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“A esta humanidade que insanamente parece buscar a concretização
de um caos apocalíptico, esquecida de Deus e de seus próprios filhos.”
Based on the novel “Vão das Almas”,
                  by Hermilo Souto Nóbrega, Brasilia, 1978.

Find out more digital handicraft: TREeBOOKgallery.blogspot.com
Há várias horas,
a Variant deixara a
rodovia, enveredando por
caminhos carroçáveis,
aos solavancos, raspando
o capinzal que cresce
em ambos os lados da trilha.
Desde a última ponte de madeira lavrada
e já bastante estragada,
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o veículo encontra dificuldade
para prosseguir sobre
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Alfredo para o carro.
O suor banhando-lhe o rosto aflito.

Estica o pescoço
e pesquisa as laterais e a frente do carro.
Por fim, abre a porta e sai da Variant.
Constância,
ligeiramente pálida,
aguarda, em silêncio,
que o companheiro se manifeste
depois da louca investida no cerrado,
em busca da fazenda do Amigo Tião Branco.
Seu pensamento vaga
entre as atitudes de Alfredo,

ao volante –
o rosto alegre, porém os olhos
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e o apartamento em Brasília,
onde ficaram as duas filhas aos cuidados da sogra.
- Constância,
acho melhor deixarmos o carro aqui.
A fazenda não deve estar muito longe.

Vamos a pé mesmo.
A estrada está muito ruim para prosseguirmos de carro.

Depois eu volto com o Tião
e a gente leva as bagagens.
A esposa não diz palavra,
pensando, ensimesmada,
que esta inesperada visita à fazenda,
distante 200 quilômetros
a noroeste de Alto Paraíso,
é uma temeridade.
Procura mas não encontra justificativa

para estas férias
tão repentinas
e para a insistência do marido
em gozá-las justo na
fazenda do amigo Tião.
Agora ele quer ir a pé.
Ainda bem que, a esta hora do dia,
o sol não está tão quente
e talvez a sede da fazenda
diste apenas uns dois ou três

quilômetros.
Toma da sacola que sempre leva a tiracolo,
quando anda pelo campo,
fecha a janela, sai do carro,
tranca a porta e segue o marido,
que já se distancia
a passos largos.
Têm de atravessar pequeno córrego,
passando sobre pedras
que servem de ponte.
Mais adiante, uma placa, colocada no início

de íngrime vereda,
indica que o caminho desce
a encosta do morro,
perdendo-se em uma mata próxima.
Não tem mais dúvida.
Estão no caminho certo,
pois a placa indica, em letras legíveis:

“Fazenda do Tião”.
Fica tranquila, despreocupa-se
e deixa que o pensamento volte
ao apartamento, em Brasília, enquanto
acompanha o marido vereda abaixo.
Revê a sala ampla, a cozinha bem instalada
e a copa com azulejos até o teto.
Em pensamento,
percorre cômodo por cômodo
e um arrepio varre-lhe a espinha,
ao lembrar o quarto de

hóspedes...
Ali, está de volta por força de sua imaginação,


o cunhado,
jornalista de profissão
e poeta nas horas vagas.
Como ele é diferente do Alfredo!
Um intelectual afeito às boas leituras,
à música, à poesia e às artes plásticas.
Uma potência intelectual, o velho Ary!
Recorda, então, que,
quando moça,
ficara na dúvida se o namorava
ou se aceitava a corte
que lhe fazia o irmão mais novo.
Acabou se casando com Alfredo,
esportista amador
e alto funcionário do Banco do Estado.
Agora têm de atravessar um ribeirão,
passando por cima de duas

longarinas
de quase dois metros de vão livre.
Coisa muito comum
no interior de Goiás.
- Foi bom virmos a pé,
pois eu não passaria com o carro
por aqui nem que me pagassem.



Vamos!
A fazenda deve estar perto...
Depois do casamento,
o tempo correu célere e, com ele,
vieram as duas filhas.
“Não há bem que sempre dure,
nem mal que nunca se acabe”,
já lhe dizia o avô materno,
quando menina.
E assim aconteceu.
A felicidade começou a sumir quando,

já em Brasília,
Alfredo perdeu o cargo de chefia,
passando a ser simples
funcionário no banco.
A degringolada financeira foi total
e ela passou a lecionar Português
nos colégios do Governo
para ajudar nas despesas domésticas.
Juntos, conseguiram deter a
avalanche econômica
e voltaram a ter uma vida tranquila
ainda que modesta.
Compraram a Variant e, com ela,
começaram os passeios a clubes,
cidades dos arredores,
fazendas e sítios dos amigos e conhecidos.
Caminham pela vereda
aberta no meio do capim,
durante mais de uma hora.
No fim da campina, penetram em densa floresta,
em cujo seio um riacho rola suas águas

sobre pedras negras,
saltando em rápidas corredeiras,
a zoada ecoando com estardalhaço

entre as árvores.
O córrego faz uma grande curva para a esquerda

e eles seguem em frente,
pela trilha existente, de difícil passagem,
como se há muito tempo
não tivesse sido utilizada.
Absorta ao caminhar,
Constância relembra
que já tem trinta anos.
Contudo, conserva o vigor
da mocidade, mesmo depois das
recentes decepções
que lhe marcaram profundamento o espírito.
Não descuida da apresentação pessoal,
os cabelos longos, soltos sobre os ombros,

ondulando ao vento.
Os olhos destacam-se no rosto rosado de nariz afilado,
ligeiramente arrebitado, sobrancelhas bem feitas
e boca de lábios delicados e sensuais.
As filhas tinham-lhe copiado
os doces traços fisionômicos,

a alegria fácil
e a inteligência aberta para o aprendizado.
Não lhe causavam nenhuma preocupação
e enchiam de alegria e prazer
os afazeres do lar.
Súbito, a decepção e o
sofrimento:
casualmente conversando
com uma amiga, no clube, ficou sabendo que
Alfredo tinha uma outra


mulher,
que, inclusive, já lhe dera um casal de filhos.
O escândalo,
à saída do clube, foi inevitável
e o vexame os levou a cogitar o divórcio.
A existência das filhas,
porém, evitou que se efetivasse o fato,
mas os dois, desde então, ficaram praticamente


sem diálogo,
vivendo “juntos” como dois seres
que tinham apenas responsabilidades sociais a cumprir.
Os raios de sol
infiltram-se com dificuldade entre as copas das

grandes árvores,
quando Constância dá mostras de cansaço,
mal podendo acompanhar os
largos passos do marido.
Não aguentando mais,
resolve sentar-se sobre um tronco caído.
- Cansou?
Olha, segundo o Tião me disse,
a fazenda fica no fim desta mata.

Você espera aqui
que eu volto logo com o Jeep da fazenda
para buscar você, certo?
Alfredo não espera resposta.
Apressa os passos
e desaparece na primeira curva da trilha.

As vozes da natureza
passam a ser companheiras de Constância,

cujos pensamentos
novamente estão voltados para os
dissabores registrados no apartamento.
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Caminhos Carroçáveis

  • 1.
  • 2. “A esta humanidade que insanamente parece buscar a concretização de um caos apocalíptico, esquecida de Deus e de seus próprios filhos.”
  • 3. Based on the novel “Vão das Almas”, by Hermilo Souto Nóbrega, Brasilia, 1978. Find out more digital handicraft: TREeBOOKgallery.blogspot.com
  • 4.
  • 5. Há várias horas, a Variant deixara a rodovia, enveredando por caminhos carroçáveis, aos solavancos, raspando o capinzal que cresce em ambos os lados da trilha.
  • 6.
  • 7. Desde a última ponte de madeira lavrada e já bastante estragada, o terreno tornara-se mais acidentado e, agora, o veículo encontra dificuldade para prosseguir sobre pedras e erosões.
  • 8.
  • 9. Alfredo para o carro. O suor banhando-lhe o rosto aflito. Estica o pescoço e pesquisa as laterais e a frente do carro. Por fim, abre a porta e sai da Variant.
  • 10.
  • 11. Constância, ligeiramente pálida, aguarda, em silêncio, que o companheiro se manifeste depois da louca investida no cerrado, em busca da fazenda do Amigo Tião Branco.
  • 12.
  • 13. Seu pensamento vaga entre as atitudes de Alfredo, ao volante – o rosto alegre, porém os olhos estranhamente inquietos – e o apartamento em Brasília, onde ficaram as duas filhas aos cuidados da sogra.
  • 14.
  • 15. - Constância, acho melhor deixarmos o carro aqui. A fazenda não deve estar muito longe. Vamos a pé mesmo. A estrada está muito ruim para prosseguirmos de carro. Depois eu volto com o Tião e a gente leva as bagagens.
  • 16.
  • 17. A esposa não diz palavra, pensando, ensimesmada, que esta inesperada visita à fazenda, distante 200 quilômetros a noroeste de Alto Paraíso, é uma temeridade.
  • 18.
  • 19. Procura mas não encontra justificativa para estas férias tão repentinas e para a insistência do marido em gozá-las justo na fazenda do amigo Tião.
  • 20.
  • 21. Agora ele quer ir a pé. Ainda bem que, a esta hora do dia, o sol não está tão quente e talvez a sede da fazenda diste apenas uns dois ou três quilômetros.
  • 22.
  • 23. Toma da sacola que sempre leva a tiracolo, quando anda pelo campo, fecha a janela, sai do carro, tranca a porta e segue o marido, que já se distancia a passos largos.
  • 24.
  • 25. Têm de atravessar pequeno córrego, passando sobre pedras que servem de ponte. Mais adiante, uma placa, colocada no início de íngrime vereda, indica que o caminho desce a encosta do morro, perdendo-se em uma mata próxima.
  • 26.
  • 27. Não tem mais dúvida. Estão no caminho certo, pois a placa indica, em letras legíveis: “Fazenda do Tião”. Fica tranquila, despreocupa-se e deixa que o pensamento volte ao apartamento, em Brasília, enquanto acompanha o marido vereda abaixo.
  • 28.
  • 29. Revê a sala ampla, a cozinha bem instalada e a copa com azulejos até o teto. Em pensamento, percorre cômodo por cômodo e um arrepio varre-lhe a espinha, ao lembrar o quarto de hóspedes...
  • 30.
  • 31. Ali, está de volta por força de sua imaginação, o cunhado, jornalista de profissão e poeta nas horas vagas. Como ele é diferente do Alfredo! Um intelectual afeito às boas leituras, à música, à poesia e às artes plásticas. Uma potência intelectual, o velho Ary!
  • 32.
  • 33. Recorda, então, que, quando moça, ficara na dúvida se o namorava ou se aceitava a corte que lhe fazia o irmão mais novo. Acabou se casando com Alfredo, esportista amador e alto funcionário do Banco do Estado.
  • 34.
  • 35. Agora têm de atravessar um ribeirão, passando por cima de duas longarinas de quase dois metros de vão livre. Coisa muito comum no interior de Goiás.
  • 36.
  • 37. - Foi bom virmos a pé, pois eu não passaria com o carro por aqui nem que me pagassem. Vamos! A fazenda deve estar perto...
  • 38.
  • 39. Depois do casamento, o tempo correu célere e, com ele, vieram as duas filhas. “Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”, já lhe dizia o avô materno, quando menina. E assim aconteceu.
  • 40.
  • 41. A felicidade começou a sumir quando, já em Brasília, Alfredo perdeu o cargo de chefia, passando a ser simples funcionário no banco. A degringolada financeira foi total e ela passou a lecionar Português nos colégios do Governo para ajudar nas despesas domésticas.
  • 42.
  • 43. Juntos, conseguiram deter a avalanche econômica e voltaram a ter uma vida tranquila ainda que modesta. Compraram a Variant e, com ela, começaram os passeios a clubes, cidades dos arredores, fazendas e sítios dos amigos e conhecidos.
  • 44.
  • 45. Caminham pela vereda aberta no meio do capim, durante mais de uma hora. No fim da campina, penetram em densa floresta, em cujo seio um riacho rola suas águas sobre pedras negras, saltando em rápidas corredeiras, a zoada ecoando com estardalhaço entre as árvores.
  • 46.
  • 47. O córrego faz uma grande curva para a esquerda e eles seguem em frente, pela trilha existente, de difícil passagem, como se há muito tempo não tivesse sido utilizada. Absorta ao caminhar, Constância relembra que já tem trinta anos.
  • 48.
  • 49. Contudo, conserva o vigor da mocidade, mesmo depois das recentes decepções que lhe marcaram profundamento o espírito. Não descuida da apresentação pessoal, os cabelos longos, soltos sobre os ombros, ondulando ao vento. Os olhos destacam-se no rosto rosado de nariz afilado, ligeiramente arrebitado, sobrancelhas bem feitas e boca de lábios delicados e sensuais.
  • 50.
  • 51. As filhas tinham-lhe copiado os doces traços fisionômicos, a alegria fácil e a inteligência aberta para o aprendizado. Não lhe causavam nenhuma preocupação e enchiam de alegria e prazer os afazeres do lar.
  • 52.
  • 53. Súbito, a decepção e o sofrimento: casualmente conversando com uma amiga, no clube, ficou sabendo que Alfredo tinha uma outra mulher, que, inclusive, já lhe dera um casal de filhos.
  • 54.
  • 55. O escândalo, à saída do clube, foi inevitável e o vexame os levou a cogitar o divórcio. A existência das filhas, porém, evitou que se efetivasse o fato, mas os dois, desde então, ficaram praticamente sem diálogo, vivendo “juntos” como dois seres que tinham apenas responsabilidades sociais a cumprir.
  • 56.
  • 57. Os raios de sol infiltram-se com dificuldade entre as copas das grandes árvores, quando Constância dá mostras de cansaço, mal podendo acompanhar os largos passos do marido. Não aguentando mais, resolve sentar-se sobre um tronco caído.
  • 58.
  • 59. - Cansou? Olha, segundo o Tião me disse, a fazenda fica no fim desta mata. Você espera aqui que eu volto logo com o Jeep da fazenda para buscar você, certo?
  • 60.
  • 61. Alfredo não espera resposta. Apressa os passos e desaparece na primeira curva da trilha. As vozes da natureza passam a ser companheiras de Constância, cujos pensamentos novamente estão voltados para os dissabores registrados no apartamento.
  • 63. Images by DeviantArt.com and Personal Files