Quen-
te, exibido pela Rede TV! e que tinha à frente o apresentador João Kléber. A suspensão foi determinada pelo Poder
Judiciário, que atendeu a denúncias sobre a constante violação de direitos humanos cometida pela atração Durante
mais de um mês, a Rede TV! foi obrigada a exibir, no horário antes ocupado por João Kleber, o Direitos de Respos-
ta – série de 30 programas produzidos em conjunto por seis entidades da sociedade civil organizada, entre elas o
Intervozes, que abordava temas como direitos humanos, diversidade sexual e direitos da infância e adolescência.
Por Dentro   C    onhecer bem os processos de trabalho por trás da
             produção da notícia constitui estratégia central para
da Redação   aqueles que pretendem dialogar mais sistematica-
             mente com os meios de comunicação. Além de saber
             discernir os diferentes papéis que cabem à imprensa
             e às fontes de informação nas dinâmicas que viabili-
             zam a inserção de uma determinada temática no de-
             bate público, é também necessário entender quais os
             recursos adequados para alcançar os diferentes meios
             existentes. Os procedimentos podem variar não so-
             mente de acordo com o tipo de mídia: jornal, revista,
             rádio, tevê ou internet. Cada veículo de comunicação
             possui lógica própria de trabalho, o que demanda das
             fontes uma abordagem que leve em conta tanto suas
             características positivas quanto suas limitações.
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Imprensa como aliada no combate à exploração sexual

  • 1. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES Guia de RefeRência para o Diálogo com a míDia Realização: ANDI Parceria estratégica: Childhood Brasil
  • 2. Guia de RefeRência para o diálogo Com a mídia EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES Realização: ANDI Parceria estratégica: Childhood Brasil
  • 3. EXPEDIENTE ANDI – AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA Presidente do Conselho Diretor: Oscar Vilhena Vieira SDS – Ed. Boulevard Center – Bloco A – sala 101 Secretário Executivo: Veet Vivarta CEP: 70391-900 – Brasília/DF Secretária Executiva Adjunta: Ely Harasawa Tel: (61) 2102-6508 / Fax: (61) 2102-6550 Gerente do Núcleo de Mobilização: Carlos Ely Site: www.andi.org.br FICHA TÉCNICA Guia de Referência para o Diálogo com a Mídia Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (ISBN: 978-85-99118-15-3) Realização Parceria Estratégica ANDI Childhood Brasil Supervisão Editorial Projeto Gráfico, Diagramação e Capa Veet Vivarta Viviane Barros Texto Impressão e Acabamento Marília Mundim. Colaboração: Ana Flávia Flôres Pancrom Indústria Gráfica Edição Tiragem Adriano Guerra e Marília Mundim 5.000 exemplares Revisão de Texto São Paulo, novembro de 2008 Maria do Socorro Novaes de Senne Advertência: o uso de linguagem que não discrimine nem estabeleça a diferença Análise de Mídia entre homens e mulheres, meninos e meninas é uma preocupação deste texto. O uso genérico do masculino ou da linguagem neutra dos termos criança e Railssa Alencar e Diana Barbosa adolescente foi uma opção inescapável em muitos casos. Mas fica o entendimento de que o genérico do masculino se refere a homem e mulher e que por trás do Produção termo criança e adolescente existem meninos e meninas com rosto, vida, histórias, Tainá Frota desejos, sonhos, inserção social e direitos adquiridos.
  • 4. Sumário 04 Apresentação Capitulo 1 05 A Imprensa como Aliada Capitulo 2 13 Construindo Estratégias de Comunicação Capitulo 3 21 Fontes de Informação: Papel Central na Notícia Capitulo 4 39 Por Dentro da Redação Capitulo 5 51 Violência Sexual na Pauta da Imprensa Brasileira Capitulo 6 65 Mídia em Foco
  • 5. Apresentação Este guia de referência integra uma série de estratégias desenvolvidas pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e pela Childhood Brasil com o objetivo de contribuir para a qualificação da cobertura jornalística oferecida às temáticas relacionadas ao universo de crianças e adolescentes brasileiros – especialmente no que se refere à exploração sexual. Atentos ao fato de que o processo de aprimoramento do trabalho da imprensa nesse campo vai além da capacitação de jornalistas e demais profissionais da comunicação, ANDI e Childhood focalizam na presente obra outro agente fundamental nesse âmbito: as fontes de informação. Organizações sociais, pesquisadores, agentes públicos, membros da academia e demais atores ligados à temática da Explora- ção Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCCA) constituem, portanto, o público-alvo deste material. A proposta é estimular e preparar esses profissionais para um diálogo mais articulado e pro- dutivo com os veículos de comunicação. Para isso, ao longo da publicação são apresentadas, em detalhes, as dinâmicas de funcionamento da mídia: a lógica da notícia, o processo de construção da pauta jornalística, como se dá a elaboração de uma reportagem nos diferentes meios e outras especificidades da área. Com mais esta iniciativa, ANDI e Childhood Brasil esperam contribuir diretamente para o fortaleci- mento do jornalismo investigativo com foco na ESCCA – capaz de informar, pautar e fiscalizar as inicia- tivas públicas do setor. O objetivo fundamental é potencializar a atuação da imprensa como aliada estra- tégica nos processos de mobilização da sociedade e do poder público para o enfrentamento desse grave problema que atinge meninos e meninas de todo o país. Ana Maria Drummond – Diretora Executiva Childhood Brasil Veet Vivarta – Secretário Executivo ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância
  • 6. A Imprensa A liberdade de imprensa é um preceito de qualquer sociedade democrática. Thomas Jefferson, terceiro pre- como Aliada1 sidente dos Estados Unidos, disse que entre um governo sem imprensa e uma imprensa sem governo, não tinha dúvida em escolher a segunda alternativa. O comentário de Jefferson, um dos fundadores da democracia estadu- nidense, constitui uma defesa intransigente da capacida- de da mídia em exercer um efetivo controle social sobre o Estado e os governantes – um dos princípios inegociá- veis em qualquer sistema democrático de governo. 1 Parte do conteúdo deste capítulo foi baseada em trechos da publicação Orçamento Público, Legislativo e Comunicação – três eixos estratégicos para incidência nas políticas públicas, editada pela ANDI em parceria com o Instituto Ágora, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Instituto Telemig Celular, a Fundação Avina, a Fundação Vale e a Oficina de Imagens – Comunicação e Educação.
  • 7. 6 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia No Brasil, não por acaso, a liberdade de Ainda que possa ser freqüente a presença imprensa foi uma importante bandeira dos de tal tratamento nos meios brasileiros, essa movimentos contra a ditadura. Hoje, ain- está longe de ser uma regra aplicável a todos os da que não possamos afirmar que essa é uma veículos ou profissionais. Assim como ocorre questão superada para a sociedade brasileira em outros segmentos, é importante aqui saber – haja vista os casos ainda registrados de co- diferenciar o bom jornalismo do mau jornalis- erção, de agressão e até mesmo de assassinato mo. Precisamos, portanto, aprender a analisar de profissionais da imprensa –, certamente mais detalhadamente a produção da imprensa, contamos com um contexto político de maior identificando os vários parâmetros que podem abertura e com melhores condições para o contribuir para uma cobertura de qualidade. exercício de nossas liberdades. Nesse âmbito, é fundamental que as avalia- Mesmo que ninguém duvide da relevância ções que costumamos fazer sobre o trabalho dos de uma imprensa livre e plural, também é ver- veículos passem a levar em consideração os as- dade que os meios noticiosos são alvo constan- pectos de ordem técnica – e não sejam pautados te de críticas endereçadas por variados atores apenas por abordagens genéricas ou com base sociais. Isso porque o noticiário muitas vezes no senso comum. Cabe aos grupos organizados repercute os principais temas presentes na da sociedade o papel de monitorar o trabalho esfera pública sem levar em conta os diferen- jornalístico, partindo de parâmetros objetivos, tes ângulos e visões existentes na sociedade. capazes de diagnosticar, por exemplo, falhas e Da mesma forma, são comuns críticas avanços na cobertura. questionando a abordagem dada por alguns Estudos sobre a função do jornalismo em veículos de imprensa a temas como violência sociedades democráticas, sistematizados em e direitos humanos de crianças e adolescen- pesquisas recentes da ANDI, apontam para três tes. Não é raro ouvir de representantes dos importantes características de um tratamento movimentos sociais comentários do tipo: “os editorial qualificado dos temas sociais: jornalistas distorcem tudo que eu falo quando dou entrevistas”, “os noticiários só querem • Prover a sociedade com informação con- mostrar sangue e crimes”, “a mídia só traz no- fiável e contextualizada – de forma a tícias ruins”. empoderar cidadãos e cidadãs, que assim
  • 8. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 7 podem melhor conhecer seus direitos e as campanhas de vacinação, os períodos de ma- passar a exigi-los. trícula escolar ou os direitos do consumidor – é um bom exemplo de como a mídia noticiosa • Introduzir questões relevantes na agenda pode apoiar o exercício da cidadania. pública de debates, de forma plural – ou A oferta de informação qualificada está tam- seja, a mídia pode não ter o poder de nos bém no cerne do que chamamos de jornalismo dizer “como” devemos pensar, mas define preventivo, que busca antecipar ameaças – tais fortemente sobre “o que” pensamos. como enchentes ou epidemias –, apontando • Exercer controle social sobre os represen- medidas capazes de evitar crises futuras ou tantes do governo e as políticas públicas, minimizar seus impactos. Além de disseminar assim como sobre os demais atores sociais. orientações relativas a ações mais imediatas, um jornalismo preventivo eficiente encoraja Qualidade das informações cidadãos e cidadãs a participarem ativamente A primeira das importantes contribuições do combate ao problema e a cobrarem medidas que a imprensa pode oferecer ao processo de objetivas por parte das autoridades públicas. consolidação das sociedades democráticas é informar sobre os temas de interesse público Agendamento de maneira qualificada. Uma cobertura jorna- Um segundo papel relevante dos veículos de lística contextualizada fortalece a cidadania e imprensa diz respeito à sua capacidade de a construção de capital social, contribuindo influenciar a construção da agenda pública. para reduzir a assimetria de informação que Em outras palavras, isso significa dizer que tradicionalmente existe entre os governantes os temas abordados pela mídia serão, quase e a população – a qual, ao conhecer seus direi- sempre, também aqueles priorizados pelos tos, pode também passar a exigi-los. governos – e pelos atores sociais e políticos de Embora ainda deva superar desafios nesse maneira geral –, no momento de definir suas campo, a imprensa brasileira registra impor- linhas de atuação. Por outro lado, os assuntos tantes avanços no que se refere à disponibiliza- “esquecidos” pelos jornalistas dificilmente ção de informações de qualidade. O tratamento conseguirão receber atenção da sociedade e, dado a questões de amplo alcance – tais como conseqüentemente, dos decisores públicos.
  • 9. 8 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Mídia ou imprensa? Entenda a diferença É preciso ter em mente que muitas vezes se usa Já o entretenimento está relacionado ao lazer e à os termos “meios de comunicaçäo” ou “mídia” diversão: filmes, novelas, desenhos animados, revistas como se fossem sinônimos para o jornalismo. Na em quadrinhos e programas de humor são algumas verdade, tais termos abarcam também outras for- das atrações que se enquadram nessa categoria. mas de conteúdo midiático além da imprensa. De O Jornal Nacional, por exemplo, é um programa maneira geral, podemos apontar três categorias jornalístico, ao passo que o Domingão do Faustão é mais comuns, no que se refere a estes conteúdos: uma atração da grade de entretenimento da TV Glo- jornalísticos, de entretenimento e publicitários. E bo. Essa diferenciação também pode ser encontrada todos eles podem ser veiculados nos mais diver- nos veículos de mídia impressa: existem os espaços sos tipos de mídia, como jornais, revistas, rádio, jornalísticos e os que têm como foco o divertimento televisão ou internet. dos leitores (horóscopo, quadrinhos e palavras cru- O jornalismo – foco de nosso interesse – con- zadas são alguns dos exemplos). siste na divulgação de acontecimentos e informa- Já a publicidade consiste em anúncios de pro- ções sobre a realidade. Nesse sentido, os profissio- dutos ou serviços, geralmente veiculados no intervalo nais dessa área da comunicação atuam na coleta, dos programas, nas mídias eletrônicas (rádios e tevês) redação, edição e publicação de informações sobre e ao lado das reportagens, nos veículos de mídia im- eventos atuais e de interesse público. pressa (jornais e revistas).
  • 10. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 9 É a chamada Teoria do Agendamento (ou na expressão em inglês, agenda-setting). Essa talvez seja a característica da mídia Imprensa e mais comumente reconhecida pelas pessoas. Ninguém estranha quando se diz que “o que desenvolvimento não está na mídia não é importante”. Apesar de conter um certo exagero, tal expressão é Da mesma forma que mantém uma relação di- uma tradução popular para o que afirmam os reta com os mecanismos que contribuem para estudiosos da Teoria do Agendamento. a consolidação da democracia, a imprensa tam- Reconhecer e entender tal característica bém desempenha um papel central quando estão da imprensa é um passo importante para que em debate as políticas de desenvolvimento de os movimentos e organizações sociais pensem um país. Ao observarmos o trabalho jornalístico nos jornalistas como aliados estratégicos e a partir desta perspectiva, fica claro porque seu não como adversários. Estabelecer um diálo- impacto nas sociedades contemporâneas vem go ético e construtivo com esses profissionais sendo estudado, cada vez, mais por especialistas pode contribuir para aumentar a visibilidade de um novo campo de conhecimento, chamado de temas e causas sociais que normalmente de “comunicação para o desenvolvimento”. recebem pouca atenção da sociedade. Trata-se de um conceito abrangente, no Vale destacar, no entanto, que a presença de qual estão abrigadas as mais diversas mani- um assunto na imprensa não representa a única festações comunicacionais, quando buscam condição para que ele seja considerado por go- incidir em aspectos sociais, culturais, econô- vernos e parlamentos. O trabalho de incidência micos e de sustentabilidade ambiental, para política, por exemplo, costuma favorecer gran- citar alguns exemplos. Nesse sentido, pode-se demente esse processo. Da mesma forma, é ne- afirmar que os níveis de democratização e de cessário considerar que questões com impacto liberdade de expressão e de imprensa de uma mais direto na vida das pessoas – como saúde nação são também fatores determinantes para e educação – sempre serão foco de atenção de seu processo de desenvolvimento. governantes e parlamentares, independente- mente de estarem presentes na mídia.
  • 11. 10 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia É o que afirma, por exemplo, o ex-presidente Infância e adolescência do Banco Mundial, James D. Wolfensohn: “uma im- Quando observamos o debate sobre mídia e desenvol- prensa livre não é um luxo. Ela está no núcleo do vimento a partir de um de nossos campos de interesse desenvolvimento eqüitativo. Os meios podem expor a – os direitos de crianças e adolescentes –, um exem- corrupção. Podem se manter vigilantes em relação às plo chama a atenção: a contribuição oferecida pela políticas públicas, lançando luz sobre as ações gover- imprensa brasileira a essa agenda, a partir dos anos namentais. E permitem às pessoas exprimir suas di- de 1990. Desde a aprovação do Estatuto da Criança ferentes opiniões sobre governança e reformas, além e do Adolescente (ECA), a atividade jornalística passou de contribuir para os consensos públicos necessários a ocupar um papel central tanto na disseminação dos às mudanças”. princípios estabelecidos pela nova legislação quanto na Não por outra razão, o indiano Amartya Sen, Prê- discussão sobre os progressos e deficiências das polí- mio Nobel de Economia e um dos formuladores do ticas públicas direcionadas a essa população. conceito de Desenvolvimento Humano, enfatiza: “a li- Essa constatação não significa que a cobertura berdade de imprensa exige a nossa mais forte defesa, nessa área não continue apresentando limites. Mas o entretanto a imprensa tem tanto obrigações quanto fato é que o interesse da imprensa sobre a tema cres- direitos. Na verdade, a liberdade de imprensa define ceu vertiginosamente – e com repercussões muito po- ambos – um direito e um dever – e nós temos boas sitivas. O registro deste processo vem sendo feito, ano razões para lutar pelos dois”. a ano, pelas metodologias de monitoramento e análise Entre as funções que cabem à mídia, no âm- de mídia desenvolvidas pela ANDI – Agência de Notí- bito do desenvolvimento, vale relembrar aquelas cias dos Direitos da Infância (veja mais no Capítulo 5). que abordamos anteriormente: produção de infor- mações contextualizadas no campo da cidadania; Fonte: Orçamento Público, Legislativo e Comunicação – três eixos agendamento de temas sociais relevantes na pauta estratégicos para incidência nas políticas públicas (Oficina de da agenda de debates; e controle social das institui- Imagens / ANDI / Ágora / Inesc / Fundação Avina / Fundação Vale ções públicas. do Rio Doce / Instituto Telemig Celular)
  • 12. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 11 Cão de guarda tar a sociedade sobre equívocos e, também, Ao mesmo tempo em que influencia a cons- acertos dos governos. trução da agenda pública, a imprensa pode Nesse sentido, o acompanhamento, não exercer outra importante função: fiscalizar apenas do lançamento oficial de projetos, mas de a atuação do Estado e dos governantes. Para sua continuidade, da idoneidade em sua execu- diversos estudiosos da comunicação, a liber- ção e de seus resultados é – ou deveria ser – uma dade de imprensa assegura aos profissionais das responsabilidades centrais dos jornalistas. da notícia uma voz independente e a capaci- Existem casos clássicos, com repercussão dade de monitorar as instituições públicas mundial, que ilustram claramente esse papel nos mais diversos campos. desempenhado pelos meios de comunicação – Esse papel exercido pelos meios de co- como o Watergate, que acarretou na renúncia municação foi chamado pelos especialistas de Richard Nixon, então presidente norte- de “cão de guarda” (ou watchdog, em inglês). americano, e o impeachment do ex-presidente O termo indica o potencial da mídia em aler- brasileiro Fernando Collor de Mello. Impeachment na Presidência Os meios de comunicação estiveram no centro do único processo de afastamento legal de um presidente da República no Brasil: o impeachment de Fernando Collor de Mello, ocorrido em 1992. O escândalo que marcou a história política brasileira começou a tomar corpo quando a revista Veja publicou entrevista com Pedro Collor de Mello, irmão do então presidente, trazendo graves acusações sobre corrupção e tráfico de influência no governo. Com a denúncia, o Con- gresso Nacional instaurou uma comissão de inquérito para investigar a veracidade e abrangência do crime. Durante todo o processo, a mídia esteve engajada em levar ao público os principais desdobramentos da questão, contribuindo na mobilização da sociedade (nesse âmbito, o movimento mais representativo foi o dos “caras pintadas”), que passou a exigir das autoridades respostas à crise no governo. Menos de cinco meses após a denúncia veiculada pela revista, Fernando Collor foi julgado pelo Senado Federal e condenado à perda do cargo de presidente e a uma inabilitação política de oito anos.
  • 13. 12 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia No entanto, não apenas em situações com a cobertura de fatos negativos é exagerada, e essas proporções, verificamos a imprensa exer- 64% disseram que raramente encontram na cendo sua função de “cão de guarda”. Em 2004, grande mídia as informações que gostariam por exemplo, o governo federal enviou para o de obter. Congresso Nacional uma proposta orçamentária Apesar do resultado aparentemente negativo, prevendo o corte de 80% dos recursos desti- a pesquisa Trust in the Media – que ouviu mais de nados ao Programa de Erradicação do Trabalho 10 mil pessoas em dez países, sendo mil delas Infantil (Peti). O jornal Folha de S.Paulo teve de nove regiões metropolitanas brasileiras – acesso ao documento e denunciou a intenção concluiu que a credibilidade da imprensa ainda do governo. A repercussão gerada pela matéria, é maior que a dos governos, especialmente nas associada à mobilização e à articulação do movi- nações em desenvolvimento. Em nosso país, mento social de defesa dos direitos da criança e o percentual de credibilidade é de 45% para a do adolescente, fez com que o governo recuasse mídia contra 30% para o governo (a íntegra da logo em seguida. pesquisa, em inglês, pode ser acessada em: www. globescan.com/news_archives/bbcreut.html). Credibilidade da imprensa Já a pesquisa Trust Barometer, divulgada Seria exagerado afirmar que todo o conteú- em janeiro de 2008 pela empresa de rela- do publicado nos meios de comunicação está ções públicas Edelman (www.edelman.com/ correto ou vira tema de interesse da socie- trust/2008), revelou que a mídia é a institui- dade. Entretanto, como vimos, não há como ção mais confiável para 64% dos brasileiros negar a forte influência e a credibilidade que formadores de opinião, seguida por empresas a imprensa possui junto a públicos distintos, (61%), ONGs (51%), instituições religiosas como gestores públicos, empresários e a po- (48%) e governo (22%). O levantamento ou- pulação em geral. viu 150 pessoas no Brasil e permite fazer um Estudo realizado em 2006, a pedido da comparativo com outras 17 nações que tam- BBC, da Reuters e de The Media Center, reve- bém foram pesquisadas. Na Suécia, na Ho- lou que 55% dos brasileiros não confiam nas landa e na Bélgica, por exemplo, onde o poder informações obtidas por meio dos veículos público está mais presente, os governos fica- jornalísticos. Além disso, 80% afirmaram que ram mais bem classificados.
  • 14. Construindo Qualquer no debate público não poderá ignorar a ator social que busque incidir de forma mais ampla Estratégias de relevância da imprensa na definição do foco das dis- cussões, independente do cenário ao qual estejamos Comunicação nos referindo: político, econômico, social, ambien- tal ou cultural. Hoje, já não é possível imaginar, por exemplo, uma organização que tenha como foco a mo- bilização social em torno dos direitos da criança e do adolescente que não conte com uma eficiente – ainda que simples – estrutura de comunicação. Para manter uma incidência mais sistemática na de- finição dos temas da agenda pública, o contato com a im- prensa deve ser feito de forma constante e profissional. Para isso, é desejável que a instituição possua uma polí- tica comunicacional bem definida, ou seja, com orienta-
  • 15. 14 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia ções bastante claras, tanto para a comunicação a instituição pode contar com a contribuição interna (dentro da organização) quanto para a de profissionais voluntários; desenvolver par- externa (parceiros, público-alvo e imprensa, cerias com universidades (algumas possuem por exemplo). Esse processo pode ser inicia- agências juniores que prestam serviço à co- do com uma reflexão simples: “o que eu quero munidade); ou contratar jornalistas freelances informar e para quem eu quero informar?”. O para ocasiões nas quais a demanda é maior. fundamental, porém, é que a estratégia de co- O diálogo com os profissionais e veículos municação adotada esteja pautada nos princí- de imprensa também pode ser buscado por pios e valores éticos da instituição, bem como meio de parcerias com os sindicatos de jorna- na sua missão, visão e objetivos. listas (cada estado tem o seu) e com organiza- Para isso, um passo inicial é a construção ções não-governamentais que atuem na área de de um plano de comunicação – documento que comunicação. O importante é que instituições define objetivos, metas e estratégias da organi- que trabalhem para promover os direitos de zação, tendo em vista a visibilidade de seus pro- crianças e adolescentes – entre as quais estão jetos bem como da temática sobre a qual traba- incluídas aquelas que lidam com o enfren- lha. Para que esse plano seja eficiente, é preciso tamento da Exploração Sexual Comercial de estruturá-lo cuidadosamente. De preferência, Crianças e Adolescentes (ESCCA) – não fiquem ele deve estar acompanhado de uma planilha de de fora do debate público agendado pela cober- ações a serem desenvolvidas, na qual constem tura jornalística. Com criatividade e parcerias, informações como o responsável pela ação, o é possível superar as dificuldades financeiras e público-alvo, o objetivo, as metas e o prazo de estruturais e desenvolver iniciativas capazes de execução (veja modelo na página 17). dar visibilidade para a pauta da violência sexual O ideal é que o trabalho de comunicação que tem como vítimas meninos e meninas. fique nas mãos de um comunicador habilitado para isso (seja jornalista, seja relações públi- A imprensa e o combate à ESCCA cas). No entanto, nem todas as organizações Como vimos até aqui, a capacidade de informar, possuem condições de arcar com um profis- pautar e fiscalizar as iniciativas públicas faz da sional com dedicação exclusiva. Nesse senti- imprensa uma aliada estratégica nos processos do, algumas alternativas podem ser pensadas: de mobilização social e de monitoramento das
  • 16. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 15 políticas públicas, especialmente quando es- as especificidades que cercam o intrincado tamos falando de um fenômeno multifacetado universo da Exploração Sexual Comercial de como a violência sexual contra crianças e ado- Crianças e Adolescentes. lescentes. Do mesmo modo, os meios de co- Outro fator que dificulta o trabalho dos municação são parceiros fundamentais para o jornalistas – e que deve ser suprido na medida esclarecimento da população sobre o tema, in- do possível pelas fontes – é a quantidade limi- clusive no que se refere ao papel de cada pessoa tada de dados e estatísticas oficiais, em parte na prevenção e na erradicação do problema. resultante da própria característica criminosa Vale destacar, contudo, que a tarefa de for- do fenômeno. Esse obstáculo pode ser supe- talecer a relevância do assunto entre as reda- rado por meio da sugestão de novas formas de ções não é exclusiva dos jornalistas já sensíveis abordar a temática, apresentando-lhes olha- ao problema. Pelo contrário, as fontes de infor- res e enfoques sobre a questão que tenham mação especializadas também são peças fun- sido pouco abordados pela imprensa de sua damentais para a inserção da problemática da região. Por exemplo, o impacto na vida social ESCCA no noticiário veiculado por jornais, si- da criança ou adolescente explorado, a pouca tes, rádios, revistas e tevês de todo o país. Mais visibilidade dada ao cliente ou a quantidade de do que isso, especialistas na área desempe- projetos de leis sobre o tema que tramitam nas nham um papel estratégico na qualificação dos casas legislativas do país sem que sejam apro- conteúdos disponibilizados para a população. vados e colocados em prática. Certamente, não estamos falando aqui No diálogo com os profissionais da im- de uma temática simples de se abordar no prensa, é preciso tomar cuidado, porém, para noticiário, pois sabemos das complexidades não exigir atitudes que vão além da sua capa- que permeiam essa grave questão: trata-se de cidade/responsabilidade. Não é certo querer um tema delicado e cercado de preconceitos. que a imprensa resolva sozinha os problemas Sendo assim, cabe a especialistas e fontes de do Brasil, entre os quais a questão da ESCCA. informação a missão de repassar os dados, Não podemos transferir para ela demandas e conceitos e reflexões de forma clara e preci- ações que são do escopo do poder público e da sa para os jornalistas, certificando-se de que sociedade civil organizada – como a elaboração compreenderam exatamente a amplitude e e a apresentação de propostas de enfrentamen-
  • 17. 16 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Agenda de Comunicação Como vimos, a elaboração de uma Agenda de • Também é possível identificar, entre as enti- Comunicação – ou de ações mobilizatórias – é dades parceiras, a programação de eventos importante para garantir a presença de um tema organizados em cada uma delas e articular na mídia. Nesse sentido, seguem algumas orien- uma agenda de acordo com as atividades tações para garantir a efetividade desse instru- previstas. Exemplos: lançamentos de pes- mento de trabalho: quisas e estudos, campanhas, atividades es- pecíficas com a mídia (como a elaboração e • A agenda deve incluir várias estratégias e envio de artigos de opinião para publicação), sua elaboração precisa ser articulada com atividades de mobilização (panfletagem, se- diversos setores. Umas das formas de se minários), articulação com empresários, etc. compor a Agenda de Comunicação é por meio da criação de ações locais e nacionais • Uma outra possibilidade é traçar uma lista de a partir das datas de mobilização – como o temas relevantes e, a cada mês, organizar Dia Nacional de Combate ao Abuso e Explo- atividades no contexto do assunto estabe- ração Sexual de Crianças e Adolescentes (18 lecido – educação, direitos, saúde, etc. Por de maio), Dia do Aniversário do Estatuto da exemplo, se em determinado mês o tema é Criança e do Adolescente (13 de julho) e o saúde, a discussão pode se dar em torno da Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil vulnerabilidade de crianças e adolescentes (12 de junho). Ou ainda aproveitar grandes vítimas de Exploração Sexual de Crianças e eventos nos quais o tema “Direitos da Crian- Adolescentes a doenças sexualmente trans- ça” possa ser difundido. missíveis, como a Aids (veja ao lado modelo
  • 18. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 17 de tabela a ser preenchida pelo conjunto de instituições mobiliza- AGENDA DE COMUNICAÇÃO das no tema). Atividades • Ao lançar um livro ou estudo, focar Período Instituição a divulgação em dois ou três temas, Responsável Tema Janeiro Fevereiro Março pois informação em muita quanti- dade não é assimilada de imediato – seja porque existe pouco espaço Saúde na imprensa, seja porque a opinião pública não consegue digeri-la. Nesse sentido, sugere-se utilizar os temas do estudo para pautar a Educação mídia ao longo de um período que pode se iniciar antes do lançamen- to e perpetuar-se por meses após o Direitos Humanos mesmo –, sempre fornecendo um enfoque ou leitura diferenciados de um determinado aspecto, ou en- Inclusão tão priorizando um dado ainda não muito explorado do mesmo estudo.
  • 19. 18 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Palavra de fonte to ao fenômeno. Os meios de comunicação precisam ser vistos como mediadores do debate público e aliados na luta por um país mais justo e igualitário – e não como os agentes “Entre os erros mais comuns cometidos responsáveis por fazer esse desejo se concretizar. pela imprensa destaca-se o uso de cha- vões ou conceitos equivocados sobre o tema ou sobre aspectos relacionados a Espaço aberto ele. Um exemplo bem atual está na discus- Está claro que o trabalho de divulgação das estratégias são sobre os pedófilos. Existe uma grande de enfrentamento da Exploração Sexual Comercial de confusão sobre a situação da pedofilia e a Crianças e Adolescentes não deve se resumir ao período situação de abuso sexual. Uma não pres- do 18 de maio e a outras datas relevantes. Nesses mo- supõe a outra, mas via de regra as ma- mentos, entretanto, é importante uma intensificação na térias reforçam o entendimento contrário. tarefa de sugerir pautas para os meios de comunicação, Cabe a nós (fontes de informação) tentar pois há, espontaneamente, maior abertura para assun- esclarecer essas confusões conceituais e tos dessa natureza (veja mais informações sobre sugestões torná-las compreensíveis não só para os de pauta no Capítulo 4). jornalistas, mas para o público em geral. Nessas ocasiões, vale aproveitar para discutir de forma Os papéis precisam estar muito claros. A nós, das organizações, cabe oferecer fonte mais aprofundada os avanços conquistados, apresentar ex- de consulta, dados, conceitos e reflexões periências exitosas e, se for o caso, denunciar a omissão do sobre o tema. E aos jornalistas cabe utili- poder público ou a falta de articulação e/ou mobilização das zar dessas informações para elaborar ma- instâncias responsáveis por combater os casos de ESCCA. térias de qualidade que estejam de acordo Por outro lado, é preciso tomar cuidado para que a questão com a pauta definida e que respeitem a não seja banalizada. Lembre-se de que todas as informa- linha editorial do veículo. Não podemos ções passam por um amplo processo de seleção nas reda- extrapolar nosso papel e querer escrever o ções – e somente as mais interessantes e/ou impactantes texto pelo jornalista, ou definir como deve ganham espaço no noticiário. ser a foto que ele vai utilizar”. A ocorrência de casos que naturalmente geram grande Carolina Padilha, coordenadora de programas da Childhood Brasil. visibilidade também abre espaço nos meios de comunica- ção. Por um lado, crimes de violência sexual contra meni- nos e meninas geralmente comovem a opinião pública e
  • 20. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 19 impulsionam maior mobilização da imprensa cas para a área. Aqui segue uma breve lista de para o debate sobre as causas e as políticas para formas pelas quais o trabalho da imprensa pode a área. Por outro, em momentos assim se acen- contribuir na erradicação do problema: tua a tendência a um enfoque mais sensacio- nalista. O importante em tais situações é que as • Denunciar situações de Exploração Sexual fontes de informação estejam atentas para co- Comercial sempre que estas forem identi- laborar no sentido de que a cobertura da mídia ficadas e cobrar medidas efetivas para re- evite adotar estes comportamentos. solver o problema. Um outro aspecto é que, ao contrário das • Conscientizar a população sobre a impor- datas consagradas, situações de denúncia tância de denunciar. costumam surgir repentinamente e deman- dam um posicionamento imediato das orga- • Pressionar o Legislativo para a aprovação nizações que atuam no combate a esse tipo de leis que garantam a proteção integral de de violência. Por isso, é fundamental que elas meninos e meninas, especialmente no que estejam preparadas para agir em contextos de diz respeito à Exploração Sexual Comercial. emergência. Assim, não perderão a oportuni- dade de dar maior visibilidade ao tema, colo- • Cobrar do Executivo a elaboração e a im- cando-o na agenda de discussões da sociedade plementação de políticas públicas de en- de forma consistente e responsável. frentamento da questão. Contribuições da imprensa para • Monitorar a dotação e a execução orça- o fim da ESCCA mentária dos projetos de combate à vio- A essa altura, já deve estar evidente que os lência sexual. meios de comunicação são peças-chave no es- • Questionar a ausência de dados e estatísti- clarecimento da população sobre as questões cas sobre o problema. que envolvem o universo da Exploração Sexu- al Comercial de Crianças e Adolescentes. Da • Divulgar ações e estratégias desenvolvidas mesma forma, a mídia é central no acompa- pelo movimento social focadas na Explo- nhamento e monitoramento de políticas públi- ração Sexual Comercial.
  • 21. 20 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Critérios para uma boa reportagem Embora o processo de avaliação de uma matéria jor- • Pesquisar o que está por trás do fenômeno, como nalística não tenha a objetividade de uma equação valores culturais, questões de gênero e raça/etinia. matemática, existem fatores que auxiliam na identi- • Discutir o sistema de recuperação de agresso- ficação de um bom trabalho. Mais do que o espaço res e de assistência às vítimas. oferecido pela imprensa, é preciso levar em consi- deração outros importantes critérios. Vale apontar • Acompanhar o inquérito policial e atualizar a alguns dos parâmetros a serem observados: população sobre os desdobramentos do caso. • Oferecer ao público um conteúdo de qualidade, • Não tratar suspeitos ou acusados como crimi- com análise crítica da questão. nosos. Vale lembrar que a lei brasileira prevê que o acusado só será considerado culpado • Ouvir todos os lados da história, com opiniões e em casos de flagrante, confissão ou após o pontos de vista divergentes. julgamento. • Buscar informações que levem à prevenção do • Evitar identificar a vítima e pessoas da família. fenômeno e à punição dos agressores. • Evitar identificar parentes do agressor. • Oferecer serviços (como denunciar, indicar ins- tituições que oferecem apoio, etc.). • Evitar utilizar tarjas pretas nos rostos de crian- ças e adolescentes, bem como fotos que exi- • Tratar a criança e/ou o adolescente vítima de ex- bam as crianças na rua ou em trajes íntimos. ploração sexual como sujeito de direito, respeitan- do sua condição de pessoa em desenvolvimento. • Fugir da cobertura baseada nos BOs (boletins de ocorrência). • Produzir a reportagem pautada pelo discurso éti- co e contextualizado, com linguagem acessível. • Evitar o sensacionalismo.
  • 22. Fontes de Csimplesmente responderdeàsinformação feitasmaisum que umprir o papel de fonte perguntas exige por do Informação: jornalista. Esta, aliás, é somente a etapa final do processo de atuação de uma fonte comprometida com a qualidade Papel da notícia. A produção de uma boa reportagem envolve Central na um processo longo que passa pela contribuição direta de especialistas, agentes do poder público, de representantes Notícia de organizações não-governamentais e da população afe- tada pela questão em foco – enfim, todos os que, de alguma forma, podem apontar uma visão relevante ao debate. Quem domina ou trabalha com questões de inte- resse coletivo, como é o caso daqueles que lidam com o fenômeno da ESCCA, assume também uma função estratégica na produção de conhecimento e no debate público. A atuação das fontes de informação pode ser
  • 23. 22 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Palavra de fonte central, por exemplo, ao oferecer uma perspectiva mais contextualizada sobre as temáticas em pauta e sugerir di- ferentes elementos de pesquisa, dados atualizados ou no- “Um especialista no tema, seja soció- logo, psicólogo, advogado etc., precisa mes de especialistas capazes de trazer análises comple- ter consciência de que nada sabe sobre mentares e até mesmo divergentes em relação a um certo as técnicas do jornalismo. O seu papel é aspecto. Quando a fonte consegue estabelecer um diálogo explicar ao repórter o conteúdo temático. mais qualificado com o jornalista, o resultado é visível na É preciso respeitar o papel e o trabalho densidade do conteúdo final. do jornalista, reconhecendo-o naquele Não por outro motivo, o relacionamento com a impren- momento como o principal parceiro no sa precisa, cada vez mais, ser pensado de forma estratégica enfrentamento dessa causa. E com di- pelas instituições, tanto em ações e campanhas específicas plomacia, cabe ao especialista mostrar como no dia-a-dia. O diálogo deve ser sistematicamente ao repórter a importância de proteger fortalecido, seja a partir de iniciativas internas – criação de os direitos dos vitimados, de seus fami- um mailing de mídia, por exemplo –, seja pela articulação liares e dos agressores sexuais, não os expondo a situações constrangedoras, de atividades voltadas especificamente para as redações, seja em palavras, seja em imagens. É como uma oficina de capacitação sobre um tema relevante. importante, também, sensibilizar os jor- nalistas para que não tratem o agressor Mas o que se entende por fonte? como culpado, pois quem julga é o sis- De modo geral, podemos dizer que fonte de informação tema legal”. é toda pessoa ou documento (livros, enciclopédias, si- Marlene Vaz, tes, boletins, jornais, revistas, etc.) que fornece dados consultora em Violência Sexual e/ou emite opinião para uma reportagem, de forma a Contra Crianças e Adolescentes. contextualizá-la, esclarecer fatos ocorridos ou refletir sobre o tema abordado. No universo da imprensa, as fontes consideradas mais confiáveis são os documen- tos oficiais e os especialistas renomados. A possibili- dade de haver o repasse de alguma informação equivo- cada é considerada pequena nesses casos. Já quando se trata de pessoas diretamente envolvidas com o aconte-
  • 24. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 23 cimento, o cuidado com a checagem das informações Direto da redação tende a ser maior – não por se tratar de fontes pouco qualificadas, mas por estarem emocionalmente envol- “O grande problema de muitas fontes é vidas com o fato. querer aparecer mais do que a notícia. São consideradas fontes “oficiais” aquelas ligadas ao Mais importante do que ter o nome es- poder público, nas três esferas de governo (federal, esta- tampado no jornal é criar um laço de dual e municipal) e nos três níveis de Poder (Executivo, confiança com o jornalista, que possivel- Legislativo e Judiciário). No entanto, especialistas e ato- mente fará outras entrevistas e, aí sim, res sociais engajados no assunto a ser abordado pela ma- poderá fazer menção às fontes com mais téria também são considerados fontes particularmente segurança. Outro problema é esperar qualificadas pelos veículos de comunicação. A diferença é que tudo se resolva com a publicação/ que não falam em nome do Estado, mas da sociedade civil veiculação de uma reportagem. Há que organizada – a qual, muitas vezes, serve como contrapon- se compreender que a imprensa tem li- mites no seu campo de atuação”. to à perspectiva governamental apresentada. Mauri Konig, Gazeta do Povo (PR), Diversidade necessária vencedor da 2ª edição do Concurso Tim Lopes Vamos imaginar que, ao final do seu contato com o jorna- de Investigação Jornalística, lista, ele lhe peça para indicar outras fontes de informa- categoria Jornal. ção, a fim de repercutir diferentes pontos da questão ou apresentar argumentos opostos ao seu. Isso significa que o conhecimento aportado não satisfez às necessidades da matéria, donde você não é uma boa fonte, certo? Errado. Se uma situação como a descrita acima acontecer é porque você está diante de um bom profissional, comprometido com a ética e a qualidade do produto jornalístico. Reza a cartilha da imprensa que o conteúdo deve ser imparcial e isento de qualquer julgamento. Para isso, o profissional precisa apresentar ao leitor os diferentes la- dos de uma determinada história – ou seja, os vários ato-
  • 25. 24 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Palavra de fonte res envolvidos no fato em questão devem ter direito à voz. Desta forma, o público terá condições de fazer sua avalia- ção e tirar as próprias conclusões sobre o acontecimento “Um jornalista hoje sai da redação com três retratado na reportagem. pautas para cumprir: uma sobre violência Entretanto, a atual situação das redações – quadro re- sexual, outra sobre uma feira de automóveis duzido de jornalistas, profissionais sobrecarregados e com e outra sobre problemas de saneamento da cidade. Pode parecer um exemplo grotesco, formação acadêmica deficiente, etc. – não tem favorecido mas não está longe da realidade. Ele não que esta prática seja comum na rotina de jornais, revistas, tem condições de saber dos conceitos; da rádios, tevês e sites de todo o país. O que ocorre com certa diferença entre abuso e exploração sexual; freqüência é um jornalismo superficial, baseado no depoi- da Convenção Internacional sobre os Di- mento de uma ou duas fontes, quando muito – as quais, reitos da Criança; de o Brasil ter um Plano não raro, corroboraram a tese previamente definida pelo Nacional de Enfrentamento; das parcas jornalista. Por isso, é importante que as fontes de informa- rubricas orçamentárias para esta política; ção estejam atentas às oportunidades de colaborarem na das limitações do Direito Penal brasileiro; de produção da notícia, sugerindo ao repórter outras pessoas que nós queremos denunciar o crime, mas e documentos que possam contribuir para a construção de queremos cobrar atendimento de qualidade conteúdo mais contextualizado e abrangente. às vítimas. As escolas profissionais formam para o mercado e não para estes temas. É nossa responsabilidade oferecer um reper- Princípio do contraditório tório conceitual e existencial que aquele Conforme vimos, na cobertura jornalística é sempre jovem profissional não teve. Oferecer-lhe importante haver pessoas que repercutam o assunto de forma didática (mas não simplista) este sob diferentes pontos de vista. Embora a diversidade repertório é responsabilidade pública”. de fontes seja essencial, ela deixa de ter fundamento Renato Roseno, se todos os atores ouvidos defenderem exatamente o advogado, é ex-coordenador do Cedeca Ceará, mesmo argumento. da Anced e ex-conselheiro do Conanda. Atualmente assessora organizações e Em uma matéria sobre orçamento da educação, por movimentos de direitos humanos. exemplo, espera-se encontrar tanto leituras críticas a res- peito dos recursos destinados para a área quanto as razões dos gestores governamentais. O importante é que sejam
  • 26. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 25 ouvidas – de ambos os lados – pessoas que possuam um Direto da redação discurso qualificado e bem fundamentado. Assim, serão oferecidos subsídios ao fortalecimento do debate público em torno das políticas para o setor. “Uma boa fonte na área de Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adoles- Embora a pauta da Exploração Sexual Comercial de centes, ou em qualquer outro tema, deve Crianças e Adolescentes não seja polarizada entre os que falar a verdade. Ser transparente. Não são contra e os que são a favor do enfrentamento da ques- pode ficar se escondendo atrás da legis- tão – já que hoje trata-se de um crime inaceitável perante lação para não revelar dados. Pode pedir a opinião pública –, o princípio do contraditório pode (e sigilo e discrição para proteger a si e a deve) ser observado por meio da discussão sobre a eficácia outros envolvidos, mas jamais negar uma de determinada política pública ou do método de atendi- informação pública. Repórter e fonte têm mento de uma unidade de ressocialização, por exemplo. o mesmo objetivo, embora os caminhos Além disso, a matéria deve buscar garantir espaço aos ato- possam ser diferentes”. res que representem os diferentes aspectos daquela ques- Nelcira Nascimento, tão: o explorador, o poder público, psicólogos, familiares, Rádio Gaúcha (RS), vencedora da 1ª edição do Concurso Tim Lopes entidades de atendimento às vítimas, etc. de Investigação Jornalística, categoria Rádio. Valor-notícia Um dilema freqüente de instituições que dialogam com a imprensa é definir o que deve ser repassado para os meios de comunicação. Quais dados e informações po- dem interessar aos jornais, revistas, rádios, tevês ou sites? Por que alguns acontecimentos são notícia e ou- tros não? Para ser considerado “notícia” o fato deve possuir algumas características básicas, também chamadas, nos estudos sobre o jornalismo, de “valores-notícia”. Entre os principais estão:
  • 27. 26 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia • Caráter inédito. lificadas sobre a ESCCA, especialmente no • Atualidade. que se refere ao monitoramento das políticas públicas na área. • Impacto que pode exercer sobre as pessoas e sobre suas vidas. Relacionamento com as redações • Curiosidade que desperta. Além de reconhecer os meios de comunicação • Grau de imprevisibilidade e/ou improba- como potenciais aliados estratégicos, as fontes bilidade. de informação precisam estar atentas a aspec- tos simples, mas fundamentais, para o forta- • Proximidade com o acontecimento. lecimento de sua relação com as redações. Vale • Nível de importância dos envolvidos. apontar algumas dicas gerais: Sendo assim, não faz sentido tentar em- • O tempo de fechamento dos conteúdos placar nos meios jornalísticos uma pauta de- jornalísticos é escasso. Não faz sentido satualizada, desgastada ou que desperta pouco querer ser perfeccionista ao extremo e interesse no público daquele veículo ou local. É demorar para dar o retorno ao repórter. preciso que organizações e fontes de informa- Por isso, procurar saber o prazo que ele ção repensem suas estratégias comunicacionais tem para concluir a matéria deve ser uma com freqüência, buscando aprimorar a forma preocupação constante da fonte. Nos casos de apresentar os fatos aos órgãos de imprensa em que não for possível disponibilizar as – de tal maneira que aumentem a possibilidade informações em tempo hábil, é indispen- de serem considerados “notícia”. sável fazer um primeiro atendimento e ex- As organizações devem sempre ter em plicar a situação ao jornalista. foco que o diálogo com a imprensa, mais do • Deixar de dar retorno a uma consulta da que garantir espaço para suas agendas ins- redação é uma situação ainda mais deli- titucionais, é uma oportunidade para a pro- cada se foi sua organização que mobilizou moção de um debate mais amplo sobre a te- a imprensa. Nesse caso, é essencial ga- mática. Por isso, é fundamental que estejam rantir espaço na agenda para responder preparadas para aportar informações qua- às demandas.
  • 28. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 27 • Deve-se evitar o excesso de releases (su- ângulo ou o enfoque que considerem mais gestões de pautas) encaminhados à im- apropriados para a reportagem, com o ob- prensa. Trata-se de um recurso a ser jetivo de facilitar o trabalho jornalístico. utilizado somente em situações que justi- Entretanto, a palavra final é sempre do re- fiquem a mobilização dos meios de comu- pórter ou do editor. nicação. Encher as caixas de e-mail dos jornalistas com sugestões de pautas sobre • Pedir para ver o texto ou a reportagem an- assuntos de pouca importância geralmen- tes de ser publicada ou ir ao ar demonstra te provoca resistência dos profissionais que a fonte não confia naquele profissio- em relação àquela instituição/fonte (veja nal que a entrevistou. Além disso, o ato mais sobre releases no Capítulo 4). pode ser visto pelo repórter como forma de intimidá-lo ou de interferir no seu • Objetividade é fundamental no relacio- trabalho. A melhor maneira de evitar namento com a imprensa. É importante essas situações é certificar-se de que o que as fontes de informação busquem jornalista compreendeu bem o conteúdo responder ao que lhes foi perguntado. repassado durante a conversa. Ser prolixo, além de não facilitar o traba- lho do jornalista, pode abrir espaço para • Ao constatar ter feito repasse de dados in- interpretações amplas e distorcidas da corretos, é dever da fonte informar o jorna- mensagem que realmente se deseja pas- lista o mais rápido possível. Além de evitar sar. Mas atenção: isso não significa que a publicação de uma informação inverídica, a fonte não possa contribuir para a am- esta atitude revela o comprometimento e a pliação e o enriquecimento da cobertura, preocupação da fonte com a qualidade da contextualizando, por exemplo, dados e reportagem, gerando, inclusive, mais con- estatísticas sobre o problema. fiança por parte do repórter. • Não cabe à fonte interferir na edição da • Fazer insinuações sobre aspectos que não matéria, dizendo ao repórter o que deve se deseja ou não se possa mencionar aber- e o que não deve constar no texto. O que tamente abre espaço para que o jornalista fontes qualificadas podem fazer é sugerir o possa fazer interpretações equivocadas.
  • 29. 28 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Pauta exclusiva • Ao fazer declarações para qualquer veículo de comu- nicação, é importante que a fonte de informação não se afaste dos conceitos e convicções defendidas pela A idéia da pauta exclusiva é que a pu- blicação da informação cause grande instituição a qual representa. impacto entre a população e possa gerar • Discriminar um veículo de comunicação qualquer por repercussões em toda a mídia, além de este não se enquadrar no grupo dos chamados “gran- provocar o posicionamento das autorida- des” é um erro que não pode ser cometido por fontes des públicas em relação ao problema em de informação qualificadas. O mesmo se aplica em foco. Nesses casos, deve-se manter um contato telefônico inicial com o repórter relação a possíveis posicionamentos políticos ou ide- e, em seguida, estabelecer encontros ológicos dos veículos. para que sejam repassados todos os • Os meios alternativos de comunicação – como rá- detalhes, com o intuito de garantir um dios e televisões comunitárias e jornais de bairro melhor aproveitamento da informação. – atingem grande público, principalmente nas co- Embora a pauta exclusiva seja uma es- tratégia importante de comunicação, é munidades populares. Firmar parcerias com esses sempre importante avaliar com cuidado veículos é uma forma interessante de ampliar o raio se a exclusividade é a melhor forma de de ação das entidades do Terceiro Setor na missão divulgação de uma determinada pauta de educar a sociedade para prevenir e denunciar a de impacto. Dependendo do assunto, faz violência sexual. mais sentido disponibilizá-lo para vários ou todos os veículos de comunicação. • Repassar uma informação com exclusividade para determinado veículo faz parte da estratégia de co- municação e divulgação de qualquer instituição. No entanto, é preciso tomar cuidado para que haja rodí- zio entre meios e profissionais, de modo a garantir que o diálogo não esteja focado em um grupo muito restrito (veja mais na nota ao lado). • Quando não se sentir qualificada ou não quiser tra- tar de um assunto, a fonte deve dizer isso claramente
  • 30. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 29 ao jornalista e se colocar à disposição para esclare- Identidade resguardada cimentos futuros sobre outros temas. Além disso, é importante indicar para o repórter fontes de in- No Brasil, é garantido ao jornalista o di- formação que possam responder à demanda que ele reito de não revelar a sua fonte de in- possui no momento. formação. Geralmente este recurso é • Quando o assunto é Exploração Sexual Comercial de utilizado em situações complexas, nas Crianças e Adolescentes, muitos profissionais não quais a integridade física ou moral da fonte pode ser violada. Mas também querem dar entrevistas, temendo represálias por ocorre quando a fonte não quer aparecer parte das pessoas envolvidas no crime. É importan- por outras razões, sejam elas pessoais te saber que o jornalista tem meios para resguardar a ou profissionais. Nesses casos, ninguém identidade da fonte (veja mais na nota ao lado). pode obrigar o jornalista a dizer quem foi • É importante buscar estratégias para estreitar o re- a pessoa ou o órgão que lhe forneceu a informação. Assim, alguém que tenha lacionamento com a redação. Dar telefonemas ou algo importante a revelar pode sentir-se enviar cartas aos jornalistas, quando publicam ma- seguro a fazê-lo, em segredo. térias de qualidade, são exemplos de ações nesse sentido. As críticas também devem ser feitas, mas em tom ponderado, apresentando argumentos e in- dicando caminhos para o repórter melhorar o enfo- que em outras oportunidades. • Uma boa estratégia de comunicação deve buscar man- ter uma relação não só com os repórteres. É impor- tante buscar acesso também a editores e diretores de redação, pois esses profissionais são os responsáveis pelo foco editorial das matérias, com poder para alte- rar o ponto de vista da cobertura. • Organizações governamentais e não-governamen- tais podem e devem estabelecer parcerias com os
  • 31. 30 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Gerenciamento de crises A relação com a imprensa não é uma via de mão • Ignorar a demanda gerada pela imprensa não única. Da mesma forma que as organizações é a melhor estratégia nunca. Atenda a todas as da sociedade civil buscam acessar os meios de solicitações de explicação/informação e, se ne- comunicação, estes também demandam delas cessário, convoque uma coletiva de imprensa. informações e posicionamentos. No entanto, • Não responda no susto. É importante sempre nem sempre este é um diálogo amistoso. Podem avaliar o melhor momento para dar as expli- também ocorrer situações de conflito, nas quais a cações e somente oferecê-las quando todos demanda gerada por um lado não corresponde à os posicionamentos institucionais estiverem resposta oferecida pelo outro. E, geralmente, em bem definidos. momentos assim as bases desse relacionamento ficam estremecidas. • Por outro lado, o tempo da imprensa é curto; Ter habilidade para gerenciar crises – como não faz sentido estender em demasia o prazo denúncias de maus-tratos em instituições de in- para apresentar respostas eficazes. ternação, ou de mau uso de recursos públicos, • É importante saber o quê e para quem falar, por exemplo – revela maturidade e clareza quanto atendendo às especificidades de cada tipo de à atuação pública exigida de instituições sérias e mídia (rádio, tevê, impresso, internet). comprometidas com a qualidade e a transparência • Busque fazer uso de linguagem clara e de das suas ações. fácil compreensão. O que vem a seguir são algumas dicas de como as organizações devem agir diante de fatos e acon- • Manter o equilíbrio emocional é fator essen- tecimentos inesperados: cial nessas situações.
  • 32. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 31 veículos de comunicação e com as faculdades de jornalismo, estimu- lando discussões sobre o tema com o qual trabalham. Isto pode ocorrer por meio da realização de cursos es- • Estar atento para não falar nada que não pecíficos de curta ou média duração, deva ser publicado ou que não possa ser ple- palestras, seminários e grupos de de- namente esclarecido. bates. Essa é uma forma de conscien- tizar os atuais e futuros profissionais • Não faz sentido mascarar o problema. Ser a trabalhar o assunto com a sensibili- verdadeiro é o caminho mais eficiente para dade necessária, objetivando reper- resolver a situação da melhor forma possível. cussão positiva junto ao público. • Procure não privilegiar este ou aquele veícu- lo. Em momentos de crise o conteúdo trans- Diálogo pedagógico mitido à imprensa deve ser igual para todos. Como já reiteramos até aqui, a respon- sabilidade pela qualidade da informação • É necessário eleger um representante da institui- pública veiculada em jornais, revistas, ção para atuar como o porta-voz da crise. Essa rádios, tevês e sites de todo o país não é pessoa deve ser segura e conhecer a fundo to- atribuição exclusiva dos jornalistas. A dos os detalhes do que está sendo questionado. produção cada vez mais “generalista” da • Se necessário, busque a ajuda de um espe- imprensa praticamente não permite que cialista. Existem no mercado profissionais repórteres e editores se especializem capacitados para agir em crises de imagem. em uma ou outra temática. Com exceção das editorias consideradas “nobres” pe- Fonte: A era do escândalo: lições, relatos e bastidores los veículos de comunicação – tais como de quem viveu as grandes crises de imagem, Mário política, economia e internacional –, a Rosa. São Paulo: Geração Editorial, 2003. tendência é que os assuntos sejam cober- tos por profissionais capacitados apenas na prática jornalística em si. Lamenta-
  • 33. 32 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Direto da redação velmente, com freqüência este é o caso das temáticas da agenda social – incluindo a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. “O prazo das redações é sempre mínimo Tal realidade certamente não representa o contexto e com pouca negociação. Para esse tipo de trabalho ideal ou desejado pelos jornalistas. Trata- de matéria (ESCCA), no entanto, é sem- se de uma distorção provocada, em grande parte, por pre necessário o maior cuidado possível. Checar, rechecar, cruzar e voltar a bater uma herança cultural perversa – em um dos países com as informações, para que nada saia do maiores índices de desigualdade do planeta, a temáti- prumo. Qualquer falha pode virar uma ca social não é entendida como pauta prioritária. Esse acusação leviana. As fontes precisam ter contexto termina agravado por questões mercadológi- noção de que geralmente os prazos são cas relacionadas, inclusive, à própria sobrevivência dos curtíssimos, mas que existem casos em veículos de comunicação – que operam, como vimos, que a denúncia precisa ser apurada ao com redações cada vez mais enxutas. No entanto, algu- máximo, para que a redação se resguar- mas experiências no sentido de superar esse formato de de processos judiciais e problemas têm sido desenvolvidas em redações brasileiras, parte similares. É preciso perceber esses tem- delas motivadas pelo fortalecimento da agenda social pos diferentes”. registrado no âmbito do governo de Luiz Inácio Lula da Cláudio Ribeiro, O Povo (CE), vencedor da 3ª edição do Silva. Ainda assim, esta é uma lógica de trabalho que Concurso Tim Lopes de Investigação Jornalística, precisa ser revista em muitos dos veículos de comuni- categoria Temática Especial. cação do país. Nesse cenário, não é excessivo sublinhar que a atu- ação das fontes de informação torna-se fator muito im- portante para um bom resultado final da reportagem. Uma fonte bem preparada – e consciente do seu papel nesse processo – sabe que está diante de um profissio- nal da área de comunicação e não de um especialista na temática X ou Y. Por isso, conforme temos destacado, é fundamental que a questão seja apresentada da manei- ra mais simples, prática e objetiva possível.
  • 34. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 33 O uso de jargões ou de expressões técni- a imprensa. São cursos de curta duração, que cas, por exemplo, não facilita em nada a com- repassam dicas e orientações sobre como dia- preensão da mensagem que se quer passar. logar melhor com os meios de comunicação, Pelo contrário, além de dificultar o entendi- como se sair bem em entrevistas para os dife- mento, pode gerar um distanciamento entre rentes tipos de mídia e como agir em situações fonte e repórter – capaz de comprometer não de crise ou comoção. só a qualidade do material, mas a inclusão No entanto, além de não serem, na daquela abordagem no texto a ser publicado. maioria das vezes, elaborados para insti- Ter paciência e explicar o assunto quan- tuições da sociedade civil, respeitando suas tas vezes forem necessárias é outro indi- singularidades, esses cursos – chamados de cativo de uma boa fonte de informação. media training – costumam apresentar um Dificilmente um jornalista coloca um dado custo alto. Para capacitar cinco pessoas, por equivocado na matéria de propósito. Qua- exemplo, certas empresas chegam a cobrar se sempre o erro é resultado da pressa, que até R$ 20 mil, quantia fora do orçamento leva à má compreensão durante o processo da maior parte das organizações brasileiras de captação das informações. Por isso, é com foco social. importante certificar-se de que o conteúdo Uma forma de superar essa dificuldade é repassado foi compreendido em toda a sua buscar parcerias com organizações não-go- amplitude, sem espaço para interpretações vernamentais que atuam com foco na inter- dúbias ou equivocadas. Não se furtar a repe- face mídia–direitos humanos. Algumas de- tir uma informação sempre que for preciso las não só oferecem material de orientação pode ser o fator determinante para uma re- sobre como dialogar de forma mais eficien- portagem de melhor ou pior qualidade. te com a imprensa, como também realizam cursos de capacitação para atores sociais a Capacitação para o relacionamento preços bem mais acessíveis. De resto, se- com a mídia guir algumas dicas simples, ter bom senso e Atualmente, existem diversas empresas espe- buscar dominar amplamente o assunto a ser cializadas em oferecer treinamento com o ob- abordado são fatores que tendem a facilitar jetivo de preparar para o relacionamento com muito essa relação.
  • 35. 34 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia Especificidades loque em contato com crianças vitimadas. A apresentação de um caso real traz o proble- da ESCCA ma mais para perto de quem acessa a notícia e causa um impacto maior junto à opinião pú- blica como um todo. Apontar que milhares de De modo geral, a conduta a ser adotada pelas crianças e adolescentes brasileiros sofrem com fontes de informação requer os mesmos cui- a ESCCA não tem o mesmo peso, do ponto de dados para toda e qualquer área de atuação. vista da sensibilização do público, que relatar No entanto, quando o assunto em pauta é a em detalhes a história de uma menina de 16 Exploração Sexual Comercial de Crianças e anos que começou a ser explorada aos 13 e pas- Adolescentes, alguns aspectos exigem aten- sou por toda a sorte de problemas e desrespei- ção redobrada. tos. “Via de regra os jornalistas buscam retratar Além da escassez de dados quantitativos um lado bem cruel das situações de violação de sobre o problema (os quais facilitariam a in- direitos de crianças e adolescentes, ainda se- terlocução com os meios de comunicação), guindo a lógica de que o que choca a sociedade especialistas em violência sexual cometida deve servir como instrumento para a mobili- contra meninos e meninas lidam com um zação”, lembra Carolina Padilha, coordenadora conjunto amplo de questões bastante delica- de programas da Childhood Brasil. das. Podemos mencionar como exemplo os Qual deve ser, portanto, a postura da aspectos culturais e legais envolvidos, além fonte diante desse tipo de solicitação? Será da necessidade de orientar a mídia quanto aos que sempre dizer não é a melhor solução? De riscos de exposição indevida e revitimização acordo com a consultora em violência sexu- da criança ou adolescente explorado sexual- al contra crianças e adolescentes, Marlene mente. Trata-se, portanto, de uma temática de Vaz, o ideal é que o especialista, de forma difícil manejo. didática, ajude o jornalista a compreender a razão pela qual os vitimados não devem ser Busca por personagens expostos. Ao mesmo tempo, caberia a ele Geralmente, ao produzir uma matéria sobre oferecer dicas de quem pode ser entrevista- ESCCA, o jornalista solicita à fonte que o co- do e/ou fotografado.
  • 36. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 35 Fontes que atuam em instituições de atendimento às Direto da redação vítimas podem identificar mais facilmente aqueles ga- rotos ou garotas mais bem preparados para falar sobre o assunto. Vale lembrar que, no processo de entrevista, “A boa fonte sobre Exploração Sexual possivelmente a vítima reviverá muito do sofrimento ex- Comercial de Crianças e Adolescentes é aquela que tem formação e sensibilidade perimentado durante o tempo em que foi explorada. É por para repassar informações ao jornalista isso que só devem ser indicados meninos ou meninas que dentro dos critérios de respeito aos di- já tenham passado por um amplo processo de acompa- reitos humanos. Ela não utiliza as vítimas nhamento e tratamento psicológico. como ‘troféu’ para coroar o seu trabalho, Não dá para esquecer, porém, que embora a impren- ou seja, não expõe crianças e adolescen- sa desempenhe um papel importante no enfrentamento tes para dizer que fez o seu papel. Além a este problema, algumas vezes a cobertura pende para o disso, está sempre disposta a contribuir viés sensacionalista. Por isto, é importante que um pro- com as reflexões levantadas nos meios fissional da instituição discuta com o jornalista a pauta de comunicação e indica aos jornalistas da conversa, de forma a definirem juntos as melhores pautas novas e interessantes”. perguntas a serem feitas. Além disso, ele deve acompa- Ana Quezado, TV Verdes Mares (CE), nhar o repórter durante toda a entrevista. vencedora da 1ª edição do Concurso Tim Lopes Em resumo, cabe à instituição checar o nível de com- de Investigação Jornalística, preensão do profissional de imprensa sobre o assunto e categoria Televisão. suas intenções/propostas em relação àquela cobertura. A mídia precisa entender que proteger a criança ou o adolescente violentado deve ser prioridade e que nem sempre a entrevista é a única ou a melhor alternativa. Muitas vezes uma descrição bem feita e sensível pode ser tão esclarecedora quanto um depoimento. De qual- quer forma, em último caso, é mais sábio não permitir que a entrevista seja realizada. Afinal, é menos grave perder a reportagem do que revitimizar um menino ou uma menina.
  • 37. 36 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia “Estamos falando de uma violência com que o autor da matéria seja capaz de, sem ser conseqüências muito complexas. Uma reda- piegas ou sensacionalista, descrever que há ção fria e desprovida de sensibilidade não al- elementos muito profundos da subjetividade cança a magnitude do problema. Redigir sobre humana envolvidos. Reconhecer esta subje- violência sexual não é a mesma coisa que redi- tividade é chave, inclusive, para compreender gir sobre outras formas de violência como, por porque é melhor não forçar um depoimento”, exemplo, um assalto a banco ou mesmo sobre sintetiza Renato Roseno, assessor de organi- um problema no sistema de transportes. Exige zações e movimentos de direitos humanos. Tribunal midiático: as fontes de informação e o julgamento precipitado Diante de crimes bárbaros – como os de violência sexual contra crianças e adolescentes – é comum que o desejo de responsabilização e justiça imediata tome corpo na sociedade. Via de regra, essa ânsia punitiva – que também se reflete na imprensa – se mostra de duas diferentes formas: a responsabilização da vítima ou o julgamento precipitado do agressor. Como sabemos, não são raras as reportagens sobre ESCCA que estampam vítimas – especialmente meninas – sob ângulos que tendem a reforçar uma imagem de sedução e consentimento. Esse é um equívoco perigoso e diante do qual as fontes de informação devem sempre estar atentas. É importante esclarecer aos profissionais da notícia que crianças e adolescentes são suscetíveis a serem manipulados, induzidos ou pressionados a consentir relacionamentos, atividades e contratos e que, acima de tudo, meninos e meninas são indivíduos em processo de desenvolvimento, donde precisam ter seus direitos fundamentais garantidos. Outro deslize ao qual as fontes de informação devem estar alertas diz respeito a prejulgamentos do agressor. Por vezes, a cobertura da imprensa tende a ganhar um caráter policialesco, reforçando julgamentos precipitados e de apelo punitivo – que em nada contribuem para o debate acerca da solução para o problema em seu aspecto mais amplo. Uma contribuição que as fontes podem oferecer para tornar essa cobertura mais equilibrada é ressaltar junto ao jornalista a importância de uma abordagem esclarecedora e educativa, e que também assegure ao agressor o direito de receber o tratamento judicial legalmente determinado pelas instâncias competentes.
  • 38. EnfrEntamEnto à Exploração SExual dE CriançaS E adolESCEntES 37 Cuidados com imagens fia ou imagem eletrônica para veicular nos Um dos desafios de quem atua na interface mí- meios de comunicação. Embora a fonte de dia e violência sexual é administrar o uso de fo- informação não tenha ingerência sobre o tos e vídeos em jornais, revistas, tevês e sites. processo de edição da reportagem, é papel Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente dela alertar o jornalista para os cuidados ne- seja claro – em seu artigo 17 – com relação à in- cessários nessa área, esclarecendo dúvidas e violabilidade da integridade física, psíquica e orientando o profissional a agir segundo as moral da criança e do adolescente, abrangen- diretrizes estabelecidas no ECA. Confira a do a preservação da imagem e da identidade de seguir algumas sugestões: meninos e meninas, ainda é intensa a demanda • Orientar o jornalista a não utilizar tarjas dos meios de comunicação por fotografias ou pretas nos rostos das crianças. Além de não imagens eletrônicas de garotos e garotas víti- garantir a proteção da identidade da vítima, mas das mais diferentes formas de violação de que pode ser identificada por meio de ou- direitos, inclusive a exploração sexual. tras partes do corpo ou até mesmo por rou- Esta demanda tem relação direta com a pas e objetos pessoais, esses recursos ten- prática jornalística em si. Quem nunca ouviu dem a reforçar estereótipos e passar uma dizer que uma imagem vale mais do que mil imagem negativa do menino ou da menina. palavras? Nos meios de comunicação im- pressos – jornais e revistas –, a utilização de • Há uma outra prática com relação à pre- imagens funciona como um chamariz para o servação da vítima que precisa ser in- texto. Já no caso da mídia televisiva, a função corporada ao fazer jornalístico: evitar a da imagem vai além: ela representa a própria identificação de crianças e adolescentes razão de ser do veículo de comunicação. Em explorados por meio do uso das iniciais ambos os casos, a imagem ajuda a reforçar a dos nomes. Além de fortalecer um as- idéia que se quer passar sobre o assunto em pecto pejorativo construído ao longo dos discussão e pode, se mal utilizada, contribuir anos, se associado a outras informações para disseminar estereótipos e preconceitos. contidas no texto, esse dado pode per- Por isso, é preciso que se tenha muito mitir facilmente a identificação da vítima cuidado na hora de selecionar uma fotogra- por parentes, conhecidos ou vizinhos.
  • 39. 38 Guia de RefeRência paRa o diáloGo com a mídia • Não adianta preservar o nome da vítima e, • Recursos técnicos como a contraluz, a ao mesmo tempo, estampar uma foto ou distorção da voz e o desfocar a imagem da mencionar nomes de parentes ou fornecer criança ou do adolescente podem ser uti- o endereço do local onde a criança mora. lizados pelos meios de comunicação no Embora pareça impensável, esta ocorrên- sentido de preservarem a identidade e a cia é mais comum na cobertura jornalísti- integridade de meninos e meninas vio- ca do que se imagina. lentados sexualmente. Abusos por parte dos meios de comunicação Como visto, os profissionais da imprensa estão sujeitos a incorrer em equívocos na cobertura jornalística cotidiana, espe- cialmente quando abordam temáticas mais complexas – como é o caso da violência sexual contra meninos e meninas. Nesses casos, uma atitude proativa das fontes de informação é buscar um diálogo franco com o jornalista, esclarecendo as especificidades da questão e os caminhos para uma cobertura mais qualificada. Esse, inclusive, pode ser um caminho importante para a construção de uma relação profícua com aquele repórter. Nem sempre, no entanto, esse diálogo propositivo alcança o resultado esperado. Como em todas as áreas, o jor- nalismo também está sujeito a profissionais pouco éticos e que, deliberadamente, utilizam o espaço midiático como palco para desrespeitos de direitos. Para esses casos, é importante saber que a sociedade dispõe de instrumentos legais para coibir abusos por parte dos meios de comunicação. Em novembro de 2005, por exemplo, uma decisão judicial inédita tirou do ar por 60 dias o programa Tarde Quen- te, exibido pela Rede TV! e que tinha à frente o apresentador João Kléber. A suspensão foi determinada pelo Poder Judiciário, que atendeu a denúncias sobre a constante violação de direitos humanos cometida pela atração Durante mais de um mês, a Rede TV! foi obrigada a exibir, no horário antes ocupado por João Kleber, o Direitos de Respos- ta – série de 30 programas produzidos em conjunto por seis entidades da sociedade civil organizada, entre elas o Intervozes, que abordava temas como direitos humanos, diversidade sexual e direitos da infância e adolescência.
  • 40. Por Dentro C onhecer bem os processos de trabalho por trás da produção da notícia constitui estratégia central para da Redação aqueles que pretendem dialogar mais sistematica- mente com os meios de comunicação. Além de saber discernir os diferentes papéis que cabem à imprensa e às fontes de informação nas dinâmicas que viabili- zam a inserção de uma determinada temática no de- bate público, é também necessário entender quais os recursos adequados para alcançar os diferentes meios existentes. Os procedimentos podem variar não so- mente de acordo com o tipo de mídia: jornal, revista, rádio, tevê ou internet. Cada veículo de comunicação possui lógica própria de trabalho, o que demanda das fontes uma abordagem que leve em conta tanto suas características positivas quanto suas limitações.