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Maria Isabel da Cunha
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
O problemaO problemaO problemaO problemaO problema
As análises realizadas sobre a docência univer-
sitária encaminham, geralmente, para reflexões siste-
máticas sobre a constituição da profissão docente nes-
se grau de ensino, saberes e competências próprias
do professor e inovações protagonizadas nos espaços
acadêmicos. Essas preocupações têm como meta sub-
sidiar a compreensão da prática pedagógica dos pro-
fessores e fazer avançar um conhecimento especializa-
do sobre sua formação.
A formação do professor universitário tem sido
entendida, por força da tradição e ratificada pela le-
gislação, como atinente quase que exclusivamente aos
saberes do conteúdo de ensino. Espera-se que o pro-
fessor seja, cada vez mais, um especialista em sua
área, tendo-se apropriado, com o concurso da pós-
graduação stricto sensu, do conhecimento legitimado
academicamente no seu campo científico. O domínio
do conteúdo, por sua vez, deve ser alicerçado nas ati-
vidades de pesquisa que garantam a capacidade po-
tencial de produção de conhecimento.
O prestígio do professor universitário no âmbito
acadêmico, ainda que essa condição possa variar em
intensidade segundo a origem de área, alicerça-se,
basicamente, nas atividades de pesquisa, incluindo as
publicações e participações em eventos qualificados.
O professor é, ainda, valorizado pela atividade de
orientação de dissertações e teses que realiza, bem
como pela participação em bancas e processos liga-
dos à pós-graduação. Consultorias e cargos na admi-
nistração universitária também se constituem em um
valor profissional.
O ensino, especialmente o ensino de graduação,
é entendido como decorrência das demais atividades,
assumindo uma forma naturalizada de exercício. A
naturalização da docência refere-se à manutenção dos
processos de reprodução cultural como base da
docência, ou seja, o professor ensina a partir da sua
experiência como aluno, inspirado em seus antigos
professores.
Muitas são as pesquisas que detectaram essa es-
piral reprodutiva de formação. Sendo a docência uma
ação humana, ela é também histórica e cultural, ou
seja, está imbricada numa teia de significados que
constituem os sujeitos. Como afirma Larrosa (1998),
“não há experiência humana não mediada pela forma
e a cultura. É justamente nesse conjunto de esquemas
Docência na universidade, cultura e avaliaçãoDocência na universidade, cultura e avaliaçãoDocência na universidade, cultura e avaliaçãoDocência na universidade, cultura e avaliaçãoDocência na universidade, cultura e avaliação
institucional: saberes silenciados em questãoinstitucional: saberes silenciados em questãoinstitucional: saberes silenciados em questãoinstitucional: saberes silenciados em questãoinstitucional: saberes silenciados em questão
Maria Isabel da Cunha
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Educação
Docência na universidade, cultura e avaliação institucional
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 259
de mediação e de um conjunto de formas, que se deli-
mitam e dão perfis às coisas, às pessoas e a nós mes-
mos” (p. 59). Nessa perspectiva, é possível identifi-
car na docência o perfil de uma ação cultural, presente
na trajetória da maioria das pessoas, fazendo parte do
senso comum, como representação social.
Essa condição, entendida, num primeiro momen-
to, como ligada com mais intensidade aos processos
individuais, deriva também da construção de uma in-
serção identitária dos sujeitos na instituição escolar e
acadêmica. Sugere a exploração do conceito de iden-
tidade institucional, expressão utilizada por Remedi
(2004), quando faz referência “às formas como os
sujeitos constroem sua subjetividade em determina-
dos espaços vividos, como sentido de pertença cole-
tiva, com significados compartidos, memória coleti-
va, mitos e crenças fundacionais, linguagens, estilos
de vida e sistemas de comportamento” (p. 34). Há
uma mescla de fatores em que a subjetivação dos re-
ferentes simbólicos e imaginários das instituições re-
toma os elementos já construídos na própria trajetó-
ria dos sujeitos.
Todos os professores foram alunos de outros pro-
fessores e viveram as mediações de valores e práticas
pedagógicas. Absorveram visões de mundo, concep-
ções epistemológicas, posições políticas e experiên-
cias didáticas. Através delas foram se formando e or-
ganizando, de forma consciente ou não, seus esquemas
cognitivos e afetivos, que acabam dando suporte para
a sua futura docência.
Intervir nesse processo de naturalização profis-
sional exige uma energia sistematizada de reflexão,
baseada na desconstrução da experiência. Os sujeitos
professores só alteram suas práticas quando são ca-
pazes de refletir sobre si e sobre sua formação. Ades-
construção é um processo em que se pode decompor
a história de vida, identificando as mediações funda-
mentais, para recompor uma ação educativa e profis-
sional conseqüente e fundamentada. Exige dos ho-
mens, como explicita Freire (1976), “uma
‘arqueologia’ da consciência, através de cujo esforço
eles podem, em certo sentido, refazer caminhos” (p.
100) que levam a processos emancipatórios.
Talvez esse seja o sentido principal da formação
de professores, seja ela inicial ou continuada. No caso
dos docentes universitários, quanto mais os proces-
sos de ensinar e aprender não são objeto de formação
inicial, mais intensa parece ser a reprodução cultural.
Certamente são eles mais vulneráveis, também, às
influências externas, especialmente das políticas pú-
blicas, quando elas impõem padrões de qualidade ale-
atórios, interferindo na identidade individual e na iden-
tidade institucional. A carência do hábito de uma
reflexividade sustentada por bases teóricas deixa os
docentes do ensino superior mais suscetíveis aos mo-
delos externos, capazes de imprimir projetos pedagó-
gicos nem sempre explicitados e, muito menos, dis-
cutidos.
Esses são os pressupostos que estimularam uma
ação investigativa sobre os impactos do modelo
avaliativo, imposto pelo Ministério da Educação
(MEC) ao ensino superior, na segunda metade da dé-
cada de 1990, sobre a docência universitária.
A preocupação com o ensino superior, especial-
mente com a qualidade de seus resultados, emergiu
fortemente nesse período. Os órgãos internacionais
de financiamento, expressando uma ideologia domi-
nante no mundo globalizado, dedicaram uma espe-
cial atenção à relação educação e desenvolvimento
econômico, com visível desvantagem para os países
dependentes.
Borja (2003, p. 38) explicita:
enquanto a globalização é um fenômeno múltiplo que
prevê a internacionalização e interdependência das econo-
mias nacionais, o globalismo é uma construção ideológica
que pretende explicar e justificar a globalização com todos
seus abusos, excessos, assimetrias e perversões e estendê-
la pelo mundo com uma clara estratégia dos países indus-
triais para conquistar mercados, acrescentar laços de de-
pendência externa e aprofundar a clássica divisão interna-
cional do trabalho, além de exercer dominação ideológica,
política, econômica, científica e tecnológica.
O panorama internacional vem tendo fortes re-
percussões em nosso país, que, a partir de 1995, acen-
260
Maria Isabel da Cunha
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
tuou o caráter neoliberal das políticas governamen-
tais, incluindo o campo da educação, ávido de bene-
ficiar-se de financiamentos externos. Na própria lei
n. 9.394/96, as Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (LDBEN) refletiram os novos ventos que so-
pravam numa direção até então contestada pela so-
ciedade civil organizada.
A questão da qualidade de ensino tem sido, en-
tão, objeto de disputa ideológica. Para alguns, repre-
senta a possibilidade de um sistema que atenda as
exigências do mundo produtivo, respeitando a estru-
tura de poder que articula os países ricos com os de-
pendentes. Para outros, significa o desenvolvimento
de uma cultura crítica e fundamentada, capaz de ace-
nar com uma condição emancipatória.Aprimeira tem
a competitividade como êmulo e a segunda aposta na
solidariedade como possibilidade.
No âmbito dos sistemas de ensino, como afirma
Martins (2002), “o discurso que tem fundamentado a
necessidade de reformas educacionais contemporâ-
neas vem fazendo apelo à excelência, eficácia e efi-
ciência, à competitividade e outros aspectos da racio-
nalidade econômica” (p. 271). Percebe-se a invariável
disposição de que a melhoria dos sistemas educati-
vos esteja atrelada aos indicadores de produtividade.
Tal posição é decorrente das mudanças da concepção
de Estado, que assume, cada vez mais, uma função
regulatória, através dos mecanismos de avaliação.
No contexto da expansão do ensino superior bra-
sileiro, as políticas governamentais optaram por uma
estratégia de incentivo à iniciativa privada, favore-
cendo a ampliação significativa do número de uni-
versidades, centros universitários e faculdades isola-
das. A par e passo com essas medidas, foi implantado
um sistema de avaliação externa alicerçado na pers-
pectiva da universalização do padrão de qualidade e
no espaço concorrencial que se estabelece entre os
envolvidos. Nesses processos foi dado especial des-
taque ao Exame Nacional de Cursos, que ficou co-
nhecido como “provão”, instituído pela lei n. 9.131,
de 24 de novembro de 1995. Nele, como ressaltam
Lüdke e Moreira (2002), “a atenção se desloca da
avaliação institucional para a avaliação individual, ou
seja, para o desempenho pessoal de cada estudante”
(p. 59). Essa condição estabelece-se na contramão dos
esforços até então realizados pelas universidades, ins-
pirados no Programa de Avaliação Institucional das
Universidades Brasileiras (PAIUB).1
Como repercus-
são dessa medida, tem-se um esvaziamento das ini-
ciativas mencionadas, no sentido de um processo con-
seqüente de avaliação educativa, substituído por um
mecanismo parcial de aferição das aprendizagens cog-
nitivas dos estudantes. E, como bem lembra Dias So-
brinho (2000), medir é diferente de avaliar, sendo
apenas parte de um processo muito mais amplo. Re-
duzir a avaliação à aplicação de uma prova é reforçar
uma visão mecanicista e simplificadora, constituída
como uma tecnificação da formação. É como se fosse
possível estabelecer uma relação causal entre o su-
cesso numa prova e o desempenho profissional, assim
como ligar, linearmente, as aprendizagens realizadas
pelos estudantes durante um curso e a capacidade de
responder a um instrumento pontual de avaliação. A
defesa desse pressuposto significaria entender a for-
mação numa perspectiva estreita, ligada ao domínio
de um conhecimento que, segundo o autor, “não se-
ria, dentro da concepção tecnicista, algo incorporado
às dimensões pessoais do indivíduo, e sim aquilo que
o aluno consegue demonstrar mais e melhor do que
os outros” (p. 137). Há o deslocamento de um pressu-
posto formativo de avaliação para um modelo tecno-
lógico, que, de acordo com House (1997), se assenta
na perspectiva da produção.
Ainda que, no contexto da avaliação, outros pro-
cedimentos tivessem sido anunciados e realizados, a
ênfase na publicização dos resultados do “provão”,
mobilizando a mídia nacional, tornou esse mecanis-
mo legitimado ante a opinião pública. O MEC, nesse
período, implementou um aparato sem precedentes
1
Programa gestado e desenvolvido nas instituições brasi-
leiras de ensino superior, com apoio oficial do MEC, na primeira
metade da década de 1990. Propunha a auto-avaliação como pon-
to de partida e assumia critérios de avaliação que reconheciam
peculiaridades e culturas, numa perspectiva participativa.
Docência na universidade, cultura e avaliação institucional
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 261
para a sua realização, e atribuiu ao processo avaliati-
vo a condição de carro-chefe de suas políticas para o
ensino superior. Explicitou claramente uma perspec-
tiva tecnológica da avaliação, que se assume com um
processo imparcial, neutro e, por esses atributos, in-
suspeito. Para Dias Sobrinho (2000, p. 140):
erigindo em universais os interesses individuais e em
consensuais o que, em realidade, são dissensos e pluralida-
de de sentidos e valores, as avaliações tecnológicas apre-
sentam-se como indiscutíveis, fundando sua fidedignidade
na operação de instrumentos e metodologias precisas, que
legitimam a dominação e o controle da realidade analisada.
Toma-se como pressuposto a universalidade de
espaços e territórios como se a situação das institui-
ções de ensino superior e dos estudantes fossem as
mesmas. Valida-se um instrumento como capaz de
definir qualidade, independente do contexto ou de uma
escala valorativa de critérios e referências. Nesse sen-
tido, é um processo discriminador, porque toma como
iguais os diferentes.
Como a implantação da avaliação utilizando o
instrumento do “provão” foi gradativa, a universida-
de não produziu um processo reflexivo – quer de ade-
são, quer de resistência – de forma impactante. No
início do processo, as principais críticas vinham da
União Nacional de Estudantes, que, progressivamen-
te, foram esvaziadas por meio de estratégias articula-
das pelo MEC, especialmente quando vinculou o re-
cebimento do diploma à participação dos alunos no
processo. Os professores, entretanto, foram sendo atin-
gidos paulatinamente, conforme os cursos foram en-
volvidos na sistemática. Entre eles, pouco entusias-
mo se notava com a proposta de avaliação adotada
pelo MEC. Mas também não se fazia sentir um movi-
mento mais orgânico de resistência. É possível loca-
lizar uma certa indiferença, que poderia denotar uma
suspeição quanto ao sistema de avaliação que pro-
gressivamente avançava. O uso de pares, porém, como
uma estratégia de legitimação de que o governo lan-
çou mão para compor as comissões de avaliação e
elaboração dos instrumentos, foi minando um olhar
mais rigoroso de crítica, pois acessou interesses e es-
truturas de poder de grupos acadêmicos constituídos.
Essa atitude, pouco a pouco, foi vencida pelas
estratégias do MEC, que, invadindo as subjetivida-
des da opinião pública, atingiu, especialmente, a co-
munidade acadêmica. A publicização dos resultados
do “provão” fez com que as instituições de ensino
superior, os cursos, os professores e os alunos se mo-
bilizassem no sentido de desencadear medidas que
garantissem um desempenho positivo no “provão”.
O grau obtido, para além dos efeitos formais e legais,
passou a expressar uma exteriorização de qualidade,
inserindo-se na estratégia de marketing das institui-
ções, reconfigurando suas identidades historicamente
constituídas. Ao assumir essa condição, as comuni-
dades universitárias estavam validando o questioná-
vel modelo e diminuindo o impacto de suas críticas.
Nada foi tão estimulante para a constituição do Esta-
do-avaliador, que tem nas funções de controle da efi-
ciência e produtividade a sua espinha dorsal. Como
alerta Popkewitz (1992), na perspectiva neoliberal a
avaliação constitui-se numa estratégia do Estado e
vem, fundamentalmente, para cumprir suas políticas.
O governo brasileiro cumpriu a “lição de casa” deter-
minada pelos órgãos de financiamento internacional,
e lançou mão de toda a sua competência e recursos
para a implantação e manutenção de um processo de
aferição reducionista, distante do sentido pleno da
avaliação educacional. Pelo menos, não no sentido
que a posição comprometida com a educação cidadã
atribui ao termo avaliação.
A compreensão desse panorama impulsionou-me
a acompanhar, investigativamente, suas repercussões.
Fundamentalmente, meu interesse recaiu na relação
entre o modelo tecnicista de avaliação implantado pelo
MEC e a reconfiguração da docência na universida-
de, entendendo que essa política pode ter impactos
nos saberes construídos pelos professores. Foram
mobilizadas, através do projeto “Formatos avaliativos
e concepção de docência”, três universidades como
território de pesquisa, sendo uma pública e duas par-
ticulares, todas no estado do Rio Grande do Sul. Os
depoimentos dos professores ajudaram a identificar
262
Maria Isabel da Cunha
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
os elementos de realidade e as contradições que essa
medida governamental vem provocando.
O que dizem os professoresO que dizem os professoresO que dizem os professoresO que dizem os professoresO que dizem os professores
Foram ouvidos professores de dez cursos de gra-
duação, utilizando entrevistas intensivas, realizadas
pela equipe de pesquisa. Entre esses cursos estavam
alguns relacionados às profissões liberais, e outros de
licenciatura. Os professores foram instados a falar
sobre suas trajetórias acadêmicas e experiências edu-
cativas. Essa estratégia mostra-se importante quando
se pretende identificar as fontes dos saberes e os con-
textos em que foram constituídos. Procurava-se, tam-
bém, dado o objetivo da pesquisa, explorar a percep-
ção dos docentes sobre os processos de avaliação
externa, especialmente o “provão”.
O discurso de nossos interlocutores sobre sua
constituição como professores reforça os achados
investigativos contemporâneos: a história de vida, as
influências familiares e a trajetória como estudante
são constantemente nomeadas como fundamentais na
definição da docência como profissão, inclusive para
aqueles que escolheram outra graduação como for-
mação inicial. Afirmativas do tipo “minha família era
de professores” ou “aprendi a admirar o magistério
por causa de minha mãe” foram freqüentes. Outros,
mesmo não localizando profissionais da área no ter-
ritório familiar, referiram-se à cultura predominante
na casa, dizendo: “meu pai era muito conversador, e
sempre achei que o diálogo é muito importante para a
construção do conhecimento. Isso me estimulou a ser
professor...”.
Reforçaram, também, a importância dos sabe-
res da experiência, construídos junto com colegas e,
especialmente, com os alunos. Muitos depoimentos
revelam a idéia de que “aprendo trocando informa-
ções com meus colegas, verificando o que eles estão
fazendo na sala de aula, participando com outros co-
legas de seminários e encontros”. Os professores sen-
tem necessidade de afirmar a sua constante preocu-
pação com a atualização, e vão experimentando uma
pedagogia da prática que constroem no cotidiano. O
reconhecimento das aprendizagens coletivas, entre-
tanto, não minimiza um sentimento de solidão. Dis-
se um professor de jornalismo que “a docência é uma
jornada solitária, pois cada um tem de se haver com
seus estudos, incluindo o aprender a ensinar”. Nes-
se sentido, é possível compreender a responsabili-
zação individual que se imputa aos professores e
como eles assumem essa condição que, muitas ve-
zes, mascara a compreensão de autonomia, tão
acarinhada historicamente. Pimenta e Anastasiou
(2002) já haviam chamado a atenção para essa con-
dição dizendo que a “universidade reforça o traba-
lho solitário, extremamente individual e individua-
lizado; o professor é deixado à sua própria sorte e,
se for bastante prudente, evitará situações extremas
nas quais fiquem patentes as falhas de seu desempe-
nho” (p. 143). Complementando essa perspectiva,
afirmo que o trabalho solitário do professor também
protege a sua autoridade científica, que, no imagi-
nário social e do próprio docente, já lhe é atribuída
pelo simples fato de ser reconhecido como profes-
sor.
Quase numa perspectiva de ensaio e erro, eles
atribuem valor às aprendizagens que realizam com
seus próprios alunos: “Para mim, o aluno é um ter-
mômetro; eles é que me ajudam, com suas perguntas
e reações, a ver o que está dando certo”. Os professo-
res universitários afirmam que aprendem fazendo, já
que, na maioria dos casos, não viveram processos de
formação específica para a docência. Reconhecem a
necessidade de múltiplos saberes para o exercício da
profissão, mas, ao mesmo tempo, não assumem cla-
ramente o discurso da desprofissionalização, decor-
rente da falta da formação inicial para o magistério.
Ainda que suas fragilidades digam respeito principal-
mente a saberes e competências do campo pedagógi-
co, continuam a reforçar o território do conhecimen-
to específico como o principal esteio de sua docência.
Partindo do pressuposto de que os saberes consi-
derados legítimos são decorrentes da concepção do
que seja um bom professor, procurei, durante o pro-
cesso investigativo, desvendar a percepção de nossos
respondentes sobre tal dimensão. Tentando organizar
Docência na universidade, cultura e avaliação institucional
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 263
os depoimentos, agrupei as respostas em algumas ca-
tegorias:
a) Saberes relacionados com o conteúdo da ma-
téria de ensino. Essa é uma dimensão muito
forte no imaginário dos docentes universitá-
rios. No caso das profissões liberais, perce-
be-se, inclusive, um certo corporativismo,
defendendo a exclusividade do conhecimen-
to para um grupo específico de profissionais.
A percepção de autoridade está muito presente
no discurso dos respondentes, remetida, qua-
se sempre, ao domínio do campo científico
especializado. Sugere a obrigatoriedade de um
processo de qualificação constante.
b) Saberes relacionados com a prática pedagó-
gica, envolvendo desde o “saber transmitir”
até o motivar os alunos e entender como os
mesmos aprendem. Inclui a dimensão do pra-
zer de conhecer e de ensinar. Geralmente
esse é um saber valorizado no discurso dos
professores, que, entretanto, não atribuem a
ele uma condição de legitimação acadêmi-
ca. Seriam mais tributários de uma tendên-
cia, um certo dom que, com a prática, se pode
reforçar.
c) Saberes que decorrem de uma postura ética,
que torna o professor um educador, na con-
cepção dos nossos interlocutores. Inclui-se aí
a condição de saber ouvir, respeitar os alu-
nos, conviver com a diferença, ser justo nas
avaliações, ser honesto etc. Atribuem essas
características a uma dimensão do caráter dos
sujeitos.
d) Saberes próprios das posturas e atividades
investigativas, entendidos como aqueles que
fazem do professor um produtor do conheci-
mento. Nesse sentido, incluem a capacidade
de formar um aluno crítico e criativo, capaz
de continuar aprendendo, numa postura epis-
temológica emergente. Envolve a capacida-
de de autocrítica e as atitudes de humildade,
dedicação e paciência.
Auscultar o que os professores pensavam sobre
uma docência de qualidade, no transcorrer desta pes-
quisa, representou um parâmetro para a discussão da
propriedade da avaliação educativa. Se avaliar é atri-
buir valor, é preciso que se explicite e discuta o que
se constitui em valor, para então se definir o signifi-
cado da avaliação.
Se forem tomados os depoimentos de nossos res-
pondentes, é possível fazer uma projeção de habili-
dades e competências necessárias aos professores que
envolvem relativa complexidade. Ao mesmo tempo,
é possível notar que os saberes que eles afirmam mo-
bilizar estão ligados a uma compreensão de docência
que extrapola a dimensão da racionalidade técnica.
Incluem capacidades complexas e amplas, envolven-
do diferentes perspectivas intelectuais, afetivas, mo-
rais e culturais.
Se essa é a projeção de docência de qualidade
que fazem os professores, imagina-se que seja, tam-
bém, a balizadora da sua autocrítica e avaliação. Tudo
indica que os professores gostariam de se aproximar
desse patamar de desempenho. Nesse sentido, uma
avaliação educativa da docência precisaria levar em
conta indicadores coerentes com o perfil propositivo.
Certamente a mesma condição estaria presente
quando se discutisse o perfil desejado do aluno, ou da
proposta curricular que melhor atendesse a perspecti-
va de qualidade. Tomo aqui a docência como recorte
preferencial, porque ela se constituiu no foco da pes-
quisa desenvolvida, sem, entretanto, deixar de reco-
nhecer outros componentes balizadores de uma ava-
liação institucional abrangente.
O “provão”, certamente, não apresentava as pro-
priedades de um processo de avaliação capaz de se
constituir num sistema de avaliação; ele foi apenas
um instrumento parcial que media algumas variáveis
do processo ensino-aprendizagem. Longe esteve, por
exemplo, de abranger as dimensões que os professo-
res referem quando explicitam o que entendem por
uma docência de qualidade. Como pode, então, ser
legitimado como a expressão da avaliação do ensino
superior brasileiro? Que lógica argumentativa susten-
tou essa possibilidade?
264
Maria Isabel da Cunha
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
A resposta a essas questões não encontra argu-
mentos no campo da reflexão epistemológica e
axiológica. Os próprios professores entrevistados afir-
mam que o sistema é frágil, através de expressões
como: “o ‘provão’ é restrito, não diz das condições
reais dos alunos...”, ou “não acreditamos que essa seja
uma boa forma de avaliar...”. Não foi localizado ne-
nhum docente que assumisse de forma incondicional
a defesa do sistema de avaliação através do “provão”.
Nem que se posicionasse a seu favor, recorrendo a
uma fundamentação consistente, com argumentos
pedagógicos e éticos sustentáveis. O que se pode
depreender é uma identificação dos docentes com al-
guns pontos que foram sendo reforçados pela mídia e
pela palavra oficial do MEC, especialmente aqueles
que usam a possibilidade “de evitar a proliferação de
cursos de menor qualificação... que poderiam banali-
zar o ensino superior”. Esse argumento, que tão en-
genhosamente foi utilizado para convencer a opinião
pública sobre o acerto da medida ministerial, encon-
trou guarida, também, nos docentes. Parece que, atin-
gidos na sua subjetividade, eles perderam a capacida-
de de uma reflexão política mais ampla e se aliaram a
um discurso do senso comum, fabricado dentro de
um processo ideológico. Reconhecem, inclusive, que
“os resultados do ‘provão’ repercutem muito nas ins-
tituições, pois as notas obtidas servem de propagan-
da, quer para o bem, quer para o mal”. Poucos dos
nossos interlocutores conseguiram fazer uma refle-
xão mais consistente, estabelecendo conexões entre
o que projetavam como docência de qualidade e a
aceitação, ainda que parcial, da proposta avaliativa
do MEC.
Considerar que os docentes estão atingidos na
sua subjetividade é um fato incontestável. Mesmo que
eles não admitam, diretamente, uma modificação mais
intensa nas suas práticas pedagógicas, percebe-se que
foram atingidos de maneira indireta no horizonte de
sua ação, aceitando, principalmente, a lógica compe-
titiva como saudável no processo de qualificação uni-
versitária. Essa condição mobiliza-nos a entender as
palavras de Milton Santos (1998) quando alertava
sobre a tirania da informação. E, para o autor, se ela
está na mídia, está também no trabalho desenvolvido
na universidade, representando uma ameaça para
aqueles que têm a tarefa de educar as novas gerações.
Advogando numa direção contrária, Milton Santos
afirmava que “quanto mais o nosso trabalho for
acorrentado, mais estaremos produzindo individuali-
dades débeis. É urgente que o ensino tome consciên-
cia dessa situação para esboçar a merecida reação,
sem o que corremos o risco de ficar cada vez mais
distantes da busca ideal da verdade” (p. 13).
Lamentavelmente, não foi esse o panorama
descortinado. Percebeu-se uma análise muitas vezes
simplificadora dos efeitos das políticas avaliativas,
em que faltava um certo discernimento para com-
preender a dimensão das propostas, como se
depreende dos depoimentos dos docentes. Reconhe-
cem eles que há influências dos resultados nos seus
cursos, já que promoveram movimentos de revisão
de conteúdos e formas de ensinar. Nesse aspecto, iden-
tificam uma contradição, elogiando que, “bem ou mal,
o ‘provão’ fez com que os professores se reunissem
para discutir questões ligadas ao ensino”, ou afirman-
do que os docentes “pegam as provas para discutir, e
isso teve resultados positivos”. Na visão de alguns
docentes, “os alunos precisam ser esclarecidos para
que o mau desempenho não os coloque em situações
menos confortáveis na hora de conseguir um empre-
go”. Afirmativas como essas reforçaram as preocu-
pações sobre o impacto do modelo avaliativo nos do-
centes e em suas práticas pedagógicas. Enquanto os
argumentos ficam na superficialidade, as subjetivi-
dades atingidas vão se acorrentando, como expressa
Sousa Santos (2000), quer num silenciamento dos
verdadeiros significados, quer na inércia de reações.
Como era de se esperar, os cursos que obtiveram
uma classificação mais positiva no “provão” são aque-
les cujos professores afirmaram menos compromis-
sos com alterações. Os professores festejaram a pos-
sibilidade de usufruir desse conforto e declararam
continuar o trabalho que já desenvolvem com tran-
qüilidade. Mencionaram, porém, que “se há alguma
preocupação, é a de não baixar a nota”. Fica eviden-
te, nessa manifestação, que o imaginário de sucesso
Docência na universidade, cultura e avaliação institucional
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 265
está levando em conta a explicitação de valor que o
resultado do “provão” trouxe. De forma contrária, os
professores dos cursos que foram penalizados na clas-
sificação afirmaram um maior envolvimento, admi-
tindo formas de pressão, quer dos alunos, quer das
instituições a que pertencem.
Nesse particular, as universidades públicas pa-
receram apresentar menor tensão, compreensível pela
relação de trabalho de seus professores. A natureza
dos argumentos dos alunos das instituições de ensino
superior privadas, quando foram coletados dados en-
tre eles, também indica diferenças em função da
filiação da instituição. Quando se sentem atingidos
pelo mau desempenho de seus cursos, acusam os pro-
fessores de não estarem alcançando patamares positi-
vos no ensino. Evidencia-se um certo processo de
autofagia pedagógica, no qual professores e alunos
tendem a se culpabilizar mutuamente, enquanto o
Estado lava as mãos, tanto das responsabilidades so-
bre a lógica avaliativa quanto da sua função de zelar
pelo processo educacional. Essa atitude torna os pro-
fessores das universidades privadas mais fragilizados
e alvo de punições, além de aumentar a possibilidade
de desemprego. Certamente esses docentes formaram
o grupo mais atingido pela política adotada, que fa-
voreceu a reconfiguração de sua docência, principal-
mente porque o que está em jogo é a noção de autori-
dade dentro de uma estrutura de poder.
O professor, historicamente, preservou a idéia de
autoridade como parte da função que a sociedade lhe
destinava. Na maior parte das vezes, a noção de auto-
ridade estava alicerçada numa condição diferenciadora
que o acúmulo de conhecimentos propiciava. O pro-
fessor, sendo aquele que sabe, poderia exercer autori-
dade sobre os que não sabem e, em muitos casos, essa
relação redundava em autoritarismo. Entretanto, é
interessante analisar a perspectiva de Correia e
Matos (2002) sobre essa questão. Os autores chamam
a atenção para a constatação de que
a noção de autoridade pode distinguir-se da noção de poder
pelo fato de, em sintonia com sua raiz etimológica, o seu
significado estar associado à noção de autor, isto é, à idéia
de criador, de alguém que está na origem da própria ação e
que é capaz de se autorizar, ao passo que a palavra poder
nos remete mais para a idéia de procuração, de mandato, de
ter influência e força. (p. 30)
A fragilidade em que se situa o professor no con-
texto do processo educativo de cunho concorrencial é
identificada com facilidade. Quando a educação pas-
sa a ser tomada como mercadoria e objeto de troca de
bens materiais e simbólicos, os alunos são nomeados
como clientes, no mais puro estilo empresarial. Pa-
gam eles, direta ou indiretamente, por um bem, e exi-
gir um certificado de qualidade faz parte da negocia-
ção. O selo de ISO2
deve estar gravado no produto!
É patente o descompasso que acarreta essa per-
cepção, na qual há uma linearidade entre compe-
tências do professor e desempenho dos alunos.
Desconsideram-se os demais fatores que interferem
na formação dos estudantes, tais como suas condi-
ções de ingresso, contexto cultural, possibilidades de
dedicação, dupla jornada etc.
Mas o mais grave de tudo é que o padrão de qua-
lidade pouco é discutido e a culpabilidade do professor
se afirma sobre um perfil docente, que quase não tem a
ver com o conceito de autoridade tomado neste estudo,
o qual tem como central a condição de autoria, referin-
do-se ao protagonismo do docente em suas práticas e
concepções. Sendo o padrão de qualidade definido em
condições exógenas e distantes do contexto cultural em
que atuam os atores pedagógicos, priva-se, progressi-
vamente, o professor, e também os seus alunos, de assu-
mir a autoria de suas próprias trajetórias. E, por vive-
rem a crise da autoridade, esses professores têm
fragilizadas as suas condições de poder.
Correia e Matos (2002, p. 31) afirmam ainda que
o poder dos professores se apóia num tripé: uma de-
2
A International Standardization for Organization (ISO) é
uma organização não-governamental sediada em Genebra em 1947,
com o objetivo de ser um fórum mundial de normalização de pa-
drões de qualidade. Em geral é aplicada a sistemas de gestão em-
presarial ou industrial.
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Maria Isabel da Cunha
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
legação cognitiva, uma delegação política e uma de-
legação jurídica:
no plano cognitivo, o professor se define como um
delegado de um saber científico do qual é o fiel depositá-
rio; por sua vez, no plano político e social, o professor é
depositário de um fiel poder cultural, público e laico, dele-
gado pelo Estado-Nação ou por uma geração social; final-
mente, o poder do professor apóia-se numa delegação de
ordem jurídica que, assente nos mandatos cognitivos e po-
líticos, legitima o exercício da capacidade de julgar, emitir
uma sentença ou de proceder a uma avaliação que, pelo
menos nos níveis mais elevados dos sistemas educativos,
não é suscetível de recurso quanto ao seu conteúdo.
Esse tripé em que se alicerça, historicamente, o
poder dos professores vem sendo atingido na sua le-
gitimidade e reconhecimento. A lógica do modelo
avaliativo que se vinha praticando nos sistemas edu-
cativos do mundo ocidental e, especialmente, no Bra-
sil, coloca em suspeita a delegação cognitiva, bem
como a cultural e a de ordem jurídica. Significa que
cada vez mais o professor decide menos sobre seu
ofício. E, à medida que avança a desresponsabiliza-
ção pelas decisões que toma, o docente sente-se mais
distante do compromisso com o ato educativo. Silen-
cia sobre essa dimensão e sente que a lógica da pro-
dutividade exógena é reforçada, que, ao fim e ao cabo,
é a que lhe rende reconhecimento.
Vê-se, então, que os professores universitários,
atualmente, no Brasil, estão submetidos progressiva-
mente à lógica concorrencial, estimulada pelos mo-
delos externos de avaliação, e são, também, fortemente
atingidos na sua condição de poder, tal qual já o fo-
ram na sua autoridade.
Os depoimentos de nossos respondentes contêm
indicativos dessa situação. Tomando a classificação
de Correia e Matos (2002), pode-se perceber que, no
plano cognitivo, manifestam uma certa inconformi-
dade com a proposta avaliativa, mas, ao mesmo tem-
po, assumem a possibilidade de submissão aos pa-
drões propostos. Disse um deles: “nunca modifiquei
nada devido aos resultados do ‘provão’; não acho isso
bom, apesar de pegar as provas para ver os equívocos
[...] mas eu acho que os professores têm de ser fisca-
lizados [...] o professor não é o dono do saber”. Lou-
vável a percepção de que o professor não é o dono do
saber, se essa fosse uma postura reflexiva de demo-
cratização das relações pedagógicas. Preocupante é a
afirmativa da necessidade de fiscalização, sem ao
menos fazer um comentário do sentido dessa palavra
incorporada ao seu discurso. A fiscalização do cum-
primento dos programas nem sempre se coaduna com
as reais necessidades dos estudantes, estando, não raro,
a serviço da lógica burocratizada da eficiência.
No plano político e social há, também, uma evi-
dente desvalorização do professor. Ele não mais é re-
conhecido como capaz de honrar a confiança da so-
ciedade para a educação de seus jovens e crianças. O
docente começa a ser visto como “um investimento”
que merece a atenção do empregador, desde que te-
nha um perfil que atenda às exigências da luta
concorrencial. Torna-se, também, descartável quan-
do isso não acontece. Pode-se exemplificar essa con-
dição pelo depoimento de um dos nossos responden-
tes, que afirmou: “fico preocupado pensando no que
aconteceria caso não tivéssemos tirado um A no
‘provão’ [...] como justificar esse comportamento fren-
te a nossa instituição? [...] Para ela interessa que os
cursos sejam bem qualificados; isso é marketing!”.
Usando como apoio teórico a classificação de
Correia e Matos (2002), compreende-se, finalmente,
que a delegação jurídica também pode ser atingida
no contexto da educação concorrencial. Os professo-
res não são mais reconhecidos como as autoridades
que avalizam sobre a preparação de seus alunos. Os
critérios de exigência propostos pelos docentes na
instituição universitária perdem a legitimidade, o que
os coloca em permanente suspeita de uma ação pou-
co rigorosa. Há uma evidente crise de poder, na qual
o arbítrio do professor é substituído pelo arbítrio do
Estado. Este configura-se como o parâmetro
regulatório, quer enquanto prova única aplicada a to-
dos os estudantes do país, quer quando inspira a
docência universitária, como afirma um professor: “o
‘provão’ é um lugar onde me apoio para tomar deter-
Docência na universidade, cultura e avaliação institucional
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 267
minadas decisões, ou seja, onde devo dar mais ou
menos ênfase. Eu até nem sei se isso é uma coisa boa
ou não; mas daqui a pouco, em certo sentido, serei
julgado, e não custa estar preparado para esse julga-
mento...”.
Esse depoimento fortalece a evidência de que os
docentes estão sofrendo fortes influências do modelo
avaliativo. Ao enfatizar conteúdos considerados váli-
dos, o processo traz, como efeito secundário, mas não
menos importante, “a condição de marginalização dos
campos e dos saberes não avaliados” (Estevão, 2001,
p. 171). A tendência é que haja um enfraquecimento
dos campos de conhecimento que não são privilegia-
dos pelo instrumento de avaliação, com visíveis pre-
juízos para a formação acadêmica. Mesmo no plano
cognitivo, é possível divergir do recorte de inclusão,
que os avaliadores selecionam a partir de um arbitrá-
rio não justificado. Se for tomado, então, o plano das
habilidades e compromissos, amplia-se o espectro da
exclusão, com mais propensão a silenciar objetivos
até agora entendidos como essenciais. Atingidos na
sua subjetividade por essa gama de influências, os
professores tendem a reorganizar seus esquemas cog-
nitivos e valorativos na construção da docência.
O que estão aprendendo os professores?O que estão aprendendo os professores?O que estão aprendendo os professores?O que estão aprendendo os professores?O que estão aprendendo os professores?
Tomando o referencial de Tardif (2001, 2002) e
Tardif e Raymond (2000) para analisar os saberes que
constituem a profissão docente, percebe-se que há
fontes diversas que inspiram as escolhas dos profes-
sores para configurar o cotidiano de seu trabalho. Os
autores afirmam que os saberes da docência são plu-
rais e heterogêneos, portanto, oriundos de diferentes
fontes e processos. Entre eles, citam a história cultu-
ral dos sujeitos na escola como uma inspiração de
grande importância. Essa perspectiva aproxima-se do
conceito de cultura experiencial de Peréz Gómez
(1998). Para esse autor, a cultura experiencial trata
da peculiar configuração de significados e comporta-
mentos que os sujeitos elaboram de forma particular.
Principalmente quando são induzidos pelo contexto,
em sua vida prévia e paralela à escola, por meio dos
intercâmbios com o meio familiar e social que rodei-
am a sua existência, ainda que mediados por sua ex-
periência biográfica e sua trajetória pessoal. A cultu-
ra experiencial de professores e estudantes serve de
base principal para a construção da identidade insti-
tucional, afirma Peréz Gómez. Outros estudos têm re-
forçado essa perspectiva (Cunha, 1989; Pimenta &
Anastasiou, 2002) e, sendo frutos de pesquisa, ates-
tam o fato de os professores recorrerem às suas expe-
riências como estudantes para tomar decisões sobre a
forma como ensinam.
Recuperando a concepção epistemológica que
assume a subjetividade e a experiência como fonte
insubstituível de aprendizagem, Tardif (2002) dá es-
pecial relevo, também, às aprendizagens que o pro-
fessor realiza no ambiente de trabalho, a partir da sua
inserção profissional. O autor analisa ainda a relação
entre o trabalho do professor e seu objeto de trabalho,
que é, fundamentalmente, o aluno, tanto na sua di-
mensão individual como grupal, e o processo ensino-
aprendizagem. Dada essa condição, as relações que o
professor estabelece com seu trabalho são de nature-
za humana, sujeitas a interferências valorativas e cons-
truídas num contexto de complexibilidade. Nesse sen-
tido, é inadequado pensar que o professor tem controle
direto sobre seu objeto de trabalho, como acontece
em outros campos profissionais. “Nada nem ninguém
pode forçar um aluno a aprender se ele mesmo não se
empenhar no processo de aprendizagem [...] pois os
alunos sofrem inúmeras influências que podem afe-
tar seu rendimento escolar” (idem, p. 132).
Fazendo uma analogia com o trabalho industrial,
Tardif (2002) ressalta que, para este, há uma relação
direta entre processo e produto; já na docência, o pro-
duto do ensino é de grande intangibilidade, pois diz
respeito, principalmente, a atributos humanos e so-
ciais que, por sua natureza, são de difícil mensuração.
Reduzi-los a uma quantificação e, mais grave ainda,
a uma única prova, é desconhecer e desqualificar a
docência no sentido educativo. Certamente, com a
pressão de modelos de avaliação do tipo do “provão”,
os professores tendem a valorizar aprendizagens di-
retamente relacionadas com os produtos, correndo o
268
Maria Isabel da Cunha
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
risco de atribuir à educação um caráter neotecnicista,
pois ficam preocupados com resultados que alcancem
significados no mundo produção. Como afirma Dias
Sobrinho (2000), “os exames gerais têm a sua moti-
vação mais fora do que dentro da escola; apresentam
uma racionalidade muito mais mercadológica e go-
vernamental que pedagógica; valorizam muito mais
a competitividade do que a solidariedade” (p. 160).
Exercem uma forma de coerção simbólica sobre os
professores e alunos, que tendem a silenciar os esfor-
ços educativos que não se ajustam aos critérios para-
digmáticos da produtividade.
Outra dimensão que pode afetar profundamente
os saberes dos professores está ligada ao reforço da
condição de visão única, tão cara à ciência moderna e
agora reforçada pelos dispositivos políticos da pro-
dutividade. Trata-se de um processo de padronização,
como se houvesse uma única forma de conhecimento
e uma só alternativa de formação. Como lembra Sousa
Santos (2000), o dilema consiste em que a validação
de uma só forma de conhecimento provoca a ceguei-
ra epistemológica e valorativa, destruindo as relações
entre os objetos e, nessa trajetória, eliminando as de-
mais formas alternativas de conhecimentos: “O re-
verso da força da visão única é a incapacidade para
reconhecer visões alternativas” (p. 241). O autor, sa-
biamente, alerta que esse fenômeno pode redundar
num epistemicídio, afirmando que “a destruição de
formas alternativas de conhecimento não é um arte-
fato sem conseqüências, antes implica a destruição
de práticas sociais e desqualificação de agentes so-
ciais que operam de acordo com o conhecimento em
causa” (idem, p. 242).
Diante desse quadro, é fácil perceber que os es-
forços que marcaram o início de uma ruptura episte-
mológica no campo da educação superior estiveram
seriamente ameaçados. Ainda frágeis e minoritários,
eles procuravam afirmar-se no campo acadêmico, com
toda a dificuldade decorrente da presença paradigmá-
tica dominante. Já na sua geração, carregavam o ônus
da complexidade da iniciativa. Sousa Santos (2000)
afirma que “a luta paradigmática é, no seu conjunto,
altamente arriscada” (p. 344), pois exige uma subje-
tividade emergente que envolve ruptura epistemoló-
gica e societal. Para o autor, “formas alternativas de
conhecimento geram práticas alternativas e vice-versa”
(idem, ibidem), perpassando o conceito de subjetivi-
dade, que se constitui como o grande mediador entre
conhecimento e práticas.
As inovações que se adivinhavam próximas ma-
terializavam-se pelo reconhecimento de formas alter-
nativas de saberes e experiências, nos quais se imbri-
cavam objetividade e subjetividade, senso comum e
ciência, teoria e prática, cultura e natureza, anulando
dicotomias e procurando gerar novos conhecimentos
através de novas práticas.
Essas inovações, entendidas como ruptura para-
digmática, exigem dos professores uma reconfigura-
ção de saberes, e favoreciam o reconhecimento de
que era preciso trabalhar no sentido de transformar,
como lembra Sousa Santos (2000, p. 346), “transfor-
mando ‘inquietude’ em energia emancipatória”. En-
volviam o reconhecimento da diferença e implica-
vam, em grande medida, um trabalho que consiste,
especialmente, em gerir relações sociais com seus
alunos. No dizer de Tardif (2002, p. 132), “é por isso
que a pedagogia é feita de dilemas e tensões, de ne-
gociações e estratégias de interação”. Para o autor,
“ensinar é fazer escolhas, constantemente, em plena
interação com os alunos” (idem, ibidem). Essas es-
colhas são dependentes da experiência dos atores, do
contexto de tempo e território do ensino, das convic-
ções e crenças que suportam o trabalho e, conseqüen-
temente, de situações que, sendo únicas, exigem res-
postas diferenciadas.
Se não houve muito tempo para consolidar traje-
tórias, são exemplos próximos de nós as experiências
de ensino e aprendizagem relatadas por Pimentel
(1992), Cunha (1998), Lucarelli (2002), Leite (1997)
e Fernandes (1999, 2001), entre outras analisadas em
forma de pesquisa. Foram elas gestadas no bojo de
momentos históricos favorecedores de esperança,
quando se acreditava na avaliação como um valor para
os próprios sujeitos que dela participavam, e que exi-
gia saberes relacionados com a partilha analítica das
situações educativas.
Docência na universidade, cultura e avaliação institucional
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 269
Como, então, agir ante o modelo político que im-
põe, num retrocesso histórico, a homogeneização como
paradigma? Que saberes precisam ser mobilizados nos
professores para que a visão crítica dos processos re-
gulatórios redunde em movimentos de resistência, em
diferentes campos e manifestações? Como tomar essa
realidade como ponto de referência para uma discus-
são mais sistematizada no interior da universidade?
Como os processos de formação de professores estão
enfrentando a problemática de uma avaliação regula-
tória? Há espaços para a continuidade de iniciativas
emancipatórias, contra a corrente dominante?
A pesquisa desenvolvida com os professores teve
o intuito de ser um agente analítico de compreensão
das políticas educativas, mas, também, uma forma de
concentrar energias para a resistência. Quis alinhar-
se a outros movimentos que reforcem a afirmativa de
Sousa Santos (2000) de que a subjetividade emergen-
te é uma subjetividade do sul. Ao fazer essa afirmati-
va, o autor recupera analogicamente a idéia eurocên-
trica, contrapondo-se ao entendimento de que o rumo
certo está no norte, de onde vem o uso corriqueiro do
termo “nortear” como sinônimo de colocar no pru-
mo, dar um sentido adequado. Reconhecer o sul como
energia inovadora é estar disposto a legitimar formas
alternativas de conhecimento, bem como ousar andar
na subjetividade da fronteira.
Na transição paradigmática, diz Sousa Santos
(2000, p. 355):
subjetividade navega por cabotagem, guiando-se hora
pelo paradigma dominante, ora pelo paradigma emergente.
E, se é verdade que o seu objetivo último é aproximar-se
tanto quanto possível do paradigma emergente, ele sabe que
só ziguezagueando lá poderá chegar e que, mais do que
uma vez, será o paradigma dominante a continuar a guiá-
lo. Cabotando assim, ao longo da transição paradigmática,
a subjetividade de fronteira sabe que navega num vazio cujo
significado é preenchido, pedaço a pedaço, pelos limites
que ela vai vislumbrando, ora próximos, ora longínquos.
Nessa perspectiva, foi possível acreditar na con-
dição de ruptura com a lógica avaliativa dominante
que, sendo aplicada ao longo do tempo, encontrou um
terreno fértil para seu revigoramento nos últimos anos,
ante a reconfiguração da concepção de Estado no
mundo ocidental. Essa condição, entretanto, exigiu
uma tessitura paciente de esforços e energias que en-
volvem a condição de escuta e a condição de espera,
sem entretanto, abrir mão da condição de análise crí-
tica e reflexiva, que vem ajudando a compreensão dos
acontecimentos e das teias que os envolvem.
Anima perceber que as pessoas em geral, e os
professores particularmente, são capazes de viver nos
limites, submetidos à lógica dominante da avaliação,
mas navegando na fronteira das práticas que ficam às
margens. Talvez daí possa sair uma explicação para
seus silêncios. Quem sabe são eles uma possibilidade
de esperança.
A condição da esperança, assim como a da resis-
tência, não produz efeitos instantâneos e lineares. Mas
elas anunciam novas possibilidades e apostam na pers-
pectiva da possibilidade. Provavelmente, foram as
reflexões sobre os discursos oficiais e institucionais e
os silêncios produzidos nas frestas dessa realidade que
favoreceram a mudança da política de avaliação ins-
titucional adotada pelo Estado brasileiro a partir da
lei n. 10.861, de 14 de abril de 2004, que criou o Sis-
tema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(SINAES). Traz ele, nos seus princípios e pressupos-
tos, as idéias centrais da integração, da articulação e
da participação (Brasil, 2004), indicando um afasta-
mento da perspectiva de visão única e universal da
qualidade assumida pelo mecanismo anterior, forma-
lizado pelo “provão”. Retoma a auto-avaliação como
dimensão formativa e pedagógica do processo
avaliativo e assume que “o objetivo central do pro-
cesso avaliativo é promover a realização autônoma
do projeto institucional, de modo a garantir a quali-
dade acadêmica no ensino, na pesquisa, na extensão,
na gestão e no cumprimento de sua pertinência e res-
ponsabilidade social” (idem, p. 10).
Poderá essa política avaliativa se consolidar
numa perspectiva coletiva? Alcançará seus objeti-
vos, mesmo convivendo com os espaços de contra-
dição presentes na sociedade nacional e global? Terá
270
Maria Isabel da Cunha
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006
forças suficientes para favorecer uma identidade ins-
titucional condizente com seus pressupostos? Pro-
vocará nos docentes uma cultura experiencial que
avance na perspectiva da necessária ruptura com as
práticas tradicionais de ensinar e aprender? Sobre-
viverá ao imperativo classificatório do mercado e
da lógica concorrencial?
Provavelmente, será a pesquisa, mais uma vez,
que poderá favorecer a compreensão dos processos e
trajetórias a percorrer daqui para diante. Não se trata
de tarefa simples. Mas alimenta a esperança de novas
possibilidades, mostrando que resistir é possível, e
que tem sentido acreditar na mudança.
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MARIA ISABEL DA CUNHA, doutora em educação pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professora apo-
sentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Pelotas (UFPel), é professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS) e de-
dica-se à formação de professores, especialmente à relação da
docência universitária com a didática e a prática pedagógica. Pu-
blicações mais relevantes: O bom professor e sua prática (Campi-
nas: Papirus, 1989, atualmente em 17. ed.), O professor universi-
tário na transição de paradigmas (Araraquara: JM Editora, 1998)
e Políticas públicas e docência na universidade: novas configura-
ções e possíveis alternativas (Revista Portuguesa de Educação,
Braga: Serviço de Publicações do Instituto de Educação e Psico-
logia da Universidade do Minho, v. 16, n. 2, p. 45-68, 2003).
E-mail: cunhami@uol.com.br
Recebido em novembro de 2004
Aprovado em junho de 2005
Resumos/Abstracts/Resumens
Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 371
de Brasil (Sudeste, Sur, Centroeste y
Noreste) en el período 2001-2004. Las
principales acciones son investigadas
teniendo como ejes analíticos el con-
junto de percepciones sobre juventud
que anclan las iniciativas y las formas
que son propuestas por el Poder Públi-
co para la interacción con los segmen-
tos juveniles.
Palabras claves: juventud; políticas
públicas; poder local
Maria Isabel da Cunha
Docência na universidade, cultura e
avaliação institucional: saberes
silenciados em questão
Apresenta os resultados de pesquisa in-
terinstitucional sobre o Exame Nacio-
nal de Cursos, conhecido como
“provão”, na qual foram entrevistados
alunos, coordenadores e professores de
doze cursos de graduação, pertencentes
a instituições de ensino superior do es-
tado do Rio Grande do Sul. Os resulta-
dos detectaram elementos de impacto
das políticas avaliativas sobre as for-
mas de atuação dos professores. Hou-
ve, entretanto, variação de resultados,
de acordo com a natureza dos cursos.
Nos cursos que preparam para profis-
sões liberais a lógica concorrencial foi
mais presente e nas licenciaturas houve
uma centralidade nos processos peda-
gógicos. Ambos, entretanto, foram
atingidos nas suas subjetividades e ten-
dem a reorganizar suas práticas segun-
do o parâmetro de sucesso imposto
pelo modelo avaliativo. Interferem nos
saberes docentes, silenciando muitos
daqueles que se contrapõem ao padrão
imposto pela avaliação, direcionando a
qualidade da prática pedagógica uni-
versitária.
Palavras-chave: políticas de avalia-
ção; pedagogia universitária; saberes
docentes
Teaching in higher education,
culture and institutional evaluation:
the matter of silenced knowledge
The paper reports results from an
interinstitutional research on the
Brazilian National Course Exam.
Students, teachers and coordinators
belonging to 12 higher education
courses from different institutions at
the state of Rio Grande do Sul were
interviewed. Results detected the
impact of evaluation policies on the
performance of teachers. There were,
nevertheless, some variety among the
results, when different courses were
concerned. Courses focusing on liberal
professions showed a competitive
approach while those focusing on
teacher training programmes were
more centered on pedagogical proces-
ses. Nonetheless, both profiles were hit
on their subjectivity and showed a
tendency to reorganization towards the
success parameters imposed by the
evaluation model. The model interferes
with teachers knowledge and silences
many of those contra posing the
patterns imposed by the evaluation,
directing the quality of pedagogical
practice at the universities.
Key-words: evaluation policies;
pedagogical university; knowledge
teachers
Docencia en la universidad, cultura y
validez institucional: saberes
silenciados en cuestión
Presenta los resultados de encuesta in-
terinstitucional sobre el Examen Na-
cional de Cursos, conocido como
“provão”, en la cual fueron entrevista-
dos alunos, coordenadores y
profesores de doce cursos de
graduación pertenecientes a
instituciones de enseñanza superior del
estado de Rio Grande del Sur. Los re-
sultados detectaron elementos de im-
pacto de las políticas evaluativas sobre
las formas de actuación de los
profesores. Hubo, entretanto, variación
de resultados, de acuerdo con la
naturaleza de los cursos. En los cursos
que preparan para profesiones
liberales la lógica concurrencia fue
más presente y en las licenciaturas
hubo una centralidad en los procesos
pedagógicos. Ambos, entre tanto,
fueron alcanzados en sus objetividades
y tienden a reorganizar sus prácticas
según el parámetro de suceso impuesto
por el modelo evaluativo. Interfieren
en los saberes docentes, silenciando
muchos de aquellos que se
contraponen al padrón impuesto por la
evaluación, direccionando la cualidad
de la práctica pedagógica
universitaria.
Palabras claves: políticas de
evaluación; pedagogía universitaria;
saberes docentes
Danilo R. Streck
A educação popular e a
(re)construção do público. Há fogo
sob as brasas?
O artigo busca situar a educação popu-
lar no contexto da reconstrução da esfe-
ra pública na América Latina. A partir
da volta às suas origens para identificar
o lugar social e os espaços pedagógicos
nos quais a educação popular se origi-
nou, argumenta que um traço distintivo
dela é a própria busca, no mesmo senti-
do em que a identidade latino-americana
se constitui como esse lugar de possibi-
lidades. Analisa a seguir algumas estra-
tégias pedagógicas clandestinas, assim
entendidas por se caracterizarem como
ausência ou ocultamento, respectiva-
mente: pedagogia da sobrevivência, da
resistência e da relação. No final,
retorna à imagem do labirinto para defi-
nir as perplexidades – históricas e
atuais – da educação popular.
Palavras-chave: educação popular;
América Latina; esfera pública; peda-
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Docência na universidade, cultura e avaliação institucional: saberes silenciados em questão

  • 1. 258 Maria Isabel da Cunha Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 O problemaO problemaO problemaO problemaO problema As análises realizadas sobre a docência univer- sitária encaminham, geralmente, para reflexões siste- máticas sobre a constituição da profissão docente nes- se grau de ensino, saberes e competências próprias do professor e inovações protagonizadas nos espaços acadêmicos. Essas preocupações têm como meta sub- sidiar a compreensão da prática pedagógica dos pro- fessores e fazer avançar um conhecimento especializa- do sobre sua formação. A formação do professor universitário tem sido entendida, por força da tradição e ratificada pela le- gislação, como atinente quase que exclusivamente aos saberes do conteúdo de ensino. Espera-se que o pro- fessor seja, cada vez mais, um especialista em sua área, tendo-se apropriado, com o concurso da pós- graduação stricto sensu, do conhecimento legitimado academicamente no seu campo científico. O domínio do conteúdo, por sua vez, deve ser alicerçado nas ati- vidades de pesquisa que garantam a capacidade po- tencial de produção de conhecimento. O prestígio do professor universitário no âmbito acadêmico, ainda que essa condição possa variar em intensidade segundo a origem de área, alicerça-se, basicamente, nas atividades de pesquisa, incluindo as publicações e participações em eventos qualificados. O professor é, ainda, valorizado pela atividade de orientação de dissertações e teses que realiza, bem como pela participação em bancas e processos liga- dos à pós-graduação. Consultorias e cargos na admi- nistração universitária também se constituem em um valor profissional. O ensino, especialmente o ensino de graduação, é entendido como decorrência das demais atividades, assumindo uma forma naturalizada de exercício. A naturalização da docência refere-se à manutenção dos processos de reprodução cultural como base da docência, ou seja, o professor ensina a partir da sua experiência como aluno, inspirado em seus antigos professores. Muitas são as pesquisas que detectaram essa es- piral reprodutiva de formação. Sendo a docência uma ação humana, ela é também histórica e cultural, ou seja, está imbricada numa teia de significados que constituem os sujeitos. Como afirma Larrosa (1998), “não há experiência humana não mediada pela forma e a cultura. É justamente nesse conjunto de esquemas Docência na universidade, cultura e avaliaçãoDocência na universidade, cultura e avaliaçãoDocência na universidade, cultura e avaliaçãoDocência na universidade, cultura e avaliaçãoDocência na universidade, cultura e avaliação institucional: saberes silenciados em questãoinstitucional: saberes silenciados em questãoinstitucional: saberes silenciados em questãoinstitucional: saberes silenciados em questãoinstitucional: saberes silenciados em questão Maria Isabel da Cunha Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Educação
  • 2. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 259 de mediação e de um conjunto de formas, que se deli- mitam e dão perfis às coisas, às pessoas e a nós mes- mos” (p. 59). Nessa perspectiva, é possível identifi- car na docência o perfil de uma ação cultural, presente na trajetória da maioria das pessoas, fazendo parte do senso comum, como representação social. Essa condição, entendida, num primeiro momen- to, como ligada com mais intensidade aos processos individuais, deriva também da construção de uma in- serção identitária dos sujeitos na instituição escolar e acadêmica. Sugere a exploração do conceito de iden- tidade institucional, expressão utilizada por Remedi (2004), quando faz referência “às formas como os sujeitos constroem sua subjetividade em determina- dos espaços vividos, como sentido de pertença cole- tiva, com significados compartidos, memória coleti- va, mitos e crenças fundacionais, linguagens, estilos de vida e sistemas de comportamento” (p. 34). Há uma mescla de fatores em que a subjetivação dos re- ferentes simbólicos e imaginários das instituições re- toma os elementos já construídos na própria trajetó- ria dos sujeitos. Todos os professores foram alunos de outros pro- fessores e viveram as mediações de valores e práticas pedagógicas. Absorveram visões de mundo, concep- ções epistemológicas, posições políticas e experiên- cias didáticas. Através delas foram se formando e or- ganizando, de forma consciente ou não, seus esquemas cognitivos e afetivos, que acabam dando suporte para a sua futura docência. Intervir nesse processo de naturalização profis- sional exige uma energia sistematizada de reflexão, baseada na desconstrução da experiência. Os sujeitos professores só alteram suas práticas quando são ca- pazes de refletir sobre si e sobre sua formação. Ades- construção é um processo em que se pode decompor a história de vida, identificando as mediações funda- mentais, para recompor uma ação educativa e profis- sional conseqüente e fundamentada. Exige dos ho- mens, como explicita Freire (1976), “uma ‘arqueologia’ da consciência, através de cujo esforço eles podem, em certo sentido, refazer caminhos” (p. 100) que levam a processos emancipatórios. Talvez esse seja o sentido principal da formação de professores, seja ela inicial ou continuada. No caso dos docentes universitários, quanto mais os proces- sos de ensinar e aprender não são objeto de formação inicial, mais intensa parece ser a reprodução cultural. Certamente são eles mais vulneráveis, também, às influências externas, especialmente das políticas pú- blicas, quando elas impõem padrões de qualidade ale- atórios, interferindo na identidade individual e na iden- tidade institucional. A carência do hábito de uma reflexividade sustentada por bases teóricas deixa os docentes do ensino superior mais suscetíveis aos mo- delos externos, capazes de imprimir projetos pedagó- gicos nem sempre explicitados e, muito menos, dis- cutidos. Esses são os pressupostos que estimularam uma ação investigativa sobre os impactos do modelo avaliativo, imposto pelo Ministério da Educação (MEC) ao ensino superior, na segunda metade da dé- cada de 1990, sobre a docência universitária. A preocupação com o ensino superior, especial- mente com a qualidade de seus resultados, emergiu fortemente nesse período. Os órgãos internacionais de financiamento, expressando uma ideologia domi- nante no mundo globalizado, dedicaram uma espe- cial atenção à relação educação e desenvolvimento econômico, com visível desvantagem para os países dependentes. Borja (2003, p. 38) explicita: enquanto a globalização é um fenômeno múltiplo que prevê a internacionalização e interdependência das econo- mias nacionais, o globalismo é uma construção ideológica que pretende explicar e justificar a globalização com todos seus abusos, excessos, assimetrias e perversões e estendê- la pelo mundo com uma clara estratégia dos países indus- triais para conquistar mercados, acrescentar laços de de- pendência externa e aprofundar a clássica divisão interna- cional do trabalho, além de exercer dominação ideológica, política, econômica, científica e tecnológica. O panorama internacional vem tendo fortes re- percussões em nosso país, que, a partir de 1995, acen-
  • 3. 260 Maria Isabel da Cunha Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 tuou o caráter neoliberal das políticas governamen- tais, incluindo o campo da educação, ávido de bene- ficiar-se de financiamentos externos. Na própria lei n. 9.394/96, as Diretrizes e Bases da Educação Na- cional (LDBEN) refletiram os novos ventos que so- pravam numa direção até então contestada pela so- ciedade civil organizada. A questão da qualidade de ensino tem sido, en- tão, objeto de disputa ideológica. Para alguns, repre- senta a possibilidade de um sistema que atenda as exigências do mundo produtivo, respeitando a estru- tura de poder que articula os países ricos com os de- pendentes. Para outros, significa o desenvolvimento de uma cultura crítica e fundamentada, capaz de ace- nar com uma condição emancipatória.Aprimeira tem a competitividade como êmulo e a segunda aposta na solidariedade como possibilidade. No âmbito dos sistemas de ensino, como afirma Martins (2002), “o discurso que tem fundamentado a necessidade de reformas educacionais contemporâ- neas vem fazendo apelo à excelência, eficácia e efi- ciência, à competitividade e outros aspectos da racio- nalidade econômica” (p. 271). Percebe-se a invariável disposição de que a melhoria dos sistemas educati- vos esteja atrelada aos indicadores de produtividade. Tal posição é decorrente das mudanças da concepção de Estado, que assume, cada vez mais, uma função regulatória, através dos mecanismos de avaliação. No contexto da expansão do ensino superior bra- sileiro, as políticas governamentais optaram por uma estratégia de incentivo à iniciativa privada, favore- cendo a ampliação significativa do número de uni- versidades, centros universitários e faculdades isola- das. A par e passo com essas medidas, foi implantado um sistema de avaliação externa alicerçado na pers- pectiva da universalização do padrão de qualidade e no espaço concorrencial que se estabelece entre os envolvidos. Nesses processos foi dado especial des- taque ao Exame Nacional de Cursos, que ficou co- nhecido como “provão”, instituído pela lei n. 9.131, de 24 de novembro de 1995. Nele, como ressaltam Lüdke e Moreira (2002), “a atenção se desloca da avaliação institucional para a avaliação individual, ou seja, para o desempenho pessoal de cada estudante” (p. 59). Essa condição estabelece-se na contramão dos esforços até então realizados pelas universidades, ins- pirados no Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB).1 Como repercus- são dessa medida, tem-se um esvaziamento das ini- ciativas mencionadas, no sentido de um processo con- seqüente de avaliação educativa, substituído por um mecanismo parcial de aferição das aprendizagens cog- nitivas dos estudantes. E, como bem lembra Dias So- brinho (2000), medir é diferente de avaliar, sendo apenas parte de um processo muito mais amplo. Re- duzir a avaliação à aplicação de uma prova é reforçar uma visão mecanicista e simplificadora, constituída como uma tecnificação da formação. É como se fosse possível estabelecer uma relação causal entre o su- cesso numa prova e o desempenho profissional, assim como ligar, linearmente, as aprendizagens realizadas pelos estudantes durante um curso e a capacidade de responder a um instrumento pontual de avaliação. A defesa desse pressuposto significaria entender a for- mação numa perspectiva estreita, ligada ao domínio de um conhecimento que, segundo o autor, “não se- ria, dentro da concepção tecnicista, algo incorporado às dimensões pessoais do indivíduo, e sim aquilo que o aluno consegue demonstrar mais e melhor do que os outros” (p. 137). Há o deslocamento de um pressu- posto formativo de avaliação para um modelo tecno- lógico, que, de acordo com House (1997), se assenta na perspectiva da produção. Ainda que, no contexto da avaliação, outros pro- cedimentos tivessem sido anunciados e realizados, a ênfase na publicização dos resultados do “provão”, mobilizando a mídia nacional, tornou esse mecanis- mo legitimado ante a opinião pública. O MEC, nesse período, implementou um aparato sem precedentes 1 Programa gestado e desenvolvido nas instituições brasi- leiras de ensino superior, com apoio oficial do MEC, na primeira metade da década de 1990. Propunha a auto-avaliação como pon- to de partida e assumia critérios de avaliação que reconheciam peculiaridades e culturas, numa perspectiva participativa.
  • 4. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 261 para a sua realização, e atribuiu ao processo avaliati- vo a condição de carro-chefe de suas políticas para o ensino superior. Explicitou claramente uma perspec- tiva tecnológica da avaliação, que se assume com um processo imparcial, neutro e, por esses atributos, in- suspeito. Para Dias Sobrinho (2000, p. 140): erigindo em universais os interesses individuais e em consensuais o que, em realidade, são dissensos e pluralida- de de sentidos e valores, as avaliações tecnológicas apre- sentam-se como indiscutíveis, fundando sua fidedignidade na operação de instrumentos e metodologias precisas, que legitimam a dominação e o controle da realidade analisada. Toma-se como pressuposto a universalidade de espaços e territórios como se a situação das institui- ções de ensino superior e dos estudantes fossem as mesmas. Valida-se um instrumento como capaz de definir qualidade, independente do contexto ou de uma escala valorativa de critérios e referências. Nesse sen- tido, é um processo discriminador, porque toma como iguais os diferentes. Como a implantação da avaliação utilizando o instrumento do “provão” foi gradativa, a universida- de não produziu um processo reflexivo – quer de ade- são, quer de resistência – de forma impactante. No início do processo, as principais críticas vinham da União Nacional de Estudantes, que, progressivamen- te, foram esvaziadas por meio de estratégias articula- das pelo MEC, especialmente quando vinculou o re- cebimento do diploma à participação dos alunos no processo. Os professores, entretanto, foram sendo atin- gidos paulatinamente, conforme os cursos foram en- volvidos na sistemática. Entre eles, pouco entusias- mo se notava com a proposta de avaliação adotada pelo MEC. Mas também não se fazia sentir um movi- mento mais orgânico de resistência. É possível loca- lizar uma certa indiferença, que poderia denotar uma suspeição quanto ao sistema de avaliação que pro- gressivamente avançava. O uso de pares, porém, como uma estratégia de legitimação de que o governo lan- çou mão para compor as comissões de avaliação e elaboração dos instrumentos, foi minando um olhar mais rigoroso de crítica, pois acessou interesses e es- truturas de poder de grupos acadêmicos constituídos. Essa atitude, pouco a pouco, foi vencida pelas estratégias do MEC, que, invadindo as subjetivida- des da opinião pública, atingiu, especialmente, a co- munidade acadêmica. A publicização dos resultados do “provão” fez com que as instituições de ensino superior, os cursos, os professores e os alunos se mo- bilizassem no sentido de desencadear medidas que garantissem um desempenho positivo no “provão”. O grau obtido, para além dos efeitos formais e legais, passou a expressar uma exteriorização de qualidade, inserindo-se na estratégia de marketing das institui- ções, reconfigurando suas identidades historicamente constituídas. Ao assumir essa condição, as comuni- dades universitárias estavam validando o questioná- vel modelo e diminuindo o impacto de suas críticas. Nada foi tão estimulante para a constituição do Esta- do-avaliador, que tem nas funções de controle da efi- ciência e produtividade a sua espinha dorsal. Como alerta Popkewitz (1992), na perspectiva neoliberal a avaliação constitui-se numa estratégia do Estado e vem, fundamentalmente, para cumprir suas políticas. O governo brasileiro cumpriu a “lição de casa” deter- minada pelos órgãos de financiamento internacional, e lançou mão de toda a sua competência e recursos para a implantação e manutenção de um processo de aferição reducionista, distante do sentido pleno da avaliação educacional. Pelo menos, não no sentido que a posição comprometida com a educação cidadã atribui ao termo avaliação. A compreensão desse panorama impulsionou-me a acompanhar, investigativamente, suas repercussões. Fundamentalmente, meu interesse recaiu na relação entre o modelo tecnicista de avaliação implantado pelo MEC e a reconfiguração da docência na universida- de, entendendo que essa política pode ter impactos nos saberes construídos pelos professores. Foram mobilizadas, através do projeto “Formatos avaliativos e concepção de docência”, três universidades como território de pesquisa, sendo uma pública e duas par- ticulares, todas no estado do Rio Grande do Sul. Os depoimentos dos professores ajudaram a identificar
  • 5. 262 Maria Isabel da Cunha Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 os elementos de realidade e as contradições que essa medida governamental vem provocando. O que dizem os professoresO que dizem os professoresO que dizem os professoresO que dizem os professoresO que dizem os professores Foram ouvidos professores de dez cursos de gra- duação, utilizando entrevistas intensivas, realizadas pela equipe de pesquisa. Entre esses cursos estavam alguns relacionados às profissões liberais, e outros de licenciatura. Os professores foram instados a falar sobre suas trajetórias acadêmicas e experiências edu- cativas. Essa estratégia mostra-se importante quando se pretende identificar as fontes dos saberes e os con- textos em que foram constituídos. Procurava-se, tam- bém, dado o objetivo da pesquisa, explorar a percep- ção dos docentes sobre os processos de avaliação externa, especialmente o “provão”. O discurso de nossos interlocutores sobre sua constituição como professores reforça os achados investigativos contemporâneos: a história de vida, as influências familiares e a trajetória como estudante são constantemente nomeadas como fundamentais na definição da docência como profissão, inclusive para aqueles que escolheram outra graduação como for- mação inicial. Afirmativas do tipo “minha família era de professores” ou “aprendi a admirar o magistério por causa de minha mãe” foram freqüentes. Outros, mesmo não localizando profissionais da área no ter- ritório familiar, referiram-se à cultura predominante na casa, dizendo: “meu pai era muito conversador, e sempre achei que o diálogo é muito importante para a construção do conhecimento. Isso me estimulou a ser professor...”. Reforçaram, também, a importância dos sabe- res da experiência, construídos junto com colegas e, especialmente, com os alunos. Muitos depoimentos revelam a idéia de que “aprendo trocando informa- ções com meus colegas, verificando o que eles estão fazendo na sala de aula, participando com outros co- legas de seminários e encontros”. Os professores sen- tem necessidade de afirmar a sua constante preocu- pação com a atualização, e vão experimentando uma pedagogia da prática que constroem no cotidiano. O reconhecimento das aprendizagens coletivas, entre- tanto, não minimiza um sentimento de solidão. Dis- se um professor de jornalismo que “a docência é uma jornada solitária, pois cada um tem de se haver com seus estudos, incluindo o aprender a ensinar”. Nes- se sentido, é possível compreender a responsabili- zação individual que se imputa aos professores e como eles assumem essa condição que, muitas ve- zes, mascara a compreensão de autonomia, tão acarinhada historicamente. Pimenta e Anastasiou (2002) já haviam chamado a atenção para essa con- dição dizendo que a “universidade reforça o traba- lho solitário, extremamente individual e individua- lizado; o professor é deixado à sua própria sorte e, se for bastante prudente, evitará situações extremas nas quais fiquem patentes as falhas de seu desempe- nho” (p. 143). Complementando essa perspectiva, afirmo que o trabalho solitário do professor também protege a sua autoridade científica, que, no imagi- nário social e do próprio docente, já lhe é atribuída pelo simples fato de ser reconhecido como profes- sor. Quase numa perspectiva de ensaio e erro, eles atribuem valor às aprendizagens que realizam com seus próprios alunos: “Para mim, o aluno é um ter- mômetro; eles é que me ajudam, com suas perguntas e reações, a ver o que está dando certo”. Os professo- res universitários afirmam que aprendem fazendo, já que, na maioria dos casos, não viveram processos de formação específica para a docência. Reconhecem a necessidade de múltiplos saberes para o exercício da profissão, mas, ao mesmo tempo, não assumem cla- ramente o discurso da desprofissionalização, decor- rente da falta da formação inicial para o magistério. Ainda que suas fragilidades digam respeito principal- mente a saberes e competências do campo pedagógi- co, continuam a reforçar o território do conhecimen- to específico como o principal esteio de sua docência. Partindo do pressuposto de que os saberes consi- derados legítimos são decorrentes da concepção do que seja um bom professor, procurei, durante o pro- cesso investigativo, desvendar a percepção de nossos respondentes sobre tal dimensão. Tentando organizar
  • 6. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 263 os depoimentos, agrupei as respostas em algumas ca- tegorias: a) Saberes relacionados com o conteúdo da ma- téria de ensino. Essa é uma dimensão muito forte no imaginário dos docentes universitá- rios. No caso das profissões liberais, perce- be-se, inclusive, um certo corporativismo, defendendo a exclusividade do conhecimen- to para um grupo específico de profissionais. A percepção de autoridade está muito presente no discurso dos respondentes, remetida, qua- se sempre, ao domínio do campo científico especializado. Sugere a obrigatoriedade de um processo de qualificação constante. b) Saberes relacionados com a prática pedagó- gica, envolvendo desde o “saber transmitir” até o motivar os alunos e entender como os mesmos aprendem. Inclui a dimensão do pra- zer de conhecer e de ensinar. Geralmente esse é um saber valorizado no discurso dos professores, que, entretanto, não atribuem a ele uma condição de legitimação acadêmi- ca. Seriam mais tributários de uma tendên- cia, um certo dom que, com a prática, se pode reforçar. c) Saberes que decorrem de uma postura ética, que torna o professor um educador, na con- cepção dos nossos interlocutores. Inclui-se aí a condição de saber ouvir, respeitar os alu- nos, conviver com a diferença, ser justo nas avaliações, ser honesto etc. Atribuem essas características a uma dimensão do caráter dos sujeitos. d) Saberes próprios das posturas e atividades investigativas, entendidos como aqueles que fazem do professor um produtor do conheci- mento. Nesse sentido, incluem a capacidade de formar um aluno crítico e criativo, capaz de continuar aprendendo, numa postura epis- temológica emergente. Envolve a capacida- de de autocrítica e as atitudes de humildade, dedicação e paciência. Auscultar o que os professores pensavam sobre uma docência de qualidade, no transcorrer desta pes- quisa, representou um parâmetro para a discussão da propriedade da avaliação educativa. Se avaliar é atri- buir valor, é preciso que se explicite e discuta o que se constitui em valor, para então se definir o signifi- cado da avaliação. Se forem tomados os depoimentos de nossos res- pondentes, é possível fazer uma projeção de habili- dades e competências necessárias aos professores que envolvem relativa complexidade. Ao mesmo tempo, é possível notar que os saberes que eles afirmam mo- bilizar estão ligados a uma compreensão de docência que extrapola a dimensão da racionalidade técnica. Incluem capacidades complexas e amplas, envolven- do diferentes perspectivas intelectuais, afetivas, mo- rais e culturais. Se essa é a projeção de docência de qualidade que fazem os professores, imagina-se que seja, tam- bém, a balizadora da sua autocrítica e avaliação. Tudo indica que os professores gostariam de se aproximar desse patamar de desempenho. Nesse sentido, uma avaliação educativa da docência precisaria levar em conta indicadores coerentes com o perfil propositivo. Certamente a mesma condição estaria presente quando se discutisse o perfil desejado do aluno, ou da proposta curricular que melhor atendesse a perspecti- va de qualidade. Tomo aqui a docência como recorte preferencial, porque ela se constituiu no foco da pes- quisa desenvolvida, sem, entretanto, deixar de reco- nhecer outros componentes balizadores de uma ava- liação institucional abrangente. O “provão”, certamente, não apresentava as pro- priedades de um processo de avaliação capaz de se constituir num sistema de avaliação; ele foi apenas um instrumento parcial que media algumas variáveis do processo ensino-aprendizagem. Longe esteve, por exemplo, de abranger as dimensões que os professo- res referem quando explicitam o que entendem por uma docência de qualidade. Como pode, então, ser legitimado como a expressão da avaliação do ensino superior brasileiro? Que lógica argumentativa susten- tou essa possibilidade?
  • 7. 264 Maria Isabel da Cunha Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 A resposta a essas questões não encontra argu- mentos no campo da reflexão epistemológica e axiológica. Os próprios professores entrevistados afir- mam que o sistema é frágil, através de expressões como: “o ‘provão’ é restrito, não diz das condições reais dos alunos...”, ou “não acreditamos que essa seja uma boa forma de avaliar...”. Não foi localizado ne- nhum docente que assumisse de forma incondicional a defesa do sistema de avaliação através do “provão”. Nem que se posicionasse a seu favor, recorrendo a uma fundamentação consistente, com argumentos pedagógicos e éticos sustentáveis. O que se pode depreender é uma identificação dos docentes com al- guns pontos que foram sendo reforçados pela mídia e pela palavra oficial do MEC, especialmente aqueles que usam a possibilidade “de evitar a proliferação de cursos de menor qualificação... que poderiam banali- zar o ensino superior”. Esse argumento, que tão en- genhosamente foi utilizado para convencer a opinião pública sobre o acerto da medida ministerial, encon- trou guarida, também, nos docentes. Parece que, atin- gidos na sua subjetividade, eles perderam a capacida- de de uma reflexão política mais ampla e se aliaram a um discurso do senso comum, fabricado dentro de um processo ideológico. Reconhecem, inclusive, que “os resultados do ‘provão’ repercutem muito nas ins- tituições, pois as notas obtidas servem de propagan- da, quer para o bem, quer para o mal”. Poucos dos nossos interlocutores conseguiram fazer uma refle- xão mais consistente, estabelecendo conexões entre o que projetavam como docência de qualidade e a aceitação, ainda que parcial, da proposta avaliativa do MEC. Considerar que os docentes estão atingidos na sua subjetividade é um fato incontestável. Mesmo que eles não admitam, diretamente, uma modificação mais intensa nas suas práticas pedagógicas, percebe-se que foram atingidos de maneira indireta no horizonte de sua ação, aceitando, principalmente, a lógica compe- titiva como saudável no processo de qualificação uni- versitária. Essa condição mobiliza-nos a entender as palavras de Milton Santos (1998) quando alertava sobre a tirania da informação. E, para o autor, se ela está na mídia, está também no trabalho desenvolvido na universidade, representando uma ameaça para aqueles que têm a tarefa de educar as novas gerações. Advogando numa direção contrária, Milton Santos afirmava que “quanto mais o nosso trabalho for acorrentado, mais estaremos produzindo individuali- dades débeis. É urgente que o ensino tome consciên- cia dessa situação para esboçar a merecida reação, sem o que corremos o risco de ficar cada vez mais distantes da busca ideal da verdade” (p. 13). Lamentavelmente, não foi esse o panorama descortinado. Percebeu-se uma análise muitas vezes simplificadora dos efeitos das políticas avaliativas, em que faltava um certo discernimento para com- preender a dimensão das propostas, como se depreende dos depoimentos dos docentes. Reconhe- cem eles que há influências dos resultados nos seus cursos, já que promoveram movimentos de revisão de conteúdos e formas de ensinar. Nesse aspecto, iden- tificam uma contradição, elogiando que, “bem ou mal, o ‘provão’ fez com que os professores se reunissem para discutir questões ligadas ao ensino”, ou afirman- do que os docentes “pegam as provas para discutir, e isso teve resultados positivos”. Na visão de alguns docentes, “os alunos precisam ser esclarecidos para que o mau desempenho não os coloque em situações menos confortáveis na hora de conseguir um empre- go”. Afirmativas como essas reforçaram as preocu- pações sobre o impacto do modelo avaliativo nos do- centes e em suas práticas pedagógicas. Enquanto os argumentos ficam na superficialidade, as subjetivi- dades atingidas vão se acorrentando, como expressa Sousa Santos (2000), quer num silenciamento dos verdadeiros significados, quer na inércia de reações. Como era de se esperar, os cursos que obtiveram uma classificação mais positiva no “provão” são aque- les cujos professores afirmaram menos compromis- sos com alterações. Os professores festejaram a pos- sibilidade de usufruir desse conforto e declararam continuar o trabalho que já desenvolvem com tran- qüilidade. Mencionaram, porém, que “se há alguma preocupação, é a de não baixar a nota”. Fica eviden- te, nessa manifestação, que o imaginário de sucesso
  • 8. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 265 está levando em conta a explicitação de valor que o resultado do “provão” trouxe. De forma contrária, os professores dos cursos que foram penalizados na clas- sificação afirmaram um maior envolvimento, admi- tindo formas de pressão, quer dos alunos, quer das instituições a que pertencem. Nesse particular, as universidades públicas pa- receram apresentar menor tensão, compreensível pela relação de trabalho de seus professores. A natureza dos argumentos dos alunos das instituições de ensino superior privadas, quando foram coletados dados en- tre eles, também indica diferenças em função da filiação da instituição. Quando se sentem atingidos pelo mau desempenho de seus cursos, acusam os pro- fessores de não estarem alcançando patamares positi- vos no ensino. Evidencia-se um certo processo de autofagia pedagógica, no qual professores e alunos tendem a se culpabilizar mutuamente, enquanto o Estado lava as mãos, tanto das responsabilidades so- bre a lógica avaliativa quanto da sua função de zelar pelo processo educacional. Essa atitude torna os pro- fessores das universidades privadas mais fragilizados e alvo de punições, além de aumentar a possibilidade de desemprego. Certamente esses docentes formaram o grupo mais atingido pela política adotada, que fa- voreceu a reconfiguração de sua docência, principal- mente porque o que está em jogo é a noção de autori- dade dentro de uma estrutura de poder. O professor, historicamente, preservou a idéia de autoridade como parte da função que a sociedade lhe destinava. Na maior parte das vezes, a noção de auto- ridade estava alicerçada numa condição diferenciadora que o acúmulo de conhecimentos propiciava. O pro- fessor, sendo aquele que sabe, poderia exercer autori- dade sobre os que não sabem e, em muitos casos, essa relação redundava em autoritarismo. Entretanto, é interessante analisar a perspectiva de Correia e Matos (2002) sobre essa questão. Os autores chamam a atenção para a constatação de que a noção de autoridade pode distinguir-se da noção de poder pelo fato de, em sintonia com sua raiz etimológica, o seu significado estar associado à noção de autor, isto é, à idéia de criador, de alguém que está na origem da própria ação e que é capaz de se autorizar, ao passo que a palavra poder nos remete mais para a idéia de procuração, de mandato, de ter influência e força. (p. 30) A fragilidade em que se situa o professor no con- texto do processo educativo de cunho concorrencial é identificada com facilidade. Quando a educação pas- sa a ser tomada como mercadoria e objeto de troca de bens materiais e simbólicos, os alunos são nomeados como clientes, no mais puro estilo empresarial. Pa- gam eles, direta ou indiretamente, por um bem, e exi- gir um certificado de qualidade faz parte da negocia- ção. O selo de ISO2 deve estar gravado no produto! É patente o descompasso que acarreta essa per- cepção, na qual há uma linearidade entre compe- tências do professor e desempenho dos alunos. Desconsideram-se os demais fatores que interferem na formação dos estudantes, tais como suas condi- ções de ingresso, contexto cultural, possibilidades de dedicação, dupla jornada etc. Mas o mais grave de tudo é que o padrão de qua- lidade pouco é discutido e a culpabilidade do professor se afirma sobre um perfil docente, que quase não tem a ver com o conceito de autoridade tomado neste estudo, o qual tem como central a condição de autoria, referin- do-se ao protagonismo do docente em suas práticas e concepções. Sendo o padrão de qualidade definido em condições exógenas e distantes do contexto cultural em que atuam os atores pedagógicos, priva-se, progressi- vamente, o professor, e também os seus alunos, de assu- mir a autoria de suas próprias trajetórias. E, por vive- rem a crise da autoridade, esses professores têm fragilizadas as suas condições de poder. Correia e Matos (2002, p. 31) afirmam ainda que o poder dos professores se apóia num tripé: uma de- 2 A International Standardization for Organization (ISO) é uma organização não-governamental sediada em Genebra em 1947, com o objetivo de ser um fórum mundial de normalização de pa- drões de qualidade. Em geral é aplicada a sistemas de gestão em- presarial ou industrial.
  • 9. 266 Maria Isabel da Cunha Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 legação cognitiva, uma delegação política e uma de- legação jurídica: no plano cognitivo, o professor se define como um delegado de um saber científico do qual é o fiel depositá- rio; por sua vez, no plano político e social, o professor é depositário de um fiel poder cultural, público e laico, dele- gado pelo Estado-Nação ou por uma geração social; final- mente, o poder do professor apóia-se numa delegação de ordem jurídica que, assente nos mandatos cognitivos e po- líticos, legitima o exercício da capacidade de julgar, emitir uma sentença ou de proceder a uma avaliação que, pelo menos nos níveis mais elevados dos sistemas educativos, não é suscetível de recurso quanto ao seu conteúdo. Esse tripé em que se alicerça, historicamente, o poder dos professores vem sendo atingido na sua le- gitimidade e reconhecimento. A lógica do modelo avaliativo que se vinha praticando nos sistemas edu- cativos do mundo ocidental e, especialmente, no Bra- sil, coloca em suspeita a delegação cognitiva, bem como a cultural e a de ordem jurídica. Significa que cada vez mais o professor decide menos sobre seu ofício. E, à medida que avança a desresponsabiliza- ção pelas decisões que toma, o docente sente-se mais distante do compromisso com o ato educativo. Silen- cia sobre essa dimensão e sente que a lógica da pro- dutividade exógena é reforçada, que, ao fim e ao cabo, é a que lhe rende reconhecimento. Vê-se, então, que os professores universitários, atualmente, no Brasil, estão submetidos progressiva- mente à lógica concorrencial, estimulada pelos mo- delos externos de avaliação, e são, também, fortemente atingidos na sua condição de poder, tal qual já o fo- ram na sua autoridade. Os depoimentos de nossos respondentes contêm indicativos dessa situação. Tomando a classificação de Correia e Matos (2002), pode-se perceber que, no plano cognitivo, manifestam uma certa inconformi- dade com a proposta avaliativa, mas, ao mesmo tem- po, assumem a possibilidade de submissão aos pa- drões propostos. Disse um deles: “nunca modifiquei nada devido aos resultados do ‘provão’; não acho isso bom, apesar de pegar as provas para ver os equívocos [...] mas eu acho que os professores têm de ser fisca- lizados [...] o professor não é o dono do saber”. Lou- vável a percepção de que o professor não é o dono do saber, se essa fosse uma postura reflexiva de demo- cratização das relações pedagógicas. Preocupante é a afirmativa da necessidade de fiscalização, sem ao menos fazer um comentário do sentido dessa palavra incorporada ao seu discurso. A fiscalização do cum- primento dos programas nem sempre se coaduna com as reais necessidades dos estudantes, estando, não raro, a serviço da lógica burocratizada da eficiência. No plano político e social há, também, uma evi- dente desvalorização do professor. Ele não mais é re- conhecido como capaz de honrar a confiança da so- ciedade para a educação de seus jovens e crianças. O docente começa a ser visto como “um investimento” que merece a atenção do empregador, desde que te- nha um perfil que atenda às exigências da luta concorrencial. Torna-se, também, descartável quan- do isso não acontece. Pode-se exemplificar essa con- dição pelo depoimento de um dos nossos responden- tes, que afirmou: “fico preocupado pensando no que aconteceria caso não tivéssemos tirado um A no ‘provão’ [...] como justificar esse comportamento fren- te a nossa instituição? [...] Para ela interessa que os cursos sejam bem qualificados; isso é marketing!”. Usando como apoio teórico a classificação de Correia e Matos (2002), compreende-se, finalmente, que a delegação jurídica também pode ser atingida no contexto da educação concorrencial. Os professo- res não são mais reconhecidos como as autoridades que avalizam sobre a preparação de seus alunos. Os critérios de exigência propostos pelos docentes na instituição universitária perdem a legitimidade, o que os coloca em permanente suspeita de uma ação pou- co rigorosa. Há uma evidente crise de poder, na qual o arbítrio do professor é substituído pelo arbítrio do Estado. Este configura-se como o parâmetro regulatório, quer enquanto prova única aplicada a to- dos os estudantes do país, quer quando inspira a docência universitária, como afirma um professor: “o ‘provão’ é um lugar onde me apoio para tomar deter-
  • 10. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 267 minadas decisões, ou seja, onde devo dar mais ou menos ênfase. Eu até nem sei se isso é uma coisa boa ou não; mas daqui a pouco, em certo sentido, serei julgado, e não custa estar preparado para esse julga- mento...”. Esse depoimento fortalece a evidência de que os docentes estão sofrendo fortes influências do modelo avaliativo. Ao enfatizar conteúdos considerados váli- dos, o processo traz, como efeito secundário, mas não menos importante, “a condição de marginalização dos campos e dos saberes não avaliados” (Estevão, 2001, p. 171). A tendência é que haja um enfraquecimento dos campos de conhecimento que não são privilegia- dos pelo instrumento de avaliação, com visíveis pre- juízos para a formação acadêmica. Mesmo no plano cognitivo, é possível divergir do recorte de inclusão, que os avaliadores selecionam a partir de um arbitrá- rio não justificado. Se for tomado, então, o plano das habilidades e compromissos, amplia-se o espectro da exclusão, com mais propensão a silenciar objetivos até agora entendidos como essenciais. Atingidos na sua subjetividade por essa gama de influências, os professores tendem a reorganizar seus esquemas cog- nitivos e valorativos na construção da docência. O que estão aprendendo os professores?O que estão aprendendo os professores?O que estão aprendendo os professores?O que estão aprendendo os professores?O que estão aprendendo os professores? Tomando o referencial de Tardif (2001, 2002) e Tardif e Raymond (2000) para analisar os saberes que constituem a profissão docente, percebe-se que há fontes diversas que inspiram as escolhas dos profes- sores para configurar o cotidiano de seu trabalho. Os autores afirmam que os saberes da docência são plu- rais e heterogêneos, portanto, oriundos de diferentes fontes e processos. Entre eles, citam a história cultu- ral dos sujeitos na escola como uma inspiração de grande importância. Essa perspectiva aproxima-se do conceito de cultura experiencial de Peréz Gómez (1998). Para esse autor, a cultura experiencial trata da peculiar configuração de significados e comporta- mentos que os sujeitos elaboram de forma particular. Principalmente quando são induzidos pelo contexto, em sua vida prévia e paralela à escola, por meio dos intercâmbios com o meio familiar e social que rodei- am a sua existência, ainda que mediados por sua ex- periência biográfica e sua trajetória pessoal. A cultu- ra experiencial de professores e estudantes serve de base principal para a construção da identidade insti- tucional, afirma Peréz Gómez. Outros estudos têm re- forçado essa perspectiva (Cunha, 1989; Pimenta & Anastasiou, 2002) e, sendo frutos de pesquisa, ates- tam o fato de os professores recorrerem às suas expe- riências como estudantes para tomar decisões sobre a forma como ensinam. Recuperando a concepção epistemológica que assume a subjetividade e a experiência como fonte insubstituível de aprendizagem, Tardif (2002) dá es- pecial relevo, também, às aprendizagens que o pro- fessor realiza no ambiente de trabalho, a partir da sua inserção profissional. O autor analisa ainda a relação entre o trabalho do professor e seu objeto de trabalho, que é, fundamentalmente, o aluno, tanto na sua di- mensão individual como grupal, e o processo ensino- aprendizagem. Dada essa condição, as relações que o professor estabelece com seu trabalho são de nature- za humana, sujeitas a interferências valorativas e cons- truídas num contexto de complexibilidade. Nesse sen- tido, é inadequado pensar que o professor tem controle direto sobre seu objeto de trabalho, como acontece em outros campos profissionais. “Nada nem ninguém pode forçar um aluno a aprender se ele mesmo não se empenhar no processo de aprendizagem [...] pois os alunos sofrem inúmeras influências que podem afe- tar seu rendimento escolar” (idem, p. 132). Fazendo uma analogia com o trabalho industrial, Tardif (2002) ressalta que, para este, há uma relação direta entre processo e produto; já na docência, o pro- duto do ensino é de grande intangibilidade, pois diz respeito, principalmente, a atributos humanos e so- ciais que, por sua natureza, são de difícil mensuração. Reduzi-los a uma quantificação e, mais grave ainda, a uma única prova, é desconhecer e desqualificar a docência no sentido educativo. Certamente, com a pressão de modelos de avaliação do tipo do “provão”, os professores tendem a valorizar aprendizagens di- retamente relacionadas com os produtos, correndo o
  • 11. 268 Maria Isabel da Cunha Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 risco de atribuir à educação um caráter neotecnicista, pois ficam preocupados com resultados que alcancem significados no mundo produção. Como afirma Dias Sobrinho (2000), “os exames gerais têm a sua moti- vação mais fora do que dentro da escola; apresentam uma racionalidade muito mais mercadológica e go- vernamental que pedagógica; valorizam muito mais a competitividade do que a solidariedade” (p. 160). Exercem uma forma de coerção simbólica sobre os professores e alunos, que tendem a silenciar os esfor- ços educativos que não se ajustam aos critérios para- digmáticos da produtividade. Outra dimensão que pode afetar profundamente os saberes dos professores está ligada ao reforço da condição de visão única, tão cara à ciência moderna e agora reforçada pelos dispositivos políticos da pro- dutividade. Trata-se de um processo de padronização, como se houvesse uma única forma de conhecimento e uma só alternativa de formação. Como lembra Sousa Santos (2000), o dilema consiste em que a validação de uma só forma de conhecimento provoca a ceguei- ra epistemológica e valorativa, destruindo as relações entre os objetos e, nessa trajetória, eliminando as de- mais formas alternativas de conhecimentos: “O re- verso da força da visão única é a incapacidade para reconhecer visões alternativas” (p. 241). O autor, sa- biamente, alerta que esse fenômeno pode redundar num epistemicídio, afirmando que “a destruição de formas alternativas de conhecimento não é um arte- fato sem conseqüências, antes implica a destruição de práticas sociais e desqualificação de agentes so- ciais que operam de acordo com o conhecimento em causa” (idem, p. 242). Diante desse quadro, é fácil perceber que os es- forços que marcaram o início de uma ruptura episte- mológica no campo da educação superior estiveram seriamente ameaçados. Ainda frágeis e minoritários, eles procuravam afirmar-se no campo acadêmico, com toda a dificuldade decorrente da presença paradigmá- tica dominante. Já na sua geração, carregavam o ônus da complexidade da iniciativa. Sousa Santos (2000) afirma que “a luta paradigmática é, no seu conjunto, altamente arriscada” (p. 344), pois exige uma subje- tividade emergente que envolve ruptura epistemoló- gica e societal. Para o autor, “formas alternativas de conhecimento geram práticas alternativas e vice-versa” (idem, ibidem), perpassando o conceito de subjetivi- dade, que se constitui como o grande mediador entre conhecimento e práticas. As inovações que se adivinhavam próximas ma- terializavam-se pelo reconhecimento de formas alter- nativas de saberes e experiências, nos quais se imbri- cavam objetividade e subjetividade, senso comum e ciência, teoria e prática, cultura e natureza, anulando dicotomias e procurando gerar novos conhecimentos através de novas práticas. Essas inovações, entendidas como ruptura para- digmática, exigem dos professores uma reconfigura- ção de saberes, e favoreciam o reconhecimento de que era preciso trabalhar no sentido de transformar, como lembra Sousa Santos (2000, p. 346), “transfor- mando ‘inquietude’ em energia emancipatória”. En- volviam o reconhecimento da diferença e implica- vam, em grande medida, um trabalho que consiste, especialmente, em gerir relações sociais com seus alunos. No dizer de Tardif (2002, p. 132), “é por isso que a pedagogia é feita de dilemas e tensões, de ne- gociações e estratégias de interação”. Para o autor, “ensinar é fazer escolhas, constantemente, em plena interação com os alunos” (idem, ibidem). Essas es- colhas são dependentes da experiência dos atores, do contexto de tempo e território do ensino, das convic- ções e crenças que suportam o trabalho e, conseqüen- temente, de situações que, sendo únicas, exigem res- postas diferenciadas. Se não houve muito tempo para consolidar traje- tórias, são exemplos próximos de nós as experiências de ensino e aprendizagem relatadas por Pimentel (1992), Cunha (1998), Lucarelli (2002), Leite (1997) e Fernandes (1999, 2001), entre outras analisadas em forma de pesquisa. Foram elas gestadas no bojo de momentos históricos favorecedores de esperança, quando se acreditava na avaliação como um valor para os próprios sujeitos que dela participavam, e que exi- gia saberes relacionados com a partilha analítica das situações educativas.
  • 12. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 269 Como, então, agir ante o modelo político que im- põe, num retrocesso histórico, a homogeneização como paradigma? Que saberes precisam ser mobilizados nos professores para que a visão crítica dos processos re- gulatórios redunde em movimentos de resistência, em diferentes campos e manifestações? Como tomar essa realidade como ponto de referência para uma discus- são mais sistematizada no interior da universidade? Como os processos de formação de professores estão enfrentando a problemática de uma avaliação regula- tória? Há espaços para a continuidade de iniciativas emancipatórias, contra a corrente dominante? A pesquisa desenvolvida com os professores teve o intuito de ser um agente analítico de compreensão das políticas educativas, mas, também, uma forma de concentrar energias para a resistência. Quis alinhar- se a outros movimentos que reforcem a afirmativa de Sousa Santos (2000) de que a subjetividade emergen- te é uma subjetividade do sul. Ao fazer essa afirmati- va, o autor recupera analogicamente a idéia eurocên- trica, contrapondo-se ao entendimento de que o rumo certo está no norte, de onde vem o uso corriqueiro do termo “nortear” como sinônimo de colocar no pru- mo, dar um sentido adequado. Reconhecer o sul como energia inovadora é estar disposto a legitimar formas alternativas de conhecimento, bem como ousar andar na subjetividade da fronteira. Na transição paradigmática, diz Sousa Santos (2000, p. 355): subjetividade navega por cabotagem, guiando-se hora pelo paradigma dominante, ora pelo paradigma emergente. E, se é verdade que o seu objetivo último é aproximar-se tanto quanto possível do paradigma emergente, ele sabe que só ziguezagueando lá poderá chegar e que, mais do que uma vez, será o paradigma dominante a continuar a guiá- lo. Cabotando assim, ao longo da transição paradigmática, a subjetividade de fronteira sabe que navega num vazio cujo significado é preenchido, pedaço a pedaço, pelos limites que ela vai vislumbrando, ora próximos, ora longínquos. Nessa perspectiva, foi possível acreditar na con- dição de ruptura com a lógica avaliativa dominante que, sendo aplicada ao longo do tempo, encontrou um terreno fértil para seu revigoramento nos últimos anos, ante a reconfiguração da concepção de Estado no mundo ocidental. Essa condição, entretanto, exigiu uma tessitura paciente de esforços e energias que en- volvem a condição de escuta e a condição de espera, sem entretanto, abrir mão da condição de análise crí- tica e reflexiva, que vem ajudando a compreensão dos acontecimentos e das teias que os envolvem. Anima perceber que as pessoas em geral, e os professores particularmente, são capazes de viver nos limites, submetidos à lógica dominante da avaliação, mas navegando na fronteira das práticas que ficam às margens. Talvez daí possa sair uma explicação para seus silêncios. Quem sabe são eles uma possibilidade de esperança. A condição da esperança, assim como a da resis- tência, não produz efeitos instantâneos e lineares. Mas elas anunciam novas possibilidades e apostam na pers- pectiva da possibilidade. Provavelmente, foram as reflexões sobre os discursos oficiais e institucionais e os silêncios produzidos nas frestas dessa realidade que favoreceram a mudança da política de avaliação ins- titucional adotada pelo Estado brasileiro a partir da lei n. 10.861, de 14 de abril de 2004, que criou o Sis- tema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Traz ele, nos seus princípios e pressupos- tos, as idéias centrais da integração, da articulação e da participação (Brasil, 2004), indicando um afasta- mento da perspectiva de visão única e universal da qualidade assumida pelo mecanismo anterior, forma- lizado pelo “provão”. Retoma a auto-avaliação como dimensão formativa e pedagógica do processo avaliativo e assume que “o objetivo central do pro- cesso avaliativo é promover a realização autônoma do projeto institucional, de modo a garantir a quali- dade acadêmica no ensino, na pesquisa, na extensão, na gestão e no cumprimento de sua pertinência e res- ponsabilidade social” (idem, p. 10). Poderá essa política avaliativa se consolidar numa perspectiva coletiva? Alcançará seus objeti- vos, mesmo convivendo com os espaços de contra- dição presentes na sociedade nacional e global? Terá
  • 13. 270 Maria Isabel da Cunha Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 forças suficientes para favorecer uma identidade ins- titucional condizente com seus pressupostos? Pro- vocará nos docentes uma cultura experiencial que avance na perspectiva da necessária ruptura com as práticas tradicionais de ensinar e aprender? Sobre- viverá ao imperativo classificatório do mercado e da lógica concorrencial? Provavelmente, será a pesquisa, mais uma vez, que poderá favorecer a compreensão dos processos e trajetórias a percorrer daqui para diante. Não se trata de tarefa simples. Mas alimenta a esperança de novas possibilidades, mostrando que resistir é possível, e que tem sentido acreditar na mudança. Referências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficasReferências bibliográficas BORJA, Rodrigo. Educación, globalización y sociedad del conocimiento. In: BROVETTO, Jorge; MIX, Miguel; PANIZZI, Wrana (Orgs.). A educação superior frente a Davos. PortoAlegre: Ed. da Universidade, Porto Alegre, 2003. p. 34-77. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes para a avaliação das instituições de educação superior. Brasília, DF: MEC/Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), 2004. CORREIA, João Alberto; MATOS, Manuel. Solidões e solidarie- dades nos quotidianos dos professores. Porto: Ed. ASA, 2002. CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua prática. Campi- nas: Papirus, 1989. .O professor na transição de paradigmas.Araraquara: JM Editores, 1998. DIAS SOBRINHO, José. Avaliação da educação superior. Petrópolis: Vozes, 2000. . Universidade e avaliação. Entre a ética e o merca- do. Florianópolis: Insular, 2001. ESTEVÃO, Carlos. Políticas avaliativas, autonomia e avaliação. Reflexões em torno da dialética do reajustamento da justiça e da modernização. Revista Portuguesa de Educação, Braga: Serviço de Publicações do Instituto de Educação e Psicologia da Universi- dade do Minho, v. 14, n. 2, p. 155-178, 2001. FERNANDES, Cleoni Maria B. Sala de aula universitária: rup- tura, memória educativa, territorialidade – o desafio da constru- ção pedagógica do conhecimento. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999. . (Org.). Educação superior. Travessias e atravessa- mentos. Canoas: Ed. da Universidade Luterana do Brasil, 2001. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. HOUSE, Ernest R. Evaluación, ética e poder. 2. ed. Madri: Morata, 1997. LARROSA, Jorge. Pedagogia profana. Danças, piruetas e mas- caradas. Porto Alegre: Contrabando, 1998. LEITE, Denise. Universidade futurante. Campinas: Papirus, 1997. LUCARELLI, Elisa. O assessor pedagógico na universidade: no- vas propostas para uma didática universitária. In: FERREIRA, Naura; AGUIAR, Marcia Angela (Orgs.) Para onde vão a orien- tação e a supervisão educacional? Campinas: Papirus, 2002. p. 123-148. LÜDKE, Menga; MOREIRA, Antônio Flávio. Propostas recentes para a reforma da formação de professores no Brasil. Revista Por- tuguesa de Educação, Braga: Serviço de Publicações do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, v. 15, n. 1, p. 58-83, 2002. MARTINS, Ângela Maria. Autonomia e descentralização: a (ex)tensão do tema na agenda das políticas educacionais recentes. Revista Portuguesa de Educação, Braga: Serviço de Publicações do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, v. 15, n. 1, p. 269-296, 2002. PERÉZ GÓMEZ, Ángel Ignacio. La cultura escolar en la sociedad neoliberal. Madri: Ediciones Morata, 1998. PIMENTA, Selma; ANASTASIOU, Lea. Docência no ensino su- perior. São Paulo: Cortez, 2002. PIMENTEL, Maria da Glória. O professor em construção. Cam- pinas: Papirus, 1992. POPKEWITZ, Thomas. Algunos problemas y problemáticas en la producción de la evaluación. Revista de Educación, Madri, n. 299, p. 95-118, 1992. REMEDI, Alione E. La institución: un entrecruzamiento de tex- tos. In: REMEDI, Alione E. (Coord.). Instituciones educativas: sujetos, historias e identidades. México: Plaza y Valdés, 2004. p. 48-59. SANTOS, Milton. O professor como intelectual na sociedade con- temporânea. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO (ENDIPE), 9., 1998, Águas de São Pedro. Anais... São Paulo: ENDIPE, 1998, v. 3. p. 14-21. SOUSA SANTOS, Boaventura de. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.
  • 14. Docência na universidade, cultura e avaliação institucional Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 271 TARDIF, Maurice. O trabalho docente, a pedagogia e o ensino: interações humanas, tecnologia e dilemas. Cadernos de Educa- ção, Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, ano 10, n. 16, p. 7-14, jan./jun. 2001. . Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e apren- dizagem do trabalho no magistério. Educação e Sociedade, v. 21, n. 73, p. 209-244, dez. 2000. MARIA ISABEL DA CUNHA, doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professora apo- sentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS) e de- dica-se à formação de professores, especialmente à relação da docência universitária com a didática e a prática pedagógica. Pu- blicações mais relevantes: O bom professor e sua prática (Campi- nas: Papirus, 1989, atualmente em 17. ed.), O professor universi- tário na transição de paradigmas (Araraquara: JM Editora, 1998) e Políticas públicas e docência na universidade: novas configura- ções e possíveis alternativas (Revista Portuguesa de Educação, Braga: Serviço de Publicações do Instituto de Educação e Psico- logia da Universidade do Minho, v. 16, n. 2, p. 45-68, 2003). E-mail: cunhami@uol.com.br Recebido em novembro de 2004 Aprovado em junho de 2005
  • 15. Resumos/Abstracts/Resumens Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 371 de Brasil (Sudeste, Sur, Centroeste y Noreste) en el período 2001-2004. Las principales acciones son investigadas teniendo como ejes analíticos el con- junto de percepciones sobre juventud que anclan las iniciativas y las formas que son propuestas por el Poder Públi- co para la interacción con los segmen- tos juveniles. Palabras claves: juventud; políticas públicas; poder local Maria Isabel da Cunha Docência na universidade, cultura e avaliação institucional: saberes silenciados em questão Apresenta os resultados de pesquisa in- terinstitucional sobre o Exame Nacio- nal de Cursos, conhecido como “provão”, na qual foram entrevistados alunos, coordenadores e professores de doze cursos de graduação, pertencentes a instituições de ensino superior do es- tado do Rio Grande do Sul. Os resulta- dos detectaram elementos de impacto das políticas avaliativas sobre as for- mas de atuação dos professores. Hou- ve, entretanto, variação de resultados, de acordo com a natureza dos cursos. Nos cursos que preparam para profis- sões liberais a lógica concorrencial foi mais presente e nas licenciaturas houve uma centralidade nos processos peda- gógicos. Ambos, entretanto, foram atingidos nas suas subjetividades e ten- dem a reorganizar suas práticas segun- do o parâmetro de sucesso imposto pelo modelo avaliativo. Interferem nos saberes docentes, silenciando muitos daqueles que se contrapõem ao padrão imposto pela avaliação, direcionando a qualidade da prática pedagógica uni- versitária. Palavras-chave: políticas de avalia- ção; pedagogia universitária; saberes docentes Teaching in higher education, culture and institutional evaluation: the matter of silenced knowledge The paper reports results from an interinstitutional research on the Brazilian National Course Exam. Students, teachers and coordinators belonging to 12 higher education courses from different institutions at the state of Rio Grande do Sul were interviewed. Results detected the impact of evaluation policies on the performance of teachers. There were, nevertheless, some variety among the results, when different courses were concerned. Courses focusing on liberal professions showed a competitive approach while those focusing on teacher training programmes were more centered on pedagogical proces- ses. Nonetheless, both profiles were hit on their subjectivity and showed a tendency to reorganization towards the success parameters imposed by the evaluation model. The model interferes with teachers knowledge and silences many of those contra posing the patterns imposed by the evaluation, directing the quality of pedagogical practice at the universities. Key-words: evaluation policies; pedagogical university; knowledge teachers Docencia en la universidad, cultura y validez institucional: saberes silenciados en cuestión Presenta los resultados de encuesta in- terinstitucional sobre el Examen Na- cional de Cursos, conocido como “provão”, en la cual fueron entrevista- dos alunos, coordenadores y profesores de doce cursos de graduación pertenecientes a instituciones de enseñanza superior del estado de Rio Grande del Sur. Los re- sultados detectaron elementos de im- pacto de las políticas evaluativas sobre las formas de actuación de los profesores. Hubo, entretanto, variación de resultados, de acuerdo con la naturaleza de los cursos. En los cursos que preparan para profesiones liberales la lógica concurrencia fue más presente y en las licenciaturas hubo una centralidad en los procesos pedagógicos. Ambos, entre tanto, fueron alcanzados en sus objetividades y tienden a reorganizar sus prácticas según el parámetro de suceso impuesto por el modelo evaluativo. Interfieren en los saberes docentes, silenciando muchos de aquellos que se contraponen al padrón impuesto por la evaluación, direccionando la cualidad de la práctica pedagógica universitaria. Palabras claves: políticas de evaluación; pedagogía universitaria; saberes docentes Danilo R. Streck A educação popular e a (re)construção do público. Há fogo sob as brasas? O artigo busca situar a educação popu- lar no contexto da reconstrução da esfe- ra pública na América Latina. A partir da volta às suas origens para identificar o lugar social e os espaços pedagógicos nos quais a educação popular se origi- nou, argumenta que um traço distintivo dela é a própria busca, no mesmo senti- do em que a identidade latino-americana se constitui como esse lugar de possibi- lidades. Analisa a seguir algumas estra- tégias pedagógicas clandestinas, assim entendidas por se caracterizarem como ausência ou ocultamento, respectiva- mente: pedagogia da sobrevivência, da resistência e da relação. No final, retorna à imagem do labirinto para defi- nir as perplexidades – históricas e atuais – da educação popular. Palavras-chave: educação popular; América Latina; esfera pública; peda- gogias alternativas Popular education and the (re)construction of the public sphere. Is there fire in the embers? The main purpose of this article is to situate popular education within the