SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 6
Baixar para ler offline
Em pílulas
Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de
Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio




                             54
           (Corresponde ao décimo-oitavo tópico do Capítulo 7,
             intitulado Alterando a estrutura das sociosferas)




                  As cidades na glocalização

Estados são artifícios para proteger as pessoas da experiência do localismo
cosmopolita

O reflorescimento das cidades – na verdade, das localidades em geral – é
uma das conseqüências do processo de glocalização atualmente em curso.
O mundo não está apenas se globalizando, mas também se localizando cada
vez mais. Isso quer dizer, em outras palavras, que o mundo único está
desparecendo para dar surgimento a muitos mundos.

E está havendo uma mudança social que favorece o florescimento das
localidades em geral – e das cidades em particular – como protagonistas do
desenvolvimento. Essa mudança, que está ocorrendo simultaneamente na
dimensão global e na dimensão local, está tornando inadequada,
insuficiente e impotente, a forma Estado-nação. O tão citado juízo do
sociólogo americano Daniel Bell parece ser definitivo: o velho Estado-nação
tornou-se não só pequeno demais para resolver os grandes problemas,
como também grande demais para resolver os pequenos.

Em outras palavras, as inovações (sociais, políticas, culturais e
tecnológicas) introduzidas com o atual processo de glocalização, têm
surgido simultaneamente na dimensão global (como resultado de mudanças
sociais macroculturais) e na dimensão local (como resultado de mudanças
sociais na estrutura e na dinâmica de comunidades). Entretanto, o Estado-
nação tornou-se uma instância intermediária resistente a tais mudanças. Ou
seja, a mudança que tem ocorrido nas duas pontas – no global e no local –
ainda não atingiu plenamente o meio, a forma Estado-nação, que, sentindo-
se ameaçada, está resistindo ferozmente para não ser desabilitada como
fulcro do sistema de governança. A primeira década do terceiro milênio
pode ser caracterizada como uma década de crise do Estado-nação e de
conseqüente recrudescimento do estatismo.

Os Estados-nações criarão, por certo, muitos obstáculos à emergência das
cidades como sujeitos autônomos do seu próprio desenvolvimento. Mas não
conseguirão resistir por muito tempo à convergência de múltiplos fatores
que estão preparando o seu declínio. Como previu Castells (1999), “as
estratégias do Estado-nação para aumentar a sua operacionalidade (através
da cooperação internacional) e para recuperar sua legitimidade (através da
descentralização local e regional) aprofundam sua crise, ao fazê-lo perder
poder, atribuições e autonomia em benefício dos níveis supranacional e
subnacional” (48).

Nenhum Estado hoje consegue mais se livrar dos conflitos com seus níveis
subnacionais, diante das exigências crescentes de mais autonomia local.
Mas a despeito de todos os conflitos políticos e fiscais entre diferentes níveis
de governo dentro de um mesmo Estado, que só tendem a se aprofundar e
generalizar nos próximos anos, nunca é demais repetir que se fala aqui das
cidades como redes de múltiplas comunidades interdependentes e não da
réplica Estatal montada nas cidades, da instância municipal do Estado ou do
governo local.

Os que preconizam o declínio do Estado-nação diante dos novos arranjos
locais ou regionais que emergem no mundo globalizado, fazem-no quase
sempre de um ponto de vista estrita ou predominantemente econômico. É o
caso, por exemplo, de Ohmae (entre outros). Mas é preciso ver que o



                                       2
fenômeno da glocalização é mais abrangente e não pode ser plenamente
captado pelo olhar econômico. Estamos diante de mudança sociais mais
profundas, que dizem respeito aos padrões de vida e de convivência social e
não apenas diante de alterações na estrutura e na dinâmica do capital e do
capitalismo. O que está mudando não é somente o modo de produzir e
consumir e sim o modo de ser coletivamente. ‘Uma sociedade-rede está
emergindo’ – muitos repetem o dito, mas parecem não extrair dele todas as
conseqüências e essa surpreendente afirmação vai se tornando banal.

O problema com a visão econômica é que ela é reducionista. Imagina que a
configuração do mundo depende do modo de produção e, assim, se esforça
para antecipar a nova forma do capitalismo que virá (ou sobrevirá), mas se
esquece de perguntar sobre a nova forma de sociedade que emergirá. Isso
talvez seja uma evidência da resiliência da crença economicista de que
existe alguma coisa como uma “estrutura” econômica que determina, em
alguma medida ou instância, uma suposta “superestrutura” da sociedade.

Mas mercados não vêm de Marte. Constituem um tipo de agenciamento
operado por seres humanos, terráqueos mesmo, cujo comportamento
depende das interações que efetivam com outros seres humanos; ou seja,
tudo isso depende do “corpo” e do “metabolismo” da sociedade (i. e., de
sociosferas), vale dizer, da rede social.

Não é nas novas formas econômicas que vamos encontrar o “mapa” das
novas cidades. Esse “mapa” não poderá ser outra coisa senão as novas
configurações das redes que configuram a cidade-rede. Tivemos até agora
vários tipos de “mapas”, dos quais podemos citar alguns exemplos: as
cidades-assentamento “horizontais” que se formaram após o final do
período neolítico na Europa Antiga e no Oriente Médio (como Jericó, a
partir, talvez, do 6º milênio a. E. C.); as cidades-Estado da antiguidade (as
cidades monárquicas, muradas e fortificadas, que surgiram na Mesopotâmia
a partir do 4º milênio, como Uruk, Ur, Lagash etc., e que se replicaram no
período considerado civilizado); as cidades – burgos – organizadas em torno
do comércio nos períodos feudais; uma grande variedade de cidades
correspondentes aos Estados principescos e reais; até chegar às cidades
como instâncias subnacionais (ou domínios do Estado-nação). E tivemos
também algumas exceções, como Atenas – a polis do período democrático –
e outras poleis na Ática. São exceções porque a polis grega democrática
não era propriamente uma cidade-Estado semelhante às suas
contemporâneas e sim uma comunidade (koinonia) política. Por último, ao
que parece, teremos agora, no ocaso do Estado-nação, novos tipos de
cidades: as cidades-redes (e as redes de cidades configurando novas
regiões).



                                     3
Ao que parece, não é muito útil tentar pegar no passado um modelo como
prefiguração para explicar o fenômeno atual da emergência da cidade-rede.
Assim como a globalização da época das navegações não diz muita coisa
sobre a globalização atual, também não teremos um novo venezianismo
(por exemplo, não tivemos um novo brugesismo – de Bruges – a não ser o
próprio venezianismo, o original, dos séculos 14 e 15). Não teremos novas
“ligas hanseáticas”, nem um neo-antuerpismo ou um neogenovismo; assim
como nenhum país ou região poderá cumprir no mundo atual o papel que
foi desempenhado, em suas épocas, por Amsterdã, Londres, Boston, Nova
Iorque ou Los Angeles e adjacências.

Por quê? As explicações são várias: porque a ordem comercial
contemporânea não tem mais mono-pólos (como foram Bruges e Veneza),
de vez que a globalização hoje é policêntrica; porque o capital financeiro
transnacional não exige mais centros fixos (como a Antuérpia ou a Gênova
do século 16); porque as chamadas democracias de mercado não precisam
estar mais ancoradas em impérios militares (como a Inglaterra dos séculos
18 e 19); porque as “máquinas que fabricam máquinas” da nova indústria
do conhecimento não requerem mais uma infra-estrutura tão pesada que só
possa ser reunida em uma localidade com alta capacidade hard instalada
(como Boston, nos Estados Unidos no início do século 20); porque o acesso
à eletricidade é praticamente universal (e a conexão banda larga segue o
mesmo caminho) e a energia e a inteligência não precisam estar mais
espacialmente tão concentradas (como estiveram em Nova Iorque ou em
Los Angeles e nas cidades do Vale do Silício durante o século 20).

Não é o mercado que determina. Não é o Estado que decide. São os
fenômenos que ocorrem na intimidade da sociedade e que têm a ver com o
grau de conectividade e de distribuição da rede social que acarretam a
estrutura e a dinâmica dos novos agrupamentos humanos que se
estabelecem sobre o território e, inclusive, daqueles que não estão
estabelecidos sobre um território (como os agrupamentos virtuais). É claro
que o mercado pode induzir e o Estado pode restringir (em geral colocando
obstruções) as fluições que configuram a forma e o funcionamento das
sociedades. Mas nenhum desses tipos de agenciamento pode determinar o
que acontece.

O problema do Estado – dos pontos de vista da democracia e do
desenvolvimento (ou da sustentabilidade) – não é que ele se assenta
territorialmente e sim que ele se constitui como um mainframe de
programas verticalizadores. A Matrix como mainframe, do filme dos irmãos
Wachowski, não precisava se assentar em um território determinado para
executar o seu papel verticalizador. Aliás, no filme, o centro de vida



                                    4
alternativa e de resistência ao poder vertical – Zion – era territorialmente (e
mais do que isso, subterraneamente) situada, enquanto que a Matrix era
virtual, ou melhor, virtualizante...

O territorial não leva necessariamente à verticalização (ou centralização),
nem o virtual nos salva da dominação do poder vertical. Porque as
disposições que configuram o que se manifestará no mundo físico ou no
mundo virtual estão no espaço-tempo dos fluxos e não no espaço-tempo
físico ou no chamado mundo digital (49). Mas o agarramento ao território,
esse agrilhoamento tamásico contra-fluzz – posto que estabelecido para
tentar impedir a vida nômade das coisas – tem sido fonte, em grande parte,
do poder de separar os seres humanos: uma tentativa de matar no embrião
o simbionte social.

Os Estados foram erigidos para nos proteger da experiência do localismo
cosmopolita, uma experiência glocal. Sob seu domínio, uma pessoa não
pode ser cidadã do seu próprio mundo e não pode interagir livremente com
outros mundos. Não, ela deve ser aprisionada no mundo único que foi
territorialmente repartido por organizações erigidas em função da guerra e
separadas por fronteiras, fechadas e burras. Em geral não pode atravessar
essas fronteiras sem a permissão do poder estatal. Em uma parte dos
casos, o poder estatal não concede tal licença a seus súditos, trancafiando-
os no próprio território-penitenciária, como se tivessem sido condenados
por algum crime gravíssimo. Em outra parte dos casos, não deixa entrar (ou
cria toda sorte de empecilhos para a entrada) em seus territórios de certas
categorias de estrangeiros.




                                      5
Notas

(48) CASTELLS, Manuel (1999). Para o Estado-rede: globalização econômica e
instituições políticas na era da informação” in BRESSER PEREIRA, L. C., WILHEIM,
J. e SOLA, L. Sociedade e Estado em transformação. Brasília: ENAP, 1999.

(49) FRANCO, Augusto (2008). Escola de Redes: Novas visões sobre a sociedade, o
desenvolvimento, a internet, a política e o mundo glocalizado. Curitiba: Escola-de-
Redes, 2008.




                                        6

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214Elisio Estanque
 
História Contemporânea - Larissa Costard - PUC-Rio
História Contemporânea - Larissa Costard - PUC-RioHistória Contemporânea - Larissa Costard - PUC-Rio
História Contemporânea - Larissa Costard - PUC-Rioagccf
 
Capitalismo 3.0 - Capitalismo do século XXI será muito menos financeiro do ...
Capitalismo 3.0 - Capitalismo do século XXI será muito menos financeiro do ...Capitalismo 3.0 - Capitalismo do século XXI será muito menos financeiro do ...
Capitalismo 3.0 - Capitalismo do século XXI será muito menos financeiro do ...Carlos Nepomuceno (Nepô)
 
A transição do capitalismo para a sociedade pós capitalista
A transição do capitalismo para a sociedade pós capitalistaA transição do capitalismo para a sociedade pós capitalista
A transição do capitalismo para a sociedade pós capitalistaFernando Alcoforado
 
Sobre a democracia - a democracia e a sua usurpação 1a parte-
Sobre a democracia - a democracia e a sua usurpação  1a parte-Sobre a democracia - a democracia e a sua usurpação  1a parte-
Sobre a democracia - a democracia e a sua usurpação 1a parte-GRAZIA TANTA
 
Sociedades em rede, cidades globais, etc
Sociedades em rede, cidades globais, etcSociedades em rede, cidades globais, etc
Sociedades em rede, cidades globais, etcblogarlete
 
São Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdadeSão Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdadeGabrieldibernardi
 

Mais procurados (11)

Fluzz pilulas 56
Fluzz pilulas 56Fluzz pilulas 56
Fluzz pilulas 56
 
Urbanização da sociedade
Urbanização da sociedadeUrbanização da sociedade
Urbanização da sociedade
 
Raymundo Faoro
Raymundo FaoroRaymundo Faoro
Raymundo Faoro
 
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214O outro lado da reovol (i) publico 20180214
O outro lado da reovol (i) publico 20180214
 
História Contemporânea - Larissa Costard - PUC-Rio
História Contemporânea - Larissa Costard - PUC-RioHistória Contemporânea - Larissa Costard - PUC-Rio
História Contemporânea - Larissa Costard - PUC-Rio
 
Entrevista_CH306
Entrevista_CH306Entrevista_CH306
Entrevista_CH306
 
Capitalismo 3.0 - Capitalismo do século XXI será muito menos financeiro do ...
Capitalismo 3.0 - Capitalismo do século XXI será muito menos financeiro do ...Capitalismo 3.0 - Capitalismo do século XXI será muito menos financeiro do ...
Capitalismo 3.0 - Capitalismo do século XXI será muito menos financeiro do ...
 
A transição do capitalismo para a sociedade pós capitalista
A transição do capitalismo para a sociedade pós capitalistaA transição do capitalismo para a sociedade pós capitalista
A transição do capitalismo para a sociedade pós capitalista
 
Sobre a democracia - a democracia e a sua usurpação 1a parte-
Sobre a democracia - a democracia e a sua usurpação  1a parte-Sobre a democracia - a democracia e a sua usurpação  1a parte-
Sobre a democracia - a democracia e a sua usurpação 1a parte-
 
Sociedades em rede, cidades globais, etc
Sociedades em rede, cidades globais, etcSociedades em rede, cidades globais, etc
Sociedades em rede, cidades globais, etc
 
São Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdadeSão Paulo: Segregação urbana e desigualdade
São Paulo: Segregação urbana e desigualdade
 

Destaque (8)

Auto Retrato Cilma
Auto Retrato CilmaAuto Retrato Cilma
Auto Retrato Cilma
 
Editalretificado
EditalretificadoEditalretificado
Editalretificado
 
Gmaringaense6
Gmaringaense6Gmaringaense6
Gmaringaense6
 
Viagem a Barcelona
Viagem a Barcelona Viagem a Barcelona
Viagem a Barcelona
 
Pilulas democraticas 4 Opiniao
Pilulas democraticas 4  OpiniaoPilulas democraticas 4  Opiniao
Pilulas democraticas 4 Opiniao
 
Conferência Municipal Plano Diretor
Conferência Municipal Plano DiretorConferência Municipal Plano Diretor
Conferência Municipal Plano Diretor
 
Seduc coordenadores dos credes
Seduc coordenadores dos credesSeduc coordenadores dos credes
Seduc coordenadores dos credes
 
E moderacao - Paulo Dias
E moderacao - Paulo DiasE moderacao - Paulo Dias
E moderacao - Paulo Dias
 

Semelhante a As cidades na glocalização

Metrópole ressurgente: economia, sociedade e urbanização em um mundo intercon...
Metrópole ressurgente: economia, sociedade e urbanização em um mundo intercon...Metrópole ressurgente: economia, sociedade e urbanização em um mundo intercon...
Metrópole ressurgente: economia, sociedade e urbanização em um mundo intercon...Samuel Viana
 
Globalização definições 2
Globalização   definições 2Globalização   definições 2
Globalização definições 2vanessachamma
 
Novas tendencias reprodução sociall
Novas tendencias reprodução sociallNovas tendencias reprodução sociall
Novas tendencias reprodução sociallAndre Marco
 
Para um novo paradigma político; a re criação da democracia
Para um novo paradigma político; a re criação da democraciaPara um novo paradigma político; a re criação da democracia
Para um novo paradigma político; a re criação da democraciaGRAZIA TANTA
 
Fae curitiba ee_cultura de empresa-signed
Fae curitiba ee_cultura de empresa-signedFae curitiba ee_cultura de empresa-signed
Fae curitiba ee_cultura de empresa-signedElisio Estanque
 
Fluzz | Versão Preliminar Integral
Fluzz | Versão Preliminar IntegralFluzz | Versão Preliminar Integral
Fluzz | Versão Preliminar Integralaugustodefranco .
 
Apontamentos em Ciberpolítica: A internet e suas possibilidades democráticas
Apontamentos em Ciberpolítica: A internet e suas possibilidades democráticasApontamentos em Ciberpolítica: A internet e suas possibilidades democráticas
Apontamentos em Ciberpolítica: A internet e suas possibilidades democráticasUniversidade Federal do Paraná
 
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃO
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃOUM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃO
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃOaugustodefranco .
 
Fae curitiba ee_cultura de empresa
Fae curitiba ee_cultura de empresaFae curitiba ee_cultura de empresa
Fae curitiba ee_cultura de empresaElisio Estanque
 
FRANCO, Augusto - Você é o Inimigo
FRANCO, Augusto - Você é o InimigoFRANCO, Augusto - Você é o Inimigo
FRANCO, Augusto - Você é o InimigoFabio Pedrazzi
 
A transformação do trabalho e a formação profissional na sociedade da incerteza
A transformação do trabalho e a formação profissional na sociedade da incertezaA transformação do trabalho e a formação profissional na sociedade da incerteza
A transformação do trabalho e a formação profissional na sociedade da incertezaClaudio Santos
 
A globalização e capitalismo
A globalização e capitalismoA globalização e capitalismo
A globalização e capitalismoBenjiloko
 
Carta para joseph bloch engels
Carta para joseph bloch   engelsCarta para joseph bloch   engels
Carta para joseph bloch engelsUJS_Maringa
 

Semelhante a As cidades na glocalização (20)

Fluzz pilulas 55
Fluzz pilulas 55Fluzz pilulas 55
Fluzz pilulas 55
 
Metrópole ressurgente: economia, sociedade e urbanização em um mundo intercon...
Metrópole ressurgente: economia, sociedade e urbanização em um mundo intercon...Metrópole ressurgente: economia, sociedade e urbanização em um mundo intercon...
Metrópole ressurgente: economia, sociedade e urbanização em um mundo intercon...
 
Globalização definições 2
Globalização   definições 2Globalização   definições 2
Globalização definições 2
 
Novas tendencias reprodução sociall
Novas tendencias reprodução sociallNovas tendencias reprodução sociall
Novas tendencias reprodução sociall
 
Por uma outra globalizacao milton santos
Por uma outra globalizacao   milton santosPor uma outra globalizacao   milton santos
Por uma outra globalizacao milton santos
 
Globalização
GlobalizaçãoGlobalização
Globalização
 
Para um novo paradigma político; a re criação da democracia
Para um novo paradigma político; a re criação da democraciaPara um novo paradigma político; a re criação da democracia
Para um novo paradigma político; a re criação da democracia
 
Fluzz início capítulo 0
Fluzz início capítulo 0Fluzz início capítulo 0
Fluzz início capítulo 0
 
Fae curitiba ee_cultura de empresa-signed
Fae curitiba ee_cultura de empresa-signedFae curitiba ee_cultura de empresa-signed
Fae curitiba ee_cultura de empresa-signed
 
Fluzz | Versão Preliminar Integral
Fluzz | Versão Preliminar IntegralFluzz | Versão Preliminar Integral
Fluzz | Versão Preliminar Integral
 
Apontamentos em Ciberpolítica: A internet e suas possibilidades democráticas
Apontamentos em Ciberpolítica: A internet e suas possibilidades democráticasApontamentos em Ciberpolítica: A internet e suas possibilidades democráticas
Apontamentos em Ciberpolítica: A internet e suas possibilidades democráticas
 
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃO
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃOUM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃO
UM NOVO CONCEITO DE REVOLUÇÃO
 
Fae curitiba ee_cultura de empresa
Fae curitiba ee_cultura de empresaFae curitiba ee_cultura de empresa
Fae curitiba ee_cultura de empresa
 
A SEGUNDA QUEDA DO MURO
A SEGUNDA QUEDA DO MUROA SEGUNDA QUEDA DO MURO
A SEGUNDA QUEDA DO MURO
 
ELES JÁ ESTÃO ENTRE NÓS
ELES JÁ ESTÃO ENTRE NÓSELES JÁ ESTÃO ENTRE NÓS
ELES JÁ ESTÃO ENTRE NÓS
 
FRANCO, Augusto - Você é o Inimigo
FRANCO, Augusto - Você é o InimigoFRANCO, Augusto - Você é o Inimigo
FRANCO, Augusto - Você é o Inimigo
 
A transformação do trabalho e a formação profissional na sociedade da incerteza
A transformação do trabalho e a formação profissional na sociedade da incertezaA transformação do trabalho e a formação profissional na sociedade da incerteza
A transformação do trabalho e a formação profissional na sociedade da incerteza
 
A globalização e capitalismo
A globalização e capitalismoA globalização e capitalismo
A globalização e capitalismo
 
VOCÊ É O INIMIGO
VOCÊ É O INIMIGOVOCÊ É O INIMIGO
VOCÊ É O INIMIGO
 
Carta para joseph bloch engels
Carta para joseph bloch   engelsCarta para joseph bloch   engels
Carta para joseph bloch engels
 

Mais de augustodefranco .

Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democraciaFranco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democraciaaugustodefranco .
 
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasilFranco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasilaugustodefranco .
 
A democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventadaA democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventadaaugustodefranco .
 
Algumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em redeAlgumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em redeaugustodefranco .
 
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA augustodefranco .
 
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...augustodefranco .
 
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...augustodefranco .
 
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMAaugustodefranco .
 
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede socialNunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede socialaugustodefranco .
 
Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?augustodefranco .
 
Quando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democraciaQuando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democraciaaugustodefranco .
 
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John DeweyDemocracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Deweyaugustodefranco .
 
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELARELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELAaugustodefranco .
 
Diálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantesDiálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantesaugustodefranco .
 

Mais de augustodefranco . (20)

Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democraciaFranco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
Franco, Augusto (2017) Conservadorismo, liberalismo econômico e democracia
 
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasilFranco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
Franco, Augusto (2018) Os diferentes adversários da democracia no brasil
 
Hiérarchie
Hiérarchie Hiérarchie
Hiérarchie
 
A democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventadaA democracia sob ataque terá de ser reinventada
A democracia sob ataque terá de ser reinventada
 
JERARQUIA
JERARQUIAJERARQUIA
JERARQUIA
 
Algumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em redeAlgumas notas sobre os desafios de empreender em rede
Algumas notas sobre os desafios de empreender em rede
 
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISEAS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
AS EMPRESAS DIANTE DA CRISE
 
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
APRENDIZAGEM OU DERIVA ONTOGENICA
 
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
CONDORCET, Marquês de (1792). Relatório de projeto de decreto sobre a organiz...
 
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
NIETZSCHE, Friederich (1888). Os "melhoradores" da humanidade, Parte 2 e O qu...
 
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
100 DIAS DE VERÃO BOOK DO PROGRAMA
 
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede socialNunca a humanidade dependeu tanto da rede social
Nunca a humanidade dependeu tanto da rede social
 
Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?Um sistema estatal de participação social?
Um sistema estatal de participação social?
 
Quando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democraciaQuando as eleições conspiram contra a democracia
Quando as eleições conspiram contra a democracia
 
100 DIAS DE VERÃO
100 DIAS DE VERÃO100 DIAS DE VERÃO
100 DIAS DE VERÃO
 
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John DeweyDemocracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
Democracia cooperativa: escritos políticos escolhidos de John Dewey
 
MULTIVERSIDADE NA ESCOLA
MULTIVERSIDADE NA ESCOLAMULTIVERSIDADE NA ESCOLA
MULTIVERSIDADE NA ESCOLA
 
DEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
DEMOCRACIA E REDES SOCIAISDEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
DEMOCRACIA E REDES SOCIAIS
 
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELARELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
RELATÓRIO DO HUMAN RIGHTS WATCH SOBRE A VENEZUELA
 
Diálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantesDiálogo democrático: um manual para practicantes
Diálogo democrático: um manual para practicantes
 

As cidades na glocalização

  • 1. Em pílulas Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 54 (Corresponde ao décimo-oitavo tópico do Capítulo 7, intitulado Alterando a estrutura das sociosferas) As cidades na glocalização Estados são artifícios para proteger as pessoas da experiência do localismo cosmopolita O reflorescimento das cidades – na verdade, das localidades em geral – é uma das conseqüências do processo de glocalização atualmente em curso. O mundo não está apenas se globalizando, mas também se localizando cada vez mais. Isso quer dizer, em outras palavras, que o mundo único está desparecendo para dar surgimento a muitos mundos. E está havendo uma mudança social que favorece o florescimento das localidades em geral – e das cidades em particular – como protagonistas do
  • 2. desenvolvimento. Essa mudança, que está ocorrendo simultaneamente na dimensão global e na dimensão local, está tornando inadequada, insuficiente e impotente, a forma Estado-nação. O tão citado juízo do sociólogo americano Daniel Bell parece ser definitivo: o velho Estado-nação tornou-se não só pequeno demais para resolver os grandes problemas, como também grande demais para resolver os pequenos. Em outras palavras, as inovações (sociais, políticas, culturais e tecnológicas) introduzidas com o atual processo de glocalização, têm surgido simultaneamente na dimensão global (como resultado de mudanças sociais macroculturais) e na dimensão local (como resultado de mudanças sociais na estrutura e na dinâmica de comunidades). Entretanto, o Estado- nação tornou-se uma instância intermediária resistente a tais mudanças. Ou seja, a mudança que tem ocorrido nas duas pontas – no global e no local – ainda não atingiu plenamente o meio, a forma Estado-nação, que, sentindo- se ameaçada, está resistindo ferozmente para não ser desabilitada como fulcro do sistema de governança. A primeira década do terceiro milênio pode ser caracterizada como uma década de crise do Estado-nação e de conseqüente recrudescimento do estatismo. Os Estados-nações criarão, por certo, muitos obstáculos à emergência das cidades como sujeitos autônomos do seu próprio desenvolvimento. Mas não conseguirão resistir por muito tempo à convergência de múltiplos fatores que estão preparando o seu declínio. Como previu Castells (1999), “as estratégias do Estado-nação para aumentar a sua operacionalidade (através da cooperação internacional) e para recuperar sua legitimidade (através da descentralização local e regional) aprofundam sua crise, ao fazê-lo perder poder, atribuições e autonomia em benefício dos níveis supranacional e subnacional” (48). Nenhum Estado hoje consegue mais se livrar dos conflitos com seus níveis subnacionais, diante das exigências crescentes de mais autonomia local. Mas a despeito de todos os conflitos políticos e fiscais entre diferentes níveis de governo dentro de um mesmo Estado, que só tendem a se aprofundar e generalizar nos próximos anos, nunca é demais repetir que se fala aqui das cidades como redes de múltiplas comunidades interdependentes e não da réplica Estatal montada nas cidades, da instância municipal do Estado ou do governo local. Os que preconizam o declínio do Estado-nação diante dos novos arranjos locais ou regionais que emergem no mundo globalizado, fazem-no quase sempre de um ponto de vista estrita ou predominantemente econômico. É o caso, por exemplo, de Ohmae (entre outros). Mas é preciso ver que o 2
  • 3. fenômeno da glocalização é mais abrangente e não pode ser plenamente captado pelo olhar econômico. Estamos diante de mudança sociais mais profundas, que dizem respeito aos padrões de vida e de convivência social e não apenas diante de alterações na estrutura e na dinâmica do capital e do capitalismo. O que está mudando não é somente o modo de produzir e consumir e sim o modo de ser coletivamente. ‘Uma sociedade-rede está emergindo’ – muitos repetem o dito, mas parecem não extrair dele todas as conseqüências e essa surpreendente afirmação vai se tornando banal. O problema com a visão econômica é que ela é reducionista. Imagina que a configuração do mundo depende do modo de produção e, assim, se esforça para antecipar a nova forma do capitalismo que virá (ou sobrevirá), mas se esquece de perguntar sobre a nova forma de sociedade que emergirá. Isso talvez seja uma evidência da resiliência da crença economicista de que existe alguma coisa como uma “estrutura” econômica que determina, em alguma medida ou instância, uma suposta “superestrutura” da sociedade. Mas mercados não vêm de Marte. Constituem um tipo de agenciamento operado por seres humanos, terráqueos mesmo, cujo comportamento depende das interações que efetivam com outros seres humanos; ou seja, tudo isso depende do “corpo” e do “metabolismo” da sociedade (i. e., de sociosferas), vale dizer, da rede social. Não é nas novas formas econômicas que vamos encontrar o “mapa” das novas cidades. Esse “mapa” não poderá ser outra coisa senão as novas configurações das redes que configuram a cidade-rede. Tivemos até agora vários tipos de “mapas”, dos quais podemos citar alguns exemplos: as cidades-assentamento “horizontais” que se formaram após o final do período neolítico na Europa Antiga e no Oriente Médio (como Jericó, a partir, talvez, do 6º milênio a. E. C.); as cidades-Estado da antiguidade (as cidades monárquicas, muradas e fortificadas, que surgiram na Mesopotâmia a partir do 4º milênio, como Uruk, Ur, Lagash etc., e que se replicaram no período considerado civilizado); as cidades – burgos – organizadas em torno do comércio nos períodos feudais; uma grande variedade de cidades correspondentes aos Estados principescos e reais; até chegar às cidades como instâncias subnacionais (ou domínios do Estado-nação). E tivemos também algumas exceções, como Atenas – a polis do período democrático – e outras poleis na Ática. São exceções porque a polis grega democrática não era propriamente uma cidade-Estado semelhante às suas contemporâneas e sim uma comunidade (koinonia) política. Por último, ao que parece, teremos agora, no ocaso do Estado-nação, novos tipos de cidades: as cidades-redes (e as redes de cidades configurando novas regiões). 3
  • 4. Ao que parece, não é muito útil tentar pegar no passado um modelo como prefiguração para explicar o fenômeno atual da emergência da cidade-rede. Assim como a globalização da época das navegações não diz muita coisa sobre a globalização atual, também não teremos um novo venezianismo (por exemplo, não tivemos um novo brugesismo – de Bruges – a não ser o próprio venezianismo, o original, dos séculos 14 e 15). Não teremos novas “ligas hanseáticas”, nem um neo-antuerpismo ou um neogenovismo; assim como nenhum país ou região poderá cumprir no mundo atual o papel que foi desempenhado, em suas épocas, por Amsterdã, Londres, Boston, Nova Iorque ou Los Angeles e adjacências. Por quê? As explicações são várias: porque a ordem comercial contemporânea não tem mais mono-pólos (como foram Bruges e Veneza), de vez que a globalização hoje é policêntrica; porque o capital financeiro transnacional não exige mais centros fixos (como a Antuérpia ou a Gênova do século 16); porque as chamadas democracias de mercado não precisam estar mais ancoradas em impérios militares (como a Inglaterra dos séculos 18 e 19); porque as “máquinas que fabricam máquinas” da nova indústria do conhecimento não requerem mais uma infra-estrutura tão pesada que só possa ser reunida em uma localidade com alta capacidade hard instalada (como Boston, nos Estados Unidos no início do século 20); porque o acesso à eletricidade é praticamente universal (e a conexão banda larga segue o mesmo caminho) e a energia e a inteligência não precisam estar mais espacialmente tão concentradas (como estiveram em Nova Iorque ou em Los Angeles e nas cidades do Vale do Silício durante o século 20). Não é o mercado que determina. Não é o Estado que decide. São os fenômenos que ocorrem na intimidade da sociedade e que têm a ver com o grau de conectividade e de distribuição da rede social que acarretam a estrutura e a dinâmica dos novos agrupamentos humanos que se estabelecem sobre o território e, inclusive, daqueles que não estão estabelecidos sobre um território (como os agrupamentos virtuais). É claro que o mercado pode induzir e o Estado pode restringir (em geral colocando obstruções) as fluições que configuram a forma e o funcionamento das sociedades. Mas nenhum desses tipos de agenciamento pode determinar o que acontece. O problema do Estado – dos pontos de vista da democracia e do desenvolvimento (ou da sustentabilidade) – não é que ele se assenta territorialmente e sim que ele se constitui como um mainframe de programas verticalizadores. A Matrix como mainframe, do filme dos irmãos Wachowski, não precisava se assentar em um território determinado para executar o seu papel verticalizador. Aliás, no filme, o centro de vida 4
  • 5. alternativa e de resistência ao poder vertical – Zion – era territorialmente (e mais do que isso, subterraneamente) situada, enquanto que a Matrix era virtual, ou melhor, virtualizante... O territorial não leva necessariamente à verticalização (ou centralização), nem o virtual nos salva da dominação do poder vertical. Porque as disposições que configuram o que se manifestará no mundo físico ou no mundo virtual estão no espaço-tempo dos fluxos e não no espaço-tempo físico ou no chamado mundo digital (49). Mas o agarramento ao território, esse agrilhoamento tamásico contra-fluzz – posto que estabelecido para tentar impedir a vida nômade das coisas – tem sido fonte, em grande parte, do poder de separar os seres humanos: uma tentativa de matar no embrião o simbionte social. Os Estados foram erigidos para nos proteger da experiência do localismo cosmopolita, uma experiência glocal. Sob seu domínio, uma pessoa não pode ser cidadã do seu próprio mundo e não pode interagir livremente com outros mundos. Não, ela deve ser aprisionada no mundo único que foi territorialmente repartido por organizações erigidas em função da guerra e separadas por fronteiras, fechadas e burras. Em geral não pode atravessar essas fronteiras sem a permissão do poder estatal. Em uma parte dos casos, o poder estatal não concede tal licença a seus súditos, trancafiando- os no próprio território-penitenciária, como se tivessem sido condenados por algum crime gravíssimo. Em outra parte dos casos, não deixa entrar (ou cria toda sorte de empecilhos para a entrada) em seus territórios de certas categorias de estrangeiros. 5
  • 6. Notas (48) CASTELLS, Manuel (1999). Para o Estado-rede: globalização econômica e instituições políticas na era da informação” in BRESSER PEREIRA, L. C., WILHEIM, J. e SOLA, L. Sociedade e Estado em transformação. Brasília: ENAP, 1999. (49) FRANCO, Augusto (2008). Escola de Redes: Novas visões sobre a sociedade, o desenvolvimento, a internet, a política e o mundo glocalizado. Curitiba: Escola-de- Redes, 2008. 6