1. Um Velhinho, Um Violão
Mais uma daquelas tardes geladas do outono paulista, onde
o vento empurra nuvens cintilantes de extrema altura, e
move os cabelos das lindas morenas da cor de Madalena.
2. E eu, ansioso, cansado, desesperado, animado, saio correndo
pelos shoppings da
cidade, procurando, caçando, garimpando, observando, prepa
rando minha viagem.
3. E
eu, atrasado, suado, esquecido, esfomeado, estonteado, consig
o comprar o que o pouco dinheiro permite, e decido correr, ir
em frente, subir, navegar, acelerar, buscar o que me falta na
avenida que tem a cara de cada paulistano, de cada um dos
incansáveis trabalhadores que se saúdam com um corrido
"estou com pressa, a gente vai se falando".
4. E eu, inconformado, enfurecido, nervoso, afoito, procuro um
estacionamento para o meu velho astra descansar. Deixo o
carro nas mãos incansáveis dos operários da
comodidade, enquanto
ando, corro, paro, ouço, olho, tremo, ambientado com os
sons da minha cidade:
5. carros freando, buzinando, motoristas
berrando, xingando, pedestres
discutindo, atravessando, correndo, pulando. E
eu, curioso, admirado, estupefato, impressionado, sinto algo
diferente em plena tarde de correria e multidão.
6. O que seria? Um gás? Uma luz? Um perfume? Um odor? Procurei
por todos os lados.
Parei no meio da multidão e olhei para cima, para a direita, rumo ao
Paraíso, para a esquerda, caminho da Consolação, para frente, de
fronte à Nove de Julho, para trás,
do lado do Ibirapuera.
7. E eu, impressionado, encontrei o que buscava: um idoso, com uma
caixa de som, com três pequeninos autofalantes, sentado numa
cadeira, exibindo aos transeuntes um cd, desses que se vendem em
cada esquina. Mais um pirata urbano.
8. Mas, aquele aroma, aquela fragrância, aquele som, estava
acalmando quem passava; trazia à memória um pouco da ternura
perdida nas buzinas, um pouco da poesia desaparecida no
trânsito, aquele som estava medicando o estresse de quem ouvia.
E eu, como sempre, buscando descobrir novas coisas, mesmo
atrasado, cheio de coisas a fazer, parei para ouvir.
9. E que som maravilhoso, que música encantadora, que lenitivo, que
tranqüilizante!
Boa tarde, senhor. Que cd de violão é esse?
O senhor que toca?
Não, mas é alguém que amo muito:
meu filho Diógenes.
10. Seus olhos vermelhos e cansados brilharam ao falar do filho. E, como
sou eternamente sensível à paternidade, parei, olhei e senti. Que
orgulho, que respeito, que honra, que felicidade! Ter um filho
artista, arteiro, artesão, ator, doutor, tocador!
Descobri que o Sr. Gérson estava a vender
os CDs do filho.
11. Pensei que seria uma coisa banal, comum, sem qualidade, de um pobre
artista sem público, sem beleza, sem futuro.Confesso que comprei. E
comprei pelo brilho no olhar do Sr. Gérson. Mas também pelo bem que
me fez na estressante tarde paulistana, um dia antes de zarpar para
meu destino lusitano.
12. Ah, como me enganei! Eu, enganado, ludibriado pela
desconfiança, cheio de preconceitos contra o cd do Sr.
Gérson, descobri uma verdadeira e legítima obra de arte, algo digno
das mais requintadas platéias e apto a rodar nas rádios mais
importantes da cultura brasileira. Uma pepita de ouro, um diamante,
uma luz em meio às trevas artísticas.
13. Então eu, cheio, repleto, transbordando, desesperadamente coloquei-
me a escrever esta crônica urbana, e encaixei um pedacinho da
música que me curou nesta tarde, curou-me do vício de esquecer-me
que, acima de tudo, há uma paz que emana da alma em harmonia, que
se deixa envolver pela doce e maravilhosa melodia da vida, e permite-
se voar como um pássaro no céu azul da existência.
14. Quanto mais se essa alma já souber seu destino e paradeiro, quanto
mais se seu porto for certo e garantido, se tiver a alegria de voar aos
céus, não o azul do outono paulistano, mas cintilante, do Reino de
Nosso Senhor Jesus Cristo.
15. Apenas uma tarde. Um Velhinho. Um Violão. A Avenida Paulista.E uma
criança encantada!
São Paulo, capital, tarde fria de outono, maio, 9, 2006
Wagner Antonio de Araújo
16. Uma coisa aprendi durante a minha vida, sofrer nao e a
pior coisa que existe.
Desobedecer a Deus e a pior de todas as coisas.
Sinceramente,
Fernanda Torres/2010
fftorres65@hotmail.com
17. Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria.
Salmos 126:5
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