Este documento discute o uso da "cartografia sensível" como instrumento para pesquisa de performance em espaços públicos. A cartografia sensível permite mapear como os corpos afetam e são afetados pelos espaços, revelando normas e desvios. O autor propõe que espaços são controláveis, enquanto lugares são produzidos pelos usos das pessoas. Performances podem participar da produção de desvios que expandem possibilidades dentro dos espaços.
Cartografia sensível como instrumento para investigação com performance
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Anotações para uma CARTOGRAFIA SENSÍVEL COMO INSTRUMENTO PARA A
INVESTIGAÇÃO COM PERFORMANCE EM ESPAÇOS PÚBLICOS
Por Santiago Cao1
http://santiagocao.metzonimia.com
Nem tudo o que nos afeta se encontra operando num plano evidente. Também
o que nos afeta se encontra presente num plano sutil. E para poder entender quais
Realidades estão se construindo diariamente e como elas afetam os Corpos (e,
especialmente, qual nossa participação nessas construções), faz-se necessário perceber o
que já está sendo “dito” em determinados espaços públicos das cidades. Melhor
dizendo, pesquisar quais relatos estão se com-pondo diariamente em cada con-texto;
tanto a respeito dos saberes instaurados que nos informam como devemos habitar e nos
relacionar nas diferentes partes de uma cidade, quanto também a respeito de quais
desvios são cotidianamente gerados pelos Corpos que as habitam, entendendo esses
desvios como relatos outros que trasbordam os saberes normatizantes expandindo e
atualizando as possibilidades de agir. E para isso será necessário “ouvir” com algo mais
do que com os ouvidos. Uma escuta sensível, através do Corpo todo. Para a partir daí
poder, através da Performance em espaços públicos, participar da com-posição de
outros e possíveis relatos que possibilitem a ativação de desvios às normas com a
intenção de habitar a cidade de uma maneira mais relacional e menos utilitária.
Trabalhando a partir da noção de cartografia sensível como instrumento para a
investigação com Performance em espaços públicos, propomos estabelecer uma
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Santiago Cao (Buenos Aires, Argentina, 1974). Artista de Performance, professor e pesquisador de
espaços públicos. É Mestre em Urbanismo na linha de pesquisa “Processos Urbanos Contemporâneos”
da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Brasil. Possui Graduação em Artes Visuais pelo
Instituto Universitário Nacional da Arte (IUNA) de Buenos Aires, Argentina. Cursou também o
bacharelado em Psicologia e possui experiência em poesia, teatro de rua e clown. Suas pesquisas se
baseiam em torno dos Corpos nos espaços públicos, dos micropoderes que neles se ativam, e alguns
possíveis modos de gerar (trans)versões da Realidade através da Performance, as Intervenções Urbanas
e de estudos filosóficos.
Mais informações, textos escritos e registros de ações:
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diferença entre espaço e lugar, e chamaremos de lugar o espaço atravessado pelo afeto,
entendendo por “afeto” tudo aquilo que nos afeta aumentando ou diminuindo nossas
possibilidades de pensar, desejar, agir.
Entendendo que o espaço tem como caraterística ser mensurável, objetivável,
controlável, propomos que o lugar é produzido por situações que emergem como
consequência dos diferentes usos praticados pelas pessoas. Situações que não
necessariamente se encaixam nos fins para os quais esses espaços foram inicialmente
instaurados. Enquanto o espaço será o campo de jogo delimitado e produzido pelos
Poderes hegemónicos (onde os mesmos operam com as suas próprias normas), o lugar é
o movimento dentro desse campo de jogo. E se entendemos que todo Corpo é uma
potência afetiva disruptiva, esse movimento poderá tanto respeitar ou violar as normas,
quanto também desviá-las.
Dessa maneira, enquanto os espaços guardam relação com os saberes e as
normas que afetam os Corpos, inibindo-lhes o repertório de possibilidades, os lugares
guardam relação com os desvios, entendidos como ações capazes de provocar situações
que possam transbordar os limites, desviando as normas sem necessariamente violá-las.
Assim, levando estas questões ao espaço urbano, propomos que enquanto
houver espaços públicos, também haverá cotidianamente desvios manifestando-se nos
diferentes usos públicos, privados e íntimos dos mesmos. A questão é identificar esses
usos, e as cartografias sensíveis são instrumentos que nos darão informações a respeito
disso. Informações que poderemos utilizar para desenvolver Performances na tentativa
de participar dessas produções cotidianas de desvios nos espaços públicos que
desejemos acionar. Pelo menos se temos a intenção de somar-nos à com-posição de
relatos junto-com as pessoas que por aí transitam e vivenciam, evitando cair na im-
posição de relatos produzidos por ações artísticas que, sendo preconcebidas à distância,
são levadas para os espaços públicos sem se deter previamente para “ouvir” o que aí já
estava se dizendo.
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