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                             Boletim do CPSP                      No. 34

                              (junho e julho de 2009)
       Sumário
             Editorial: Auto-observação
             Nossa Força Esquecida: A Vontade artigo de Piero Ferrucci




       Editorial: Auto-observação
                                                                               por Andrée Samuel (*)

       Temos plena consciência de estarmos atravessando um momento histórico conturbado: crise
       econômico-financeira, mudanças drásticas no clima planetário, violência, guerras, fome e
       miséria presentes em tantos lugares do mundo.

       A leitura que fazemos desse momento histórico da humanidade é que estamos sendo convidados
       pelo Universo a rever nossos valores, nossas prioridades, nosso estilo de vida, nossas relações
       pessoais e interpessoais; nossa relação com o meio ambiente.

       Estamos sendo convidados a tomar plena consciência de nossa participação pessoal nesse
       todo que é a humanidade e o planeta Terra do qual fazemos parte intrínseca quer queiramos
       admitir quer não.

       Parece-nos haver muitas transformações a serem empreendidas.

       Uma delas talvez seja despertar para a realidade do nosso comportamento, das nossas
       atitudes, do cuidado e/ou do pouco caso como tratamos alguns assuntos como se eles
       absolutamente não nos dissessem respeito. Às vezes agimos como se não habitássemos o planeta
       Terra! Não é de nós que se trata aqui! É deles... do Governo... dos dirigentes... eles deveriam
       fazer isto, fazer aquilo; nós sabemos muito bem criticar e, no discurso, temos todas as soluções
       para todos os males que observamos e sentimos.

       Nossa tendência humana é nos colocar como vitimas sofredoras e injustiçadas dos
       acontecimentos. É como se nos sentíssemos como não tendo poder nenhum em relação ao que
       acontece no mundo e no nosso mundo pessoal.

       É como se nossa existência, nossas ações, nossas relações em nada interferissem com o mundo à
       nossa volta. Como se não estivessem ligados uns aos outros, simplesmente, através de nossa
       respiração. Todos respiramos o mesmo ar! Será que nos damos conta desse fato? Ousamos
       levantar a hipótese que, em algum nível, esse fato nos une uns aos outros.




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       Começar a tomar consciência daquilo que é nossa contribuição para que a situação esteja do
       modo como está, de fato, é muito desconfortável. Assim como podemos ser “carrascos” de nós
       mesmos em algumas situações, em outras apresentamos uma complacência imensa.
       Encontramos justificativas para tudo que observamos em nós e que nos incomoda, muito
       provavelmente em função da auto-imagem idealizada que temos de nós mesmos e que tememos
       manchar ou destruir.

       Afinal somos tão boas pessoas, tão atentos aos outros, tão amáveis e prestativos... evitamos ao
       máximo incomodar, dar trabalho, atrapalhar, invejar, etc.

       É uma verdade. Buscamos ser isto tudo dito acima e muito mais! Porém é uma verdade parcial,
       não absoluta.

       Somos boas pessoas com excelentes intenções.

       Acreditamos que a natureza original do Ser seja essencialmente boa.

       Talvez, exatamente por isto, seja de primordial importância olhar para a outra parte da verdade.
       Para que isto possa se dar, precisamos desenvolver olhos de ver, isto é, observar com
       imparcialidade como nossas boas intenções se manifestam na prática, na nossa vida cotidiana.

       Teremos então assim a oportunidade de verificar que em muitas situações agimos de um modo
       coerente com nossos valores, nossos pensamentos e até “somos como dizemos” que queremos
       ser.

       Uma auto-observação “honesta”, centrada, também nos permitirá reconhecer que em outros
       momentos agimos de um modo bastante contraditório – para não dizer antagônico – com
       nosso discurso, com aquilo que acreditamos ser. Será que isto é errado? Não! "Errado" não é.

       Isto reflete natural e simplesmente a nossa condição humana.

       Somos permeáveis e influenciáveis pelas "condições climáticas" das pessoas com as quais nos
       relacionamos assim como nosso organismo reage às condições climáticas do tempo frio,
       chuvoso, quente, do vento, etc.

       Essa permeabilidade tem a ver com a teia energética que nos une a tudo aquilo que nos rodeia.
       Sentimos a irradiação energética das pessoas, dos lugares, dos objetos, das plantas, dos minerais,
       dos animais.

       Quanto menos consciência tivermos do que sentimos, do quanto e do como o que sentimos pode
       nos afetar, mais inconscientemente influenciáveis somos por essas irradiações.

       O que fazer então para não nos deixarmos levar pela vida como se fossemos uma folha
       arrancada pelo vento, do galho da árvore onde se encontrava, e que acaba caindo no chão por
       não ter o poder de direcionar o seu vôo?

       A Psicossintese, como método de transformação, visa fomentar ativamente a harmonização e
       integração, num todo funcional, de todas as qualidades e funções da pessoa. Essa é a sua
       finalidade central. A técnica básica, que auxilia e até torna possível todo o processo pessoal e
       transpessoal, envolve a estimulação e o desenvolvimento da vontade. Lembramos a afirmação
       de Roberto Assagioli: "A vontade só é ineficaz quando tenta atuar em oposição à imaginação e
       às outras funções psicológicas (sensação, emoção/sentimento, impulso/desejo, imaginação,




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       pensamento e intuição), enquanto que seu uso inteligente, por conseguinte, bem sucedido,
       consiste em regular e dirigir todas as outras funções para um objetivo final deliberadamente
       escolhido e afirmado". (em "Psicossintese – Manual de Princípios e Técnicas", Editora Cultrix,
       1982, pág.22).

       A tarefa de tomar consciência de si mesmo, de reconhecer as diferentes partes que nos habitam,
       de desenvolver a habilidade de trabalhar em prol de seu equilíbrio, integração e harmonização,
       nos permite descobrir e fortalecer nosso centro interior unificador. Vamos assim gentilmente,
       com persistência e determinação, experimentar o sabor único que se apresenta ao ser o ator, o
       autor e o diretor de sua própria vida.

       Gostaríamos de mencionar brevemente que, embora a psicossintese esteja sendo desenvolvida e
       usada em terapia, seus princípios e métodos também podem ser aplicados em outros campos:
       no de higiene psicológica ou saúde mental, para a prevenção de distúrbios psicológicos; no
       campo da educação onde as principais técnicas usadas pela psicossintese têm ampla e fecunda
       aplicação; pode ter uma utilidade especial na educação de crianças dotadas e superdotadas; no
       campo das artes; na música assim como no vasto campo das relações inter pessoais e de grupo,
       isto é, em todos os campos de atividades humanas.

       Finalizo com uma citação de Dr. Roberto Assagioli:

       "Estamos em continuo contato uns com os outros, não só em termos sociais e no plano físico,
       mas também através das correntes interpenetrantes dos nossos pensamentos e emoções...
       A noção de responsabilidade, entendimento, compaixão, amor e inocência são elos de uma
       corrente de relações perfeitas que devem ser forjados dentro do nosso próprio coração."

                                                                                                    Andrée

       (*) Andrée Samuel é psicóloga clínica, psicoterapeuta com especialização em Psicossíntese;
       presidente-fundadora do Centro de Psicossíntese de São Paulo; coordenadora e ministrante do
       Curso de Formação em Psicossíntese; supervisora clínica; facilitadora de grupos de
       desenvolvimento pessoal e auto-conhecimento. É membro do Instituto de Psicosintesi, Florença,
       Itália; do Institute of Noetic Sciences, Califórnia, USA; da Association for the Advancement of
       Psychosynthesis, Amherst, USA.




       Nossa Força Esquecida: A Vontade
                                                                                  artigo de Piero Ferrucci (*)



       Estamos reproduzindo neste Boletim um artigo cativante de Piero
       Ferrucci, baseado numa Conferência proferida em Florença, em
       1985. Neste artigo, Piero Ferrucci explica o valor do ato de vontade
       e a importância do saber querer. O artigo, publicado no site do
       Institut Français de Psychosynthèse, foi traduzido por Andrée
       Samuel [nota do Redator].

        [Obs.: Este artigo pode ser impresso, para permitir uma leitura mais confortável. Para imprimir a página,




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       Começaremos com duas histórias. A primeira é de Edgar Allan Poe. O autor imagina estar numa
       rua de Londres no momento onde as pessoas terminam seu trabalho e há muita gente. Ele
       começa a observar com atenção as pessoas, olha para seus rostos, suas roupas, seus movimentos.

       Há homens de negócios, operários, artesãos, brincalhões, mendigos, mulheres, jovens, velhos...
       Num determinado momento, uma pessoa muito esquisita passa. Há no seu olhar mil emoções
       contraditórias. A alegria e ao mesmo tempo o medo, um sentimento de triunfo mas também de
       terror, receio mas também confiança. O protagonista nunca tinha visto reunidas na mesma
       pessoa tantas emoções opostas. Ele decide seguir essa pessoa. É um homem bastante idoso que,
       no início, anda de modo rápido e muito leve para alguém dessa idade. Anda muito rápido com
       se tivesse um objetivo preciso a alcançar. Aí, num certo momento, muda de jeito e começa a ir
       mais lentamente, quase como se vacilasse. Ele hesita, como se não soubesse o que fazer nem
       para onde ir. Enquanto o protagonista continua observando intrigado, de repente o homem
       retoma a caminhada rápida como se, novamente, tivesse uma meta; chegado a uma praça, ele dá
       duas ou três voltas novamente com o passo incerto, desorientado. Cai a noite, a atmosfera se
       torna cada vez mais escura e ele continua assim, sempre mudando de estilo e de jeito, até a
       aurora. O observador, mesmo cansado, continua seguindo esse jovem/velho nesse novo dia. O
       homem parece não vê-lo e segue seu caminho. O protagonista então se dá conta que esse
       homem cheio de contradições, rostos, estilos diferentes, é o homem da multidão: o homem que
       encerra em si mesmo a multitude de todos os seres. Ele não sabe quem é nem para onde vai. É
       um “homem que não se deixa ler”. Esse homem da multidão é o símbolo daquele que perdeu sua
       própria identidade, logo sua vontade.

       A segunda história é de Becket, autor de uma famosa peça de teatro “Esperando Godot” na qual
       dois indivíduos, Vladimir e Estragon, não param de falar esperando a chegada de um
       personagem, não definido, cujo nome é Godot. Em inglês God significa Deus; a analogia se
       impõe.

       Eles falam, fazem projetos, mas não se movem, não acontece nada. No final, um deles diz:
       “Bem, então, vamos?”. O outro responde: “Sim, vamos!”. Fecha-se a cortina e os dois ficam
       imóveis. O ponto culminante de toda a obra se encontra na sua imobilidade. Eles estão
       desorientados, eles não sabem para onde ir. Eles representam o ser humano que se perdeu de si
       mesmo, incapaz de fazer escolhas: o homem sem vontade.

       Assagioli dizia que quando não há vontade, isto é, quando uma pessoa não é capaz ou que ela
       tem medo de escolher, há sofrimento, depressão, ansiedade. Rollo May diz que somos o que
       escolhemos ser e que se abdicarmos de nossa vontade abrimos a porta para a neurose.

       Talvez a capacidade de escolher seja o que de melhor pode definir um ser humano: daí a
       importância fundamental e prática de redescobrir e de cultivar nossa vontade, função
       psicológica que dá origem à escolha.

       A vontade não tem “boa reputação” em psicologia. Freud dizia que somos determinados pelo
       inconsciente demonstrando assim a superficialidade da “vontade vitoriana”: essa vontade que
       busca de forma inadequada se tornar uma lei, reprimindo as pulsões instintivas, condenando e
       reprimindo os aspectos mais naturais de nosso ser, multiplicando as tensões e os esforços
       inúteis. Segundo Freud, não existe vontade livre: para a psicanálise, somos vividos pelo
       inconsciente, somos determinados por fatores que não podemos controlar.

       O ponto de vista da psicossíntese, e de modo geral da psicologia humanista, é muito diferente.
       Não só a descoberta da vontade é essencial para a saúde psíquica, mas se ignorarmos a vontade




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       temos a tendência de reprimir nosso próprio poder, nossas funções mais importantes.

       Uma pesquisa foi desenvolvida com vários pacientes que tinham experiência de psicoterapia em
       diversas abordagens: Jung, Freud, Adler, Rogers, etc. Foi-lhes perguntado quais tinham sido os
       fatores que mais os ajudaram.

       O primeiro fator era sua relação com o psicoterapeuta. Esse dado é conhecido e o encontramos
       sempre em muitas pesquisas, independentemente da abordagem teórica. Ao contrário,
       freqüentemente, as pessoas ignoravam totalmente ou quase a escola adotada pelo seu terapeuta.
       É claro que a relação humana com o psicoterapeuta é o fator número um da cura. O que nos
       interessa aqui é o fator número dois.

       O segundo fator para os pacientes era de se dar conta em que medida eles eram responsáveis
       pela sua própria vida. “Se eu me sentia mal, de um modo ou de outro, era em função da minha
       escolha. Era eu mesmo que criava minha vida, meu ser.”

       O que curava e ajudava essas pessoas a crescer era a tomada de consciência que eles próprios
       haviam estabelecido sua situação de vida. Quantas vezes ouvimos as pessoas se colocarem como
       vítimas das situações... Quando nos colocamos como vítimas, estamos completamente
       impotentes: o mal nos ataca. Não há nada a fazer senão submeter-se a ele. Mas no momento em
       que percebemos que a situação na qual nos sentimos vítima foi gerada por nós, esse momento é
       um momento de liberdade pois temos à nossa disposição a capacidade de escolher, de mudar
       nossas atitudes: temos a nossa vontade.

       Como isto acontece? Acontece quando nos damos conta que as injustiças se produzem porque
       não fazemos nada para evitá-las, ficamos doentes porque não cuidamos da nossa saúde, estamos
       sozinhos porque temos medo do contato com os outros, as infelicidades nos perseguem porque
       só enxergamos o que é negativo, as violências nos oprimem porque as esperamos, etc. E então
       aprendemos: os eventos desfavoráveis são, em grande parte, causados e fomentados pelas nossas
       atitudes; as forças contrárias que nos oprimem são essas mesmas forças que agora podemos
       recuperar. Somos responsáveis pela nossa vida.

       Rollo May afirma: “eu” significa “eu posso”. “Eu sou aquilo que posso” no sentido que é
       propriamente no ato da vontade que uma pessoa pode descobrir o que ela é.

       Descubro eu mesmo no momento em que quero algo. (Eu quero, não no sentido de desejar, mas
       no sentido de decidir).

       Outras pesquisas, desta vez com bichos, permitiram estabelecer que os ratos, os pombos, etc. se
       pudessem escolher, para obter comida, entre fazer um determinado trabalho (por exemplo
       encontrar o caminho certo no labirinto, apertar um botão, etc.) ou receber alimento sem fazer
       nada, preferiam inevitavelmente a comida condicionada à tarefa. Por que isto? A hipótese é que
       para os animais em geral, e provavelmente para os humanos, isto se refere a um senso de maior
       vitalidade, a uma “competência”, isto é, à capacidade de controlar o ambiente no qual se
       encontram. Quer se trate de um animal de laboratório ou de uma pessoa, ter um ato de vontade,
       decidir algo, se dar conta que podemos modificar o meio externo, é considerado como uma
       necessidade, da mesma forma que outras necessidades fundamentais, como a comida, o sono, o
       sexo, etc.

       Esses mesmos pesquisadores trabalharam também com pessoas deprimidas, hospitalizadas. Uma
       pessoa deprimida é uma pessoa mal adaptada a um trabalho sobre a vontade. Estimulá-la a
       empreender coisas novas pode levar a uma recusa e a uma depressão maior ainda. Apesar disso,




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       nessa pesquisa, começaram a dar a essas pessoas deprimidas algum ato de vontade ou tarefas
       muito simples de realizar: por exemplo, levantar e ler, em voz alta um trecho de um livro. No
       dia seguinte, ler o mesmo trecho colocando maior ênfase, maior entonação. No outro dia,
       escolher entre dois textos diferentes e após escolher um, lê-lo, também dessa vez com uma certa
       entonação. Em seguida, ler novamente o trecho e fazer algum comentário a respeito. Havia uma
       hierarquia de tarefas que começava com atos muito fáceis para chegar a outros mais complexos.
       O mais difícil com conseqüências positivas para os pacientes havia sido escolher, entre três
       temas diferentes, aquele sobre o qual improvisar um discurso. Os que têm experiência com
       pessoas deprimidas podem compreender como é excepcional pedir a uma pessoa nesse estado
       improvisar um discurso e obter uma resposta positiva. Mais ainda para todo mundo, não só para
       aquele que se encontra deprimido, tomar decisões, realizar atos de vontade, pode ser
       “dinamizante”, pode dar alegria.

       Em Psicossíntese, há muitas técnicas e exercícios que podem ser utilizados em grupo ou
       individualmente para trabalhar a vontade, para desenvolver a vontade.

       Quais os benefícios de trabalhar a vontade?

       Antes de mais nada a pessoa sente que sua “voltagem” psíquica e espiritual aumenta. Ela
       descobre ou começa a descobrir sua própria identidade que pode ser uma arma eficaz para
       transcender ou ultrapassar muitas emoções negativas, como a ansiedade, o medo, a raiva, a
       depressão, o sentimento de impotência, etc.

       Precisamos contudo acrescentar que a vontade não pode agir diretamente sobre as emoções,
       assim como não se pode agir diretamente sobre a intuição. Não se pode ter uma emoção ou uma
       idéia brilhante de encomenda, quando o queremos.

       No entanto, podemos usar a vontade indiretamente: por exemplo, quando se está deprimido,
       com um ato de vontade, podemos desviar a atenção – podemos escolher ler um livro, fazer
       ginástica, colocar a atenção em atividades físicas ou mentais em vez de colocá-la na depressão.
       Assim, aos poucos, retira-se energia da depressão.

       Essa é uma função fundamental da nossa psique: a capacidade de desviar a atenção conforme
       quisermos em vez de deixá-la à mercê do acaso ou de nossas obsessões. Dar atenção significa
       nutrir, cultivar; tirar a atenção quer dizer deixar morrer. Se seguirmos esse princípio simples,
       descobrimos a capacidade de recriar nosso mundo interior.

       A vontade é, sem dúvida, a função mais próxima do nosso “eu”. Se fizermos um ato de vontade,
       nós enfatizamos nosso “eu”, nosso centro e diminuímos a intensidade das emoções negativas.

       Porém vamos esclarecer: nossas infelicidades não podem desaparecer simplesmente porque as
       ignoramos. Ao contrário, elas devem ser vistas e compreendidas. Essa etapa muitas vezes não
       nos libera de nossos problemas, ela só os alivia. É nesse momento que podemos decidir
       interromper o fluxo de atenção ansiosa que, inevitavelmente as nutre e as amplifica.

       Há uma diferença essencial entre essa vontade e a vontade definida como “vitoriana”. A
       vontade, sentimento ansioso do dever, como condenação, como repressão de uma parte de nós
       mesmos, como recusa daquilo que somos, é sempre um tipo de vontade que vai contra algo e
       que, portanto, reprime. Ao contrário, a vontade que nasce do centro do nosso ser não está contra
       nada: ela não se impõe, ela coordena; ela não empurra, não força nada, não condena, não
       reprime. Ela simplesmente dirige.




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       Há várias maneiras de cultivar a vontade. Um primeiro exemplo é ousar, correr o risco de fazer
       algo que tememos um pouco. Arriscar dando sua opinião, arriscar numa relação. Iniciar uma
       relação nova, ou algumas vezes romper uma velha, quando for necessário fazê-lo. Arriscar estar
       sozinho, nem que seja por um dia, ser si mesmo, manifestar-se, mostrar-se assim como somos.
       Arriscar mudar de idéia, ou de se expressar, ou de fazer qualquer coisa que nunca fizemos. Pode
       nos custar caro, mas arriscar pode realmente transformar uma situação. Arriscar, de fato,
       significa sair dos esquemas e dos hábitos que nos limitam e mobilizar novos recursos.

       Uma outra maneira de cultivar e reforçar nossa vontade é a concentração.

       Há várias técnicas para se concentrar. Uma dentre as mais simples é a da observação.

       Gostaria de experimentar? Sinta-se convidado para o seguinte exercício: pegar uma revista, uma
       imagem composta de várias partes, uma reprodução artística ou podemos parar frente a uma
       vitrine onde estão expostos objetos diferentes. Após um tempo de observação, fechamos os
       olhos e procuramos nos lembrar do maior número possível de detalhes da imagem ou dos
       objetos. No início os resultados não são muito bons. Geralmente só lembramos de metade
       daquilo que observamos. Aos poucos vamos perceber como essa função pode ser cultivada e
       isto evoca um sentimento de competência e de presença.

       Às vezes, estamos lendo um livro e nos vem à mente fazer alguma outra coisa, por exemplo, ir
       passear. Em vez de ir passear, esperamos algum tempo, lemos esse livro durante cinco minutos
       sem nos distrair. É uma maneira simples e eficiente para aumentar nossa capacidade de nos
       concentrar.

       Outra maneira de desenvolver a vontade é encontrar as prioridades de nossa vida.

       Uma psicóloga americana, Lakein, pergunta às pessoas:

             O que você faz do seu tempo?
             Você está contente do modo como você o utiliza?
             Você o utiliza da melhor forma possível?

       Muitos dentre nós, quando confrontados com a pergunta “Quais são as prioridades de sua vida”,
       têm muita dificuldade em responder. Muitas darão respostas diferentes em momentos diferentes.

       Experimente fazer o seguinte exercício: pegar uma folha de papel, perguntar-se “o que eu
       quero fazer da minha vida?” Fazer uma lista rápida, sem muita reflexão, escrevendo também
       coisas que lhe pareçam extravagantes. Não é um compromisso para fazer algo, é somente uma
       espécie de inventário. Escreva tudo: eu quero fazer uma viagem, eu quero casar, eu quero
       aprender alemão, aprender a dançar, aprender a fazer yoga... qualquer coisa!

       Deixar essa lista de lado e faça outra pergunta: “O que eu gostaria de fazer daqui a cinco
       anos?” é uma pergunta mais circunscrita. Responda da mesma maneira que fez na pergunta
       anterior, fazendo outra lista. Pode ser que você tenha as mesmas respostas mas também é
       possível aparecerem outras diferentes. Em seguida, faça-se uma terceira pergunta: “Se eu
       tivesse somente seis meses de vida, o que eu faria?”

       Nesse ponto muitas pessoas descobrem que, se elas tivessem somente seis meses de vida,
       elas fariam coisas completamente diferentes das que estão fazendo no momento. Isto pode
       nos fazer refletir, pois pode significar que o que elas estão fazendo agora na sua vida, não é
       a coisa mais importante. Quando terminar essas três listas, escolher duas ou três respostas




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       em relação às quais você quer dar mais atenção e valor: elas são nossas prioridades, o que
       tem o poder de dar um sentido e uma dinâmica à nossa vida. Quando acordamos mais
       atenção e mais energia às nossas prioridades, e menos aos detalhes pouco significativos,
       nos sentimos mais satisfeitos. Pode-se variar a lista a qualquer momento. O importante
       consiste em fazer, cada dia, algo que tenha a ver com a primeira, a segunda e a terceira
       prioridade que listamos. Não deixar passar um dia sem fazer isto. É assim, nesse momento,
       que temos a sensação de verdadeiramente não nos perder em coisas que não são essenciais,
       de funcionar.

       Podemos nos perguntar: “Mas para que fazer isto?” Por que não nos sentimos
       naturalmente dispostos a fazer coisas que consideramos importantes?

       As coisas mais importantes são aquelas que requerem mais energia, mais compromisso, algum
       risco, ou são muito novas. Em contrapartida, é freqüentemente mais simples deixar-se fazer tudo
       aquilo que é mais evidente e mais fácil: assistir a televisão, ler o jornal, fazer um passeio e adiar,
       em vez de fazer logo a coisa mais importante da nossa vida.

       Um outro meio de cultivar e de descobrir nossa vontade, é nas relações com os outros.

       Muitas pessoas sentem que não têm a força de se afirmar na vida e, por medo das reações dos
       outros, não se dão valor, são manipuladas pelos outros. Naturalmente, nesse caso, o trabalho
       com a vontade consiste a não se deixar manipular e a se afirmar.

       Mas... como fazemos para nos afirmar? Assim como todo trabalho com a vontade, é algo que
       podemos aprender: nós aprendemos fazendo.

       As possibilidades são numerosas. Podemos aprender a:

              Não se deixar dominar pelos caprichos e opiniões dos outros.
              Expressar nossa opinião mesmo se for difícil fazê-lo.
              Pedir o que queremos em vez de ignorar sistematicamente as nossas necessidades.
              Fazer aquilo que nos parece justo apesar da reprovação dos outros.
              Não deixar nosso tempo e nossos recursos colonizados por aqueles que se aproveitam de
              nós.
              Saber dizer não.

       Isto é possível quando vemos a vida como um laboratório; nesse caso cada situação se torna um
       campo de ação e de trabalho.

       Um meio de usar a vontade é fazer aquilo que escolhemos fazer, fazê-lo imediatamente, sem
       adiar. Podemos nos engajar de diferentes maneiras: colocar ordem no escritório, escrever uma
       carta, fazer todos os dias um exercício de psicossíntese, despachar imediatamente e sem queixas,
       as tarefas burocráticas habituais, às exigências da vida. Quando fazemos algo neutro ou um
       pouco “chato”, com precisão, engajamento e presença, estamos utilizando a vontade e assim
       transformamos a vida cotidiana.

       Não devemos pensar que os exercícios da vontade sejam somente o “fazer”; pelo contrário, a
       vontade pode ser também o não fazer: não olhar a televisão durante uma semana, simplificar os
       horários, eliminar compromissos excessivos, interromper algum hábito. Freqüentemente nossa
       vida é invadida por aquilo que não é essencial e que é supérfluo, logo, eliminar se torna
       trabalhoso. A vontade é também usar tesouras.




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       A vontade pode ser utilizada para “podar”, isto é, para decidir fazer menos coisas. Uma árvore à
       qual podamos alguns galhos, se desenvolve com os galhos restantes. Goethe dizia que é na arte
       de se colocar limites que se reconhece o verdadeiro mestre.

       O ato da vontade não é simplesmente uma idéia. Ao ato da vontade corresponde uma atividade
       cerebral específica. Num experimento feito, conectaram a atividade elétrica do cérebro humano
       aos comandos de um televisor. A eletricidade cerebral era amplificada de tal maneira que ela
       desencadeava o funcionamento do interruptor que acendia a televisão.

       Pedia-se à pessoa conectada a esse equipamento apertar o botão para ligar manualmente o
       televisor. A primeira vez, a pressão exercida sobre o botão acendia e ligava o televisor.

       A segunda vez, o televisor ligava, não devido à pressão no botão, mas um instante antes do
       botão ser tocado.

       O ato da vontade de ligar o televisor evocava potenciais elétricos que, oportunamente
       amplificados, conseguiam desencadear o dispositivo que provoca o ligar.

       Logo, com um ato da vontade, não aumentamos somente nosso potencial psíquico, mas também
       nosso potencial bio-elétrico.

       Podemos compreender a vontade por outra perspectiva.

       Um biólogo inglês, Sheldrake, sustenta que as leis do universo não são imutáveis; ele sustenta
       que elas são hábitos enraizados que podem ser mudados. Por exemplo, quando num laboratório
       consegue-se sintetizar pela primeira vez uma substancia orgânica é muito difícil fazê-lo. Porém,
       a segunda vez é mais fácil mesmo que feito por outra pessoa e que mesmo que essa pessoa não
       conheça o procedimento que já foi seguido e utilizado.

       Sheldrake diz que se cria um precedente: um “campo morfogenético”, isto é, um esquema
       invisível, mas existente, que determina que todas as sínteses sucessivas desta substância.

       Na Inglaterra, há muitos anos, o leite era entregue em garrafas com uma tampa de estanho.
       Essas garrafas eram colocadas no chão, na porta das casas. Um belo dia, um pássaro, que tinha
       aprendido a furar a tampa de estanho, bebia um pouco do leite. De repente, em poucos dias, em
       grande parte da Inglaterra, um grande número de pássaros fizeram a mesma coisa a tal ponto
       que a empresa responsável pelo engarrafamento do leite teve que modificá-lo.

       Num laboratório, quando se dá uma determinada tarefa a um ratinho, em Londres, por exemplo,
       e que se refaz a mesma experiência, num laboratório nas antípodas com ratos diferentes,
       Sheldrake sustenta que esses pássaros e esses ratos provocam um “campo morfogenético”, isto
       é, um campo que cria uma nova forma, uma nova possibilidade. Essa possibilidade, se for
       repetida, se torna pouco a pouco uma lei, se torna uma realidade.

       Há controvérsias a respeito dessa teoria.

       Na psique humana, acontece um pouco a mesma coisa. Um pensamento que é repetido uma,
       cem, mil vezes gera uma realidade psíquica que podemos considerar como imutável e que faz
       com que afirmemos “eu sou assim”. Pelo contrário, podemos decidir (eis a vontade) criar uma
       outra realidade psíquica, mudando nossos pensamentos, a direção de nossa imaginação. Em
       sânscrito, essas formações psíquicas são chamadas Samskara. Um Samskara é simplesmente um
       pensamento que foi pensado mil vezes e que é, por assim dizer, depositado na profundeza da




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       psiche. Pouco a pouco, o pensamento se solidifica e se torna parte da nossa personalidade. É
       quando, então, pensamos que somos assim. No entanto, quando percebemos que cada vez que
       pensamos desse modo reforçamos esse pensamento, e decidimos pensar de um modo diverso,
       podemos aos poucos obter resultados positivos.

       Há técnicas específicas para aprender a dirigir nossos pensamentos e criar novos Samskaras:
       podemos transformar nossa personalidade, dar-lhe uma forma diferente, nos tornar os artesãos
       de nosso ser, depositando um pensamento, uma atitude novos, dia após dia, re-criando-se. Já que
       fazemos isto naturalmente, vamos aprender a fazê-lo bem e conscientemente.

       Outra característica da vontade é a neutralidade. Uma pessoa pode cultivá-la e aprender a ter
       uma incidência maior sobre a realidade, com maior eficácia. Mas esse poder não é
       necessariamente benéfico: com efeito, pode ser dirigido para objetivos nefastos e contrários aos
       interesses dos outros. Daí a necessidade urgente para o mundo hoje de criar e desenvolver uma
       vontade ética, boa, que esteja presente e que aja em prol do bem comum, para o benefício de
       todos. Trata-se de orientar a vontade para objetivos nobres e importantes.

       A vontade do bem é uma das manifestações mais elevadas do espírito humano: nela produz-se
       uma síntese do elemento volitivo com os sentimentos superiores do supraconsciente. A pessoa
       que ativa sua própria vontade do bem se sente una e coerente.

       Essa é uma ação benéfica na qual investimos, de modo deliberado e sistemático, todo nosso ser.

       Nesse momento, de uma certa forma, ultrapassamos a nós mesmos e vivenciamos a experiência
       de ser parte de um todo maior do que nós.

                                                                                    Piero Ferrucci

       (*) Piero Ferrucci: Psicoterapeuta; formado em Filosofia pela Università de Torino em 1970;
       praticante da Psicossíntese; autor de artigos e livros, nas línguas inglesa, italiana e alemão,
       sobre psicossíntese, espiritualidade, música, beleza, crianças. Foi estudante de Dr. Roberto
       Assagioli de 1968 a 1974 e depois se tornou seu assistente. Foi diretor do Istituto di
       Psicosintesi, de Florença, Itália. Citamos alguns de seus livros:

             The Power of Kindness: The Unexpected Benefits of Leading a Compassionate Life
             (prefaceado pelo Dalai Lama) (2007) [Traduzido para o portugués: A Arte da Gentileza,
             Elsevier-Alegro Editora, Rio de Janeiro - 2004]
             Nur die Freundlichen überleben (2006)
             Unermesslicher Reichtum des Herzens (2006)
             What Our Children Teach Us (2002)
             Psicosíntesis (Psychosynthesis) (2001)
             I bambini ci insegnano (Ingrandimenti) (1997)
             Inevitable Grace: Breakthroughs in the Lives of Great Men and Women: Guides to Your
             Self-Realization (1991, 2009)
             Roberto Assagioli 1888-1988 (1990)
             What We May Be: Techniques for Psychological and Spiritual Growth (1982, 2004).
             [Traduzido para o portugués: O que podemos vir a ser, Totalidade Editora, São Paulo -
             1999]
             Psychosynthesis (1981)




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                             Tel.:(55) (11) 3082-7665, Fax: (55) (11) 3082-4738




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  • 1. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 1 of 11 Boletim do CPSP No. 34 (junho e julho de 2009) Sumário Editorial: Auto-observação Nossa Força Esquecida: A Vontade artigo de Piero Ferrucci Editorial: Auto-observação por Andrée Samuel (*) Temos plena consciência de estarmos atravessando um momento histórico conturbado: crise econômico-financeira, mudanças drásticas no clima planetário, violência, guerras, fome e miséria presentes em tantos lugares do mundo. A leitura que fazemos desse momento histórico da humanidade é que estamos sendo convidados pelo Universo a rever nossos valores, nossas prioridades, nosso estilo de vida, nossas relações pessoais e interpessoais; nossa relação com o meio ambiente. Estamos sendo convidados a tomar plena consciência de nossa participação pessoal nesse todo que é a humanidade e o planeta Terra do qual fazemos parte intrínseca quer queiramos admitir quer não. Parece-nos haver muitas transformações a serem empreendidas. Uma delas talvez seja despertar para a realidade do nosso comportamento, das nossas atitudes, do cuidado e/ou do pouco caso como tratamos alguns assuntos como se eles absolutamente não nos dissessem respeito. Às vezes agimos como se não habitássemos o planeta Terra! Não é de nós que se trata aqui! É deles... do Governo... dos dirigentes... eles deveriam fazer isto, fazer aquilo; nós sabemos muito bem criticar e, no discurso, temos todas as soluções para todos os males que observamos e sentimos. Nossa tendência humana é nos colocar como vitimas sofredoras e injustiçadas dos acontecimentos. É como se nos sentíssemos como não tendo poder nenhum em relação ao que acontece no mundo e no nosso mundo pessoal. É como se nossa existência, nossas ações, nossas relações em nada interferissem com o mundo à nossa volta. Como se não estivessem ligados uns aos outros, simplesmente, através de nossa respiração. Todos respiramos o mesmo ar! Será que nos damos conta desse fato? Ousamos levantar a hipótese que, em algum nível, esse fato nos une uns aos outros. http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 2. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 2 of 11 Começar a tomar consciência daquilo que é nossa contribuição para que a situação esteja do modo como está, de fato, é muito desconfortável. Assim como podemos ser “carrascos” de nós mesmos em algumas situações, em outras apresentamos uma complacência imensa. Encontramos justificativas para tudo que observamos em nós e que nos incomoda, muito provavelmente em função da auto-imagem idealizada que temos de nós mesmos e que tememos manchar ou destruir. Afinal somos tão boas pessoas, tão atentos aos outros, tão amáveis e prestativos... evitamos ao máximo incomodar, dar trabalho, atrapalhar, invejar, etc. É uma verdade. Buscamos ser isto tudo dito acima e muito mais! Porém é uma verdade parcial, não absoluta. Somos boas pessoas com excelentes intenções. Acreditamos que a natureza original do Ser seja essencialmente boa. Talvez, exatamente por isto, seja de primordial importância olhar para a outra parte da verdade. Para que isto possa se dar, precisamos desenvolver olhos de ver, isto é, observar com imparcialidade como nossas boas intenções se manifestam na prática, na nossa vida cotidiana. Teremos então assim a oportunidade de verificar que em muitas situações agimos de um modo coerente com nossos valores, nossos pensamentos e até “somos como dizemos” que queremos ser. Uma auto-observação “honesta”, centrada, também nos permitirá reconhecer que em outros momentos agimos de um modo bastante contraditório – para não dizer antagônico – com nosso discurso, com aquilo que acreditamos ser. Será que isto é errado? Não! "Errado" não é. Isto reflete natural e simplesmente a nossa condição humana. Somos permeáveis e influenciáveis pelas "condições climáticas" das pessoas com as quais nos relacionamos assim como nosso organismo reage às condições climáticas do tempo frio, chuvoso, quente, do vento, etc. Essa permeabilidade tem a ver com a teia energética que nos une a tudo aquilo que nos rodeia. Sentimos a irradiação energética das pessoas, dos lugares, dos objetos, das plantas, dos minerais, dos animais. Quanto menos consciência tivermos do que sentimos, do quanto e do como o que sentimos pode nos afetar, mais inconscientemente influenciáveis somos por essas irradiações. O que fazer então para não nos deixarmos levar pela vida como se fossemos uma folha arrancada pelo vento, do galho da árvore onde se encontrava, e que acaba caindo no chão por não ter o poder de direcionar o seu vôo? A Psicossintese, como método de transformação, visa fomentar ativamente a harmonização e integração, num todo funcional, de todas as qualidades e funções da pessoa. Essa é a sua finalidade central. A técnica básica, que auxilia e até torna possível todo o processo pessoal e transpessoal, envolve a estimulação e o desenvolvimento da vontade. Lembramos a afirmação de Roberto Assagioli: "A vontade só é ineficaz quando tenta atuar em oposição à imaginação e às outras funções psicológicas (sensação, emoção/sentimento, impulso/desejo, imaginação, http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 3. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 3 of 11 pensamento e intuição), enquanto que seu uso inteligente, por conseguinte, bem sucedido, consiste em regular e dirigir todas as outras funções para um objetivo final deliberadamente escolhido e afirmado". (em "Psicossintese – Manual de Princípios e Técnicas", Editora Cultrix, 1982, pág.22). A tarefa de tomar consciência de si mesmo, de reconhecer as diferentes partes que nos habitam, de desenvolver a habilidade de trabalhar em prol de seu equilíbrio, integração e harmonização, nos permite descobrir e fortalecer nosso centro interior unificador. Vamos assim gentilmente, com persistência e determinação, experimentar o sabor único que se apresenta ao ser o ator, o autor e o diretor de sua própria vida. Gostaríamos de mencionar brevemente que, embora a psicossintese esteja sendo desenvolvida e usada em terapia, seus princípios e métodos também podem ser aplicados em outros campos: no de higiene psicológica ou saúde mental, para a prevenção de distúrbios psicológicos; no campo da educação onde as principais técnicas usadas pela psicossintese têm ampla e fecunda aplicação; pode ter uma utilidade especial na educação de crianças dotadas e superdotadas; no campo das artes; na música assim como no vasto campo das relações inter pessoais e de grupo, isto é, em todos os campos de atividades humanas. Finalizo com uma citação de Dr. Roberto Assagioli: "Estamos em continuo contato uns com os outros, não só em termos sociais e no plano físico, mas também através das correntes interpenetrantes dos nossos pensamentos e emoções... A noção de responsabilidade, entendimento, compaixão, amor e inocência são elos de uma corrente de relações perfeitas que devem ser forjados dentro do nosso próprio coração." Andrée (*) Andrée Samuel é psicóloga clínica, psicoterapeuta com especialização em Psicossíntese; presidente-fundadora do Centro de Psicossíntese de São Paulo; coordenadora e ministrante do Curso de Formação em Psicossíntese; supervisora clínica; facilitadora de grupos de desenvolvimento pessoal e auto-conhecimento. É membro do Instituto de Psicosintesi, Florença, Itália; do Institute of Noetic Sciences, Califórnia, USA; da Association for the Advancement of Psychosynthesis, Amherst, USA. Nossa Força Esquecida: A Vontade artigo de Piero Ferrucci (*) Estamos reproduzindo neste Boletim um artigo cativante de Piero Ferrucci, baseado numa Conferência proferida em Florença, em 1985. Neste artigo, Piero Ferrucci explica o valor do ato de vontade e a importância do saber querer. O artigo, publicado no site do Institut Français de Psychosynthèse, foi traduzido por Andrée Samuel [nota do Redator]. [Obs.: Este artigo pode ser impresso, para permitir uma leitura mais confortável. Para imprimir a página, http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 4. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 4 of 11 clique aqui ou use a função de impressão de seu Browser] Começaremos com duas histórias. A primeira é de Edgar Allan Poe. O autor imagina estar numa rua de Londres no momento onde as pessoas terminam seu trabalho e há muita gente. Ele começa a observar com atenção as pessoas, olha para seus rostos, suas roupas, seus movimentos. Há homens de negócios, operários, artesãos, brincalhões, mendigos, mulheres, jovens, velhos... Num determinado momento, uma pessoa muito esquisita passa. Há no seu olhar mil emoções contraditórias. A alegria e ao mesmo tempo o medo, um sentimento de triunfo mas também de terror, receio mas também confiança. O protagonista nunca tinha visto reunidas na mesma pessoa tantas emoções opostas. Ele decide seguir essa pessoa. É um homem bastante idoso que, no início, anda de modo rápido e muito leve para alguém dessa idade. Anda muito rápido com se tivesse um objetivo preciso a alcançar. Aí, num certo momento, muda de jeito e começa a ir mais lentamente, quase como se vacilasse. Ele hesita, como se não soubesse o que fazer nem para onde ir. Enquanto o protagonista continua observando intrigado, de repente o homem retoma a caminhada rápida como se, novamente, tivesse uma meta; chegado a uma praça, ele dá duas ou três voltas novamente com o passo incerto, desorientado. Cai a noite, a atmosfera se torna cada vez mais escura e ele continua assim, sempre mudando de estilo e de jeito, até a aurora. O observador, mesmo cansado, continua seguindo esse jovem/velho nesse novo dia. O homem parece não vê-lo e segue seu caminho. O protagonista então se dá conta que esse homem cheio de contradições, rostos, estilos diferentes, é o homem da multidão: o homem que encerra em si mesmo a multitude de todos os seres. Ele não sabe quem é nem para onde vai. É um “homem que não se deixa ler”. Esse homem da multidão é o símbolo daquele que perdeu sua própria identidade, logo sua vontade. A segunda história é de Becket, autor de uma famosa peça de teatro “Esperando Godot” na qual dois indivíduos, Vladimir e Estragon, não param de falar esperando a chegada de um personagem, não definido, cujo nome é Godot. Em inglês God significa Deus; a analogia se impõe. Eles falam, fazem projetos, mas não se movem, não acontece nada. No final, um deles diz: “Bem, então, vamos?”. O outro responde: “Sim, vamos!”. Fecha-se a cortina e os dois ficam imóveis. O ponto culminante de toda a obra se encontra na sua imobilidade. Eles estão desorientados, eles não sabem para onde ir. Eles representam o ser humano que se perdeu de si mesmo, incapaz de fazer escolhas: o homem sem vontade. Assagioli dizia que quando não há vontade, isto é, quando uma pessoa não é capaz ou que ela tem medo de escolher, há sofrimento, depressão, ansiedade. Rollo May diz que somos o que escolhemos ser e que se abdicarmos de nossa vontade abrimos a porta para a neurose. Talvez a capacidade de escolher seja o que de melhor pode definir um ser humano: daí a importância fundamental e prática de redescobrir e de cultivar nossa vontade, função psicológica que dá origem à escolha. A vontade não tem “boa reputação” em psicologia. Freud dizia que somos determinados pelo inconsciente demonstrando assim a superficialidade da “vontade vitoriana”: essa vontade que busca de forma inadequada se tornar uma lei, reprimindo as pulsões instintivas, condenando e reprimindo os aspectos mais naturais de nosso ser, multiplicando as tensões e os esforços inúteis. Segundo Freud, não existe vontade livre: para a psicanálise, somos vividos pelo inconsciente, somos determinados por fatores que não podemos controlar. O ponto de vista da psicossíntese, e de modo geral da psicologia humanista, é muito diferente. Não só a descoberta da vontade é essencial para a saúde psíquica, mas se ignorarmos a vontade http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 5. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 5 of 11 temos a tendência de reprimir nosso próprio poder, nossas funções mais importantes. Uma pesquisa foi desenvolvida com vários pacientes que tinham experiência de psicoterapia em diversas abordagens: Jung, Freud, Adler, Rogers, etc. Foi-lhes perguntado quais tinham sido os fatores que mais os ajudaram. O primeiro fator era sua relação com o psicoterapeuta. Esse dado é conhecido e o encontramos sempre em muitas pesquisas, independentemente da abordagem teórica. Ao contrário, freqüentemente, as pessoas ignoravam totalmente ou quase a escola adotada pelo seu terapeuta. É claro que a relação humana com o psicoterapeuta é o fator número um da cura. O que nos interessa aqui é o fator número dois. O segundo fator para os pacientes era de se dar conta em que medida eles eram responsáveis pela sua própria vida. “Se eu me sentia mal, de um modo ou de outro, era em função da minha escolha. Era eu mesmo que criava minha vida, meu ser.” O que curava e ajudava essas pessoas a crescer era a tomada de consciência que eles próprios haviam estabelecido sua situação de vida. Quantas vezes ouvimos as pessoas se colocarem como vítimas das situações... Quando nos colocamos como vítimas, estamos completamente impotentes: o mal nos ataca. Não há nada a fazer senão submeter-se a ele. Mas no momento em que percebemos que a situação na qual nos sentimos vítima foi gerada por nós, esse momento é um momento de liberdade pois temos à nossa disposição a capacidade de escolher, de mudar nossas atitudes: temos a nossa vontade. Como isto acontece? Acontece quando nos damos conta que as injustiças se produzem porque não fazemos nada para evitá-las, ficamos doentes porque não cuidamos da nossa saúde, estamos sozinhos porque temos medo do contato com os outros, as infelicidades nos perseguem porque só enxergamos o que é negativo, as violências nos oprimem porque as esperamos, etc. E então aprendemos: os eventos desfavoráveis são, em grande parte, causados e fomentados pelas nossas atitudes; as forças contrárias que nos oprimem são essas mesmas forças que agora podemos recuperar. Somos responsáveis pela nossa vida. Rollo May afirma: “eu” significa “eu posso”. “Eu sou aquilo que posso” no sentido que é propriamente no ato da vontade que uma pessoa pode descobrir o que ela é. Descubro eu mesmo no momento em que quero algo. (Eu quero, não no sentido de desejar, mas no sentido de decidir). Outras pesquisas, desta vez com bichos, permitiram estabelecer que os ratos, os pombos, etc. se pudessem escolher, para obter comida, entre fazer um determinado trabalho (por exemplo encontrar o caminho certo no labirinto, apertar um botão, etc.) ou receber alimento sem fazer nada, preferiam inevitavelmente a comida condicionada à tarefa. Por que isto? A hipótese é que para os animais em geral, e provavelmente para os humanos, isto se refere a um senso de maior vitalidade, a uma “competência”, isto é, à capacidade de controlar o ambiente no qual se encontram. Quer se trate de um animal de laboratório ou de uma pessoa, ter um ato de vontade, decidir algo, se dar conta que podemos modificar o meio externo, é considerado como uma necessidade, da mesma forma que outras necessidades fundamentais, como a comida, o sono, o sexo, etc. Esses mesmos pesquisadores trabalharam também com pessoas deprimidas, hospitalizadas. Uma pessoa deprimida é uma pessoa mal adaptada a um trabalho sobre a vontade. Estimulá-la a empreender coisas novas pode levar a uma recusa e a uma depressão maior ainda. Apesar disso, http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 6. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 6 of 11 nessa pesquisa, começaram a dar a essas pessoas deprimidas algum ato de vontade ou tarefas muito simples de realizar: por exemplo, levantar e ler, em voz alta um trecho de um livro. No dia seguinte, ler o mesmo trecho colocando maior ênfase, maior entonação. No outro dia, escolher entre dois textos diferentes e após escolher um, lê-lo, também dessa vez com uma certa entonação. Em seguida, ler novamente o trecho e fazer algum comentário a respeito. Havia uma hierarquia de tarefas que começava com atos muito fáceis para chegar a outros mais complexos. O mais difícil com conseqüências positivas para os pacientes havia sido escolher, entre três temas diferentes, aquele sobre o qual improvisar um discurso. Os que têm experiência com pessoas deprimidas podem compreender como é excepcional pedir a uma pessoa nesse estado improvisar um discurso e obter uma resposta positiva. Mais ainda para todo mundo, não só para aquele que se encontra deprimido, tomar decisões, realizar atos de vontade, pode ser “dinamizante”, pode dar alegria. Em Psicossíntese, há muitas técnicas e exercícios que podem ser utilizados em grupo ou individualmente para trabalhar a vontade, para desenvolver a vontade. Quais os benefícios de trabalhar a vontade? Antes de mais nada a pessoa sente que sua “voltagem” psíquica e espiritual aumenta. Ela descobre ou começa a descobrir sua própria identidade que pode ser uma arma eficaz para transcender ou ultrapassar muitas emoções negativas, como a ansiedade, o medo, a raiva, a depressão, o sentimento de impotência, etc. Precisamos contudo acrescentar que a vontade não pode agir diretamente sobre as emoções, assim como não se pode agir diretamente sobre a intuição. Não se pode ter uma emoção ou uma idéia brilhante de encomenda, quando o queremos. No entanto, podemos usar a vontade indiretamente: por exemplo, quando se está deprimido, com um ato de vontade, podemos desviar a atenção – podemos escolher ler um livro, fazer ginástica, colocar a atenção em atividades físicas ou mentais em vez de colocá-la na depressão. Assim, aos poucos, retira-se energia da depressão. Essa é uma função fundamental da nossa psique: a capacidade de desviar a atenção conforme quisermos em vez de deixá-la à mercê do acaso ou de nossas obsessões. Dar atenção significa nutrir, cultivar; tirar a atenção quer dizer deixar morrer. Se seguirmos esse princípio simples, descobrimos a capacidade de recriar nosso mundo interior. A vontade é, sem dúvida, a função mais próxima do nosso “eu”. Se fizermos um ato de vontade, nós enfatizamos nosso “eu”, nosso centro e diminuímos a intensidade das emoções negativas. Porém vamos esclarecer: nossas infelicidades não podem desaparecer simplesmente porque as ignoramos. Ao contrário, elas devem ser vistas e compreendidas. Essa etapa muitas vezes não nos libera de nossos problemas, ela só os alivia. É nesse momento que podemos decidir interromper o fluxo de atenção ansiosa que, inevitavelmente as nutre e as amplifica. Há uma diferença essencial entre essa vontade e a vontade definida como “vitoriana”. A vontade, sentimento ansioso do dever, como condenação, como repressão de uma parte de nós mesmos, como recusa daquilo que somos, é sempre um tipo de vontade que vai contra algo e que, portanto, reprime. Ao contrário, a vontade que nasce do centro do nosso ser não está contra nada: ela não se impõe, ela coordena; ela não empurra, não força nada, não condena, não reprime. Ela simplesmente dirige. http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 7. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 7 of 11 Há várias maneiras de cultivar a vontade. Um primeiro exemplo é ousar, correr o risco de fazer algo que tememos um pouco. Arriscar dando sua opinião, arriscar numa relação. Iniciar uma relação nova, ou algumas vezes romper uma velha, quando for necessário fazê-lo. Arriscar estar sozinho, nem que seja por um dia, ser si mesmo, manifestar-se, mostrar-se assim como somos. Arriscar mudar de idéia, ou de se expressar, ou de fazer qualquer coisa que nunca fizemos. Pode nos custar caro, mas arriscar pode realmente transformar uma situação. Arriscar, de fato, significa sair dos esquemas e dos hábitos que nos limitam e mobilizar novos recursos. Uma outra maneira de cultivar e reforçar nossa vontade é a concentração. Há várias técnicas para se concentrar. Uma dentre as mais simples é a da observação. Gostaria de experimentar? Sinta-se convidado para o seguinte exercício: pegar uma revista, uma imagem composta de várias partes, uma reprodução artística ou podemos parar frente a uma vitrine onde estão expostos objetos diferentes. Após um tempo de observação, fechamos os olhos e procuramos nos lembrar do maior número possível de detalhes da imagem ou dos objetos. No início os resultados não são muito bons. Geralmente só lembramos de metade daquilo que observamos. Aos poucos vamos perceber como essa função pode ser cultivada e isto evoca um sentimento de competência e de presença. Às vezes, estamos lendo um livro e nos vem à mente fazer alguma outra coisa, por exemplo, ir passear. Em vez de ir passear, esperamos algum tempo, lemos esse livro durante cinco minutos sem nos distrair. É uma maneira simples e eficiente para aumentar nossa capacidade de nos concentrar. Outra maneira de desenvolver a vontade é encontrar as prioridades de nossa vida. Uma psicóloga americana, Lakein, pergunta às pessoas: O que você faz do seu tempo? Você está contente do modo como você o utiliza? Você o utiliza da melhor forma possível? Muitos dentre nós, quando confrontados com a pergunta “Quais são as prioridades de sua vida”, têm muita dificuldade em responder. Muitas darão respostas diferentes em momentos diferentes. Experimente fazer o seguinte exercício: pegar uma folha de papel, perguntar-se “o que eu quero fazer da minha vida?” Fazer uma lista rápida, sem muita reflexão, escrevendo também coisas que lhe pareçam extravagantes. Não é um compromisso para fazer algo, é somente uma espécie de inventário. Escreva tudo: eu quero fazer uma viagem, eu quero casar, eu quero aprender alemão, aprender a dançar, aprender a fazer yoga... qualquer coisa! Deixar essa lista de lado e faça outra pergunta: “O que eu gostaria de fazer daqui a cinco anos?” é uma pergunta mais circunscrita. Responda da mesma maneira que fez na pergunta anterior, fazendo outra lista. Pode ser que você tenha as mesmas respostas mas também é possível aparecerem outras diferentes. Em seguida, faça-se uma terceira pergunta: “Se eu tivesse somente seis meses de vida, o que eu faria?” Nesse ponto muitas pessoas descobrem que, se elas tivessem somente seis meses de vida, elas fariam coisas completamente diferentes das que estão fazendo no momento. Isto pode nos fazer refletir, pois pode significar que o que elas estão fazendo agora na sua vida, não é a coisa mais importante. Quando terminar essas três listas, escolher duas ou três respostas http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 8. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 8 of 11 em relação às quais você quer dar mais atenção e valor: elas são nossas prioridades, o que tem o poder de dar um sentido e uma dinâmica à nossa vida. Quando acordamos mais atenção e mais energia às nossas prioridades, e menos aos detalhes pouco significativos, nos sentimos mais satisfeitos. Pode-se variar a lista a qualquer momento. O importante consiste em fazer, cada dia, algo que tenha a ver com a primeira, a segunda e a terceira prioridade que listamos. Não deixar passar um dia sem fazer isto. É assim, nesse momento, que temos a sensação de verdadeiramente não nos perder em coisas que não são essenciais, de funcionar. Podemos nos perguntar: “Mas para que fazer isto?” Por que não nos sentimos naturalmente dispostos a fazer coisas que consideramos importantes? As coisas mais importantes são aquelas que requerem mais energia, mais compromisso, algum risco, ou são muito novas. Em contrapartida, é freqüentemente mais simples deixar-se fazer tudo aquilo que é mais evidente e mais fácil: assistir a televisão, ler o jornal, fazer um passeio e adiar, em vez de fazer logo a coisa mais importante da nossa vida. Um outro meio de cultivar e de descobrir nossa vontade, é nas relações com os outros. Muitas pessoas sentem que não têm a força de se afirmar na vida e, por medo das reações dos outros, não se dão valor, são manipuladas pelos outros. Naturalmente, nesse caso, o trabalho com a vontade consiste a não se deixar manipular e a se afirmar. Mas... como fazemos para nos afirmar? Assim como todo trabalho com a vontade, é algo que podemos aprender: nós aprendemos fazendo. As possibilidades são numerosas. Podemos aprender a: Não se deixar dominar pelos caprichos e opiniões dos outros. Expressar nossa opinião mesmo se for difícil fazê-lo. Pedir o que queremos em vez de ignorar sistematicamente as nossas necessidades. Fazer aquilo que nos parece justo apesar da reprovação dos outros. Não deixar nosso tempo e nossos recursos colonizados por aqueles que se aproveitam de nós. Saber dizer não. Isto é possível quando vemos a vida como um laboratório; nesse caso cada situação se torna um campo de ação e de trabalho. Um meio de usar a vontade é fazer aquilo que escolhemos fazer, fazê-lo imediatamente, sem adiar. Podemos nos engajar de diferentes maneiras: colocar ordem no escritório, escrever uma carta, fazer todos os dias um exercício de psicossíntese, despachar imediatamente e sem queixas, as tarefas burocráticas habituais, às exigências da vida. Quando fazemos algo neutro ou um pouco “chato”, com precisão, engajamento e presença, estamos utilizando a vontade e assim transformamos a vida cotidiana. Não devemos pensar que os exercícios da vontade sejam somente o “fazer”; pelo contrário, a vontade pode ser também o não fazer: não olhar a televisão durante uma semana, simplificar os horários, eliminar compromissos excessivos, interromper algum hábito. Freqüentemente nossa vida é invadida por aquilo que não é essencial e que é supérfluo, logo, eliminar se torna trabalhoso. A vontade é também usar tesouras. http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 9. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 9 of 11 A vontade pode ser utilizada para “podar”, isto é, para decidir fazer menos coisas. Uma árvore à qual podamos alguns galhos, se desenvolve com os galhos restantes. Goethe dizia que é na arte de se colocar limites que se reconhece o verdadeiro mestre. O ato da vontade não é simplesmente uma idéia. Ao ato da vontade corresponde uma atividade cerebral específica. Num experimento feito, conectaram a atividade elétrica do cérebro humano aos comandos de um televisor. A eletricidade cerebral era amplificada de tal maneira que ela desencadeava o funcionamento do interruptor que acendia a televisão. Pedia-se à pessoa conectada a esse equipamento apertar o botão para ligar manualmente o televisor. A primeira vez, a pressão exercida sobre o botão acendia e ligava o televisor. A segunda vez, o televisor ligava, não devido à pressão no botão, mas um instante antes do botão ser tocado. O ato da vontade de ligar o televisor evocava potenciais elétricos que, oportunamente amplificados, conseguiam desencadear o dispositivo que provoca o ligar. Logo, com um ato da vontade, não aumentamos somente nosso potencial psíquico, mas também nosso potencial bio-elétrico. Podemos compreender a vontade por outra perspectiva. Um biólogo inglês, Sheldrake, sustenta que as leis do universo não são imutáveis; ele sustenta que elas são hábitos enraizados que podem ser mudados. Por exemplo, quando num laboratório consegue-se sintetizar pela primeira vez uma substancia orgânica é muito difícil fazê-lo. Porém, a segunda vez é mais fácil mesmo que feito por outra pessoa e que mesmo que essa pessoa não conheça o procedimento que já foi seguido e utilizado. Sheldrake diz que se cria um precedente: um “campo morfogenético”, isto é, um esquema invisível, mas existente, que determina que todas as sínteses sucessivas desta substância. Na Inglaterra, há muitos anos, o leite era entregue em garrafas com uma tampa de estanho. Essas garrafas eram colocadas no chão, na porta das casas. Um belo dia, um pássaro, que tinha aprendido a furar a tampa de estanho, bebia um pouco do leite. De repente, em poucos dias, em grande parte da Inglaterra, um grande número de pássaros fizeram a mesma coisa a tal ponto que a empresa responsável pelo engarrafamento do leite teve que modificá-lo. Num laboratório, quando se dá uma determinada tarefa a um ratinho, em Londres, por exemplo, e que se refaz a mesma experiência, num laboratório nas antípodas com ratos diferentes, Sheldrake sustenta que esses pássaros e esses ratos provocam um “campo morfogenético”, isto é, um campo que cria uma nova forma, uma nova possibilidade. Essa possibilidade, se for repetida, se torna pouco a pouco uma lei, se torna uma realidade. Há controvérsias a respeito dessa teoria. Na psique humana, acontece um pouco a mesma coisa. Um pensamento que é repetido uma, cem, mil vezes gera uma realidade psíquica que podemos considerar como imutável e que faz com que afirmemos “eu sou assim”. Pelo contrário, podemos decidir (eis a vontade) criar uma outra realidade psíquica, mudando nossos pensamentos, a direção de nossa imaginação. Em sânscrito, essas formações psíquicas são chamadas Samskara. Um Samskara é simplesmente um pensamento que foi pensado mil vezes e que é, por assim dizer, depositado na profundeza da http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 10. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 10 of 11 psiche. Pouco a pouco, o pensamento se solidifica e se torna parte da nossa personalidade. É quando, então, pensamos que somos assim. No entanto, quando percebemos que cada vez que pensamos desse modo reforçamos esse pensamento, e decidimos pensar de um modo diverso, podemos aos poucos obter resultados positivos. Há técnicas específicas para aprender a dirigir nossos pensamentos e criar novos Samskaras: podemos transformar nossa personalidade, dar-lhe uma forma diferente, nos tornar os artesãos de nosso ser, depositando um pensamento, uma atitude novos, dia após dia, re-criando-se. Já que fazemos isto naturalmente, vamos aprender a fazê-lo bem e conscientemente. Outra característica da vontade é a neutralidade. Uma pessoa pode cultivá-la e aprender a ter uma incidência maior sobre a realidade, com maior eficácia. Mas esse poder não é necessariamente benéfico: com efeito, pode ser dirigido para objetivos nefastos e contrários aos interesses dos outros. Daí a necessidade urgente para o mundo hoje de criar e desenvolver uma vontade ética, boa, que esteja presente e que aja em prol do bem comum, para o benefício de todos. Trata-se de orientar a vontade para objetivos nobres e importantes. A vontade do bem é uma das manifestações mais elevadas do espírito humano: nela produz-se uma síntese do elemento volitivo com os sentimentos superiores do supraconsciente. A pessoa que ativa sua própria vontade do bem se sente una e coerente. Essa é uma ação benéfica na qual investimos, de modo deliberado e sistemático, todo nosso ser. Nesse momento, de uma certa forma, ultrapassamos a nós mesmos e vivenciamos a experiência de ser parte de um todo maior do que nós. Piero Ferrucci (*) Piero Ferrucci: Psicoterapeuta; formado em Filosofia pela Università de Torino em 1970; praticante da Psicossíntese; autor de artigos e livros, nas línguas inglesa, italiana e alemão, sobre psicossíntese, espiritualidade, música, beleza, crianças. Foi estudante de Dr. Roberto Assagioli de 1968 a 1974 e depois se tornou seu assistente. Foi diretor do Istituto di Psicosintesi, de Florença, Itália. Citamos alguns de seus livros: The Power of Kindness: The Unexpected Benefits of Leading a Compassionate Life (prefaceado pelo Dalai Lama) (2007) [Traduzido para o portugués: A Arte da Gentileza, Elsevier-Alegro Editora, Rio de Janeiro - 2004] Nur die Freundlichen überleben (2006) Unermesslicher Reichtum des Herzens (2006) What Our Children Teach Us (2002) Psicosíntesis (Psychosynthesis) (2001) I bambini ci insegnano (Ingrandimenti) (1997) Inevitable Grace: Breakthroughs in the Lives of Great Men and Women: Guides to Your Self-Realization (1991, 2009) Roberto Assagioli 1888-1988 (1990) What We May Be: Techniques for Psychological and Spiritual Growth (1982, 2004). [Traduzido para o portugués: O que podemos vir a ser, Totalidade Editora, São Paulo - 1999] Psychosynthesis (1981) http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009
  • 11. Mostra um Boletim do CPSP - Centro de Psicossíntese de São Paulo Page 11 of 11 Imprimir a página Fechar a janela Centro de Psicossíntese de São Paulo Centro de Estudos, Vivências e Autoconhecimento Tel.:(55) (11) 3082-7665, Fax: (55) (11) 3082-4738 http://www.psicossintese.org.br/Boletins_anteriores/Mostra_um_Boletim.asp?tipo=34 24/6/2009