1. 1
A LAICIZAÇÃO DO SÃO PEDRO DE RETIROLÂNDIA – BA:
1966 – 2010.
Renicio Lima da Silva1
Resumo
O presente artigo faz uma análise da festa de São Pedro no município de Retirolândia – BA,
demonstrando que esta festividade de nomenclatura religiosa é celebrada em um espaço laico
e profano, sem nenhuma vinculação religiosa com relação à doutrina oficial da Igreja
Católica, tornando-se então na maior manifestação da cultura popular deste lugar. Descreve
também a origem desta festa, apontando as mudanças e permanências na maneira de
comemorá-la entre 1966 e 2010, discutindo as múltiplas relações que ocorrem durante a sua
execução, bem como a expectativa da comunidade local em torno de sua realização no mês de
junho.
Palavras – chaves: Cultura Popular; Festa; São Pedro; Retirolândia.
Abstract
This article make an analysis of the of St. Peter party in the city of Retirolândia - Bahia,
demonstrating that this naming religious festival is celebrated in a secular and profane space,
with no religious affiliation with respect to the official doctrine of the Catholic Church,
becoming then the greatest manifestation of popular culture of this place. It also describes the
origin of this party, pointing out the changes and continuities in the way they celebrate it
between 1966 and 2010, discussing the multiple relations that occur during its execution, as
well as the expectation of the local community around its performance in the month of June.
Keywords: Popular Culture; Party; St. Peter; Retirolândia.
INTRODUÇÃO
Ao longo da história da humanidade, os seres humanos, nas mais variadas sociedades
e de diversas formas, buscam expressar seus sentimentos, emoção ou espírito. A cultura de
1
Graduando em História pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. VIII semestre. Pesquisa desenvolvida
sob orientação da professora doutora Suzana Maria de Sousa Santos Severs.
2. 2
um povo é manifestada “em toda a sua riqueza e multiplicidade de formas de existência”. 2
Essas variadas formas de existência possibilitam a sociedade contemporânea múltiplas
maneiras de explicitar seus desejos, pensamentos, gestos, opiniões, ainda que cada indivíduo
tenha a sua maneira única de explicitar tais sentimentos. Segundo o antropólogo José Luiz dos
Santos, “cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar conhecer
para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais
estas passam”.3 Assim, procurando conhecer essas realidades e suas transformações, percebe-
se que a cultura, bem como seu estudo, não se mantém estática no decorrer dos anos, mas se
modifica, se renova, evolui e se diversifica, contribuindo no combate de preconceitos,
buscando a necessidade de relacionar as manifestações e dimensões culturais com as
diferentes classes e grupos que a constituem.
Como afirma Santos,4 apesar da existência de tendências gerais constatáveis nas
histórias das sociedades, não é possível estabelecer sequências fixas capazes de detalhar as
fases por que passou cada realidade cultural. Cada cultura é o resultado de uma história
particular, diante disso é que passaram a surgir em manifestações culturais aparentemente
idênticas formas diferenciadas de comemorações em lugares muitas vezes não tão distantes
umas das outras.
O Brasil historicamente é conhecido por possuir uma grande diversidade cultural. “É
importante considerar a diversidade cultural interna a nossa sociedade; isso é de fato essencial
para compreendermos melhor o país em que vivemos”.5 A diversidade cultural brasileira,
assim como em muitos lugares do mundo não apresenta as mesmas características simbólicas,
pois cada região do país apresenta peculiaridades próprias e tradições muitas das vezes
específicas do lugar, tornando o país multicultural. O Brasil que, ao mesmo tempo, é uno pela
nacionalidade de seus habitantes, torna-se também extremamente diverso culturalmente.
Fatores como a geografia, o clima e o desenvolvimento social do lugar ou de uma região são
extremamente relevantes para a formação de aspectos diferenciados. Muitas manifestações
culturais que ocorrem no sul do Brasil são totalmente desconhecidas para muitos habitantes
do nordeste, por exemplo, e vice-versa.
Com o aperfeiçoamento e o desenvolvimento das ciências humanas no século XIX,
começou a existir uma preocupação sistemática em estudar as culturas humanas. “As
preocupações com cultura se voltaram tanto para a compreensão das sociedades modernas e
2
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 07.
3
Idem, p. 08.
4
Idem, p. 12.
5
Idem, p. 19.
3. 3
industriais quanto das que iam desaparecendo ou perdendo suas características originais”, 6
possibilitando aos estudiosos compreenderem melhor as diversas formas de cultura, bem
como a sociedade na qual está inserida.
Para José Luiz dos Santos,
cultura está muito associado a estudo, educação, formação escolar. Por vezes
se fala de cultura para se referir unicamente às manifestações artísticas,
como o teatro, a música, a pintura, a escultura. Outras vezes, ao se falar na
cultura da nossa época ela é quase que identificada com os meios de
comunicação de massa, tais como o rádio, o cinema, a televisão. Ou então
cultura diz respeito às festas e cerimônias tradicionais, às lendas e crenças de
um povo, ou a seu modo de se vestir, à sua comida, a seu idioma. A lista
pode ser ampliada.7
Diante disso, nota-se que a cultura está claramente associada à vida social dos povos
ou de determinados povos, faz parte do cotidiano, pois está enraizada historicamente nos
hábitos, costumes, práticas e modo de vida pessoal ou coletivo. Diante da complexidade do
termo cultura, percebe-se que a mesma está interrelacionada desde as mais remotas tradições,
a exemplo de povos indígenas que ainda não sofreram as influências dos hábitos do “homem
branco” até as moderníssimas invenções humanas, como as tecnologias implantadas pelos
modernos meios de comunicação, perpassando pelas variadas comemorações festivas, sendo
festas tradicionais ou não, estão recheadas de diversas concepções culturais.
Nesse sentido, devemos entender a cultura como algo dinâmico, que se ressignifica
constantemente. Existe uma tendência de buscar uma diferenciação entre as muitas formas de
“culturas”, como se cada uma delas fosse uma realidade estanque, parada, fechada. Pelo
contrário, a cultura e suas manifestações passam por modificações, às vezes perdendo
características originais, outras vezes se repaginando, essas variações ou modificações tornam
a cultura de um povo algo a ser preservado por longos anos.
As discussões sobre cultura abrangem vários aspectos da vida em sociedade. Para
Santos,
cultura pode por um lado referir-se à alta cultura, à cultura dominante, e por
outro, a qualquer cultura. No primeiro caso, cultura surge em oposição à
selvageria, à barbárie; cultura é então a própria marca da civilização. [...]. No
segundo caso, pode-se falar de cultura a respeito de qualquer povo, nação,
grupo ou sociedade humana.8
6
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 21.
7
Idem, p. 22.
8
Idem, p. 35.
4. 4
Assim, percebemos a multiplicidade de significados do que seja cultura, porém, esse
trabalho procurará se ater ao segundo caso (pode-se falar de cultura a respeito de qualquer
povo, nação, grupo ou sociedade humana), pois entendemos que o São Pedro de Retirolândia-
BA como manifestação cultural se enquadra nesse caso, apesar de ser visível durante a
festividade algumas características da “cultura dominante”, a exemplo de lugares reservados
exclusivamente para “personalidades importantes”, como: autoridades políticas, artistas,
empresários e aliados políticos ou convidados do poder executivo. Que ficam durante
praticamente toda a festa em camarotes, palcos e barracas situadas em lugares estratégicos no
circuito da festa, obtendo uma visão privilegiada das apresentações artísticas sob a vigilância
atenta de seguranças particulares ou da guarda municipal.
Ciente de que os fatos acima fazem parte do cotidiano desta festa pelo menos desde a
década de 1980, nos atentaremos nas manifestações populares, ou seja, do povo, entendendo
povo aqui como agrupamento de pessoas extremamente diverso e heterogêneo, que se
concentram em frente aos palcos e seus arredores ao longo dos três ou quatro dias de festejos
no São Pedro de Retirolândia.
O município de Retirolândia localiza-se na microrregião de Serrinha, no chamado
Território do Sisal, a 220 km de distância da capital baiana. Sua população é estimada em
12.0599 habitantes, tendo como principal atividade econômica a extração e o beneficiamento
do sisal que, junto à agricultura e a pecuária, exerce papel relevante na economia local.
Retirolândia se emancipou politicamente do município de Conceição do Coité em 27 de julho
de 1962, através da Lei Estadual 1.75210 sancionada pelo governador Juracy Magalhães. Sua
população sempre foi majoritariamente declarada católica, apesar de haver um crescimento
razoável de adeptos das igrejas pentecostais, destacando-se a Assembleia de Deus e a
Congregação Cristã no Brasil, principalmente a partir da década de 1980.
Como fruto disso, a cada ano, no mês de junho, ocorre três grandes festas populares,
todas representadas por um simbolismo religioso católico muito visível: a celebração dos
santos. A primeira festa é em devoção a Santo Antônio, padroeiro da cidade, também
denominada Trezenário de Santo Antonio, aludindo aos 13 dias de festa que ocorre a partir de
01 de junho, e é organizada pela paróquia local. Outra festividade também de relevante
importância é o São João, de caráter religioso e profano, que se espalha por todo o município,
sendo em Retirolândia, realizado em caráter mais privado do que público, o que não ocorre,
por exemplo, na capital. No âmbito privado a festa acontece principalmente, por meio de
9
Dados do IBGE. Censo de 2010.
10
SILVA JUNIOR, Enézio de Deus. Retirolândia: Memória e Vida. Curitiba: Juruá, 2007. p. 36 e 37.
5. 5
montagem de fogueiras em homenagem a São João Batista, reunindo na maioria das vezes
familiares e amigos. Já no âmbito público e laico, ocorrem as quadrilhas juninas, promovidas
quase em sua totalidade pelas escolas particulares, estaduais e municipais, sendo esta última
patrocinada, na maioria das vezes, pela Prefeitura. Apesar da festa de São João ser religiosa,
ela tem pouca ou quase nenhuma participação da Igreja Católica, cuja execução fica a cargo
de uma parcela de alunos e professores católicos que participam e organizam essas quadrilhas,
pois na organização desses eventos os professores e estudantes evangélicos não participam.
A terceira e maior festa do município de Retirolândia é o São Pedro. Sobre esta
tratamos neste artigo, procurando analisar a relação entre espaço religioso e espaço laico; o
São Pedro como principal manifestação cultural do município; descrição histórica da festa,
procurando apontar as mudanças e permanências ocorridas ao longo de suas realizações.
O tema deste trabalho justifica-se pelo fato da necessidade do registro histórico desta
festividade, que é a maior manifestação cultural do município de Retirolândia, além de
procurar dá uma resposta a uma problemática que sempre me fez refletir: por que essa festa de
nomenclatura religiosa não condiz com a liturgia da religião católica durante sua execução?
Por conta disso, procuramos fazer uma análise histórica da festa, para perceber alguns
elementos contraditórios durante sua realização, uma vez que a denominação da festa está
imbuída de um simbolismo religioso. No entanto, durante sua celebração é perceptível o
distanciamento das práticas litúrgicas do cristianismo oficial católico e se caracteriza por ser
um espaço de lazer, diversão e descontração extremamente laico desde a sua origem.
Não há muitos historiadores que tenham se dedicado ao estudo das festas nesta região.
No entanto, gostaríamos de citar a dissertação de mestrado da historiadora Iara Nancy Araújo
Rios, cujo tema é Nossa Senhora da Conceição do Coité: poder e política no século XIX. Essa
dissertação faz uma análise da origem da cidade de Conceição do Coité, bem como a origem
da devoção a Nossa Senhora da Conceição, padroeira do referido município, observando as
relações de poder que envolvia a sociedade coiteense no século XIX. Outro trabalho recente é
da graduada em História Jacqueline Rios e Araújo em seu Trabalho de Conclusão de Curso –
TCC denominado Imagens da festa de São Pedro de Retirolândia: uma análise historio –
fotográfica que analisou a interferência política na festa de São Pedro de Retirolândia por
meio de fotografias, demonstrando como a política fez a apropriação da festa. Citamos ainda
o livro memorialista Retirolândia: Memória e Vida, do advogado Enézio de Deus Silva
Júnior, que narra o cotidiano da sociedade retirolandense desde os primórdios, descrevendo os
principais fatos e festas que aconteceram nesta cidade e que será uma das nossas fontes de
6. 6
pesquisa. Esses trabalhos ajudaram a refletir sobre o tema deste artigo, motivando-nos a
analisar a festa de São Pedro sobre esta perspectiva.
Apesar de em âmbito geral as festas terem sido objeto de estudos de memorialistas,
viajantes e literatos que já desde o último quartel do século XIX buscavam nas manifestações
lúdicas os fundamentos da nacionalidade brasileira, seguidos por toda uma geração de
estudiosos interessados na chamada pesquisa folclórica, dentre os quais Mário de Andrade e
Câmara Cascudo, somente em meados da década de 1980, na esteira da valorização da
história da vida privada e da perspectiva de politização das práticas cotidianas é que a
historiografia brasileira incorporou definitivamente os fenômenos festivos como campo
historiográfico específico.11 Segundo Arrais Barroso, esse crescente interesse pelo estudo das
festas, rituais e fenômenos de sociabilidade coletiva em nossa historiografia são devedores,
sobretudo, da influência da obra de autores como Mikhail Bakhtin, Norbert Elias, Ernest
Kantorowics, Victor Turner e José Antonio Maravall. 12
A festa de São João, segundo Alceu Maynard Araujo é a principal festa do solstício de
inverno realizada em todo território brasileiro e as demais são satélites. 13 No entanto, no
município de Retirolândia a festa junina que tem maior visibilidade, repercussão e foliões é o
São Pedro. Assim, contrariamente ao que Alceu Maynard Araujo afirma, o São Pedro em
Retirolândia não é uma festa satélite em comparação ao São João, e sim a festa mais
importante do mês de junho no município.
De acordo com este folclorista, a festa é uma das manifestações da vida social nos
agrupamentos humanos. Neste sentido, as manifestações festivas remontam a eras antigas e
está associada a um elemento religioso, manifestando agradecimentos a entidades
supraterrenas ou divindades que não permitiam que as pragas ou malefícios nas plantações
destruíssem o plantio. Assim, “à festa, com o correr do tempo, foram se associando outros
elementos, tais como padroeiros, entidades sobrenaturais, mais tarde substituídos pelos santos
do hagiológio católico romano”.14 Com o passar do tempo, foram sendo incorporadas às
festividades outras práticas que extrapolam o caráter religioso. Para Araujo
o homem do meio rural usa três vocábulos distintos para designar as festas.
Festa é a atividade de cunho religioso, como, por exemplo: festa de Nossa
Senhora do Rosário, festa de Nossa Senhora da Penha, festa de São
11
JANCSÓ, István. & KANTOR, Íris. 2001 Apud Gomes, 2008.
12
GOMES, José Eudes Arrais Barroso. Quando o sertão faz a festa, a monarquia se faz presente: festas e
representações monárquicas na capitania do Ceará (1757 – 1817). 13. ed. Rio de Janeiro. Revista Cantareira.
2008.
13
ARAUJO, Alceu Maynard. Cultura Popular Brasileira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 12.
14
Idem, p. 12.
7. 7
Sebastião, padroeiro de várias cidades tradicionais do Brasil. Emprega
também para aquelas de sentido religioso-profano, tais como: festa do
Mastro, festas das canoas, festas dos congos. [...]. Emprega-se festança para
designar a festa profana em que há muita bebedeira, gritaria, como as que
são realizadas após as carreiras de cavalos, os mutirões de estrada, as
gineteadas gaúchas, etc.15
Levando em consideração a análise dos variados tipos de festa proposto pelo
antropólogo Alceu Maynard Araujo, o São Pedro de Retirolândia se enquadra numa festa
religioso-profana com características de uma festança, em um espaço laico.
Pedro, um dos doze apóstolos de Jesus Cristo, posteriormente denominado São Pedro
pela Igreja Católica, antes de ser chamado por Jesus para ser apóstolo exercia a atividade de
pescador, conforme relatos neotestamentário.16 Uma pequena biografia de Pedro, diz que:
Pedro era um bravo homem. Nascido em Bethsaida, na Galiléia, filho de João, ele
chamava-se Simão de nome verdadeiro. Era pescador e possuía uma barca onde ele
pescava com seu irmão André no Mar da Galiléia. Um dia viu passar Jesus e seguiu-
o. São Mateus conta assim o acontecimento: “como seguia ao lago da costa do Mar
da Galiléia, Jesus viu os dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão,
que lançavam uma rede ao mar, porque ambos eram pescadores”. Ele disse: segui-
me e Eu vos farei pescadores de homens. Imediatamente deixaram as redes e o
seguiram. Pedro foi o primeiro dos doze a tomar o seu papel até ao fim, apesar das
suas fraquezas humanas. [...]. No jardim das Oliveiras, quando os soldados quiseram
prender Jesus, Pedro que tinha sangue vivo nas veias, cortou a orelha direita de
Malchus, [...]. Mais tarde pecava negando três vezes, e acabava por chorar essa
negação amargamente. Testemunhou a ressurreição de Jesus e foi o primeiro a
anunciá-la. Saiu da Galiléia, sua terra natal, foi para Jerusalém e Antióquia, e depois
foi para Roma onde pregou e converteu os humildes. Foi condenado e crucificado.
Achando que era pregado na cruz, pediu para o virarem de cabeça para baixo. É o
patrono dos pescadores. Uma imagem, um grande vulto, portuguesa, de 1746, deste
santo encontra-se no altar-mor da Igreja de São Pedro dos Clérigos do Recife. 17
Nesse sentido, os festejos a São Pedro tenderiam a ocorrer predominantemente em
locais onde a economia pesqueira é bem desenvolvida e existe uma razoável quantidade de
pescadores que o escolhem como seu padroeiro. A origem da devoção a São Pedro em
Retirolândia é um fato curioso e instigante, pois este município não tem nenhuma relação
histórica com a prática da atividade pesqueira, além da ausência de fontes históricas que
sejam suficientes para realizarmos tal identificação. Segundo Enézio de Deus Silva Júnior,
no período em que é festejado (fim de junho, início de julho), há um motivo
histórico de relevância considerável no lugar: o aniversário do Sr. Pedro
15
ARAUJO, Alceu Maynard. Cultura Popular Brasileira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 09.
16
Neotestamentário é um termo utilizado no meio teológico referente aos livros bíblicos do Novo Testamento,
ou seja, os livros bíblicos que foram escritos depois do nascimento de Jesus Cristo.
17
CRUZ, Antonio de Menezes e. Dicionário de Santos Venerados em Portugal e Brasil - Suas biografias,
figurações, símbolos e lendas. 4º volumes. Letra H a Z. Recife: [s. ed.], 1988. verberte: São Pedro, Apóstolo. p.
374 – 375.
8. 8
Pinheiro que, [...], detinha grande influência socioeconômica antes da
emancipação política (e após esta também), na qualidade de empresário que
lidava com o sisal, tendo sido, na realidade, um dos introdutores da cultura e
da cadeia produtiva deste vegetal em nossa terra. Assim, ele e os seus
familiares costumavam realizar grandes comemorações para festejar o seu
natalício. Por isso, São Pedro já era da devoção deste cidadão e o período,
pois, já contava com um lastro muito bom de motivação de parte da
comunidade.18
Com isso, nota-se que em localidades onde a atividade pesqueira é irrelevante para a
economia local, a exemplo de Retirolândia, provavelmente a devoção a São Pedro surgiu por
meio de homenagem de um homônimo do santo ou por pessoas que tenham nascido no dia 29
de junho, dia de São Pedro. Nesse contexto, a festa se apresenta como religiosa no âmbito
privado. Com o passar dos anos, essa festa foi ganhando proporções maiores e,
consequentemente perdendo as características religiosas.
As fontes utilizadas, além da obra memorialista, são as fontes orais, construídas a
partir das entrevistas com pessoas que acompanham a festividade há vários anos. A expansão
da história oral possibilitou ao pesquisador obter informações que não são encontradas em
documentos convencionais, sendo um mecanismo metodológico que proporciona a análise de
fatos históricos que não seria possível sem essa técnica. No caso da festa de São Pedro de
Retirolândia, a respeito da qual não encontramos fontes documentais, necessitamos recorrer à
oralidade como fonte primordial para a produção deste trabalho de pesquisa.
Entrevistamos seis pessoas que forneceram informações sobre a origem, mudanças e
permanências na forma de comemorar esta festa ao longo dos anos, sobre as quais, por
questões éticas, utilizamos nomes fictícios para identificá-las, visando preservar suas
identidades reais. Dentre as pessoas entrevistadas, duas são do sexo masculino e as demais do
sexo feminino. Destes, apenas uma mulher declarou-se evangélica; seu depoimento é
importante porque quando católica tinha atuação na paróquia, mas não na organização da
festa, transmitindo-nos sua impressão de então fiel sobre a origem da festa. Objeto de
destaque dentre os entrevistados é o padre Antonio Elias, atual pároco de Retirolândia, o qual
confirmou o caráter eminentemente profano da festa de São Pedro.
Neste artigo fazemos uma análise dos aspectos culturais, “religioso” e laico que estão
inseridos na realização da festa, procurando perscrutar a natureza da festa, se laica, religiosa
ou ambas, justificando assim, a nomenclatura deste trabalho: “A laicização do São Pedro de
Retirolândia,Ba: (1966 – 2010)”, descrevendo a trajetória e as transformações desta
18
SILVA JUNIOR, Enézio de Deus. Retirolândia: Memória e Vida. Curitiba: Juruá, 2007. p. 80.
9. 9
festividade desde a sua origem no município de Retirolândia no ano de 1966 19 até 2010,
buscando apontar as modificações ocorridas na sua realização ao longo destes 44 anos de
comemorações, tempo que é nosso recorte de pesquisa.
Assim, por meio das fontes históricas escritas e orais, com a contribuição teórica de
especialistas que publicaram trabalhos sobre cultura popular e história das religiões, sob a
orientação da Profª. Drª. Suzana Maria de Sousa Santos Severs do Departamento de
Educação, Campus XIV da Universidade do Estado da Bahia, proponho realizar este Trabalho
de Conclusão de Curso em Licenciatura em História pela mesma instituição.
A ORIGEM DA FESTA
No passado, doce alegria! /
Saudade canta e dança o baile de salão. /
Armazém grande, mercado, o brilho... /
Festividade! No São Pedro, emoção. /
A fé tão nobre, formoso manto, /
sustenta a gente desta terra varonil. /
Luzente tempo tornou cidade /
um lugar belo da Bahia e do Brasil.20
A origem da festa de São Pedro em Retirolândia está associada com a fundação do
Centro Educacional Cenecista de Retirolândia, colégio vinculado a entidade mantenedora
Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC, que mesmo tendo parceria com o
município cobrava uma taxa mensal dos seus estudantes. Esse colégio foi fundado em
Retirolândia em 1965, conforme afirma a senhora Cristina Anunciação:
o primeiro São Pedro foi realizado nos dias 28 e 29 de junho de 1966, no armazém
ligado à cordoaria do Senhor Pedro Pinheiro, localizado no Pocinho. Esta festa foi
promovida pelo ginásio de Retirolândia que fundado em 1965 sofria dificuldades
devido às condições econômicas da época, onde muitos pais não podiam pagar a
mensalidade.21
Então, essa festa que começou em 1966 com o objetivo de angariar recursos para a
manutenção da referida escola, surge em Retirolândia sem vinculação religiosa.
19
SILVA JUNIOR, Enézio de Deus. Retirolândia: Memória e Vida. Curitiba: Juruá, 2007. p. 80.
20
Trecho do Hino de Retirolândia. O Hino de Retirolândia foi oficializado através da Lei Municipal 166 de 13
de dezembro de 2005, tendo como autor Enézio de Deus Silva Júnior.
21
Entrevista concedida em 17 de agosto de 2011.
10. 10
A escolha da data para a realização da festividade foi pensada buscando não coincidir
com outras festas, pois no mês de junho ocorria diversas festas na região e o evento da escola
deveria ser realizada em uma data em que não tivesse ocorrendo nenhuma festa, tanto em
Retirolândia como em cidades vizinhas, pois a coincidência com outra festa poderia esvaziar a
festa da escola, que não obteria os resultados financeiros esperados. Nos anos anteriores a
1966, quando Retirolândia era distrito do município de Conceição do Coité, no dia 29 de
junho, o senhor Pedro Pinheiro já comemorava o seu aniversário, promovendo uma grande
festa em sua casa. Cristina Anunciação diz que:
a escolha da data, que até hoje prevalece, se deu por dois motivos: primeiro, porque
o São João já era bastante festejado em toda região, e caso fosse realizada nesse
período não teria grandes possibilidades de se obter o êxito desejado; segundo,
porque o senhor Pedro Pinheiro, um dos colaboradores, era devoto de São Pedro,
tendo por costume comemorar o seu aniversário com grandes festas. 22
Ao que se percebe, a festa que estava sendo organizada pela escola se aproxima da
festa de devoção/aniversário do senhor Pedro Pinheiro, para se aproveitar do fluxo de pessoas
que costumava frequentar, nesta data, a festa de Pedro Pinheiro, com a intenção de obter seus
objetivos (arrecadar fundos para a escola). Diante disso, a festa no dia de São Pedro viria a ser
mais cabível, pois satisfazia a ambos os interesses.
Durante a festa que foi animada pelos sanfoneiros Agdemar Rios e Osmário Rios, na
qual seriam apresentadas as alunas eleitas “Rainha do Milho e Princesa do Milho” em
reconhecimento pela primeira e segunda colocação na venda de “votos” (bilhetes para ajudar
a escola), demonstra que o que estava em jogo com a realização desta festa era a arrecadação
financeira em benefício da escola. Cristina Anunciação descreve:
esta festa foi alegrada pelos sanfoneiros Agdemar Rios e Osmário Rios, onde seria
apresentada a eleita “Rainha do Milho”, ou seja, a jovem que conseguisse vender
mais “votos”, cabendo o segundo lugar o título de “Princesa”. O peso da
concorrência não era a beleza, mas a contribuição feita à escola através dos “votos”
vendidos. [...]. Sendo eleita a primeira “Rainha do milho” e “Princesa”,
respectivamente, as alunas Elicidalva Freitas Modesto e Antonia Magnólia Oliveira
Rios. 23
A primeira festa foi um sucesso, o que motivou o senhor Carlito Guimarães e a
senhora Jalmira Freitas Modesto, diretor e vice-diretora do Colégio Cenecista, juntamente
com os estudantes a se programarem antecipadamente para a próxima festa em 1967. As
alunas interessadas em serem eleitas “Rainha e Princesa do milho” logo começaram a vender
22
Entrevista concedida em 17 de agosto de 2011.
23
Idem.
11. 11
seus “votos”, criando na comunidade retirolandense uma expectativa na realização da
vindoura festa, além da curiosidade sobre quais estudantes seriam a “Rainha e Princesa do
milho”. Esses preparativos foram tomando dimensões acima do esperado, tanto é que,
próximo a data da festa, os diretores da escola, percebendo que o armazém de Pedro Pinheiro
não comportaria o grande número de pessoas que afirmavam o desejo de participar da festa,
transferiram a mesma para o espaço do mercado municipal. Acerca disso, Cristina
Anunciação conta que:
Em 1967, ocorreu a mudança da festa para o mercado municipal, devido o sucesso
do evento. Foi neste dia que aconteceu a apresentação da primeira quadrilha
retirolandense e a convite dos organizadores apresentou-se também uma quadrilha
de Valente. Com muita animação tocou para o povo dançar, entre outros o senhor
Aurelino Freitas de Valente – BA, animando a festa com sua banda. A aluna Regina
Célia de Almeida foi eleita “Rainha do Milho” e Maria Cleide Oliveira,
“Princesa”.24
Em 1968 a festa foi novamente realizada no mercado municipal, prédio localizado no
centro da cidade na Praça 27 de julho, em frente ao abrigo municipal onde até hoje estão em
funcionamento diversos bares, porém, o comércio de cereais que acontecia nesse espaço foi
transferido para o novo mercado municipal, no centro de abastecimento durante os anos 90.
Na festa de 1968 tornou-se pequeno o espaço do mercado municipal, devido a grande
quantidade de pessoas que participaram. Nesse ano a aluna Maria Élia de Oliveira foi eleita a
“Rainha do milho” e o “título de Princesa” ficou com a aluna Estelita Andrade, sendo ambas
campeãs na venda de “votos”.
No ano de 1969, os organizadores perceberam que não seria possível continuar com a
realização da festividade no mercado municipal, transferindo-a para um espaço mais amplo,
pois o número de participantes era cada vez maior. Diante disso, realizaram-na no grande
armazém de propriedade do senhor Antílio Araújo, onde futuramente seria construído o Clube
– Associação Cultural Itatiaia, ACI, que seria “palco” de muitos São Pedros, sendo eleita
neste ano “Rainha do milho” Edla Conceição de Andrade e Vera Lúcia Junqueira “princesa”,
ambas, alunas do Colégio Cenecista. Cristina Anunciação comenta que:
os anos passaram, a festa crescia em número de foliões e se tornava cada vez mais
importante. Em 1970, houve o último ano do concurso para a “rainha do milho”. O
título de “rainha” ficou com Creuza Pereira Cunha e Agda Alves Baldoino com o de
“princesa”.25
24
Entrevista concedida em 17 de agosto de 2011.
25
Idem.
12. 12
Em 1970 ocorreu o último concurso da “Rainha e Princesa do milho”. Esse foi o
último ano que a escola estava à frente da organização e programação da festa, pois pela
dimensão e importância que a mesma estava tomando na cidade, a escola percebeu que não
tinha mais capacidade de continuar organizando a festa, passando esta a ser organizada pelo
poder público local.
Em 1971 a prefeitura se apropria do São Pedro, trazendo para Retirolândia o primeiro
trio elétrico para tocar na festa. Cristina Anunciação diz que:
o ano de 1971 foi um marco muito importante, pois o primeiro trio elétrico – o
Tapajós, apresentou-se na cidade, animando a festa. Ai, então, o ginásio de
Retirolândia não era mais responsável pela realização, mas toda a comunidade
representada pelas autoridades municipais, que se responsabilizaram a modernizar e
aperfeiçoar a cada ano.26
O ano de 1971 é um ano de ruptura na forma de comemorar a festa, os foliões passam
a festejar agora em praça pública, correndo e dançando atrás do trio elétrico, a partir das 16h
do sábado e domingo, logo após o encerramento das matinês infanto-juvenis que eram
realizados no Clube Itatiaia e perdurando, às vezes, até o raiar do dia.
Entre 1971 e 1977 a festa ocorre praticamente nos mesmos moldes, matinês infanto-
juvenis pela manhã e tarde nos clubes e trio elétrico ao cair da noite e pela madrugada na
Praça 27 de Julho. Além do trio, existia também a banda Tapajós, “além desta banda, outras
inesquecíveis animaram a grande aglomeração de pessoas nesta praça, como, por exemplo:
Banda Made in Bahia, Banda Skulaxo, Banda Astral...”.27 Utilizamos a palavra clube no
plural porque em 1975 foi inaugurado em Retirolândia o Clube Sisalândia, conforme Silva
Júnior descreve:
Durante muito tempo, de modo paralelo ao Itatiaia, funcionou, em Retirolândia, o
Clube Sisâlandia (em sede própria na rua 31 de março), fundado, na década de 70
(inauguração em 1975), por um grupo de cidadãos – Sr. Agdemar Rios (in
memoriam), Sr. Roque Carneiro, Sr. José Rios e outros, por conta de cisões político-
ideológicas quanto ao grupo que estava à frente do poder político local a época. Este
espaço cultural também promoveu festas e bailes de grande beleza e positivo
impacto para a diversão de muitas famílias retirolandense – especialmente nos dias
do São Pedro.28
Diante disso, a partir de 1975, com a fundação do Clube Sisalândia, Retirolândia passa
a ter dois importantes espaços de lazer. Durante o São Pedro, após o ano de 1975 tanto o
Clube Itatiaia como o Sisalândia tinham atrações no mesmo horário, sendo comum nesses
26
Entrevista concedida em 17 de agosto de 2011.
27
SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. Retirolândia: Memória e Vida. Curitiba: Juruá, 2007. p. 83.
28
Idem, p. 119.
13. 13
espaços a presença de pessoas simpáticas a cada grupo político que estava à frente da direção
dos clubes. O Clube Itatiaia era comandado pelos líderes políticos Adevaldo Martins e
Adelídio Martins que estavam dirigindo o poder público local à época, enquanto o Sisalândia
era comandado por Agdemar Rios e Roque Carneiro, líderes políticos oposicionistas.
Entre os anos de 1977 e 1990 ocorre a consolidação da festa como evento de grandes
proporções para o município, bem como o auge da “era dos clubes”. Cristina Anunciação
conta que:
Em 1977 muita coisa mudou. Não mais comemoramos com os mesmos atributos,
porém, com a mesma emoção. Atrações de peso, bandas de forró, o qual destacamos
o saudoso Trio Nordestino animou durante muitos anos as nossas festas, como
também grandes nomes do axé-music passaram por aqui.29
O crescimento da festa em número de foliões e apresentações de “grandes trios e bandas” vão
aos poucos transformando uma festividade da comunidade retirolandense em show e
espetáculo, se firmando de vez como uma festa profana.
Na década de 1990 o São Pedro de Retirolândia já é muito conhecido na região. A
empolgação dos foliões em dançar e cantar atrás do trio elétrico em praça pública provoca o
enfraquecimento das festas nos clubes, levando inclusive o Sisalândia a fechar. “A partir de
meados da década de 1990, o Clube Sisalândia deixou de existir como local de festas e
eventos (encontrando-se desativado e há um aspecto de abandono). Por outro, o brilho e o
peso de qualidade dos bailes do Clube Itatiaia diminuíram consideravelmente”. 30 O ano de
1996 ainda é lembrado como um dos maiores São Pedro que já ocorreu na cidade. Antonia
Junqueira diz “que o melhor São Pedro foi o que veio o „Bel‟” referindo-se à Banda Chiclete
com Banana, que estava no auge do sucesso musical, sendo quase impossível a circulação do
trio na Praça 27 de julho por causa da aglomeração das pessoas, todos querendo chegar perto
da referida banda. Durante a década de 1990, “atrações inesquecíveis, como: Genival
Lacerda; Sandro Becker; Luiz Caldas e vários outros animaram o São Pedro”. 31 Os shows de
bandas e cantores famosos ao longo de 1990 fizeram com que o São Pedro de Retirolândia
fosse a festividade de maior repercussão na região nesta data, tornando o espaço da Praça 27
de julho pequeno para acomodar a multidão que comparecia para participar do festejo.
Procurando resolver o problema da falta de espaço, o então prefeito Adevaldo Martins, no
início dos anos 2000, transferiu a realização da festa para o largo do atual centro de
29
Entrevista concedida em 17 de agosto de 2011.
30
SILVA JUNIOR, Enézio de Deus. Retirolândia: Memória e vida. Curitiba: Juruá, 2007. p. 120.
31
Idem, p. 83.
14. 14
abastecimento. Essa mudança não agradou a muita gente, pois os trios elétricos deixariam de
tocar no São Pedro, sendo utilizados palcos fixos para os shows. Antonia Junqueira conta que:
Quando foi transferido [...] alguns queriam, outros não queriam, inclusive eu
gostaria que voltasse para a praça, porque hoje não sei qual é o São Pedro de
Retirolândia. O prefeito investe nas bandas para tocar no centro de abastecimento
que pra ele é o local que tá todo mundo da comunidade e os foliões que vem de fora,
mas existe uma descaracterização dos carros de som, eu acho que ficam boicotando
a festa de São Pedro, cada qual coloca o seu carro de som, botam todos na praça, e
fazem uma festa particular. Então, deixou de ser uma festa para a comunidade [...]
cada qual tá fazendo, tocando a música que quer. [...], pra mim as autoridades
deveriam tomar uma decisão, depois criam aqueles grupos brigando pelos carros de
som, pelas cervejas, e a praça que foi idealizada nesse momento para a festa fica
vazia, só esperando a noite.32
Algumas pessoas, mesmo passado quase 10 anos, não concordam com a realização da
festa no atual espaço, nem com a eliminação dos trios elétricos. Outra coisa que na visão de
Antonia Junqueira descaracteriza a festa é a disputa de carros com sons potentes na Praça 27
de julho, principalmente no sábado e domingo à tarde, esvaziando completamente o local
onde são montados os palcos. Em 2010 foi realizado mais um grande São Pedro, sendo
contratadas pela prefeitura grandes atrações, destacando-se o show do cantor Reginaldo Rossi.
Neste sentido, a festa de São Pedro iniciada em 1966 através de uma festa da escola
transforma-se ao longo desse período na maior manifestação cultural do município de
Retirolândia.
O SAGRADO E O PROFANO NA FESTA DE SÃO PEDRO EM RETIROLÂNDIA.
A festa de São Pedro em Retirolândia é notadamente a maior festividade deste
município em termos de participação quantitativa da população local e, sobretudo, das
localidades vizinhas. Apesar da festa conter um nome religioso católico, no município de
Retirolândia ela nunca foi organizada pela paróquia local. Segundo a senhora Antonia
Junqueira:
a igreja católica não organizou nenhum São Pedro em Retirolândia, eu acho que esta
festa, eu acho não, esta festa não tem nada a ver com a igreja católica. É uma festa
que surgiu da comunidade com a comunidade, e continua até hoje para a
comunidade, a igreja católica fica isenta33.
32
Entrevista concedida em 25 de julho de 2011.
33
Idem.
15. 15
Entretanto, em muitos “São Pedros” durante a abertura da festa houve a entrega da
chave (simbologia do santo católico São Pedro)34 a seus organizadores. A entrega desta chave
simboliza a “autorização” de São Pedro para a execução da mesma. Mesmo a festa não sendo
organizada pela paróquia local, nem sua execução condizer com a liturgia da referida igreja,
paradoxalmente, os participantes da festa em sua maioria são adeptos ou declaram-se
católicos. Diante disso, recorremos ao aporte teórico do “historiador das religiões” Mircea
Elíade, especificamente a sua obra O sagrado e o profano: a essência das religiões, na qual o
autor faz uma discussão sobre a interrelação do sagrado e do profano no cotidiano das pessoas
para tentarmos compreender tal fenômeno.
Nesse sentido, a ruptura das características religiosas ou sagradas se apresenta como a
manifestação “natural” da liberdade humana. De acordo com Elíade, “o sagrado e o profano
constituem duas modalidades de ser no mundo”,35 sendo que essas modalidades são
intimamente ligadas e o profano se apresenta como uma extensão do sagrado. Elíade, diz que:
o homem a-religioso descende do homo religioso e, queira ou não, é também
obra deste, constitui-se a partir das situações assumidas por seus
antepassados. [...]. Isto significa que o homem a-religioso se constitui por
oposição a seu predecessor, esforçando-se por se “esvaziar” de toda
religiosidade e de todo significado trans-humano. Ele reconhece a si próprio
na medida em que se “liberta” e se “purifica” das “superstições” de seus
antepassados. Em outras palavras, o homem profano, queira ou não,
conserva ainda os vestígios do comportamento do homem religioso, mas
esvaziado dos significados religiosos. Faça o que fizer, é um herdeiro. Não
pode abolir definitivamente seu passado, porque ele próprio é produto desse
passado. 36
Assim, o sagrado e o profano constituem a forma de vida dos indivíduos ao longo dos
períodos históricos, não sendo diferente na festa em São Pedro de Retirolândia. Diante disso,
a ruptura dos elementos religiosos percebidos nas comemorações desta festividade é uma
característica típica do “homem a-religioso que nega a transcendência e aceita a relatividade
da realidade”. 37
Peter Burke, na sua clássica obra sobre a cultura popular na Idade Moderna, já aponta
a grande batalha para a separação entre o mundo sagrado e o profano. 38 Essa tentativa em
separar o sagrado do profano é característico dos mais variados agrupamentos humanos,
principalmente com o advento da modernidade no mundo ocidental, no qual o homem passou
34
SILVA JUNIOR, Enézio de Deus. Retirolândia: Memória e vida. Curitiba: Juruá, 2007. p. 80.
35
ELÍADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins fontes, 1992. p. 20.
36
Idem, p. 165 e 166.
37
Idem, p. 165.
38
BURKE, 1989 apud MENDONÇA, 2009, p. 4.
16. 16
a valorizar um certo distanciamento dos dogmas religiosos e uma aproximação dos princípios
laico. No entanto, Azevedo afirma que:
não sendo adversário da religião, o laicismo defende sua separação do
Estado, sem, contudo hostilizá-la ou condená-la em quaisquer de suas
manifestações. O termo laicismo, de modo amplo, indica a separação entre a
religião e o profano. E de maneira restrita designa o afastamento do Estado
no tocante aos assuntos religiosos, uma vez assegurada completa
independência a todos os sistemas religiosos e a todas as igrejas. Isso não
significa que o Estado venha a ignorar o fato religioso pois é de sua
responsabilidade garantir a tranquilidade pública de qualquer religião. 39
É com base nesta separação entre a religião e o profano proposta pelo laicismo que
procuramos defender o argumento de que a festividade do São Pedro de Retirolândia é uma
festa laica (apesar da conotação religiosa), pois não é perceptível nenhuma preocupação dos
participantes em obedecer à doutrina católica, pelo contrário, o que existe é muita diversão,
dança, bebedeira e até agressões físicas por parte de muitos foliões.
ENTRE UM SÃO PEDRO E OUTRO, MUITA EXPECTATIVA.
A expectativa, a esperança e os preparativos também fazem parte de qualquer
manifestação cultural, como bem expressa a pesquisadora Cecília Maria Krohling Peruzzo:
cultura nos parece que é, antes de tudo, um modo de organizar o movimento
constante da vida concreta, mundana e cotidianamente. [...] é, a rigor, nosso
sentido prático da vida. Mas a cultura não só permite domesticar nossa
situação presente. Ela é, também, constitutivamente, sonho e fantasia, que
transgridem os cercos do sentido prático. 40
O São Pedro de Retirolândia não é caracterizado apenas pela realização de sua
festividade. Ao longo do ano, entre um São Pedro e outro, boa parte da comunidade local que
participa deste festejo espera ansiosa a chegada do mês de junho, período que ocorre a
festividade. Bem não acaba um São Pedro muitas pessoas que moram em Retirolândia ou são
filhos desta terra, e por causa do trabalho ou estudo residem em outros municípios, começam
a se programar, discutir e idealizar o próximo São Pedro, fantasiando-se na sua imaginação e
39
AZEVEDO, 1999 apud SILVA, 2006, p. 82.
40
PERUZZO, Cecília Maria Krohling. A comunicação nos movimentos populares: a participação na construção
da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 139.
17. 17
sonhando com atrações melhores que a do São Pedro passado. Acerca disso, Lúcia Oliveira
afirma que:
quando a gente viajava para Serrinha, Feira de Santana, Salvador, o povo falava
muito dessa festa: “olha eu tô preparando minha roupa, já comprei sapato, já
comprei roupa, pois eu quero ir para o São Pedro e eu sei que lá o povo gosta muito
de luxo”, o povo dizia muito isso.41
A cada São Pedro a ansiedade e os comentários das pessoas envolvem cada parte do
município, criando um ambiente de expectativa e planejamento pessoal ou familiar de como
participar destes festejos que é a mais importante manifestação popular do município de
Retirolândia e um dos mais importantes de toda região sisaleira do interior da Bahia. O São
Pedro de Retirolândia possibilita aos participantes o contato com outras pessoas que não
fazem parte do convívio diário da cidade, além de propiciar o encontro de antigos e novos
amigos que na maioria das vezes só se encontram nesta data.
Esses encontros são aguardados com muita ansiedade e quando eles acontecem,
normalmente a partir dos últimos oito dias antes do início da festividade são permeados de
muita alegria. Muitas pessoas começam a chegar à cidade com certa antecedência, causando
um ambiente mais alegre e divertido, surgindo aos poucos um “clima de festa”, rompendo
com a costumeira monotonia que é característica das pequenas cidades do semi-árido baiano.
Esses encontros tem se repetidos anos após anos, sendo caracterizado como um dos
aspectos culturais desta festividade. Segundo Laraia
o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um
herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a
experiência adquirida pelas numerosas gerações que o antecederam. A
manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as
inovações e as invenções. 42
As inovações e invenções em torno do São Pedro tem propiciado a cada ano uma festa
ainda mais atraente e animada para seus participantes. A sociedade retirolandense, entendendo
aqui como o conjunto de pessoas que participam desta festa ou são simpáticas a mesma, tem
dado uma contribuição extraordinária na manutenção, organização, preservação e
transformação desta festividade, participando maciçamente dos três e às vezes quatros dias de
festa. Esta tradição nas últimas três décadas vem aglutinando ainda mais gente, fazendo com
que se renove e seja transmitida para as próximas gerações, perpetuando-se culturalmente.
41
Entrevista concedida em 17 de agosto de 2011.
42
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 15. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.
45.
18. 18
Assim, Roque de Barros Laraia afirma que “[...] existem dois tipos de mudança
cultural: uma que é íntima, resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda
que é o resultado do contato de um sistema cultural com outro”. 43 Neste sentido, as pessoas
que vivem em Retirolândia ou são moradores de outros lugares e participam do São Pedro há
muitos anos, se percebem ou se sentem confortavelmente inseridas no seu ambiente natural,
manifestando pouca ou nenhuma estranheza ao que está ocorrendo em sua volta, o que não se
percebe no simples folião (entendendo este como o indivíduo que participa desta festa apenas
como diversão), que curte o São Pedro esporadicamente e não mantém vínculo histórico com
a festa, mas propicia um ambiente de intensa troca cultural.
No entanto, nem sempre toda essa expectativa e ansiedade que se concentra na espera
da realização da festa são confirmadas. Às vezes, muitas pessoas são frustradas, pois não
concordam ou não gostam da organização e das atrações contratadas pelo poder público para
animar os festejos, porém, o desenrolar da festa e sua tradição produz muita alegria que logo
ameniza as frustrações de alguns, ocorrendo mais um grande São Pedro pela quantidade de
pessoas que comparecem a festa e pela repercussão que a mesma ganha na região.
AS RELAÇÕES CULTURAIS DE PODER NO SÃO PEDRO DE
RETIROLÂNDIA.
As relações sociais, culturais e de poder são perceptíveis durante a realização da
festividade do São Pedro. Diversas pessoas de diferentes faixas etárias, classe social e opção
sexual se aglutinam no mesmo espaço para participar dos festejos, propiciando uma rica
interação entre os múltiplos sujeitos, pois a “cultura é uma construção histórica, seja como
concepção, seja como dimensão do processo social. Ou seja, a cultura não é algo natural, não
é uma decorrência de leis físicas ou biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto coletivo
da vida humana”.44 A cultura abrange intensamente as relações sociais, possibilitando aos
indivíduos uma troca de valores, conhecimento de mundo e novas experiências de vida, sendo
estes princípios bastante recorrentes no São Pedro de Retirolândia. Para Antonio Augusto
Arantes
43
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 15. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p.
96.
44
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 45.
19. 19
essa diversidade, que se desenvolve em processos históricos múltiplos, é o
lugar privilegiado da “cultura” uma vez que, sendo em grande medida
arbitrária e convencional, ela constitui os diversos núcleos de identidade dos
vários agrupamentos humanos, ao mesmo tempo que os diferencia uns dos
outros. Pertencer a um grupo social implica, basicamente, em compartilhar
um modo específico de comportar-se em relação aos outros homens e à
natureza.45
A festa de São Pedro em Retirolândia tem se tornado um núcleo de identificação, pois
não há possibilidade de desvincular a festa da história do município, ambos são intrínsecos.
No desenrolar dos três ou quatro dias de festejos do São Pedro outra característica
bastante visível são as relações de poder. Para Renato Ortiz 46 “a esfera da cultura popular e
dos universos religiosos é o lugar privilegiado para o estudo do embate político que está em
jogo entre grupos e classes sociais”. Com isso, nota-se no São Pedro de Retirolândia o papel
das forças de segurança (Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal) como ferramentas
de monitoramento e controle da população que está festejando o tão esperado acontecimento,
agindo como força institucional para reprimir os “conflitos” que venham a ocorrer. Portanto,
“a cultura em nossa sociedade não é imune às relações de dominação que a caracterizam”.47
As relações de dominação também é característica nas manifestações culturais, havendo
sempre uns que se impõe sobre os outros.
Essa imposição é nítida desde as escolhas das atrações artísticas pelo poder público
municipal até a ocupação de lugares privilegiados no circuito da festa por pessoas tidas como
“importantes”. A partir de 1971, quando o poder público passou a determinar quais seriam as
atrações que iriam animar o São Pedro, não consultando as pessoas sobre quais artistas
contratar, causando em algumas pessoas as citadas frustrações.
A ESPETACULARIZAÇÃO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CULTURA.
A cada dia que passa, a cultura popular apresenta sinais da interferência do político e
do econômico em suas manifestações. “Ao se produzir o espetáculo, cortam-se as raízes do
45
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 26.
46
ORTIZ, Renato. A consciência fragmentada: ensaios de cultura popular e religião. Paz e Terra, 1980.
47
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 79.
20. 20
que, na verdade, é festa, é expressão de vida, sonho e liberdade”. 48 Infelizmente, o São Pedro
de Retirolândia nas últimas décadas tem se transformado na espetacularização da festa com a
utilização de moderníssimos palcos, com seus jogos de som e luz, com a intenção de atrair
ainda mais gente, com o objetivo de aumentar a movimentação econômica da cidade,
causando um rompimento nas raízes históricas que eram visíveis na década de 1960 e 1970 e
que hoje quase não se percebe mais.
Na concepção de Antonio Augusto Arantes,
a produção empresarial da arte popular – qualquer que seja a orientação
ideológica e política de seus responsáveis – retira-lhe duas dimensões sociais
fundamentais. Alterando data, local de apresentação e a própria organização
do grupo artístico, ela transforma em produto terminal, evento isolado ou
coisa, aquilo que, em seu contexto de ocorrência, é o ponto culminante de
um processo que parte de um grupo social e a ele retorna, sendo
indissociável da vida desse grupo. Os gestos, movimentos e palavras, em que
pese todo o aperfeiçoamento técnico possível, tendem a perder o seu
significado primordial. Eles deixam de ser signos de uma determinada
cultura para se tornarem “representações” que “outros” se fazem dela.49
E isso é exatamente o que vem acontecendo na festividade do São Pedro de
Retrolândia há pelo menos desde 1985, na qual a organização ou produção da festa vem
ganhando uma dimensão técnica ou empresarial, proporcionando uma grande
espetacularização da festa, além da utilização político-eleitoral da mesma, pois cada gestor
público quer deixar sua “marca”, intencionando ganhar novos eleitores com um espetáculo
ainda maior, acarretando em prejuízos extraordinários à manutenção tradicional da festa.
É perceptível nos últimos anos que o poder público a cada dia vem se apoderando da
cultura popular e suas manifestações. Na compreensão de Santos,
Hoje em dia os centros de poder da sociedade se preocupam com a cultura,
procuram defini-la, entendê-la, controlá-la, agir sobre seu desenvolvimento.
Há instituições públicas encarregadas disso; da mesma forma, a cultura é
uma esfera de atuação econômica, com empresas diretamente voltadas para
ela. Assim, as preocupações com a cultura são institucionalizadas, fazem
parte da própria organização social. Expressam seus conflitos e interesses, e
nelas os interesses dominantes da sociedade manifestam sua força.50
O poder público e algumas empresas privadas do setor cultural tem notado que as
manifestações culturais é um negócio atrativo economicamente e por conta disso tem se
preocupado em investir capital e esforço no setor. O poder público tem criado diversos órgãos
48
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 20.
49
Idem, p. 19 e 20.
50
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 82.
21. 21
para investir em “cultura”, a exemplo de ministérios, secretarias estaduais e municipais de
cultura, conselhos de cultura, departamentos de cultura, entre outros, com o intuito de
alavancar o desenvolvimento econômico de diversas localidades do país. O setor privado tem
criado agências de viagens que vendem pacotes turísticos para grandes eventos culturais
espalhados pelo Brasil em nome de um “progresso social e de valorização das variadas
manifestações culturais”. Tudo isso tem provocado e “forçado” algumas culturas tradicionais
a perderem suas características originais para atenderem aos diversos interesses econômicos e
políticos, sendo que “as preocupações com a cultura mantém sua proximidade com as
relações de poder. Continuam associados com as formas de dominação na sociedade” 51 e isso
vem ficando a cada dia mais nítido nos festejos do São Pedro de Retirolândia.
NEM TUDO É FESTA. HÁ MUITO TRABALHO TAMBÉM.
Enquanto muitas pessoas se programam para curtir a festividade, outras veem nela
uma fonte de renda. Dezenas de barraqueiros, camelôs, vendedores ambulantes e seguranças
particulares trabalham incessantemente ao longo da festa, na esperança de obterem uma renda
extra no orçamento familiar. Esses trabalhadores, principalmente os barraqueiros e os
camelôs, começam logo no início da semana anterior à festa a montarem sua estrutura de
trabalho, procurando estrategicamente os melhores espaços no intuito de realizarem uma boa
venda. Assim, enquanto a festa acontece, muitas pessoas trabalham, demonstrando com isso
que as manifestações culturais são compostas por uma multiplicidade de fatores que fazem da
mesma um espaço extremamente complexo, exigindo uma análise bastante profunda dos
múltiplos fatores que compõem a cultura.
A interrelação entre festa e trabalho é bem visível na comemoração do São Pedro de
Retirolândia. Algumas famílias de vendedores ambulantes preferem o trabalho à curtição,
sendo isso também um fator integrante da cultura popular. De acordo com Antonio Augusto
Arantes,
a produção econômica, tanto do ponto de vista das técnicas de trabalho,
quanto da determinação de o quê e quanto produzir, possui marcos culturais,
51
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 82.
22. 22
já que o uso (ou consumo) é função de escolhas feitas a partir de uma
codificação que é cultural.52
O São Pedro de Retirolândia movimenta a economia do município no mês de junho,
aquecendo o comércio local, principalmente no setor de calçados, roupas e bebidas. Com isso,
a referida festa tem se transformado em um atrativo negócio para o setor comercial,
possibilitando a muitos comerciantes um aumento em suas vendas e, consequentemente um
maior faturamento.
Diante disso, as relações de trabalho, as relações de poder e as relações humanas que
fazem parte do São Pedro de Retirolândia são intrínsecas das variadas manifestações culturais
espalhadas por todo o Brasil. Segundo Octávio Ianni:
o que há bastante, na cultura do povo, é sentido de vida. Pode ser que falte
alguma coisa. Vida é que não falta. E vida no sentido de trabalho, criação,
compaixão, ódio, amor, remorso, resignação, fatalismo, assombro,
assombração, feitiço, encantamento, paganismo, companheirismo,
movimento, luta, revolta. É assim que a vida se transforma em liberdade. É
assim que se movimentam as gentes e as coisas, as ideias e as criações.
Transformada em liberdade, a vida funda a cultura, a inventiva, o milagre da
criação.53
O São Pedro de Retirolândia manifesta os diversos sentidos da vida cotidiana. Esse
momento é capaz de proporcionar novas formas de lazer, ou seja, pessoas que ao longo do
ano apresentam uma vida muito recatada, no São Pedro agem de maneira totalmente inversa,
demonstrando alegria, empolgação, curtição, companheirismo e isso é uma demonstração das
múltiplas faces que compõe o indivíduo e o ambiente cultural do qual faz parte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A festividade de São Pedro em Retirolândia faz parte da memória deste povo, sendo
sua mais importante representação da cultura popular. No entanto, apesar de conter um nome
religioso, não há nenhuma devoção ao santo no decorrer da realização desta festa. Assim, o
que foi descrito neste artigo trata-se de elementos e fatos ocorridos em uma festa popular, não
religiosa, pois todas as fontes utilizadas para a elaboração deste trabalho afirmam
52
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 34.
53
IANNI, Octávio. Ensaios de sociologia da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 211 e 212.
23. 23
categoricamente que o São Pedro de Retirolândia não é, e nunca foi uma festa religiosa. O que
existiu foi a apropriação ou a utilização de uma festa religiosa (no caso, a festa de
devoção/aniversário do senhor Pedro Pinheiro em 29 de junho de 1966) para daí, a escola
poder atingir seus objetivos financeiros, tanto é que no ano seguinte, o São Pedro (a festa da
escola) não acontece mais no espaço do senhor Pedro Pinheiro, nem há evidências que este
tenha participado, pois provavelmente continuou realizando sua festa de devoção em sua casa,
como de costume.
As rupturas ocorridas na forma de realização desta festa, além de suas permanências
são intrínsecas dos processos históricos e nenhuma manifestação cultural está livre à
influência de elementos externos. Determinados elementos deixam de existir, outros surgem,
tornando o “espaço” da cultura popular diverso, heterogêneo, peculiar e acima de tudo,
aglutinador das múltiplas relações e concepções de uma comunidade. As mudanças
perceptíveis nas comemorações do São Pedro de Retirolândia, associada com a preservação
desta festividade, vem se transformando em um verdadeiro símbolo de identidade de uma
parcela do povo retirolandense.
24. 24
REFERÊNCIAS:
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 2006.
ARAUJO, Alceu Maynard. Cultura Popular Brasileira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
CRUZ, Antonio de Menezes e. Dicionário de Santos Venerados em Portugal e Brasil - Suas
biografias, figurações, símbolos e lendas. 4º volumes. Letra H a Z. Recife: [s. ed.], 1988.
verberte: São Pedro, Apóstolo.
ELÍADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins fontes,
1992.
GOMES, José Eudes Arrais Barroso. Quando o sertão faz a festa, a monarquia se faz
presente: festas e representações monárquicas na capitania do Ceará (1757 – 1817). 13. ed.
Rio de Janeiro. Revista Cantareira. 2008.
IANNI, Octávio. Ensaios de sociologia da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1991.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 15. ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2002.
MENDONÇA, Pollyanna Gouveia. “Raptores, incestuosos e solicitantes”: transgressão do
clero no Maranhão colonial. Revista Cantareira. Rio de Janeiro, 2009.
ORTIZ, Renato. A consciência fragmentada: ensaios de cultura popular e religião. Paz e
Terra, 1980.
PERUZZO, Cecília Maria Krohling. A comunicação nos movimentos populares: a
participação na construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
25. 25
SILVA, Ramsés Nunes e. “Signal dos tempos”: Modernidade, Secularização e Laicização na
Instrução Pública da Parahyba do Norte (1867 – 1902). João Pessoa, 2006. (Dissertação de
mestrado).
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