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A anistia no Brasil de 1979:
questões sobre a bem sucedida
imposição do silêncio
   Prof. Dr. Ricardo M. Pimenta (PPGHS/USS, IUPERJ)
Um debate atual?




           Jornal do Brasil, Política e governo. 29 – 08 - 1979
Um debate atual?

Folha de São Paulo,
30/04/2010




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Um debate atual?
    Argentina                       Chile

As “leis do perdão” (Lei do     A Lei de Anistia, assinada em
    ponto final, nº 23.492/86      1978 durante o julgo de
    e da Obediência devida,        Pinochet, foi declarada
    nº 23.521/87) foram            inaplicável desde 2006.
    suspensas pela Suprema
    Corte em 2005
Entidades:
Sociedade civil e                CNBB;
enfrentamento                    CEBs;
A mobilização em prol da         Comissão Justiça e
anistia pode ser                 Paz;
compreendida como uma            OAB;
trajetória ascendente na         ABI;
sociedade civil brasileira.      Movimento
                                 Estudantil;
                                 SBPC;
                                 Anistia
                                 Internacional.
Organizações (Brasil):
Sociedade civil e                              Movimento Feminino pela
                                               Anisita - MFPA;
enfrentamento                                  Comitê Brasileiro pela
                                               Anistia – CBA;
                                               Movimento de
                                               Emancipação do
                                               Proletariado – MEP;
                                               Oposição Sindical.
Organizações (Exterior, França):
        Comité Solidarité Brésil-France;
        Comité Brésil pour l’Amnistie – CBA;
        Amnesty International (Section Française);
        Comité Français de Soutien au Tribunal Russell II sur la Repression
        au Brésil, au Chili, en Amérique Latine;
        Secretariat International des Juristes Catholiques – Pax Romana;
        Comité Inter Mouvements Auprès des Évacués – CIMADE;
        Conféderation Française Démocratique du Travail – CFDT;
        Grupo de Apoio à Oposição Sindical – GAOS.
Os anos seguintes
Após 1979, um arrefecimento da mobilização

Juridicamente balizada pelo Estado e legalmente imposta à
sociedade.

 Contrariou discursos e movimentos que entendiam como
necessário a apuração de responsabilidades relacionadas à
violência do Estado (DEL PORTO, 2007), que continuou.




                               Jornal do Brasil, Capa. 28 de agosto de 1980.
Instituição do silêncio

        Longe disso. Enquanto a lei
        aprovada em 1979 abriu
        caminho para uma “zona
        cinzenta”, a decisão do STF
        em 2010 pareceu querer
        “lacrar” em definitivo esta
        lacuna da história do Brasil




No Exteiror, a crítica à sanção da Lei da Anistia
Instituição do Silêncio
Leitura jurídica x Leitura moral: Usos e disputas pela memória


      “(...) A anistia foi a solução. Tomou-se a decisão, acabou. (...) Um lado
      tem que calar a boca e ficar quieto. O outro lado tem o direito de ficar
      a vida inteira dizendo que tem ferida e que tem que dar um jeito de
      curá-la? Não. Tem que calar a boca também e ficar quieto” (Mário
      César Rodrigues Pereira, Ex-ministro da Marinha – 1995 - 1998).

Se por um lado o silêncio representaria o perdão, por outro o
silêncio imposto (o segredo) traz consigo a impossibilidade de
transmissão da experiência.
Instituição do silêncio
A Anistia, apesar da pressão dos movimentos sociais e das
entidades e associações implicadas, pode ser compreendida
como uma concessão

Os objetivos:

(1) Arrefecer as pressões realizadas pela Sociedade civil;

(2) Construir um aparato legal/jurídico que impossibilitasse
quaisquer revisões do passado ao fim do Regime.
Imposição do silêncio
Impor um esquecimento é também impor uma única
maneira “correta” de lembrar.

Seria correta a afirmação: “a história não mais pertence aos
historiadores”? (Klarsfeld, 2005 apud Rémond, 2006).

Em todo caso, os anos seguintes à 1979 alimentaram uma
“memória impedida” (Ricoeur).

Tal impedimento levou desde 1984 a familiares pleitearem
pela localização e reconhecimento do desaparecimento de
seus familiares pelo Estado.
Resistência ao esquecimento
No Brasil, um longo trajeto, que passava pela Constituição de
1988; pela Lei nº 9.140 de 1995, que criava a Comissão de
Mortos e Desaparecidos Políticos (Lei dos Desaparecidos);

Finalmente em 2002 pela Lei nº 10.559 (Comissão de Anistia)
abria precedente para indenizações pelo Estado;

Em 2011, sancionada a Lei de acesso a informações nº 12.527 e
em 2012 o Decreto 7.724

Qual futuro, tendo em vista os debates atuais?

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  • 1. A anistia no Brasil de 1979: questões sobre a bem sucedida imposição do silêncio Prof. Dr. Ricardo M. Pimenta (PPGHS/USS, IUPERJ)
  • 2. Um debate atual? Jornal do Brasil, Política e governo. 29 – 08 - 1979
  • 3. Um debate atual? Folha de São Paulo, 30/04/2010 Folha de São Paulo, 30/04/2010
  • 4. Um debate atual? Argentina Chile As “leis do perdão” (Lei do A Lei de Anistia, assinada em ponto final, nº 23.492/86 1978 durante o julgo de e da Obediência devida, Pinochet, foi declarada nº 23.521/87) foram inaplicável desde 2006. suspensas pela Suprema Corte em 2005
  • 5. Entidades: Sociedade civil e CNBB; enfrentamento CEBs; A mobilização em prol da Comissão Justiça e anistia pode ser Paz; compreendida como uma OAB; trajetória ascendente na ABI; sociedade civil brasileira. Movimento Estudantil; SBPC; Anistia Internacional.
  • 6. Organizações (Brasil): Sociedade civil e Movimento Feminino pela Anisita - MFPA; enfrentamento Comitê Brasileiro pela Anistia – CBA; Movimento de Emancipação do Proletariado – MEP; Oposição Sindical. Organizações (Exterior, França): Comité Solidarité Brésil-France; Comité Brésil pour l’Amnistie – CBA; Amnesty International (Section Française); Comité Français de Soutien au Tribunal Russell II sur la Repression au Brésil, au Chili, en Amérique Latine; Secretariat International des Juristes Catholiques – Pax Romana; Comité Inter Mouvements Auprès des Évacués – CIMADE; Conféderation Française Démocratique du Travail – CFDT; Grupo de Apoio à Oposição Sindical – GAOS.
  • 7. Os anos seguintes Após 1979, um arrefecimento da mobilização Juridicamente balizada pelo Estado e legalmente imposta à sociedade. Contrariou discursos e movimentos que entendiam como necessário a apuração de responsabilidades relacionadas à violência do Estado (DEL PORTO, 2007), que continuou. Jornal do Brasil, Capa. 28 de agosto de 1980.
  • 8. Instituição do silêncio Longe disso. Enquanto a lei aprovada em 1979 abriu caminho para uma “zona cinzenta”, a decisão do STF em 2010 pareceu querer “lacrar” em definitivo esta lacuna da história do Brasil No Exteiror, a crítica à sanção da Lei da Anistia
  • 9. Instituição do Silêncio Leitura jurídica x Leitura moral: Usos e disputas pela memória “(...) A anistia foi a solução. Tomou-se a decisão, acabou. (...) Um lado tem que calar a boca e ficar quieto. O outro lado tem o direito de ficar a vida inteira dizendo que tem ferida e que tem que dar um jeito de curá-la? Não. Tem que calar a boca também e ficar quieto” (Mário César Rodrigues Pereira, Ex-ministro da Marinha – 1995 - 1998). Se por um lado o silêncio representaria o perdão, por outro o silêncio imposto (o segredo) traz consigo a impossibilidade de transmissão da experiência.
  • 10. Instituição do silêncio A Anistia, apesar da pressão dos movimentos sociais e das entidades e associações implicadas, pode ser compreendida como uma concessão Os objetivos: (1) Arrefecer as pressões realizadas pela Sociedade civil; (2) Construir um aparato legal/jurídico que impossibilitasse quaisquer revisões do passado ao fim do Regime.
  • 11. Imposição do silêncio Impor um esquecimento é também impor uma única maneira “correta” de lembrar. Seria correta a afirmação: “a história não mais pertence aos historiadores”? (Klarsfeld, 2005 apud Rémond, 2006). Em todo caso, os anos seguintes à 1979 alimentaram uma “memória impedida” (Ricoeur). Tal impedimento levou desde 1984 a familiares pleitearem pela localização e reconhecimento do desaparecimento de seus familiares pelo Estado.
  • 12. Resistência ao esquecimento No Brasil, um longo trajeto, que passava pela Constituição de 1988; pela Lei nº 9.140 de 1995, que criava a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos (Lei dos Desaparecidos); Finalmente em 2002 pela Lei nº 10.559 (Comissão de Anistia) abria precedente para indenizações pelo Estado; Em 2011, sancionada a Lei de acesso a informações nº 12.527 e em 2012 o Decreto 7.724 Qual futuro, tendo em vista os debates atuais?

Notas do Editor

  1. Para Larissa Prado e Samuel Soares (desarquivando a ditadura): “a anistia significava a renúncia do Estado em punir o próprio Estado. A finalidade da anistia sempre foi provocar esquecimento sobre os delitos que (enganjados politicamente) realizavam atividades contra o status quo.