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- ÍNDICE -
CAP. 1: EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNEGE DA TUBERCULOSE PULMONAR
EPIDEMIOLOGIA
INTRODUÇÃO
EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL E NO MUNDO
AGENTE ETIOLÓGICO
TRANSMISSÃO E INFECTIVIDADE
PATOGÊNESE
INSTALAÇÃO DA PRIMOINFECÇÃO
SURGIMENTO DA IMUNIDADE
MECANISMO DE DOENÇA
PATOLOGIA
SÍNDROMES DA TUBERCULOSE
PROVA TUBERCULÍNICA (PT) OU “PPD”
IGRA (ENSAIO DE LIBERAÇÃO DE INTERFERON GAMA)
CAP. 2: CLÍNICA, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E PROFILAXIA DA TUBERCULOSE PULMONAR
APRESENTAÇÃO CLINICORRA​DIOLÓGICA
TUBERCULOSE PULMONAR PRIMÁRIA
TUBERCULOSE PÓS-PRIMÁRIA
TUBERCULOSE PRIMÁRIA DO ADULTO
TUBERCULOSE NA AIDS
DIAGNÓSTICO
PACIENTE ADULTO (TB PÓS-PRIMÁRIA)
PACIENTE PEDIÁTRICO (< 10 ANOS DE IDADE): COMO DIAGNOSTICAR TB PRIMÁRIA NA CRIANÇA?
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
INTRODUÇÃO
TRATAMENTO DIRETAMENTE OBSERVADO (TDO)
TERAPIA TUBERCULOSTÁTICA
RESISTÊNCIA DO BACILO DE KOCH
CONTROLE DE CONTATOS
TRATAMENTO DA ILTB
VACINA BCG
CAP. 3: TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR
INTRODUÇÃO
TB PLEURAL
TB MILIAR
TB MENÍNGEA
OUTRAS FORMAS DE TB EXTRAPULMONAR
TUBERCULOSE GANGLIONAR (ESCRÓFULA)
TUBERCULOSE RENAL
TUBERCULOSE PERICÁRDICA
TUBERCULOSE PERITONEAL
TUBERCULOSE OSTEOARTICULAR
TUBERCULOSE GENITAL
TUBERCULOSE GASTROINTESTINAL
TUBERCULOSE OFTÁLMICA
CAP. 4: MICOSES PULMONARES
INTRODUÇÃO
PARACOCCIDIOIDOMICOSE
AGENTE ETIOLÓGICO
TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
EXAMES COMPLEMENTARES
DIAGNÓSTICO
TRATAMENTO
HISTOPLASMOSE
AGENTE ETIOLÓGICO
TRANSMISSÃO E QUADRO CLÍNICO
RADIOLOGIA, LABORATÓRIO E DIAGNÓSTICO
TRATAMENTO
ASPERGILOSE
AGENTE ETIOLÓGICO
FORMAS CLÍNICAS
CRIPTOCOCOSE
AGENTE ETIOLÓGICO
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO
TRATAMENTO
APÊNDICE: CANDIDÍASE
Intro_22401
CAP. 1
EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNEGE DA TUBERCULOSE PULMONAR
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EPIDEMIOLOGIA
INTRODUÇÃO
A tuberculose é uma doença infectocontagiosa que pode ser causada por qualquer uma das sete espécies do "complexo Mycobacterium tuberculosis": M. tuberculosis,
M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedii e M. caprae. A etiologia mais importante é o M. tuberculosis, cuja principal característica é a preferência pelo
parênquima pulmonar e a transmissão de pessoa a pessoa através da inalação de partículas de aerossol contaminadas, as quais são produzidas pela tosse, espirro ou
fala do paciente “bacilífero” (aquele que elimina bacilos no escarro, o que só acontece na TB de vias aéreas: pulmonar ou laríngea). Em alguns locais (geralmente no
meio rural), o principal agente etiológico passa a ser o M. bovis, adquirido pela ingestão de leite ou derivados não pasteurizados produzidos a partir do gado bovino
contaminado. Neste caso, as manifestações clínicas são idênticas as do M. tuberculosis, notando-se uma maior frequência de apresentações extrapulmonares,
principalmente TB ganglionar.
A tuberculose afeta a humanidade desde tempos imemoriais... Existem indícios arqueológicos sugestivos de tuberculose óssea no período neolítico (5.000 a.C. a 4.000
a.C.). Na história escrita, os primeiros relatos – encontrados na Índia – datam de 700 a.C. Hipócrates, o famoso médico grego, denominou a doença de phthisis, termo que
significa “derreter” (ou “esvair”), dando a base etimológica para o radical “tisio” (ex.: tísico)... Aristóteles descreveu pela primeira vez sua natureza contagiosa, a qual foi
confirmada posteriormente pela descoberta de seu principal agente etiológico por Koch, no século XIX: o Mycobacterium tuberculosis, ou Bacilo de Koch (BK). Surgiu a
tisiologia – um importante ramo da medicina naquela época!
Com a revolução industrial, em fins do século XVIII, as circunstâncias epidemiológicas dos agregados urbanos (miséria, desnutrição, aglomeração) facilitaram um grande
aumento no número de casos da doença, que se tornou a responsável por quase um quarto de todas as mortes na população europeia – era a chamada “peste branca”
(em contrapartida à “peste negra” do passado).
Até o desenvolvimento das drogas tuberculostáticas, o tratamento se baseava em repouso ao ar livre (“sanatórios”), com cerca de metade dos pacientes falecendo. Após
introdução da radiografia de tórax, generalizou-se o conceito de que a doença possuía natureza cavitária, e assim seu tratamento passou a incluir uma cirurgia de
obliteração da “caverna” tuberculosa... Em 1946, a estreptomicina foi usada no combate ao bacilo, mostrando algum sucesso. Em 1952, surgiu a isoniazida e, em 1970, a
rifampicina, ambas revelando-se excelentes agentes antituberculosos! A partir daí, a maioria dos pacientes tratados passou a obter a cura, sem necessidade de
“sanatórios” ou “colapsoterapia” das lesões cavitárias. A doença passou para as mãos do clínico, e os pacientes internavam em hospitais comuns. A letalidade despencou
de 50% para < 10%, o que fez com que muitos acreditassem que o problema estava em vias de ser definitivamente erradicado...
Entretanto, nos dias de hoje, a despeito de um aparente controle em meados do século passado (pelo menos em algumas partes do mundo), voltamos a um contexto
epidemiológico global bastante crítico em relação à tuberculose, devido à reemergência da doença em nível mundial (fato principalmente relacionado à pandemia de HIV)!
A TB preenche os critérios de priorização de um agravo em saúde pública: magnitude; transcendência e vulnerabilidade (isto é, alta incidência/prevalência, relevância
para a sociedade e potencial de cura).
EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL E NO MUNDO
O Brasil pertence ao grupo de 30 países definido pela OMS como prioritário para o controle da TB (países que detêm cerca de 90% da carga global da doença). A incidência
de TB em nosso meio tem girado em torno de 71 mil casos novos por ano, com pouco mais de quatro mil óbitos. Vale dizer que, atualmente, cerca de 10% dos casos novos
de tuberculose diagnosticados no Brasil apresentam coinfecção pelo HIV.
É importante compreender que a tuberculose ainda afeta a sociedade brasileira de forma bastante heterogênea, o que significa que existem locais e subgrupos
populacionais que apresentam maior risco e vulnerabilidade!
O grupo mais afetado pela TB no Brasil é o dos negros (pretos e pardos), que responde por mais da metade dos casos novos. Dentro deste grupo as taxas de
diagnóstico precoce, testagem para HIV, realização de cultura do escarro em casos de retratamento e cura/abandono do tratamento, isto é, indicadores “operacionais”
que refletem a oferta e a qualidade dos serviços de saúde, são consistentemente inferiores ao observado para a população “não negra”... Um subconjunto de altíssimo
risco é o dos presidiários (coeficiente de incidência cerca de 28 vezes maior que o da população geral). Logo, o acesso ao diagnóstico e tratamento da TB ainda não é
feito de forma igualitária para todos, e as razões para isso são múltiplas e complexas, envolvendo questões econômicas, sociais, culturais, históricas e políticas...
Em nível mundial, a maioria dos casos novos ocorre na Ásia (55%) e na África (33%), sendo menor o percentual das Américas (3%), inclusive menor que o da Europa (5%).
O número absoluto de casos novos no mundo aumentou, porém, devido ao crescimento populacional concomitante, a taxa de incidência global (nº de casos/100.000
habitantes) vem declinando de forma discreta (cerca de 1% ao ano)…
Os casos novos coinfectados pelo HIV somam 15% do total mundial, e cerca de 80% destes ocorrem na África! A TB Multirresistente (MDR) é uma ameaça em
constante evolução, e já representa cerca de 5% do total mundial de casos novos… No Brasil, o percentual de casos novos com TB-MDR ainda é baixo.
Para que a cadeia de transmissão da TB seja efetivamente quebrada, a OMS recomenda que o percentual de cura em cada país seja de no mínimo 85%, com taxas de
abandono inferiores a 5%. Os últimos dados nacionais revelam taxa média de cura de 74,6%, com 10,8% de abandono, quer dizer, o Brasil ainda precisa melhorar suas
estratégias para o controle da tuberculose...
AGENTE ETIOLÓGICO
Como vimos, o principal agente causal da tuberculose é o Mycobacterium tuberculosis. De forma mais rara, a doença também pode ser causada por outras espécies do
complexo M. tuberculosis, como o M. bovis. Todos pertencem à família das micobactérias (Mycobacteriaceae), ordem dos actinomicetos (Actinomycetales)... Fora deste
grupo, existem mais de 150 espécies diferentes de micobactérias (incluindo o M. leprae, agente da hanseníase), genericamente referidas como “MNT” (Micobactérias Não
Tuberculosas).
Fig. 1: Tuberculose cavitária.
As micobactérias são pequenos bacilos de 2-4 µm, discretamente curvos, que possuem uma curiosa propriedade tintorial: após corar a lâmina com carbolfucsina (corante
avermelhado), aquecê-la, e descorá-la com álcool e ácido, acrescentando azul de metileno (método de Ziehl-Neelsen), os bacilos retêm a coloração avermelhada do
corante inicial, que contrasta com o fundo azul... Tal propriedade é chamada de álcool-ácido resistência, e é daí que vem o termo Bacilo Álcool-Ácido Resistente (BAAR). A
explicação está na composição da parede celular com lipídios de alto peso molecular, como o ácido micólico, que protegem o bacilo da agressão exógena pelo álcool e pelo
ácido. Veja a
Vale ressaltar que as outras micobactérias são virtualmente idênticas ao bacilo de Koch na bacterioscopia. Existem ainda certos micro-organismos, como Nocardia
asteroides e Rhodococcus equi, que também são Ziehl-Neelsen positivos. A coloração de Gram pode destacar o M. tuberculosis, que aparece como bastonete fracamente
Gram-positivo...
Enquanto as outras micobactérias são, em geral, saprófitas, o M. tuberculosis é um agente eminentemente patogênico, que vive do parasitismo de seu único reservatório –
o ser humano. Por ser estritamente aeróbio, o bacilo de Koch procura microambientes com altas tensões de O2, com os ápices pulmonares. De todos os infectados,
somente cerca de 5-10% adoecem, com muitos se tornando fontes de infecção. Estes são representados especialmente pelos adultos com a forma cavitária/bacilífera
pulmonar. Estima-se que cada indivíduo bacilífero infecte 10-15 pessoas por ano, mantendo assim o ciclo de vida do bacilo de Koch na população.
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TRANSMISSÃO E INFECTIVIDADE
A fala, o espirro e, principalmente, a tosse de um doente com tuberculose pulmonar bacilífera lançam no ar gotículas contaminadas de tamanhos variados (gotículas de
Flügge). As mais pesadas se depositam rapidamente, e as mais leves permanecem em suspensão no ar. Somente as gotículas desidratadas, com pequeno diâmetro (de até
5 micra), contendo um a dois bacilos em suspensão, conseguem atingir bronquíolos e alvéolos e iniciar o processo infeccioso. Tais partículas infectantes são chamadas
núcleos de Wells. As partículas médias ficam retidas na mucosa do trato respiratório superior e são removidas dos brônquios através do fluxo mucociliar. Os bacilos
assim removidos são deglutidos, inativados pelo suco gástrico e eliminados nas fezes. Os bacilos que se depositam nas roupas, lençóis, copos e outros objetos dificilmente
se dispersarão em aerossóis e, por isso, não desempenham papel importante na transmissão.
Após o contato com essas partículas, quais são os determinantes da chance de infecção?
A chance de uma pessoa se infectar após contato com um paciente bacilífero depende: (1) da concentração de bacilos expelidos pelo paciente tuberculoso; (2) da
intensidade e frequência do contato; (3) de condições ambientais; e (4) da resistência natural do indivíduo exposto.
Eliminação de bacilos pela fonte: é importante ressaltar que a maioria dos indivíduos infectados pelo BK (“prova tuberculínica positiva” - ver adiante) não é bacilífera, logo,
não transmite a doença. Apenas os que desenvolvem “tuberculose doença” podem eliminar bacilos e transmiti-los... Ainda, dos que adoecem, nem todos eliminam
bacilos... Os chamados multibacilíferos (representados principalmente pelas formas pulmonar cavitária e laríngea da doença) são definidos pela presença de baciloscopia
positiva no escarro (“BAAR positivos”). Estes são os principais responsáveis pela transmissão da tuberculose! Os chamados paucibacilíferos (geralmente as formas não
cavitárias) são definidos pela baciloscopia do escarro negativa, mas com cultura ou teste rápido molecular (TRM-TB) positivos. Um estudo mostrou que a chance de
transmissão domiciliar foi de 50% quando a fonte era multibacilífera e de apenas 5% quando a fonte era paucibacilífera. Ainda existem os não bacilíferos, representados
pelas formas extrapulmonares de tuberculose.
Cumpre ressaltar que crianças com TB pulmonar de um modo geral NÃO são bacilíferas, logo, não desempenham papel importante na cadeia de transmissão... Sendo
assim, sempre que encontrarmos uma criança doente, temos que procurar o adulto que lhe transmitiu a infecção (geralmente algum contato intradomiciliar
multibacilífero).
Intensidade e frequência do contato: em tese, apenas um bacilo seria o suficiente para iniciar a infecção. Contudo, estima-se que na prática pelo menos 20-200 bacilos
sejam necessários para desencadear o processo. Na verdade, quanto maior o inóculo de bacilos e menor a resistência natural do contactante, maior a chance de infecção!
Os contatos esporádicos raramente são infectados, enquanto os contatos diários e domiciliares comumente o são. A chance de transmissão em contatos domiciliares beira
os 30-50%.
FIGURA 2.
Fig. 2: Bacilo de Koch corado pela técnica de Ziehl-Neelsen (vários “BAAR”).
Fatores ambientais: as partículas infectantes podem ficar dispersas no ar por algumas horas, mas são rapidamente “diluídas” se estiverem em ambientes ao ar livre, onde
também costumam ser inativadas pela luz ultravioleta solar. Portanto, o risco de transmissão é muito maior em ambientes confinados e pouco iluminados. Contactantes
diários neste tipo de ambiente podem ter um risco de transmissão > 80%.
Tab. 1
PATOGÊNESE
INSTALAÇÃO DA PRIMOINFECÇÃO
A primoinfecção ou infecção primária define os eventos decorrentes do primeiro contato com o agente infeccioso. No Brasil – um país endêmico de tuberculose – a
primoinfecção é mais comum na infância e na adolescência, embora possa ocorrer em qualquer idade!
Ao alcançar o espaço alveolar, o bacilo da tuberculose é inicialmente fagocitado por macrófagos locais. Esses fagócitos são incapazes de destruir ou mesmo inativar o
bacilo, que então se prolifera livremente em seu interior – Após acumular um grande número de bacilos, a célula se rompe e morre, liberando-os para infectar
outros macrófagos. Neste momento, novos fagócitos são atraídos para o local, desenvolvendo-se um pequeno foco pneumônico (imperceptível na radiografia) cujo número
de bacilos pode ultrapassar 100 mil. A imunidade específica ainda não se instalou, portanto, a proliferação bacilar é alta. Os bacilos são drenados para linfonodos hilares e
mediastinais, onde continuam se proliferando no interior de macrófagos e, em seguida, atingem a corrente sanguínea, sendo semeados para diversos órgãos e sistemas,
nos quais também começam a se proliferar.
SURGIMENTO DA IMUNIDADE
Determinantes do risco de tuberculose
Maior Inóculo inalado pelo contactante:
● Quantidade de bacilos expelidos pela fonte;
● Tempo e proximidade do contato;
● Condições ambientais – confinamento, pouca luz solar.
Menor resistência natural do contactante:
● Aspectos genéticos;
● Doenças debilitantes ou imunodepressoras.
Assim, podemos dizer que fatores exógenos determinam o risco de infecção e fatores endógenos determinam o risco de adoecimento.
FIGURA 3.
Fig. 3: BK se proliferando nos macrófagos não ativados.
Felizmente, após 2-10 semanas, a imunidade celular específica se desenvolve plenamente, permitindo uma defesa eficaz contra o M. tuberculosis. O que acontece a
partir de agora? Os linfócitos T helper CD4+ específicos contra os antígenos bacilares se proliferam (“memória imunológica”) e tornam-se capazes de ativar os macrófagos,
pela liberação de interleucinas (ex.: IL-2). Os macrófagos aumentam seu citoplasma, alguns ganhando aspecto semelhante ao das células epiteliais (“células epitelioides”),
além de multiplicar sua capacidade bactericida. Estas células então se acumulam em volta do foco de infecção primária e nos focos de disseminação linfonodal e
hematogênica. Em 95% dos casos, a infecção tuberculosa será efetivamente controlada em todos esses focos, permanecendo o paciente absolutamente assintomático –
A reunião de macrófagos circundados por um infiltrado de linfócitos compõe o granuloma – um tipo especial de reação inflamatória que representa a hipersensibilidade tipo
IV. O granuloma pode conter em seu interior as chamadas células gigantes de Langerhans – , formadas pela fusão de vários macrófagos ativados. No caso
específico da tuberculose, no centro da reação granulomatosa surge uma área de necrose “sólida” do tipo caseosa. O termo caseoso vem do latim caseum (parecido com
“queijo”) e define o granuloma caseoso. Tal aspecto é secundário à presença de lipídios degradados da parede micobacteriana (com o ácido micólico).
FIGURA 4.
Fig. 4: Contenção do processo infeccioso. O foco é contido pela formação do granuloma tuberculoso em 95% dos casos.
FIGURA 5
Video_03_Pneu2
QUADRO DE CONCEITOS I
Além do foco primário, existem múltiplos focos de disseminação linfo-hematogênica em vários órgãos, inclusive no próprio pulmão. Curiosamente, um pequeno número de
bacilos permanece latente (inativos, porém viáveis) no interior desses granulomas! Mais cedo ou mais tarde, um ou mais desses focos pode ser reativado, determinando
uma nova proliferação de bacilos e tuberculose pós-primária – ver adiante.
O foco granulomatoso pulmonar onde tudo começou é chamado de “foco primário” ou nódulo de Ghon. Geralmente ele é único, e se localiza no terço médio (lobo médio,
língula, parte inferior do lobo superior ou parte superior do lobo inferior). Entretanto, pode se instalar em qualquer local do pulmão e raramente é múltiplo. Na maioria das
vezes, este foco é pequeno (1-2 mm), e não chega a ser visualizado na radiografia de tórax... Contudo, eventualmente atinge dimensões > 8 mm e aparece no raio X como
um nódulo pulmonar solitário – ver . É comum a calcificação homogênea desse nódulo após cicatrização. O foco nos linfonodos satélites também pode crescer,
levan-do à adenopatia hilar e/ou mediastinal ipsilateral – ver FIGURA 6B. A associação do nódulo de Ghon com adenopatia satélite é chamada de “complexo primário” ou
complexo de Ranke.
Fig. 5: Granuloma caseoso. Observe a célula gigante de Langerhans (multinucleada, em volta do cáseo).
Acabamos de descrever a disseminação linfo-hematogênica característica da primoinfecção. Ela ocorre de forma precoce, antes do desenvolvimento de imunidade
específica contra o bacilo.
FIGURA 6A
MECANISMO DE DOENÇA
Vamos entender agora como o bacilo da tuberculose causa doença...
O desenvolvimento de “tuberculose-doença” depende basicamente da “guerra” entre bacilo e hospedeiro. Nesta “batalha”, existe um fato curioso: a lesão tecidual é
decorrente da resposta imunológica do hospedeiro, e não de um efeito direto do bacilo, que é desprovido de toxinas de alto poder lesivo... Ou seja, em alguns pacientes, a
tentativa de controlar a infecção acaba gerando destruição tecidual!
Quando a carga de bacilos é muito grande, a resposta imunológica tende a ser exacerbada, formando focos maiores de granuloma caseoso. Em alguns pacientes, as
células do granuloma conseguem de fato conter o processo (focos “regressivos”), mas em outros elas continuam apenas “tentando”, sem efetivamente “completar o
serviço”. A consequência é a progressão da lesão inflamatória e a formação dos chamados focos “progressivos” – analise atentamente a .
Fig. 6A: Nódulo de Ghon.
Fig. 6B: Adenopatia hilar.
FIGURA 7
No cáseo os bacilos se proliferam com muita dificuldade, devido à baixa tensão de O2 e pH ácido.
Se o cáseo for mantido, o processo tem chance maior de estabilizar. Contudo, aí vem o grande perigo: a liquefação da necrose caseosa... Seu mecanismo é a liberação
excessiva de enzimas destrutivas pelos macrófagos ativados que circundam o foco caseoso! Os produtos da degradação do cáseo aumentam a osmolaridade local,
“puxando” água do tecido circunjacente e transformando o material num excelente meio de cultura (rico em nutrientes). Dessa forma, pela primeira vez o bacilo poderá se
multiplicar no ambiente extracelular!!! Se a lesão atingir um brônquio, erodindo sua parede e permitindo a comunicação com o espaço aéreo, rico em O2, a proliferação
bacilar se exacerbará ainda mais... Surge então a caverna tuberculosa, um ambiente propício ao acúmulo de quantidades absurdas do bacilo de Koch, chegando a mais
de um milhão por ml... O material liquefeito é despejado na árvore brônquica, levando à disseminação endobrônquica da tuberculose, além de ser expelido ao meio
externo, contaminando circunstantes suscetíveis.
QUADRO DE CONCEITOS II
QUADRO DE CONCEITOS III
PATOLOGIA
Existem três tipos de lesão parenquimatosa na tuberculose: (1) proliferativa; (2) exsudativa; e(3) mista. A lesão proliferativa (ou produtiva) – – é
caracterizada pela formação de granulomas caseosos bem formados, chamados de “tubérculos”, que desenvolvem cápsula fibrosa. A infecção está contida dentro desses
focos inflamatórios... A lesão exsudativa caracteriza a pneumonia tuberculosa ( e 9B): os alvéolos são preenchidos por macrófagos e neutrófilos, entremeados
à necrose caseosa. A resposta exsudativa costuma ocorrer nos focos de disseminação broncogênica (fistulização de foco pulmonar liquefeito ou linfonodo hilar infectado
para o lúmen de um brônquio lobar ou segmentar). A confluência dessas áreas pode levar à formação de grandes focos caseosos que se liquefazem e viram novas
“cavernas”. De um modo geral, pequenos inóculos geram lesões proliferativas, enquanto grandes inóculos geram lesões exsudativas. O mais comum, no entanto, é a
presença dos dois tipos de lesão no mesmo paciente, em diferentes áreas do pulmão – tipo misto.
Fig. 7: Patogênese da tuberculose (bacilo versus hospedeiro).
O granuloma caseoso é o grande marco histopatológico da tuberculose. As demais causas de granuloma (micoses profundas, sarcoidose, doença de Crohn, angiite
granulomatosa ANCA (+), etc.) não apresentam necrose caseosa.
Nos casos em que a resposta imunológica não consegue controlar a proliferação bacilar (ex.: quando o inóculo é muito grande), formam-se grandes áreas de necrose
caseosa. Estas podem liquefazer-se, por ação de enzimas líticas liberadas pelos macrófagos do granuloma, transformando-se num verdadeiro “caldo de cultura” para a
proliferação do bacilo de Koch. No pulmão, o processo pode erodir a parede brônquica, comunicando-a com o espaço aéreo. A entrada de ar na cavidade forma a
“caverna tuberculosa”, onde a quantidade de bacilos aumenta absurdamente. O material despejado na árvore brônquica justifica a disseminação endobrônquica do
BK.
FIGURA 9A
FIGURAS 8
Fig. 8: Pneumonia tuberculosa. Um grande inóculo de bacilos atingiu os alvéolos. Observe o preenchimento alveolar com áreas de necrose caseosa de permeio.
SÍNDROMES DA TUBERCULOSE
PRINCÍPIOS GERAIS
A doença tuberculosa se desenvolve em apenas 10% dos indivíduos infectados. Em 5% dos casos, a primoinfecção evolui diretamente para a doença – tuberculose
primária – que ocorre dentro dos primeiros três anos da infecção, geralmente no primeiro ano (período de incubação: um mês a três anos).
Nos 5% restantes, a doença se desenvolve após três anos da primoinfecção (geralmente décadas depois) – tuberculose pós-primária, antigamente denominada
“tuberculose secundária”... Como veremos, este tipo de tuberculose pode ser decorrente da reativação de um foco latente da primoinfecção ou simplesmente de uma
reinfecção (nova inalação de bacilos).
QUADRO DE CONCEITOS IV
Enquanto a tuberculose primária é a forma clássica da doença em crianças pequenas, a tuberculose pós-primária ocorre quase que exclusivamente em pessoas com
mais de 15 anos de idade...
TUBERCULOSE PRIMÁRIA TÍPICA
Esta é a forma mais comum nas crianças entre 2-12 anos cuja resposta imunológica dos linfonodos hilares e mediastinais é exacerbada. Neste caso, o complexo
primário costuma ser representado por uma pequena área de pneumonite, ocupando geralmente o terço médio do pulmão, associada a uma grande adenomegalia hilar
e/ou mediastinal ipsilateral. Este aumento linfonodal acentuado pode levar à compressão brônquica, cursando com atelectasia (segmentar, lobar ou mesmo pulmonar
total). A ruptura do foco caseoso para o brônquio resulta em pneumonia tuberculosa – , devido à grande quantidade de bacilos que invadem os alvéolos.
Qualquer segmento ou lobo pulmonar pode ser afetado...
TUBERCULOSE PRIMÁRIA PROGRESSIVA
Fig. 9A: Forma proliferativa. Tuberculose cavitária com disseminação endobrônquica - observe o infiltrado formado por “tubérculos” confluentes nos 2/3 inferiores - cada um desses “tubérculos” é
um foco “proliferativo” de tuberculose. Fig. 9B: Forma exsudativa. Um linfonodo caseoso rompeu para o lúmen brônquico, disseminando um grande inóculo de bacilos para o lobo inferior. Nesta
localização desenvolveu-se uma pneumonia tuberculosa – foco “exsudativo”.
Taxa de adoecimento ~10%.
● Tuberculose primária: ocorre dentro dos primeiros três anos da primoinfecção, geralmente no primeiro ano.
● Tuberculose pós-primária: ocorre após três anos da primoinfecção, por reativação de foco latente ou por reinfecção (nova inalação de bacilos).
FIGURA 9B
Ocorre em pacientes que se infectam com um grande inóculo de bacilos, ou quando as defesas imunológicas estão deprimidas. Neste caso, o foco primário evolui para uma
grande área de inflamação granulomatosa e exsudativa, evoluindo para pneumonia tuberculosa – . O local mais comum desta pneumonia é exatamente a
localização mais frequente do foco primário (terço médio do pulmão). Podem surgir grandes focos caseosos locais que, ao se liquefazerem, transformam-se em “cavernas”
e disseminam a doença para outros lobos pulmonares. Pode ou não haver adenomegalia hilar/mediastinal satélite (esta associação é mais comum em crianças, sendo
menos frequente em adultos).
TUBERCULOSE MILIAR
Esta forma é mais comum em crianças menores de dois anos e não vacinadas com BCG, ou então em pacientes com imunodepressão moderada a grave (ex.:
desnutrição, aids). Lembre-se da disseminação linfo-hematogênica logo após a primoinfecção... Normalmente, os focos são contidos quando da instalação da imunidade e
permanecem latentes. Nesta forma de tuberculose, entretanto, tais focos não são contidos e evoluem com progressão da lesão e grande proliferação bacilar. O foco
primário pode progredir e continuar lançando bacilos no sangue, ou então um foco metastático na parede de uma veia pulmonar (foco de Weigart) pode ser o responsável
pela continuidade da disseminação. O interstício pulmonar e as meninges são os tecidos mais afetados, mas a doença também está presente no sistema reticuloendotelial
(fígado, baço, linfonodos, medula óssea, etc.). Se não tratada precocemente, quase sempre leva a criança a óbito. O termo “miliar” vem do aspecto macroscópico
multinodular pulmonar – os nódulos granulomatosos intersticiais são semelhantes às sementes de millet, uma espécie de gramínea – . A meningite tuberculosa,
também mais comum em crianças < 2 anos, é uma forma de tuberculose miliar primária. Veremos adiante que a vacina BCG previne estas complicações.
FIGURA 10
Fig. 10: Tuberculose primária progressiva. Temos adenopatia hilar (direita) e pneumonia tuberculosa nos lobos inferiores.
FIGURA 11
TUBERCULOSE PÓS-PRIMÁRIA (“FORMA DO ADULTO”)
A tuberculose pós-primária é definida como a forma da doença que se desenvolve em pacientes infectados pela tuberculose há mais de três anos, ou seja, que já tiveram
contato prévio com o BK. Antigamente, era chamada de tuberculose secundária ou “do adulto”, numa época em que quase todas as crianças da área endêmica se
infectavam pelo bacilo de Koch, ou seja, quase todos os adultos eram reatores na prova tuberculínica... Atualmente, continua sendo a forma predominante em
adolescentes e adultos, porém devemos ressaltar que estes indivíduos também podem apresentar tuberculose primária!
A tuberculose pós-primária pode ocorrer por: (1) reativação de um foco latente; ou por (2) reinfecção – inalação de um novo inóculo bacilar. Em países com baixa
incidência de tuberculose quase todos os casos são devidos à reativação, enquanto nos países com grande número de indivíduos infectantes (como na África negra), a
regra é a tuberculose por reinfecção. No Brasil, provavelmente os dois tipos ocorrem numa frequência semelhante.
Os focos intersticiais (focos de Simon) que se disseminaram pelo parênquima pulmonar durante a primoinfecção contêm o bacilo na forma latente. Por mecanismos pouco
conhecidos, geralmente relacionados a uma queda (mesmo que sutil) da imunidade, estes bacilos são novamente ativados e voltam a se proliferar nos macrófagos. Os
segmentos posteriores dos lobos superiores e o segmento superior dos lobos inferiores (segmento 6) são os mais acometidos pela tuberculose pós-primária –
Existem duas explicações plausíveis para este fato: (1) maior tensão de O2 nos alvéolos da porção superior dos pulmões; (2) menor drenagem linfática desses segmentos.
Curiosamente, a reinfecção após inalação de nova carga de bacilos determina uma doença com as mesmas características da reativação, acometendo as mesmas regiões
pulmonares.
Fig. 11: Tuberculose miliar.
FIGURA 12.
Como a “memória imunológica” já está desenvolvida, a reação granulomatosa se instala rapidamente, juntamente com áreas de necrose caseosa. Uma resposta mista,
com componente proliferativo e exsudativo, toma o tecido pulmonar afetado. Nesse momento, é muito comum a formação de um grande foco caseoso que evolui com
liquefação e eliminação do material na árvore brônquica. Suas possíveis consequências: (1) surgimento da “caverna tuberculosa” – um local rico em O2 onde o bacilo se
multiplica de forma absurda; (2) disseminação broncogênica – grande carga bacilar atingindo outros lobos e segmentos pulmonares (incluindo o pulmão contralateral),
determinando infiltrados pneumônicos; e (3) transmissão da infecção – a cada tosse, espirro, ou mesmo durante a fala, uma infinidade de gotículas contendo bacilo viável é
expelida. Vale frisar que, apesar da resposta imunológica exacerbada, não costuma haver adenopatia hilar ou mediastinal em adultos da mesma forma que nas crianças...
QUADRO DE CONCEITOS V
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Estes pacientes funcionam como importantes fontes de infecção na comunidade. Ainda mais pelo fato de muitos apresentarem um quadro clínico oligossintomático e até
mesmo assintomático, portanto, nem sequer suspeitando que estão com tuberculose ativa.
A faixa etária entre 15-30 anos é a mais propensa a este tipo de tuberculose pulmonar. Aí vem uma pergunta: será que todos os casos de tuberculose pulmonar apical
são pós-primários? A resposta é NÃO... Alguns indivíduos entre 15-30 anos podem desenvolver esta forma de tuberculose meses após a primoinfecção. O que acontece é
simplesmente uma antecipação dos fenômenos descritos acima: primoinfecção – disseminação – latência – reativação nas regiões apicais pulmonares!
TUBERCULOSE NO IDOSO
Os idosos podem desenvolver a forma pós-primária apical, mas frequentemente apresentam uma forma semelhante à tuberculose primária progressiva, com infiltrados
pneumônicos predominando nos lobos médio e inferior. Tal como os adultos e adolescentes, raramente existe adenopatia hilar e mediastinal.
TUBERCULOSE NO IMUNODEPRIMIDO (AIDS)
A tuberculose no paciente HIV positivo tem um espectro amplo, bastante dependente do grau de imunodepressão (estimado pela contagem de linfócitos CD4+). Quando o
CD4+ encontra-se entre 350-500/mm3, a tuberculose assume um padrão cavitário, semelhante ao da tuberculose pós-primária do adulto. Quando o CD4+ está abaixo de
350/mm3, a tuberculose assume uma tendência exsudativa, acometendo grandes áreas pulmonares, predominando nos lobos inferiores. Nos casos de imunodepressão
extrema, o padrão se caracteriza por uma reação inflamatória inespecífica, contendo neutrófilos, linfócitos e macrófagos, juntamente a um grande número de bacilos. Este
tipo de lesão tuberculosa chama-se “não reativa”. Na aids, o histopatológico demonstra áreas granulomatosas e exsudativas lado a lado a áreas de lesão não reativa.
Não tratados, estes pacientes evoluem rapidamente para óbito. Vale lembrar que a imunodepressão também predispõe à tuberculose miliar.
TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR
Fig. 12: Tuberculose pós-primária – forma cavitária.
A tuberculose pulmonar pós-primária do adulto tem grande tendência a assumir um padrão cavitário e, por isso, é uma forma altamente contagiosa de tuberculose.
● Repare, por analogia, que as crianças, por tenderem a evoluir com a forma não cavitária de tuberculose, têm, em geral, pouca importância na transmissão da doença.
A tuberculose extrapulmonar pode afetar qualquer órgão e sistema, porém os mais acometidos são: pleura, linfonodos, ossos, articulações, meninges, cérebro, rins,
genitália interna, pericárdio, peritônio e intestino. A patogênese da tuberculose extrapulmonar varia conforme o órgão acometido. A tuberculose pleural vem da progressão
de um foco pulmonar subpleural, lançando uma pequena quantidade de bacilos no espaço pleural. Isso leva a uma reação inflamatória exsudativa e ao derrame pleural
unilateral. A infecção pericárdica tem patogênese semelhante. As meninges geralmente são afetadas durante a disseminação linfo-hematogênica, quando o bacilo penetra
no espaço liquórico através dos plexos coroides nos ventrículos cerebrais. A tuberculose óssea, articular, renal e genital são formas pós-primárias da doença. Os focos
latentes instalados no momento da primoinfecção são reativados, causando cada uma dessas formas específicas de tuberculose. A patogênese da tuberculose
extrapulmonar será revista no Capítulo 3.
PROVA TUBERCULÍNICA (PT) OU “PPD”
A prova tuberculínica (teste de Mantoux), também chamada de “PPD”, identifica os indivíduos infectados pelo bacilo de Koch, seja “infecção latente” (ILTB) ou “infecção
doença” (TB). Na realidade, o PPD (tuberculina ) é uma fração proteica purificada a partir da cultura de BK (PPD = Purified Protein Derivative), que contém os principais
antígenos do M. tuberculosis.
Pessoas infectadas pelo BK desenvolvem, após 2-10 semanas, uma memória imunológica pela seleção de linfócitos T helper (CD4+) específicos contra o BK. A partir
desse momento, ao injetarmos o PPD na derme do paciente, surge uma lesão indurada e eritematosa cerca de 48-72h após a injeção ( )... O que aconteceu? Os
linfócitos T helper específicos contra o BK determinaram uma reação tipo IV (hipersensibilidade tardia) naquele local.
A prova tuberculínica é feita com a administração intradérmica de 2 UT (“Unidades Tuberculínicas”) no 1/3 médio da face anterior do antebraço esquerdo, equivalente a
0,1 ml da solução padrão utilizada no Brasil (PPD-RT 23). A leitura é feita 48-72h após (podendo estender o prazo até 96h, caso o paciente não compareça na data
marcada), medindo-se o tamanho da induração, e não do eritema!
Antigamente, o resultado era expresso como não reator, fraco reator ou forte reator, mas essa classificação foi abandonada... Agora,o ponto de corte para a interpretação
do teste varia em função da população estudada e seu respectivo risco de adoecimento. A PT é empregada na prática para o diagnóstico de infecção latente (ILTB) em
adultos, e ILTB/infecção ativa em crianças.
Existem casos de PT “falso-positiva” e “falso-negativa”. Observe a .
Tab. 2
* Principalmente se a vacina foi tomada após o primeiro ano de vida (quando a reação é mais intensa e duradoura). No Brasil, ela geralmente é dada nos primeiros DIAS de vida... Mesmo assim,
após dez anos, a influência da BCG sobre o resultado da PT tende a ser mínima.
IGRA (ENSAIO DE LIBERAÇÃO DE INTERFERON GAMA)
O IGRA é um novo teste laboratorial que pode ser usado para o diagnóstico de Infecção Latente por Tuberculose (ILTB) em pacientes assintomáticos, isto é, o paciente
possui o bacilo em seu corpo, mas não desenvolveu a doença. Trata-se de metodologia altamente específica (> 95% de especificidade), cujo resultado NÃO é falseado pelo
uso da vacina BCG (quer dizer, uso recente de BCG não produz IGRA “falso-positivo”).
FIGURA 13
Fig. 13: Prova tuberculínica – observe a medida da induração (20 mm).
Tabela 2
PT falso-positiva PT falso-negativa
● Infecção por outras
micobactérias.
● Vacinação recente
com BCG*.
Questões técnicas:
Má conservação do frasco, contaminação, dose incorreta, erro de leitura.
Questões biológicas:
TB grave (meníngea) ou disseminada (miliar), imunodepressão (aids, corticoides, imunossupressores,
quimioterapia), outras infecções graves (virais, bacterianas ou fúngicas), neoplasia (linfoproliferativa, cabeça e
pescoço), vacinação com vírus vivo nos últimos 15 dias, desnutrição, desidratação grave, diabetes mellitus,
IRC, insuficiência hepática, gravidez, idade < 3 meses ou > 65 anos, febre durante o período de feitura da PT,
luz ultravioleta e linfogranulomatoses benignas ou malignas.
Para realização do IGRA são utilizadas sequências proteicas purificadas altamente específicas do M. tuberculosis, não encontradas no BCG ou em qualquer outra
micobactéria. Logo, a especificidade de um teste positivo é de virtualmente 100%.
Em poucas palavras, a técnica consiste no seguinte: o sangue do paciente é coletado e exposto a antígenos do M. tuberculosis, medindo-se a produção de IFN-gama pelos
linfócitos presentes na amostra. Apenas linfócitos previamente selecionados para reagir contra o M. tuberculosis secretam IFN-gama em grande quantidade!
Assim, somente os indivíduos que já tiveram contato prévio com o BK apresentam maior secreção de INF-gama, isto é, um “IGRA positivo”. O ponto de corte para o exame
ser considerado positivo varia conforme o kit específico.
CAP. 2
CLÍNICA, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E PROFILAXIA DA TUBERCULOSE PULMONAR
APRESENTAÇÃO CLINICORRA​DIOLÓGICA
Aqui descreveremos as manifestações clínicas, laboratoriais e radiológicas da tuberculose pulmonar, classificando-as nos seguintes tipos: (1) tuberculose primária; (2)
tuberculose pós-primária; (3) tuberculose primária do adulto; (4) tuberculose na aids.
TUBERCULOSE PULMONAR PRIMÁRIA
● Tuberculose pulmonar primária: o paciente se infectou há menos de três anos.
● Quase sempre uma doença autolimitada.
● Faixa etária mais comum: crianças.
O quadro clínico clássico da tuberculose pulmonar primária é encontrado principalmente nas crianças recém-infectadas, predominando naquelas com idade < 4 anos. Este
grupo possui forte predisposição à adenopatia hilar e mediastinal. Os sintomas acompanham os achados radiológicos, aparecendo, geralmente, logo após a viragem
tuberculínica, isto é, entre 2-10 semanas após a primoinfecção.
O quadro clínico da tuberculose pulmonar primária pode ser comparado ao de uma pneumonia atípica... Os sintomas mais frequentes são febre baixa (38-39ºC) e tosse
seca. Em muitos casos, o quadro é confundido com o de uma “gripe” prolongada (apesar de não haver sintomas do tipo coriza/sinusite/cefaleia), não motivando
atendimento médico. Mesmo sem tratamento, a síndrome febril da tuberculose primária dura em média 14-21 dias, podendo chegar até 2-3 meses. O estado geral
costuma estar preservado; outros sintomas, como fadiga e dor torácica são incomuns. A dor pleurítica sugere pleurite tuberculosa, um evento relativamente comum no
contexto da tuberculose primária em adultos. O tema “tuberculose pleural” será abordado com mais detalhes adiante.
A ativação do sistema imunológico na tuberculose primária pode levar, numa minoria de pacientes (< 5% dos casos), a três tipos de reação a distância: eritema
nodoso, conjuntivite flictenular e uma síndrome poliarticular (artrite/artralgia). O eritema nodoso é uma vasculite subcutânea, apresentando-se como múltiplos
nódulos dolorosos com superfície eritematosa, de predomínio na superfície extensora dos membros. Todas essas reações tendem a ser autolimitadas.
Apesar de o quadro clínico ser inespecífico, os achados radiológicos são extremamente sugestivos! O exame radiológico revela tipicamente uma adenopatia hilar e/ou
mediastinal ipsilateral ao foco primário. Este foco se localiza mais comumente no lobo médio (pulmão direito), mas pode ser descrito em qualquer segmento pulmonar
(30% no lobo inferior e 10% no lobo superior). No local do foco, a radiografia geralmente mostra um pequeno infiltrado ( ), que pode eventualmente ser nodular
(nódulo de Ghon). Aqui vale ressaltar: a tuberculose primária é a causa mais comum de adenopatia hilar/mediastinal unilateral em crianças! A adenopatia pode ser bilateral
em 15% dos casos, confundindo o diagnóstico com outras patologias, como a sarcoidose.
Os achados radiológicos da tuberculose pulmonar primária tendem a desaparecer ao longo de seis meses a um ano, mesmo sem tratamento específico. O foco primário
regride, muitas vezes deixando uma “marca” ou “cicatriz”, representada por um nódulo pequeno, geralmente calcificado – o “tuberculoma”. Este nódulo poderá ser visto
na radiografia de tórax para o resto da vida... Futuramente, poderá ser considerado no diagnóstico diferencial dos nódulos pulmonares solitários.
COMPLICAÇÕES DA TB PULMONAR PRIMÁRIA
A ocorrência de outros sintomas está na dependência de eventuais complicações do quadro pulmonar. Vejamos:
● Atelectasia, devido à compressão de um brônquio pela adenopatia hilar – ;
● Pneumonia tuberculosa, devido à ruptura de um linfonodo infectado para dentro de um brônquio – ;
● Evolução para a forma linfo-hematogênica (miliar), mais comum em crianças < 2 anos não vacinadas pelo BCG;
● Evolução para a forma primária progressiva.
FIGURA 1
Fig. 1: Nódulo de Ghon.
FIGURA 2
FIGURA 3
O local mais comum de atelectasia é o lobo superior direito. O aumento dos linfonodos hilares pode comprimir o brônquio lobar ou provocar edema em sua parede, levando
à obstrução total de seu lúmen. A tendência é a reversão espontânea da atelectasia, à medida que a adenopatia e o edema brônquico se reduzem naturalmente. A
pneumonia tuberculosa é decorrente da inoculação alveolar de uma grande quantidade de bacilos (uma “chuva de bacilos”), provenientes de um linfonodo hilar infectado
que fistuliza para o brônquio. Forma-se um exsudato mononuclear com áreas de necrose caseosa, ocupando os alvéolos. O quadro radiológico pode ser comparado ao de
uma pneumonia bacteriana pneumocócica.
Fig. 2: Atelectasia na TB pulmonar primária. No primeiro radiograma, observamos uma imagem típica de TB primária – infiltrado pulmonar mais adenopatia hilar satélite. O aumento destes
linfonodos comprimiu o brônquio lobar superior direito, gerando uma atelectasia.
Fig. 3: Pneumonia tuberculosa. Nesta peça de autópsia, observa-se o aumento importante do linfonodo hilar esquerdo. Sua ruptura lançou uma grande quantidade de bacilos nos alvéolos do lobo
inferior, levando à formação de uma pneumonia tuberculosa lobar.
A tuberculose primária progressiva ocorre principalmente nas crianças desnutridas e nos indivíduos HIV positivos. Nestes pacientes, o foco primário evolui para um
infiltrado broncopneumônico progressivamente maior, capaz de cavitar e disseminar o bacilo para outros segmentos pulmonares, do mesmo lado ou contralaterais (
). O quadro é o de uma pneumonia multilobar necrosante, de curso arrastado e sem resposta aos antibióticos convencionais.
TUBERCULOSE PÓS-PRIMÁRIA
● A tuberculose pós-primária é a forma crônica de tuberculose pulmonar.
● É típica de indivíduos entre 15-40 anos.
● É a forma responsável pela transmissão da doença na população.
Esta forma de tuberculose ocorre em pacientes infectados há mais de três anos (geralmente há mais de cinco anos) e que, portanto, já desenvolveram a “memória
imunológica” contra o bacilo. São PPD positivos há bastante tempo... Por razões pouco conhecidas, um ou mais focos bacilares hematogênicos localizados no interstício
pulmonar são reativados (focos de Simon). Outras vezes, o paciente é reinfectado (uma nova carga de bacilos). Geralmente, o foco de reativação (ou de reinfecção)
bacilar está localizado no segmento posterior do lobo superior ou, menos frequentemente, no segmento superior do lobo inferior (segmento 6) – áreas reconhecidamente
de maior oxigenação alveolar, nas quais o bacilo se prolifera com mais facilidade. A resposta imunológica é imediata, porém “exagerada” e ineficaz... Macrófagos ativados,
em conjunto com linfócitos T helper, reagem intensamente para formar o infiltrado granulomatoso ( ) evoluindo geralmente para necrose caseosa em seu interior.
No cáseo semissólido o bacilo se prolifera pouco, mas logo ocorre liquefação do material, por ação de enzimas proteolíticas secretadas pelas células inflamatórias do
granuloma. No cáseo liquefeito, o bacilo consegue se multiplicar em larga escala. Pela erosão da parede brônquica, o ar (rico em O2) penetra na lesão, criando a “caverna
tuberculosa” – o meio ideal para a proliferação bacilar ( ). No interior desta cavidade existe mais de um milhão de bacilos por ml! Esses bacilos são expelidos com
a fala, espirro ou tosse. Dizemos que o paciente é multibacilífero.
FIGURA 4
Fig. 4: TB pulmonar primária progressiva. O foco primário, em vez de seguir um rumo autolimitado, evoluiu para a formação de pneumonia extensa, com cavitação e disseminação broncogênica
do bacilo.
FIGURA 5
FIGURA 6
Quais são os sinais e sintomas da tuberculose pulmonar pós-primária?
O conceito fundamental é: a maioria desses pacientes é oligossintomática! A principal queixa é a tosse crônica, que pode ser seca, mucoide ou com expectoração
purulenta, associada ou não a hemoptoicos. Esta tosse muitas vezes não é valorizada pelo paciente, que então não procura atendimento médico. Ao longo de vários
meses, ele vai perdendo peso e muitos relatam febre vespertina (38-38,5ºC) e sudorese noturna. Quando o médico é procurado, a doença já evoluiu, e pior: o paciente já
contaminou várias pessoas (uma média de quinze), geralmente crianças. Aí está o grande problema epidemiológico da tuberculose pulmonar bacilífera!!!
Os exames laboratoriais podem revelar uma anemia leve, normocítica-normocrômica (anemia de doença crônica), aumento importante da VHS, raramente uma leucocitose
neutrofílica ou linfocítica (de até 15.000/mm3), monocitose ou monocitopenia, elevação de enzimas hepáticas e eventualmente hiponatremia por SIADH.
A evolução do processo pulmonar é para disseminação broncogênica. Os bacilos que se proliferam na “caverna tuberculosa” são lançados na árvore brônquica,
disseminando-se para qualquer lobo ou segmento pulmonar. Daí vão surgindo novos infiltrados, do mesmo lado ou contralaterais – e A “imagem em
escada”, característica desta forma de tuberculose, é a presença de um infiltrado no lobo superior (onde se encontra a cavidade) e de um infiltrado no lobo inferior
contralateral, por disseminação broncogênica. A presença de linfadenopatia hilar e/ou mediastinal NÃO é característica do quadro pós-primário, pelo menos nos pacientes
HIV negativos.
Fig. 5: Infiltrado da TB pós-primária. Neste momento, a radiografia mostra um infiltrado misto, contendo, frequentemente, linhas que convergem para o hilo pulmonar.
Fig. 6: “Caverna tuberculosa”. Poderia ser o mesmo paciente da Fig. 5, meses depois. Observe a grande área de cavitação no meio de uma condensação alveolar.
FIGURA 7 FIGURA 8.
Fig. 7: Tuberculose cavitária com disseminação broncogênica. Observe o infiltrado no lobo superior direito contendo uma cavitação (bem demonstrada na tomografia linear – figura menor). O
infiltrado superior esquerdo deve-se à disseminação broncogênica.
Fig. 8: Tuberculose cavitária com disseminação broncogênica. Há uma grande cavitação ocupando praticamente todo o lobo superior esquerdo. Os infiltrados pneumônicos no lobo inferior
esquerdo e no pulmão direito devem-se à disseminação broncogênica.
COMPLICAÇÕES DA TB PULMONAR PÓS-PRIMÁRIA
Ao contrário da tuberculose pulmonar primária, a forma pós-primária não é autolimitada. A doença tende a progredir lentamente, disseminando-se pelos pulmões. Na
tentativa de resolver o processo tuberculoso, o sistema imunológico acaba ativando fibroblastos, causando fibrose parenquimatosa das áreas acometidas, especialmente o
local onde está a lesão cavitária. A fibrose pulmonar provoca destruição irreversível da área afetada. Consequentemente, graves sequelas surgirão: retrações,
bronquiectasias, cavidades com paredes fibrosadas (possíveis focos para o aspergiloma – fungus ball) e pulmão vicariante ( ). Quando a fibrose é extensa, o
paciente evolui com dispneia e posteriormente com cor pulmonale e insuficiência respiratória.
Os bacilos expelidos de uma cavidade infectada podem infectar a parede de um brônquio, levando à tuberculose endobrônquica, ou a própria laringe, causando a
tuberculose laríngea. A primeira pode justificar o encontro de lesões infiltrativas na broncoscopia e pode acarretar complicações como estenose brônquica (com
atelectasia), broncorreia (> 500 ml/dia de expectoração) e/ou hemoptise. O comprometimento laríngeo manifesta-se como rouquidão, e a lesão pode ser confundida com
neoplasia ao ser visualizada na laringoscopia.
Apesar do escarro hemoptoico (raias de sangue) ser frequentemente notado, franca hemoptise não é comum... Quando ocorre, deve-se à corrosão de vasos pulmonares
ou brônquicos que passam na parede da “caverna tuberculosa”. O chamado aneurisma de Rasmussen é descrito como uma erosão da adventícia e média do segmento de
uma artéria brônquica que se dilata para o interior da cavidade. A hemoptise também pode ser decorrente do aspergiloma, instalado em uma cavidade fibrosada inativa.
A “caverna tuberculosa” pode se estender para a pleura, com risco de se formar uma fístula broncopleural. A consequência imediata é o pneumotórax. Neste caso, um
número absurdamente alto de bacilos pode atingir o espaço pleural, culminando num empiema tuberculoso. O aspecto radiológico é o de um hidropneumotórax (
). Se não for tratado com drenagem precoce, o empiema tuberculoso pode deixar as mesmas sequelas que um empiema pleural bacteriano (encarceramento
pulmonar).
FIGURA 9
Fig. 9: Tuberculose com fibrose pulmonar. Observe a cavitação no lobo superior direito, a fibrose pulmonar extensa no mesmo lado e o pulmão esquerdo vicariante (hiperinsuflação
compensatória).
FIGURA 10
Façamos um resumo das alterações radiológicas típicas da tuberculose pulmonar pós-primária.
● Fase inicial: infiltrado pulmonar misto com imagens lineares convergindo para o hilo - .
● Fase cavitária: infiltrado pulmonar com cavitação - .
● Fase cavitária com disseminação broncogênica: presença de novos infiltrados - e .
Fig. 10: Hidropneumotórax do empiema tuberculoso.
FIGURA 5
Fig. 5: Infiltrado da TB pós-primária. Neste momento, a radiografia mostra um infiltrado misto, contendo, frequentemente, linhas que convergem para o hilo pulmonar.
Fig. 6: “Caverna tuberculosa”. Poderia ser o mesmo paciente da Fig. 5, meses depois. Observe a grande área de cavitação no meio de uma condensação alveolar.
FIGURA 6
FIGURA 7 FIGURA 8
Fig. 7: Tuberculose cavitária com disseminação broncogênica. Observe o infiltrado no lobo superior direito contendo uma cavitação (bem demonstrada na tomografia linear – figura menor). O
infiltrado superior esquerdo deve-se à disseminação broncogênica.
Fig. 8: Tuberculose cavitária com disseminação broncogênica. Há uma grande cavitação ocupando praticamente todo o lobo superior esquerdo. Os infiltrados pneumônicos no lobo inferior
esquerdo e no pulmão direito devem-se à disseminação broncogênica.
● Fase avançada: fibrose pulmonar (retração do parênquima) - FIGURA 9.
A TC de tórax pode ajudar nos casos de tuberculose pulmonar pós-primária incipiente, quando a radiografia de tórax pode ser considerada normal. Veja na TC abaixo a
presença de nódulos esparsos e imagens de infiltrado do tipo “brotos de árvore” ou “brotamento”, característicos da doença – .
TUBERCULOSE PRIMÁRIA DO ADULTO
Quando um adulto desenvolve a forma primária da doença, pode seguir um curso semelhante ao da infância, porém com uma importante diferença: na maioria das vezes,
não há adenopatia hilar e/ou mediastinal (a não ser no paciente HIV positivo). O adulto é mais propenso à tuberculose pleural primária do que à tuberculose pulmonar
primária. Todavia, pacientes diabéticos, gastrectomizados, desnutridos ou HIV positivos possuem uma chance maior de adoecer após a primoinfecção! Eles podem se
apresentar como uma pneumonia atípica, com pequeno infiltrado unilateral ou com uma forma primária progressiva (broncopneumonia tuberculosa). Às vezes, após a
primoinfecção, o adulto desenvolve a forma apical semelhante à tuberculose pós-primária. Nestes casos, é provável que o foco primário tenha sido controlado, mas o
período de latência foi curto, havendo uma reativação precoce do foco intersticial no lobo superior.
TUBERCULOSE NA AIDS
Fig. 9: Tuberculose com fibrose pulmonar. Observe a cavitação no lobo superior direito, a fibrose pulmonar extensa no mesmo lado e o pulmão esquerdo vicariante (hiperinsuflação
compensatória).
FIGURA 11
Fig. 11: Infiltrado tipo "árvore em brotamento".
O paciente HIV positivo tem uma chance aumentada de desenvolver tuberculose-doença (risco 30 vezes maior que o imunocompetente). O mecanismo pode ser a
reativação, reinfecção ou infecção primária (viragem tuberculínica). Quando o CD4 está acima de 200 células/mm3, a tuberculose pulmonar tende a se apresentar de forma
semelhante à tuberculose do imunocompetente, com a forma cavitária predominando no adulto. Na imunodepressão grave, isto é, CD4 < 200 células/mm3, a tuberculose
pulmonar possui um quadro clinicorradiológico atípico! Neste grau de imunodepressão podemos encontrar alterações semelhantes às da pneumocistose, como um
infiltrado intersticial difuso. Derrame pleural e adenopatia hilar/mediastinal também passam a ser mais frequentes... Os linfonodos são facilmente reconhecidos na TC pela
sua típica captação periférica de contraste e atenuação da densidade no centro.
Um estudo constatou os seguintes padrões radiológicos na TB pulmonar de pacientes HIV+, independentemente do CD4: (1) padrão de TB pulmonar primária – 36%; (2)
padrão de TB pulmonar pós-primária ou apical – 30%; (3) padrão pneumocistose-símile – 14%; (4) radiografia de tórax normal – 13%; (5) padrão miliar – 4%.
Quando suspeitar de tuberculose pulmonar?
Estratégia para interromper a cadeia de transmissão
As medidas de saúde pública de maior impacto para o controle da TB na população são a detecção precoce dos casos bacilíferos e seu tratamento adequado.
Bacilíferos são os pacientes que apresentam baciloscopia do escarro positiva, o que só ocorre em TB das vias aéreas, isto é, pulmonar e/ou laríngea (formas
exclusivamente extrapulmonares não transmitem a doença). No geral, cerca de 90% dos casos de TB são pulmonares, e 60% destes são bacilíferos. Sabe-se que eles
contaminam, em média, 10-15 pessoas por ano!!! Portadores de TB pulmonar com baciloscopia negativa, porém cultura do escarro positiva, são disseminadores menos
eficientes da doença, mas a transmissão também ocorre.
Por este motivo, recomenda-se que serviços de saúde em todos os níveis (primário, secundário e terciário), públicos ou privados, sejam estruturados para a realização
permanente de busca ativa de Sintomáticos Respiratórios (SR), isto é, os médicos SEMPRE devem investigar a presença de tosse (qualquer que seja o motivo da consulta)
e solicitar exame do escarro nos indivíduos SR!
SR é todo indivíduo com tosse por tempo ≥ 3 semanas. Em populações com maior vulnerabilidade para TB, a definição muda... Por exemplo: diabéticos serão
considerados SR quando apresentarem tosse por ≥ 2 semanas. Já os profissionais de saúde, portadores do HIV, indígenas, presidiários, imigrantes e moradores de rua
são considerados SR com tosse de qualquer duração!
Observe alguns exemplos práticos do que vem a ser a “busca ativa” de SR: (1) visita domiciliar do agente comunitário de saúde – faz parte dos formulários perguntar se
algum morador tem tosse; (2) internação em hospital geral, por qualquer motivo – avaliar se o paciente é SR na anamnese de admissão, caso positivo, colocá-lo em
isolamento respiratório até o resultado dos exames de escarro; (3) sistema carcerário e unidades de longa permanência (asilos, hospitais psiquiátricos, albergues para
população de rua) – avaliar SR na admissão e de maneira periódica.
Vale lembrar que nem sempre o SR terá tuberculose... Estima-se que a cada 100 SR avaliados, apenas 3 ou 4 sejam bacilíferos. O SUS deve se organizar para avaliar e
tratar os SR não portadores de TB (outras infecções ou doenças crônicas como asma e DPOC) através da rede de referência e contrarreferência. A estratégia que traça a
estrutura de atendimento aos SR não TB é chamada pela OMS de PAL (Practical Approach to Lung Health).
DIAGNÓSTICO
PACIENTE ADULTO (TB PÓS-PRIMÁRIA)
Formalmente, a confirmação diagnóstica de tuberculose REQUER a demonstração da presença do BK no corpo do paciente. Por conseguinte, apenas três métodos são
capazes de confirmar em definitivo o diagnóstico: (1) teste rápido molecular; (2) baciloscopia; e (3) cultura. Não obstante, existe a possibilidade de considerarmos o
diagnóstico de TB – e iniciarmos o tratamento – mesmo sem confirmação micobacteriológica. É o que se chama de diagnóstico clinicoepidemiológico, definido como a
situação em que um paciente adulto com quadro clínico típico, no contexto epidemiológico apropriado, por qualquer motivo, não puder comprovar por meio de exames
laboratoriais a presença do BK... Em tal cenário, é preciso que outros testes corroborem a impressão inicial, por exemplo: exames de imagem, histopatológico, etc.
A base racional do diagnóstico clinicoepidemiológico é: “tem cara de TB e só pode ser TB, mas não conseguimos (por qualquer motivo) confirmar formalmente o
diagnóstico, nem tampouco outro diagnóstico pode ser estabelecido. Como se trata de doença transmissível de grande impacto na saúde pública, o correto, nesta
situação peculiar, é iniciar o tratamento e observar a resposta clínica. O diagnóstico só vai ser posto em xeque (e o tratamento interrompido) se não houver qualquer
melhora com o uso de tuberculostáticos... Uma resposta clínica adequada será apenas mais um elemento a fortalecer o diagnóstico clinicoepidemiológico”.
Faremos agora uma breve descrição de cada um dos três métodos confirmatórios citados. Em seguida, veremos as estratégias recomendadas para a sua utilização na
prática.
TESTE RÁPIDO MOLECULAR (TRM-TB)
O TRM-TB é um teste de amplificação gênica que utiliza a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR). Ele detecta especificamente a presença de DNA do M.
tuberculosis (e não de outras micobactérias), ao mesmo tempo em que sinaliza a existência de genes que conferem resistência à rifampicina... Seu resultado fica pronto
em duas horas, com sensibilidade de 90% e especificidade de 99%. Atualmente, no Brasil, o TRM-TB representa o método de escolha para a pesquisa de
tuberculose pulmonar ou laríngea em adultos e adolescentes! Diante da suspeita de TB pulmonar ou laríngea, o teste pode ser feito em uma única amostra de
escarro.
Cumpre ressaltar que o TRM-TB ainda não está disponível em algumas localidades... A implantação da “Rede de Teste Rápido para Tuberculose”, que possibilitará sua
realização em todas as unidades do SUS, teve início em julho de 2014 e ainda não terminou.
O TRM-TB detecta o DNA de micobactérias vivas ou mortas. Logo, ele NÃO SERVE para acompanhar a resposta ao tratamento, uma vez que a persistência de sua
positividade não necessariamente significa falha terapêutica (podemos detectar o DNA de micobactérias mortas, mesmo com tratamento eficaz)... O acompanhamento da
resposta terapêutica deve ser feito com baciloscopias mensais (ver adiante).
Mais de 80% dos BK resistentes à rifampicina TAMBÉM são resistentes à isoniazida. A resistência a essas duas drogas caracteriza a TB-MDR
(multirresistente) – ver adiante.
BACILOSCOPIA
A baciloscopia consiste na pesquisa direta do bacilo de Koch através do exame microscópico. O método de Ziehl-Neelsen é a técnica de coloração mais utilizada. Quando o
material analisado for o escarro, devem ser coletadas duas amostras em momentos distintos (uma na consulta, e a outra na manhã do dia seguinte). Se estivermos diante
de um paciente com fortes indícios clínicos e radiológicos de TB pulmonar, porém as duas amostras de escarro forem negativas, pode-se repetir a baciloscopia conforme
avaliação individual.
A baciloscopia também pode ser empregada em materiais biológicos que não o escarro (ex.: outros fluidos orgânicos, tecido de biópsia ou peça cirúrgica). É importante
compreender que, nestes casos, a sensibilidade é sempre mais baixa, sendo obrigatória a realização conjunta de cultura para BK... Como no paciente com suspeita de TB
extrapulmonar devemos considerar a possibilidade de TB pulmonar associada, além de baciloscopia + cultura do material biológico em questão, é preciso solicitar também
duas amostras de escarro conforme anteriormente descrito.
Uma baciloscopia positiva em qualquer amostra indica tuberculose ativa.
A baciloscopia é o exame de escolha para acompanhar a resposta terapêutica na TB pulmonar bacilífera, uma vez que sua negativação representa o parâmetro mais
confiável para demonstrar a eficácia do tratamento.
Observe na o padrão de registro dos resultados da baciloscopia do ESCARRO. Ressalte-se que, em se tratando de outros materiais biológicos, o registro é mais
simples (presença de qualquer quantidade de bacilos = exame positivo).
Tab. 1
*Com 1 a 9 BAAR por campo em 100 campos observados define-se a amostra como PAUCIBACILAR.
CULTURA + TSA
A cultura para BK possui elevada sensibilidade e especificidade, podendo ser realizada em meios sólidos ou líquidos. Os mais utilizados são os meios sólidos a base de ovo,
como o Löwenstein-Jensen e o Ogawa-Kudoh. As principais vantagens desses meios são o baixo custo e a menor chance de contaminação, sendo sua grande desvantagem
a demora para o crescimento micobacteriano (14 a 30 dias, podendo se estender até 60 dias). Os meios líquidos permitem incubação em sistemas automatizados, e
têm como vantagem um resultado mais rápido (5 a 12 dias, podendo se estender até 42 dias). Seu custo, no entanto, é bem mais elevado...
Com a cultura positiva, a identificação da espécie deve ser feita por técnicas bioquímicas, fenotípicas e/ou moleculares. Toda cultura positiva deve ser submetida ao TSA
(Teste de Sensibilidade Antimicrobiana). Por padrão, os fármacos inicialmente testados são: rifampicina, isoniazida, pirazinamida, etambutol e estreptomicina. Se alguma
resistência for encontrada, a amostra deverá ser enviada a um laboratório de referência para testagens adicionais, com pesquisa de sensibilidade às drogas de segunda
linha, como canamicina, amicacina, capreomicina e ofloxacina. O TSA pode ser realizado em meio sólido ou líquido.
ESTRATÉGIAS PARA A CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA DE TUBERCULOSE
Como vimos, sempre que o TRM-TB estiver disponível, ele deverá ser solicitado perante a suspeita de tuberculose. Em se tratando de TB pulmonar ou laríngea, uma única
amostra de escarro basta. Ademais, existem situações onde – além do TRM-TB – a cultura com teste de sensibilidade (TSA) também deve ser solicitada,
independentemente do resultado do teste molecular... Tratam-se dos indivíduos que pertencem aos grupos de maior vulnerabilidade, isto é, os que têm – estatisticamente
– maior chance de apresentar a doença (Tabela 2).
Tabela 1
BAAR por campo Resultado
Nenhum BAAR em 100 campos Negativo
1 a 9 BAAR por campo em 100 campos* Citar a quantidade de bacilos vistos
10 a 99 BAAR por campo em 100 campos +
1 a 10 BAAR por campo em 50 campos ++
Acima de 10 BAAR por campo nos primeiros 20 campos observados +++
SAIBA MAIS...
O sistema automatizado utiliza os princípios da radiometria... No BACTEC 460, o material é semeado em meio líquido (Middlebrook 7H-12A ou 7H-12B), ao qual se
adiciona ácido palmítico marcado com C14. O BK metaboliza esta substância, convertendo-a em CO2 radioativo. A detecção de aumento da radioatividade no espaço
aéreo da garrafa sinaliza positividade.
Tab. 2
Duas definições são importantes neste momento:
● Caso novo = o paciente nunca recebeu tratamento anti-TB, ou o fez por < 30 dias;
● Retratamento = o paciente é uma recidiva (após cura confirmada ou tratamento completo), ou então um reingresso após abandono, tendo deixado de tratar a TB por
período > 30 dias consecutivos.
Observe na a estratégia diagnóstica que deve ser seguida na suspeita de CASO NOVO de tuberculose. Perceba que cultura + TSA sempre estarão indicados
se a tuberculose for confirmada!
Tab. 3
Agora, observe na a estratégia diagnóstica que deve ser seguida nos casos de RETRATAMENTO. Perceba que todo possível retratamento deve coletar, após
suspeita diagnóstica, os três exames confirmatórios ao mesmo tempo: TRM-TB, baciloscopia e cultura. Um TRM-TB positivo no retratamento não
necessariamente indica tuberculose ativa, já que tal resultado poderia ser explicado pela detecção do DNA de micobactérias mortas... Logo, a confirmação do diagnóstico
de TB nos casos de retratamento só pode ser feita através de baciloscopia e/ou cultura! Contudo, ainda assim o TRM-TB deve ser solicitado, pelo seguinte motivo: este
exame pode nos dizer de forma rápida, nos casos com baciloscopia positiva, se existe ou não resistência à rifampicina...
Grupos de maior vulnerabilidade para Tuberculose no Brasil
Índios.
Presidiários.
Portadores do HIV/aids.
População de rua.
Profissionais de saúde.
Contatos de TB multirresistente.
Tabela 3
Tabela 4
Tab. 4
Caso o TRM-TB não esteja disponível, a conduta preconizada passa a ser a realização de baciloscopia, lembrando que para a TB pulmonar é necessário analisar duas
amostras de escarro obtidas em dias consecutivos. Nesta situação a cultura é obrigatória, independentemente do resultado das baciloscopias.
OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES
Radiografia de tórax – o exame radiológico é auxiliar no diagnóstico de tuberculose, justificando sua solicitação rotineira em todos os casos suspeitos! Nestes pacientes,
detecta imagens sugestivas de tuberculose, sendo indispensável a realização do exame bacteriológico para diagnóstico definitivo, já que não existem achados
patognomônicos de tuberculose na radiografia...
O exame radiológico em pacientes com baciloscopia positiva (diagnóstico já confirmado) tem como função primordial a exclusão de doenças pulmonares associadas, que
necessitem de tratamento concomitante, além de permitir avaliar a evolução radiológica, sobretudo na ausência de resposta ao tratamento. De acordo com o Ministério da
Saúde, os resultados dos exames radiológicos do tórax devem obedecer à seguinte classificação:
● Normal – Não apresentam imagens patológicas nos campos pulmonares;
● Sequela – Apresentam imagens sugestivas de lesões cicatriciais;
● Suspeito – Apresentam imagens sugestivas de tuberculose em atividade (opacidades ou infiltrados radiológicos, nódulos, cavidades, fibroses, retrações,
linfonodomegalia, calcificações ou aspecto miliar);
● Outras doenças – Apresentam imagens sugestivas de pneumopatia não tuberculosa.
Tomografia computadorizada do tórax – a TC de alta resolução detecta a doença em casos onde o raio X simples apresenta resultados imprecisos, por alterações
parenquimatosas mínimas ou por não permitir a distinção entre lesões antigas e lesões de tuberculose ativa (ex.: cavidades de paredes finas x paredes espessas; nódulos
calcificados x nódulos com densidade de partes moles, respectivamente). No entanto, é método de maior custo e menor oferta, restrito aos centros de referência. Deve ser
usado de forma individualizada, levando em consideração os recursos disponíveis e o custo-benefício, especialmente nos casos com baciloscopia negativa que exigem
diferenciação com outras doenças.
Broncoscopia – a broncoscopia e os procedimentos a ela associados, como lavado brônquico, lavado broncoalveolar, escovado brônquico, biópsia brônquica, biópsia
transbrônquica e punção aspirativa com agulha, podem ser úteis no diagnóstico da tuberculose nas seguintes situações:
● Formas com exames micobacteriológicos iniciais negativos;
● Suspeita de outra doença pulmonar que não a tuberculose;
● Presença de doença que acometa difusamente o parênquima pulmonar (ex.: TB miliar);
● Suspeita de tuberculose endobrônquica;
● Pacientes imunodeprimidos, particularmente os infectados pelo HIV (maior risco de formas não cavitárias e, portanto, menor positividade do escarro).
Histopatologia – a análise tecidual é indicada no diagnóstico de tuberculose extrapulmonar, assim como no diagnóstico de tuberculose pulmonar difusa (TB miliar). O
achado de granulomas caseosos é altamente sugestivo de TB, porém é importante ter em mente que eles NÃO são patognomônicos desta condição... Além do estudo
histopatológico em si, também podemos demonstrar a presença ou não do bacilo de Koch através do emprego da baciloscopia, cultura e/ou TRM-TB no material coletado.
Dosagem de ADA – a ADA (adenosina deaminase) é uma enzima secretada por linfócitos e macrófagos ativados. Quando em níveis aumentados no líquido pleural (> 40
U/L), possui elevado valor preditivo positivo para tuberculose, permitindo a confirmação diagnóstica mesmo sem demonstração direta da presença do BK (ou seja, trata-se
de importante elemento na composição do diagnóstico “clinicoepidemiológico” de TB pleural). A ADA também tem sido aceita no diagnóstico de TB pericárdica, peritoneal,
articular (sinovial) ou mesmo do SNC (liquor). O fato é que o encontro de níveis normais de ADA em todos esses líquidos possui elevado valor preditivo negativo, afastando
a possibilidade de tuberculose.
Exames para HIV – a coinfecção TB-HIV possui efeito sinergístico, agravando o curso clínico de ambas as doenças! Dada a elevada prevalência de coinfecção, e
considerando que o tratamento antirretroviral afeta favoravelmente o prognóstico, a realização de testes para detecção do HIV é atualmente OBRIGATÓRIA em todo
paciente que recebe o diagnóstico de tuberculose! O método de escolha deve ser o teste rápido para HIV.
PACIENTE PEDIÁTRICO (< 10 ANOS DE IDADE): COMO DIAGNOSTICAR TB PRIMÁRIA NA CRIANÇA?
A criança com TB primária é tipicamente paucibacilar e, portanto, o estudo do escarro (quando possível a sua coleta) costuma ser negativo, mesmo com a utilização do
TRM-TB, que é menos sensível nesta população. Desse modo, o diagnóstico em crianças < 10 anos pode ser CONFIRMADO por uma análise conjunta de critérios clínicos,
radiológicos e pela PT. Existe uma escala de pontos validada com este intuito, cuja interpretação é a seguinte: ≥ 40 pontos (diagnóstico muito provável) = o tratamento
deve ser iniciado; 30-35 pontos (diagnóstico possível) = o tratamento pode ou não ser iniciado a critério médico; < 30-25 pontos (diagnóstico pouco provável) = a
investigação deve prosseguir, podendo-se partir para exames mais complexos como a broncofibroscopia. Observe a .
Tab. 5
Em crianças pequenas que têm dificuldade para expectorar (geralmente < 6 anos), a cultura do lavado gástrico, realizado de manhã bem cedo (aproveitando o material
acumulado no estômago pela deglutição do escarro), pode ser utilizada para o estudo micobacteriológico. Tal exame pode ser feito ambulatorialmente ou com a criança
internada, dependendo das condições locais para sua realização. O ideal é que sejam obtidas duas amostras em dias consecutivos.
TB NEONATAL
A TB neonatal pode ser congênita, adquirida in utero, ou logo após o nascimento, pela exposição a um adulto bacilífero.
A TB congênita é rara e gravíssima (geralmente uma TB miliar disseminada), com letalidade > 50% a despeito do tratamento. Mais da metade dos partos são prematuros.
A infecção in utero pode se dar por disseminação hematogênica ou por infecção tuberculosa do útero ou canal vaginal (nestes casos, o RN adquire o BK ao ingerir líquido
amniótico e/ou secreções vaginais).
Toda gestação com diagnóstico de TB em atividade no momento do parto deve ter a placenta biopsiada e submetida à cultura para BK após o parto.
A conduta frente à exposição do RN a um adulto bacilífero será vista adiante (“quimioprofilaxia primária” em “controle de contatos”). Uma forma incomum de aquisição
após o nascimento é através da ingesta de leite materno ou colostro nas mães portadoras de mastite tuberculosa.
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
INTRODUÇÃO
A proposta da OMS para o enfrentamento global da TB é a estratégia conhecida como TDO – Tratamento Diretamente Observado. O TDO se baseia em cinco princípios
(resumidos abaixo) e tem como objetivo propiciar a adesão ao tratamento, reduzindo a chance de surgimento de resistência aos fármacos anti-TB e aumentando a
probabilidade de cura.
Tab. 6
Tabela 5
Escore de Pontos para Diagnóstico de TB Pulmonar Primária em Crianças que Não Expectoram ou Têm Escarro Negativo
● Febre ou sintomas como tosse, adinamia, expectoração, emagrecimento e sudorese por ≥ 2
semanas.
● Adenomegalia hilar ou padrão miliar e/ou condensação ou infiltrado (com ou sem escavação)
inalterado por duas semanas ou evoluindo com piora ou sem melhora com antibióticos para
germes comuns.
15 pontos (cada item)
● Contato próximo com adulto bacilífero nos últimos dois anos.
● PT ≥ 10 mm.
10 pontos
● Condensação ou infiltrado de qualquer tipo por < 2 semanas.
● Desnutrição grave (peso < percentil 10).
● PT entre 5-9 mm.
5 pontos (cada item)
● RX de tórax normal. - 5 pontos
● Infecção respiratória com melhora após uso de antibióticos para germes comuns ou sem
antibióticos.
- 10 pontos
● Assintomático ou com sintomas há menos de duas semanas.
● Contato com adulto bacilífero ocasional ou negativo.
● Prova tuberculínica < 5 mm.
● Peso ≥ percentil 10.
ZERO pontos
Princípios do TDO
Compromisso político com a estratégia e mobilização da sociedade.
Garantia de exames bacteriológicos de qualidade.
Tratamento padronizado e supervisionado.
Fornecimento eficaz de medicamentos.
Sistema de monitoramento dos casos (desde a notificação até o encerramento).
TRATAMENTO DIRETAMENTE OBSERVADO (TDO)
No Brasil, TODOS os casos de tuberculose devem ser submetidos ao TDO! O motivo é que não é possível predizer a adesão ao tratamento, mas o TDO comprovadamente
aumenta a adesão... Consiste não apenas em observar a deglutição do medicamento, mas também, e fundamentalmente, na construção de um vínculo com o doente!
Sempre que necessário outras ações deverão ser adotadas, como o uso de incentivos (ex.: lanche, auxílio-alimentação) e facilitadores (ex.: vale-transporte). O ideal é a
observação diária, de segunda a sexta, feita pelo profissional de saúde na própria unidade de saúde. Contudo, esquemas alternativos (ex.: observação três vezes por
semana, na unidade de saúde ou no domicílio do paciente) também são aceitáveis, desde que o doente e seus familiares compreendam a importância do uso diário da
medicação e haja participação de lideranças comunitárias no processo. Foi documentado em estudos que, quando o TDO é feito exclusivamente por familiares, a chance de
má adesão ao tratamento aumenta...
Para ser considerado TDO o paciente deve ter, no mínimo, 24 doses observadas pelo profissional de saúde durante a fase intensiva do tratamento (dois primeiros
meses), e 48 doses na fase de manutenção (meses subsequentes) – ver adiante.
TERAPIA TUBERCULOSTÁTICA
Os esquemas de tratamento atualmente preconizados para a tuberculose “sensível” são:
● Esquema básico (idade < 10 anos) – 2 RHZ/4 RH;
● Esquema básico (idade ≥ 10 anos) – 2 RHZE/4 RH;
● Esquema para meningoencefalite e TB osteoarticular (idade < 10 anos) – 2 RHZ/10 RH + corticoterapia (exceto na forma osteoarticular);
● Esquema para meningoencefalite e TB osteoarticular (idade ≥ 10 anos) – 2 RHZE/10 RH + corticoterapia (exceto na forma osteoarticular). Obs.: TB osteoarticular
considerada de “baixa complexidade” pode receber tratamento por apenas seis meses (2 RHZE/4 RH), a critério clínico...
Legenda: R = rifampicina; H = isoniazida; Z = pirazinamida; E = etambutol.
A corticoterapia na meningoencefalite tuberculosa deve ser feita com prednisona oral 1-2 mg/kg/dia por quatro semanas, ou dexametasona intravenosa nos casos mais
graves, 0,3-0,4 mg/kg/dia por 4-8 semanas, com desmame ao longo das quatro semanas subsequentes. Fisioterapia motora é mandatória em todos os casos, e deve ser
iniciada sem demora.
As indicações do esquema básico são: (1) casos novos de TB pulmonar ou extrapulmonar (exceto meningoencefalite e TB osteoarticular), infectados ou não pelo HIV; (2)
retratamento (exceto meningoencefalite e TB osteoarticular). O esquema para meningoencefalite e TB osteoarticular está indicado para os casos novos e retratamentos
destas formas específicas de TB extrapulmonar. Evidentemente, se um paciente com TB meningoencefálica ou osteoarticular apresentar tuberculose concomitante em
outra localização, o tratamento deverá ser feito com o esquema mais longo... Como vimos, no retratamento o paciente deve coletar TRM-TB, baciloscopia e cultura antes
de iniciar a terapia. Após o resultado desses exames ele deverá ser reavaliado quanto à adequação do esquema iniciado.
Perceba que a principal diferença em relação à faixa etária está no acréscimo do ETAMBUTOL para os pacientes com idade ≥ 10 anos. Tal fármaco não deve ser feito em
crianças com < 10 anos, pelo fato de acarretar maior toxicidade ocular neste subgrupo! Em relação à duração, o esquema básico (indicado para todas as formas de TB,
exceto a meningoencefálica e a osteoarticular) deve ser feito por seis meses, ao passo que o esquema para TB meningoencefálica e a osteoarticular deve ser estendido
até doze meses. Em ambos os casos, porém, a duração da fase intensiva é a mesma: os primeiros dois meses!
O esquema básico pode ser usado em GESTANTES nas doses habituais, porém é preciso associar piridoxina (vit. B6) 50 mg/dia, a fim de reduzir o risco de toxicidade
neurológica da isoniazida para o feto.
Para os adultos, as drogas agora são fornecidas em comprimidos de doses fixas combinadas (RHZE e RH), visando facilitar a adesão. Para as crianças, por outro lado, a
apresentação dos fármacos varia conforme a faixa de peso... O tratamento deve ser preferencialmente conduzido em nível ambulatorial, no âmbito da atenção primária. O
tratamento sob regime de internação hospitalar estará indicado nas situações descritas na .
Tab. 7
O paciente pode ser internado compulsoriamente para tratamento da TB? Sim, desde que esgotadas todas as possibilidades de abordagem terapêutica
ambulatorial, com avaliação do Serviço Social e aval do Ministério Público...
EFEITOS COLATERAIS
Os paraefeitos da terapia tuberculostática são classificados em dois grandes grupos: (1) efeitos menores; (2) efeitos maiores. Os primeiros não indicam a suspensão do
tratamento, podendo ser manejados pela equipe de atenção primária. Já os efeitos maiores devem levar à suspensão do tratamento, demandando um manejo mais
complexo, com necessidade de recursos da atenção secundária... A suspensão é geralmente temporária, podendo-se tentar reintroduzir os mesmos fármacos na maioria
das vezes. No entanto, quando o paciente experimenta reações de hipersensibilidade “graves” (como plaquetopenia, anemia hemolítica, injúria renal, entre outras), o
fármaco responsável deve ser definitivamente suspenso, uma vez que sua reintrodução irá causar uma nova reação de hipersensibilidade ainda mais grave... Observe as
e .
Tabela 7
Meningoencefalite tuberculosa (sempre internar na fase inicial do tratamento).
Intolerância aos medicamentos incontrolável em ambulatório.
Mau estado geral.
Intercorrências clínicas ou cirúrgicas relacionadas ou não à TB que necessitem de tratamento hospitalar.
Vulnerabilidade social (ex.: morador de rua) ou grupo com alto risco de abandono, especialmente se for retratamento, falência ou TB-MDR.
Tabelas 8 9
Tab. 8
Tab. 9
Que tipo de paciente apresenta risco aumentado de efeitos colaterais com o tratamento anti-TB? Observe a Tabela 10.
Tab. 10
EFEITOS MENORES (não indicam suspensão do esquema)
EFEITOS MAIORES (indicam suspensão e, muitas vezes, mudança no esquema)
Idade (a partir de 40 anos o aumento no risco é progressivo).
Alcoolismo (ingestão diária de álcool > 80 g).
Desnutrição (perda > 15% do peso corporal).
Hepatopatas.
Coinfecção pelo HIV.
Quais são os esquemas especiais para a substituição dos medicamentos de primeira linha quando estes últimos provocam efeitos adversos intoleráveis? Observe a
.
Tab. 11
Lfx = levofloxacino.
ACOMPANHAMENTO
O controle de tratamento nos pacientes bacilíferos é feito através de baciloscopias seriadas do escarro, idealmente a cada mês, mas de forma obrigatória no segundo,
quarto e sexto meses.
É importante ressaltar que a duração do esquema básico (seis meses) pode ser prolongada a critério médico, de acordo com a evolução clinicorradiológica do caso (isto é,
pode-se fazer mais três meses de tratamento de manutenção (RH), resultando num esquema 2 RHZE / 7 RH). Para tanto, as seguintes diretrizes devem ser observadas:
Tab. 12
*O Manual do Ministério da Saúde orienta que, antes de decidir pelo prolongamento da fase de manutenção, é preciso consultar uma unidade de referência em TB!!!
FALÊNCIA TERAPÊUTICA
Todo paciente com critérios de falência terapêutica ( ) deve receber o “esquema padrão para multirresistência” ou “esquemas especiais” individualizados, de
acordo com o perfil de sensibilidade do germe. Falaremos sobre resistência do BK um pouco mais à frente.
Tab. 13
Vejamos rapidamente alguns conceitos interessantes que poderão ser cobrados em prova...
● Tuberculose na gestante, o que eu preciso saber?
● Tuberculose e hepatopatia, o que eu preciso saber?
Tabela 11
INTOLE​RÂNCIA MEDICA​MENTOSA ESQUEMA
Rifampici​na 2 HZELfx / 10 HELfx
Isonia​zida 2 RZELfx / 4 RELfx
Pirazina​mida 2 RHE / 7 RH
Etambutol 2 RHZ / 4 RH
Situações onde se pode considerar o prolongamento da fase de manutenção, de forma individualizada*
Persistência de poucos bacilos no escarro após o quinto ou sexto mês.
Resposta clinicorradiológica insatisfatória, mesmo que a baciloscopia do escarro seja negativa.
TB pulmonar cavitária cuja baciloscopia persiste positiva após segundo mês de tratamento.
Monorresistência à R ou H, caso o paciente não apresente melhora clinicorradiológica satisfatória.
HIV/aids.
Diabetes mellitus.
Tabela 13
Falência
● Persistência de baciloscopia positiva ao final do tratamento.
● Pacientes com baciloscopia inicial fortemente positiva (++ ou +++) que mantêm essa situação até o quarto mês de tratamento.
● Positividade inicial da baciloscopia, seguida de negativação e retorno da positividade após o quarto mês, por dois meses consecutivos.
Se no momento do parto a mãe apresentar tuberculose ativa, realizar cultura e histopatologia da placenta.
Não há contraindicação ao esquema básico durante a gestação.
Não há contraindicação ao esquema básico durante o aleitamento.
O aleitamento está contraindicado na presença de mastite tuberculosa.
A mãe portadora de TB deve usar máscara cirúrgica durante o aleitamento e durante os cuidados com a criança.
Observe abaixo o algoritmo para manuseio do tratamento anti-TB nos casos de hepatopatia prévia e hepatotoxicidade atual:
Tab. 14
Lembre-se: devemos sempre tentar usar um esquema que contenha rifampicina e isoniazida, pois será mais eficaz...
● Tuberculose e nefropatia, o que eu preciso saber?
O clearance de creatinina sempre deve ser calculado para determinar a posologia correta das drogas.
Como regra prática, para pacientes que utilizarão o esquema básico e apresentam clearance de creatinina < 30 ml/min, recomenda-se o seguinte:
● Fase intensiva (primeiros dois meses): RHZE às segundas, quartas e sextas; RH às terças, quintas, sábado e domingo;
● Fase de manutenção (últimos quatro meses): RH diariamente.
Pacientes em programa de diálise devem tomar os medicamentos após o término da sessão de diálise.
● Tuberculose e HIV, o que eu preciso saber?
Apresentamos abaixo os dez conceitos essenciais que você não pode deixar de saber sobre este assunto...
Em um pequeno percentual de pacientes, as enzimas hepáticas sofrem elevações discretas e assintomáticas nos dois primeiros meses de tratamento. Nestes casos não
é necessário suspender o tratamento, apenas monitorizar (a maioria normaliza espontaneamente).
O tratamento deve ser interrompido se:
● Elevação das enzimas hepáticas > 5x LSN, assintomática;
● Elevação das enzimas hepáticas > 3x LSN, com sintomas;
● Surgimento de icterícia, independentemente das enzimas hepáticas.
Se após a interrupção do tratamento ocorrer normalização das alterações clinicolaboratoriais dentro de quatro semanas, reintroduzir o esquema básico na seguinte
sequência:
1. Rifampicina + etambutol;
2. Isoniazida;
3. Pirazinamida.
As drogas são reintroduzidas a intervalos de três a sete dias, e antes de cada etapa é necessário verificar o hepatograma! O tempo de tratamento começará a ser
contado a partir da data em que a reintrodução completa for possível…
Se as enzimas hepáticas não se reduzirem dentro de quatro semanas, ou caso a tuberculose seja grave o bastante a ponto de impossibilitar a suspensão temporária do
tratamento (ex.: meningoencefalite, TB miliar), devemos lançar mão do seguinte esquema alternativo:
5 Cm3 E Lfx / 7 E Lfx
ALT = alanina aminotransferase; AST = aspartato aminotransferase; LSN = Limite Superior da Normalidade; R = rifampicina; E = etambutol; Lfx = levofloxacino; Cm = capreomicina;
H = isoniazida; Z = pirazinamida. Abreviaturas acompanhadas de números: (1) o primeiro número indica o número de meses em que os medicamentos devem ser tomados; (2) o
segundo número indica o número de dias por semana que o medicamento deve ser tomado; (3) quando não houver especificação, considera-se uso diário, isto é, sete dias por
semana... Substituir a capreomicina pela estreptomicina se o teste de sensibilidade mostrar suscetibilidade a esta última e o paciente não possuir história prévia de uso de
estreptomicina.
No Brasil, a TB é a principal causa de morte em pessoas que vivem com HIV (letalidade da coinfecção ~ 20%), e cerca de 10% dos casos de TB ocorrem em indivíduos
HIV+. Por este motivo, é mandatório investigar HIV após o diagnóstico de tuberculose! O exame de escolha é o teste rápido para HIV.
Todo paciente infectado pelo HIV deve realizar PT ao diagnóstico, e depois, anualmente. Se PT ≥ 5 mm, descartada tuberculose doença, tratar Infecção Latente por
Tuberculose, a “ILTB” (ver adiante).
As manifestações clínicas da tuberculose variam conforme o grau de imunodepressão... Indivíduos com CD4 > 350 geralmente têm apresentação clínica semelhante a
de pessoas não infectadas pelo HIV, isto é, tuberculose pulmonar (lobo superior), com ou sem cavitação. CD4 < 350 costuma cursar com formas pulmonares atípicas
(ex.: infiltrado em lobos inferiores + adenopatia hilar), formas extrapulmonares ou mesmo TB disseminada (ex.: miliar + meningoencefalite).
Em todo paciente coinfectado por TB/HIV deve-se buscar o isolamento micobacteriano por meio de cultura, identificação e teste de sensibilidade.
A TARV está indicada para todo paciente HIV+ com tuberculose ativa (qualquer que seja a forma da doença), independentemente do nível de CD4. A genotipagem viral
pré-TARV está sempre indicada na coinfecção HIV-TB, porém não se deve esperar por seu resultado para começar o tratamento (isto é, inicia-se a TARV conforme as
orientações a seguir, ajustando-a posteriormente, caso necessário).
Recomenda-se não iniciar a TARV concomitantemente com a terapia tuberculostática, pelo risco de sobreposição de efeitos colaterais e, no caso da TB
meningoencefálica, pelo risco de síndrome da reconstituição imune grave, com desenvolvimento de hipertensão intracraniana... O primeiro tratamento a ser
iniciado é o tuberculostático, seguido da TARV. As atuais diretrizes são: (1) CD < 50 ou sinais clínicos de imunodeficiência avançada (exceto TB meníngea) =
começar TARV dentro das primeiras duas semanas de tratamento anti-TB; (2) TB meningoencefálica = começar TARV após a oitava semana de tratamento anti-TB; (3)
demais casos (CD4 > 50, ausência de TB meníngea) = começar TARV na oitava semana de tratamento anti-TB.
Sempre que possível o tratamento anti-TB para os pacientes HIV+ deve ser igual ao de pessoas não infectadas pelo HIV. É importante compreender que o uso de
rifampicina deve ser priorizado (maior eficácia do esquema anti-TB). O grande problema é que a rifampicina (indutora de citocromo P450) interage com diversos
antirretrovirais...
Atualmente, definem-se dois cenários: (1) pacientes coinfectados HIV-TB sem critérios de alto risco; (2) pacientes coinfectados HIV-TB com critérios de alto risco. Os
critérios de alto risco são (basta ter pelo menos um dos seguintes):
● CD4 < 100;
● Presença de outra doença oportunista;
● Doença grave/necessidade de internação hospitalar;
● TB disseminada.
Se nenhum desses critérios estiver presente, a TARV inicial de escolha será TDF + 3TC + EFV (tenofovir, lamivudina e efavirenz), ou seja, 2 ITRN/ITRNt + ITRNN... Por
outro lado, se pelo menos um critério estiver presente (ou se houver intolerância ao EFV), a TARV inicial de escolha passa a ser TDF + 3TC + RAL (raltegravir), ou seja, 2
ITRN/ITRNt + inibidor de integrase.
Terminado o tratamento da TB, pode-se optar pela prescrição da TARV de primeira linha na atualidade, que consiste na combinação de TDF + 3TC + DTG (dolutegravir, um
inibidor de integrase ministrado em dose única de 50 mg/dia).
E se o paciente já estiver em uso da TARV padrão (TDF + 3TC + DTG) quando receber o diagnóstico de TB? Neste caso, o esquema TDF + 3TC + DTG deverá ser mantido,
com a diferença que o DTG, que era ministrado em dose única de 50 mg/dia, passará a ser feito na dose de 50 mg de 12/12h até 15 dias após término do tratamento da
TB. Findo este prazo, retorna-se a dose de DTG para 50 mg/dia... Isto é necessário porque a rifampicina diminui os níveis séricos de DTG, e o aumento na dose deste último
é feito para contornar tal problema, permitindo a continuidade do uso do DTG com segurança e eficácia, durante o período em que for necessário coadministrar o
tratamento anti-TB.
Quando o paciente não puder utilizar o DTG, o esquema de segunda linha passa a ser TDF + 3TC + RAL (raltegravir, que também é um inibidor de integrase).
Caso nenhum desses esquemas possa ser usado (ex.: intolerância ou resultado da genotipagem do HIV mostrando resistência viral) e seja necessário associar um Inibidor
de Protease (IP) – uma classe que diminui muito os níveis séricos de rifampicina – deve-se substituir esta última pela rifabutina (150 mg/dia). Se nenhuma rifamicina
puder ser usada (ex.: intolerância), devemos associar estreptomicina ao esquema tuberculostático, que fica assim: 2 HZES/10 HE.
O risco de reações adversas aos medicamentos anti-TB é maior no portador do HIV. A explicação é que a ativação ininterrupta do sistema imunoinflamatório que
caracteriza a infecção pelo HIV aumenta a chance de surgirem reações de natureza alérgica/imunológica contra substâncias exógenas.
A TB ativa, por estimular o sistema imunológico, promove aumento da carga viral e diminuição da contagem de CD4 (fenômeno da transativação heteróloga do HIV).
Assim, não devemos dosar esses marcadores antes de iniciar o tratamento específico anti-TB (pois os resultados estarão falseados)! Podemos dosar o CD4 e a carga
viral trinta dias após o início do tratamento anti-TB.
● Tuberculose e Tabagismo, o que eu preciso saber?
Estima-se que cerca de 20% da incidência de tuberculose possa ser diretamente atribuída ao tabagismo ativo!!! Logo, é óbvio que qualquer programa de controle da
tuberculose deve englobar medidas para o controle do tabagismo…
O tabagismo (ativo ou passivo) é comprovadamente um fator de risco INDEPENDENTE para os seguintes desfechos:
● TB infecção;
● TB doença;
● Recidiva de TB;
● Mortalidade por TB.
As explicações são as seguintes: (1) o tabagismo reduz as defesas da árvore respiratória; (2) reduz a tensão de O2 no sangue, agravando as lesões necróticas
pulmonares; (3) prejudica a cicatrização, aumentando a extensão da doença e suas sequelas.
Além de recomendações de cunho político-econômico, como por exemplo, aumentar os impostos sobre o cigarro, restringir sua propaganda e promover campanhas
educativas para a população, o programa de controle da tuberculose também recomenda que todos os pacientes com tuberculose sejam questionados a respeito de
tabagismo. Aqueles que fumam devem ser aconselhados a parar. Tal recomendação, à primeira vista, pode parecer simplória demais e, quiçá, sem qualquer efeito
prático… Entretanto, um estudo realizado em unidades de atendimento à TB no Rio de Janeiro mostrou que esta conduta (chamada de “intervenção breve”) é
comprovadamente benéfica!!!
Durante a consulta, intervenções breves de cinco a dez minutos (com explicações adaptadas para o grau de compreensão de cada paciente em particular) podem
aumentar a taxa de abandono do tabagismo em fumantes portadores de tuberculose!!!
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  • 1.
  • 2. - ÍNDICE - CAP. 1: EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNEGE DA TUBERCULOSE PULMONAR EPIDEMIOLOGIA INTRODUÇÃO EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL E NO MUNDO AGENTE ETIOLÓGICO TRANSMISSÃO E INFECTIVIDADE PATOGÊNESE INSTALAÇÃO DA PRIMOINFECÇÃO SURGIMENTO DA IMUNIDADE MECANISMO DE DOENÇA PATOLOGIA SÍNDROMES DA TUBERCULOSE PROVA TUBERCULÍNICA (PT) OU “PPD” IGRA (ENSAIO DE LIBERAÇÃO DE INTERFERON GAMA) CAP. 2: CLÍNICA, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E PROFILAXIA DA TUBERCULOSE PULMONAR APRESENTAÇÃO CLINICORRA​DIOLÓGICA TUBERCULOSE PULMONAR PRIMÁRIA TUBERCULOSE PÓS-PRIMÁRIA TUBERCULOSE PRIMÁRIA DO ADULTO TUBERCULOSE NA AIDS DIAGNÓSTICO PACIENTE ADULTO (TB PÓS-PRIMÁRIA) PACIENTE PEDIÁTRICO (< 10 ANOS DE IDADE): COMO DIAGNOSTICAR TB PRIMÁRIA NA CRIANÇA? ABORDAGEM TERAPÊUTICA INTRODUÇÃO TRATAMENTO DIRETAMENTE OBSERVADO (TDO) TERAPIA TUBERCULOSTÁTICA RESISTÊNCIA DO BACILO DE KOCH CONTROLE DE CONTATOS TRATAMENTO DA ILTB VACINA BCG CAP. 3: TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR INTRODUÇÃO TB PLEURAL TB MILIAR TB MENÍNGEA OUTRAS FORMAS DE TB EXTRAPULMONAR TUBERCULOSE GANGLIONAR (ESCRÓFULA) TUBERCULOSE RENAL TUBERCULOSE PERICÁRDICA TUBERCULOSE PERITONEAL TUBERCULOSE OSTEOARTICULAR TUBERCULOSE GENITAL TUBERCULOSE GASTROINTESTINAL TUBERCULOSE OFTÁLMICA CAP. 4: MICOSES PULMONARES INTRODUÇÃO PARACOCCIDIOIDOMICOSE AGENTE ETIOLÓGICO TRANSMISSÃO E EPIDEMIOLOGIA APRESENTAÇÃO CLÍNICA EXAMES COMPLEMENTARES DIAGNÓSTICO TRATAMENTO HISTOPLASMOSE AGENTE ETIOLÓGICO TRANSMISSÃO E QUADRO CLÍNICO RADIOLOGIA, LABORATÓRIO E DIAGNÓSTICO TRATAMENTO ASPERGILOSE AGENTE ETIOLÓGICO FORMAS CLÍNICAS CRIPTOCOCOSE AGENTE ETIOLÓGICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO TRATAMENTO APÊNDICE: CANDIDÍASE
  • 4. CAP. 1 EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNEGE DA TUBERCULOSE PULMONAR Video_01_Pneu2 EPIDEMIOLOGIA INTRODUÇÃO A tuberculose é uma doença infectocontagiosa que pode ser causada por qualquer uma das sete espécies do "complexo Mycobacterium tuberculosis": M. tuberculosis, M. bovis, M. africanum, M. canetti, M. microti, M. pinnipedii e M. caprae. A etiologia mais importante é o M. tuberculosis, cuja principal característica é a preferência pelo parênquima pulmonar e a transmissão de pessoa a pessoa através da inalação de partículas de aerossol contaminadas, as quais são produzidas pela tosse, espirro ou fala do paciente “bacilífero” (aquele que elimina bacilos no escarro, o que só acontece na TB de vias aéreas: pulmonar ou laríngea). Em alguns locais (geralmente no meio rural), o principal agente etiológico passa a ser o M. bovis, adquirido pela ingestão de leite ou derivados não pasteurizados produzidos a partir do gado bovino contaminado. Neste caso, as manifestações clínicas são idênticas as do M. tuberculosis, notando-se uma maior frequência de apresentações extrapulmonares, principalmente TB ganglionar. A tuberculose afeta a humanidade desde tempos imemoriais... Existem indícios arqueológicos sugestivos de tuberculose óssea no período neolítico (5.000 a.C. a 4.000 a.C.). Na história escrita, os primeiros relatos – encontrados na Índia – datam de 700 a.C. Hipócrates, o famoso médico grego, denominou a doença de phthisis, termo que significa “derreter” (ou “esvair”), dando a base etimológica para o radical “tisio” (ex.: tísico)... Aristóteles descreveu pela primeira vez sua natureza contagiosa, a qual foi confirmada posteriormente pela descoberta de seu principal agente etiológico por Koch, no século XIX: o Mycobacterium tuberculosis, ou Bacilo de Koch (BK). Surgiu a tisiologia – um importante ramo da medicina naquela época! Com a revolução industrial, em fins do século XVIII, as circunstâncias epidemiológicas dos agregados urbanos (miséria, desnutrição, aglomeração) facilitaram um grande aumento no número de casos da doença, que se tornou a responsável por quase um quarto de todas as mortes na população europeia – era a chamada “peste branca” (em contrapartida à “peste negra” do passado). Até o desenvolvimento das drogas tuberculostáticas, o tratamento se baseava em repouso ao ar livre (“sanatórios”), com cerca de metade dos pacientes falecendo. Após introdução da radiografia de tórax, generalizou-se o conceito de que a doença possuía natureza cavitária, e assim seu tratamento passou a incluir uma cirurgia de obliteração da “caverna” tuberculosa... Em 1946, a estreptomicina foi usada no combate ao bacilo, mostrando algum sucesso. Em 1952, surgiu a isoniazida e, em 1970, a rifampicina, ambas revelando-se excelentes agentes antituberculosos! A partir daí, a maioria dos pacientes tratados passou a obter a cura, sem necessidade de “sanatórios” ou “colapsoterapia” das lesões cavitárias. A doença passou para as mãos do clínico, e os pacientes internavam em hospitais comuns. A letalidade despencou de 50% para < 10%, o que fez com que muitos acreditassem que o problema estava em vias de ser definitivamente erradicado...
  • 5. Entretanto, nos dias de hoje, a despeito de um aparente controle em meados do século passado (pelo menos em algumas partes do mundo), voltamos a um contexto epidemiológico global bastante crítico em relação à tuberculose, devido à reemergência da doença em nível mundial (fato principalmente relacionado à pandemia de HIV)! A TB preenche os critérios de priorização de um agravo em saúde pública: magnitude; transcendência e vulnerabilidade (isto é, alta incidência/prevalência, relevância para a sociedade e potencial de cura). EPIDEMIOLOGIA NO BRASIL E NO MUNDO O Brasil pertence ao grupo de 30 países definido pela OMS como prioritário para o controle da TB (países que detêm cerca de 90% da carga global da doença). A incidência de TB em nosso meio tem girado em torno de 71 mil casos novos por ano, com pouco mais de quatro mil óbitos. Vale dizer que, atualmente, cerca de 10% dos casos novos de tuberculose diagnosticados no Brasil apresentam coinfecção pelo HIV. É importante compreender que a tuberculose ainda afeta a sociedade brasileira de forma bastante heterogênea, o que significa que existem locais e subgrupos populacionais que apresentam maior risco e vulnerabilidade! O grupo mais afetado pela TB no Brasil é o dos negros (pretos e pardos), que responde por mais da metade dos casos novos. Dentro deste grupo as taxas de diagnóstico precoce, testagem para HIV, realização de cultura do escarro em casos de retratamento e cura/abandono do tratamento, isto é, indicadores “operacionais” que refletem a oferta e a qualidade dos serviços de saúde, são consistentemente inferiores ao observado para a população “não negra”... Um subconjunto de altíssimo risco é o dos presidiários (coeficiente de incidência cerca de 28 vezes maior que o da população geral). Logo, o acesso ao diagnóstico e tratamento da TB ainda não é feito de forma igualitária para todos, e as razões para isso são múltiplas e complexas, envolvendo questões econômicas, sociais, culturais, históricas e políticas... Em nível mundial, a maioria dos casos novos ocorre na Ásia (55%) e na África (33%), sendo menor o percentual das Américas (3%), inclusive menor que o da Europa (5%). O número absoluto de casos novos no mundo aumentou, porém, devido ao crescimento populacional concomitante, a taxa de incidência global (nº de casos/100.000 habitantes) vem declinando de forma discreta (cerca de 1% ao ano)… Os casos novos coinfectados pelo HIV somam 15% do total mundial, e cerca de 80% destes ocorrem na África! A TB Multirresistente (MDR) é uma ameaça em constante evolução, e já representa cerca de 5% do total mundial de casos novos… No Brasil, o percentual de casos novos com TB-MDR ainda é baixo. Para que a cadeia de transmissão da TB seja efetivamente quebrada, a OMS recomenda que o percentual de cura em cada país seja de no mínimo 85%, com taxas de abandono inferiores a 5%. Os últimos dados nacionais revelam taxa média de cura de 74,6%, com 10,8% de abandono, quer dizer, o Brasil ainda precisa melhorar suas estratégias para o controle da tuberculose... AGENTE ETIOLÓGICO Como vimos, o principal agente causal da tuberculose é o Mycobacterium tuberculosis. De forma mais rara, a doença também pode ser causada por outras espécies do complexo M. tuberculosis, como o M. bovis. Todos pertencem à família das micobactérias (Mycobacteriaceae), ordem dos actinomicetos (Actinomycetales)... Fora deste grupo, existem mais de 150 espécies diferentes de micobactérias (incluindo o M. leprae, agente da hanseníase), genericamente referidas como “MNT” (Micobactérias Não Tuberculosas). Fig. 1: Tuberculose cavitária.
  • 6. As micobactérias são pequenos bacilos de 2-4 µm, discretamente curvos, que possuem uma curiosa propriedade tintorial: após corar a lâmina com carbolfucsina (corante avermelhado), aquecê-la, e descorá-la com álcool e ácido, acrescentando azul de metileno (método de Ziehl-Neelsen), os bacilos retêm a coloração avermelhada do corante inicial, que contrasta com o fundo azul... Tal propriedade é chamada de álcool-ácido resistência, e é daí que vem o termo Bacilo Álcool-Ácido Resistente (BAAR). A explicação está na composição da parede celular com lipídios de alto peso molecular, como o ácido micólico, que protegem o bacilo da agressão exógena pelo álcool e pelo ácido. Veja a Vale ressaltar que as outras micobactérias são virtualmente idênticas ao bacilo de Koch na bacterioscopia. Existem ainda certos micro-organismos, como Nocardia asteroides e Rhodococcus equi, que também são Ziehl-Neelsen positivos. A coloração de Gram pode destacar o M. tuberculosis, que aparece como bastonete fracamente Gram-positivo... Enquanto as outras micobactérias são, em geral, saprófitas, o M. tuberculosis é um agente eminentemente patogênico, que vive do parasitismo de seu único reservatório – o ser humano. Por ser estritamente aeróbio, o bacilo de Koch procura microambientes com altas tensões de O2, com os ápices pulmonares. De todos os infectados, somente cerca de 5-10% adoecem, com muitos se tornando fontes de infecção. Estes são representados especialmente pelos adultos com a forma cavitária/bacilífera pulmonar. Estima-se que cada indivíduo bacilífero infecte 10-15 pessoas por ano, mantendo assim o ciclo de vida do bacilo de Koch na população. Video_02_Pneu2 TRANSMISSÃO E INFECTIVIDADE A fala, o espirro e, principalmente, a tosse de um doente com tuberculose pulmonar bacilífera lançam no ar gotículas contaminadas de tamanhos variados (gotículas de Flügge). As mais pesadas se depositam rapidamente, e as mais leves permanecem em suspensão no ar. Somente as gotículas desidratadas, com pequeno diâmetro (de até 5 micra), contendo um a dois bacilos em suspensão, conseguem atingir bronquíolos e alvéolos e iniciar o processo infeccioso. Tais partículas infectantes são chamadas núcleos de Wells. As partículas médias ficam retidas na mucosa do trato respiratório superior e são removidas dos brônquios através do fluxo mucociliar. Os bacilos assim removidos são deglutidos, inativados pelo suco gástrico e eliminados nas fezes. Os bacilos que se depositam nas roupas, lençóis, copos e outros objetos dificilmente se dispersarão em aerossóis e, por isso, não desempenham papel importante na transmissão. Após o contato com essas partículas, quais são os determinantes da chance de infecção? A chance de uma pessoa se infectar após contato com um paciente bacilífero depende: (1) da concentração de bacilos expelidos pelo paciente tuberculoso; (2) da intensidade e frequência do contato; (3) de condições ambientais; e (4) da resistência natural do indivíduo exposto. Eliminação de bacilos pela fonte: é importante ressaltar que a maioria dos indivíduos infectados pelo BK (“prova tuberculínica positiva” - ver adiante) não é bacilífera, logo, não transmite a doença. Apenas os que desenvolvem “tuberculose doença” podem eliminar bacilos e transmiti-los... Ainda, dos que adoecem, nem todos eliminam bacilos... Os chamados multibacilíferos (representados principalmente pelas formas pulmonar cavitária e laríngea da doença) são definidos pela presença de baciloscopia positiva no escarro (“BAAR positivos”). Estes são os principais responsáveis pela transmissão da tuberculose! Os chamados paucibacilíferos (geralmente as formas não cavitárias) são definidos pela baciloscopia do escarro negativa, mas com cultura ou teste rápido molecular (TRM-TB) positivos. Um estudo mostrou que a chance de transmissão domiciliar foi de 50% quando a fonte era multibacilífera e de apenas 5% quando a fonte era paucibacilífera. Ainda existem os não bacilíferos, representados pelas formas extrapulmonares de tuberculose. Cumpre ressaltar que crianças com TB pulmonar de um modo geral NÃO são bacilíferas, logo, não desempenham papel importante na cadeia de transmissão... Sendo assim, sempre que encontrarmos uma criança doente, temos que procurar o adulto que lhe transmitiu a infecção (geralmente algum contato intradomiciliar multibacilífero). Intensidade e frequência do contato: em tese, apenas um bacilo seria o suficiente para iniciar a infecção. Contudo, estima-se que na prática pelo menos 20-200 bacilos sejam necessários para desencadear o processo. Na verdade, quanto maior o inóculo de bacilos e menor a resistência natural do contactante, maior a chance de infecção! Os contatos esporádicos raramente são infectados, enquanto os contatos diários e domiciliares comumente o são. A chance de transmissão em contatos domiciliares beira os 30-50%. FIGURA 2. Fig. 2: Bacilo de Koch corado pela técnica de Ziehl-Neelsen (vários “BAAR”).
  • 7. Fatores ambientais: as partículas infectantes podem ficar dispersas no ar por algumas horas, mas são rapidamente “diluídas” se estiverem em ambientes ao ar livre, onde também costumam ser inativadas pela luz ultravioleta solar. Portanto, o risco de transmissão é muito maior em ambientes confinados e pouco iluminados. Contactantes diários neste tipo de ambiente podem ter um risco de transmissão > 80%. Tab. 1 PATOGÊNESE INSTALAÇÃO DA PRIMOINFECÇÃO A primoinfecção ou infecção primária define os eventos decorrentes do primeiro contato com o agente infeccioso. No Brasil – um país endêmico de tuberculose – a primoinfecção é mais comum na infância e na adolescência, embora possa ocorrer em qualquer idade! Ao alcançar o espaço alveolar, o bacilo da tuberculose é inicialmente fagocitado por macrófagos locais. Esses fagócitos são incapazes de destruir ou mesmo inativar o bacilo, que então se prolifera livremente em seu interior – Após acumular um grande número de bacilos, a célula se rompe e morre, liberando-os para infectar outros macrófagos. Neste momento, novos fagócitos são atraídos para o local, desenvolvendo-se um pequeno foco pneumônico (imperceptível na radiografia) cujo número de bacilos pode ultrapassar 100 mil. A imunidade específica ainda não se instalou, portanto, a proliferação bacilar é alta. Os bacilos são drenados para linfonodos hilares e mediastinais, onde continuam se proliferando no interior de macrófagos e, em seguida, atingem a corrente sanguínea, sendo semeados para diversos órgãos e sistemas, nos quais também começam a se proliferar. SURGIMENTO DA IMUNIDADE Determinantes do risco de tuberculose Maior Inóculo inalado pelo contactante: ● Quantidade de bacilos expelidos pela fonte; ● Tempo e proximidade do contato; ● Condições ambientais – confinamento, pouca luz solar. Menor resistência natural do contactante: ● Aspectos genéticos; ● Doenças debilitantes ou imunodepressoras. Assim, podemos dizer que fatores exógenos determinam o risco de infecção e fatores endógenos determinam o risco de adoecimento. FIGURA 3. Fig. 3: BK se proliferando nos macrófagos não ativados.
  • 8. Felizmente, após 2-10 semanas, a imunidade celular específica se desenvolve plenamente, permitindo uma defesa eficaz contra o M. tuberculosis. O que acontece a partir de agora? Os linfócitos T helper CD4+ específicos contra os antígenos bacilares se proliferam (“memória imunológica”) e tornam-se capazes de ativar os macrófagos, pela liberação de interleucinas (ex.: IL-2). Os macrófagos aumentam seu citoplasma, alguns ganhando aspecto semelhante ao das células epiteliais (“células epitelioides”), além de multiplicar sua capacidade bactericida. Estas células então se acumulam em volta do foco de infecção primária e nos focos de disseminação linfonodal e hematogênica. Em 95% dos casos, a infecção tuberculosa será efetivamente controlada em todos esses focos, permanecendo o paciente absolutamente assintomático – A reunião de macrófagos circundados por um infiltrado de linfócitos compõe o granuloma – um tipo especial de reação inflamatória que representa a hipersensibilidade tipo IV. O granuloma pode conter em seu interior as chamadas células gigantes de Langerhans – , formadas pela fusão de vários macrófagos ativados. No caso específico da tuberculose, no centro da reação granulomatosa surge uma área de necrose “sólida” do tipo caseosa. O termo caseoso vem do latim caseum (parecido com “queijo”) e define o granuloma caseoso. Tal aspecto é secundário à presença de lipídios degradados da parede micobacteriana (com o ácido micólico). FIGURA 4. Fig. 4: Contenção do processo infeccioso. O foco é contido pela formação do granuloma tuberculoso em 95% dos casos. FIGURA 5
  • 9. Video_03_Pneu2 QUADRO DE CONCEITOS I Além do foco primário, existem múltiplos focos de disseminação linfo-hematogênica em vários órgãos, inclusive no próprio pulmão. Curiosamente, um pequeno número de bacilos permanece latente (inativos, porém viáveis) no interior desses granulomas! Mais cedo ou mais tarde, um ou mais desses focos pode ser reativado, determinando uma nova proliferação de bacilos e tuberculose pós-primária – ver adiante. O foco granulomatoso pulmonar onde tudo começou é chamado de “foco primário” ou nódulo de Ghon. Geralmente ele é único, e se localiza no terço médio (lobo médio, língula, parte inferior do lobo superior ou parte superior do lobo inferior). Entretanto, pode se instalar em qualquer local do pulmão e raramente é múltiplo. Na maioria das vezes, este foco é pequeno (1-2 mm), e não chega a ser visualizado na radiografia de tórax... Contudo, eventualmente atinge dimensões > 8 mm e aparece no raio X como um nódulo pulmonar solitário – ver . É comum a calcificação homogênea desse nódulo após cicatrização. O foco nos linfonodos satélites também pode crescer, levan-do à adenopatia hilar e/ou mediastinal ipsilateral – ver FIGURA 6B. A associação do nódulo de Ghon com adenopatia satélite é chamada de “complexo primário” ou complexo de Ranke. Fig. 5: Granuloma caseoso. Observe a célula gigante de Langerhans (multinucleada, em volta do cáseo). Acabamos de descrever a disseminação linfo-hematogênica característica da primoinfecção. Ela ocorre de forma precoce, antes do desenvolvimento de imunidade específica contra o bacilo. FIGURA 6A
  • 10. MECANISMO DE DOENÇA Vamos entender agora como o bacilo da tuberculose causa doença... O desenvolvimento de “tuberculose-doença” depende basicamente da “guerra” entre bacilo e hospedeiro. Nesta “batalha”, existe um fato curioso: a lesão tecidual é decorrente da resposta imunológica do hospedeiro, e não de um efeito direto do bacilo, que é desprovido de toxinas de alto poder lesivo... Ou seja, em alguns pacientes, a tentativa de controlar a infecção acaba gerando destruição tecidual! Quando a carga de bacilos é muito grande, a resposta imunológica tende a ser exacerbada, formando focos maiores de granuloma caseoso. Em alguns pacientes, as células do granuloma conseguem de fato conter o processo (focos “regressivos”), mas em outros elas continuam apenas “tentando”, sem efetivamente “completar o serviço”. A consequência é a progressão da lesão inflamatória e a formação dos chamados focos “progressivos” – analise atentamente a . Fig. 6A: Nódulo de Ghon. Fig. 6B: Adenopatia hilar. FIGURA 7
  • 11. No cáseo os bacilos se proliferam com muita dificuldade, devido à baixa tensão de O2 e pH ácido. Se o cáseo for mantido, o processo tem chance maior de estabilizar. Contudo, aí vem o grande perigo: a liquefação da necrose caseosa... Seu mecanismo é a liberação excessiva de enzimas destrutivas pelos macrófagos ativados que circundam o foco caseoso! Os produtos da degradação do cáseo aumentam a osmolaridade local, “puxando” água do tecido circunjacente e transformando o material num excelente meio de cultura (rico em nutrientes). Dessa forma, pela primeira vez o bacilo poderá se multiplicar no ambiente extracelular!!! Se a lesão atingir um brônquio, erodindo sua parede e permitindo a comunicação com o espaço aéreo, rico em O2, a proliferação bacilar se exacerbará ainda mais... Surge então a caverna tuberculosa, um ambiente propício ao acúmulo de quantidades absurdas do bacilo de Koch, chegando a mais de um milhão por ml... O material liquefeito é despejado na árvore brônquica, levando à disseminação endobrônquica da tuberculose, além de ser expelido ao meio externo, contaminando circunstantes suscetíveis. QUADRO DE CONCEITOS II QUADRO DE CONCEITOS III PATOLOGIA Existem três tipos de lesão parenquimatosa na tuberculose: (1) proliferativa; (2) exsudativa; e(3) mista. A lesão proliferativa (ou produtiva) – – é caracterizada pela formação de granulomas caseosos bem formados, chamados de “tubérculos”, que desenvolvem cápsula fibrosa. A infecção está contida dentro desses focos inflamatórios... A lesão exsudativa caracteriza a pneumonia tuberculosa ( e 9B): os alvéolos são preenchidos por macrófagos e neutrófilos, entremeados à necrose caseosa. A resposta exsudativa costuma ocorrer nos focos de disseminação broncogênica (fistulização de foco pulmonar liquefeito ou linfonodo hilar infectado para o lúmen de um brônquio lobar ou segmentar). A confluência dessas áreas pode levar à formação de grandes focos caseosos que se liquefazem e viram novas “cavernas”. De um modo geral, pequenos inóculos geram lesões proliferativas, enquanto grandes inóculos geram lesões exsudativas. O mais comum, no entanto, é a presença dos dois tipos de lesão no mesmo paciente, em diferentes áreas do pulmão – tipo misto. Fig. 7: Patogênese da tuberculose (bacilo versus hospedeiro). O granuloma caseoso é o grande marco histopatológico da tuberculose. As demais causas de granuloma (micoses profundas, sarcoidose, doença de Crohn, angiite granulomatosa ANCA (+), etc.) não apresentam necrose caseosa. Nos casos em que a resposta imunológica não consegue controlar a proliferação bacilar (ex.: quando o inóculo é muito grande), formam-se grandes áreas de necrose caseosa. Estas podem liquefazer-se, por ação de enzimas líticas liberadas pelos macrófagos do granuloma, transformando-se num verdadeiro “caldo de cultura” para a proliferação do bacilo de Koch. No pulmão, o processo pode erodir a parede brônquica, comunicando-a com o espaço aéreo. A entrada de ar na cavidade forma a “caverna tuberculosa”, onde a quantidade de bacilos aumenta absurdamente. O material despejado na árvore brônquica justifica a disseminação endobrônquica do BK. FIGURA 9A FIGURAS 8
  • 12. Fig. 8: Pneumonia tuberculosa. Um grande inóculo de bacilos atingiu os alvéolos. Observe o preenchimento alveolar com áreas de necrose caseosa de permeio.
  • 13. SÍNDROMES DA TUBERCULOSE PRINCÍPIOS GERAIS A doença tuberculosa se desenvolve em apenas 10% dos indivíduos infectados. Em 5% dos casos, a primoinfecção evolui diretamente para a doença – tuberculose primária – que ocorre dentro dos primeiros três anos da infecção, geralmente no primeiro ano (período de incubação: um mês a três anos). Nos 5% restantes, a doença se desenvolve após três anos da primoinfecção (geralmente décadas depois) – tuberculose pós-primária, antigamente denominada “tuberculose secundária”... Como veremos, este tipo de tuberculose pode ser decorrente da reativação de um foco latente da primoinfecção ou simplesmente de uma reinfecção (nova inalação de bacilos). QUADRO DE CONCEITOS IV Enquanto a tuberculose primária é a forma clássica da doença em crianças pequenas, a tuberculose pós-primária ocorre quase que exclusivamente em pessoas com mais de 15 anos de idade... TUBERCULOSE PRIMÁRIA TÍPICA Esta é a forma mais comum nas crianças entre 2-12 anos cuja resposta imunológica dos linfonodos hilares e mediastinais é exacerbada. Neste caso, o complexo primário costuma ser representado por uma pequena área de pneumonite, ocupando geralmente o terço médio do pulmão, associada a uma grande adenomegalia hilar e/ou mediastinal ipsilateral. Este aumento linfonodal acentuado pode levar à compressão brônquica, cursando com atelectasia (segmentar, lobar ou mesmo pulmonar total). A ruptura do foco caseoso para o brônquio resulta em pneumonia tuberculosa – , devido à grande quantidade de bacilos que invadem os alvéolos. Qualquer segmento ou lobo pulmonar pode ser afetado... TUBERCULOSE PRIMÁRIA PROGRESSIVA Fig. 9A: Forma proliferativa. Tuberculose cavitária com disseminação endobrônquica - observe o infiltrado formado por “tubérculos” confluentes nos 2/3 inferiores - cada um desses “tubérculos” é um foco “proliferativo” de tuberculose. Fig. 9B: Forma exsudativa. Um linfonodo caseoso rompeu para o lúmen brônquico, disseminando um grande inóculo de bacilos para o lobo inferior. Nesta localização desenvolveu-se uma pneumonia tuberculosa – foco “exsudativo”. Taxa de adoecimento ~10%. ● Tuberculose primária: ocorre dentro dos primeiros três anos da primoinfecção, geralmente no primeiro ano. ● Tuberculose pós-primária: ocorre após três anos da primoinfecção, por reativação de foco latente ou por reinfecção (nova inalação de bacilos). FIGURA 9B
  • 14. Ocorre em pacientes que se infectam com um grande inóculo de bacilos, ou quando as defesas imunológicas estão deprimidas. Neste caso, o foco primário evolui para uma grande área de inflamação granulomatosa e exsudativa, evoluindo para pneumonia tuberculosa – . O local mais comum desta pneumonia é exatamente a localização mais frequente do foco primário (terço médio do pulmão). Podem surgir grandes focos caseosos locais que, ao se liquefazerem, transformam-se em “cavernas” e disseminam a doença para outros lobos pulmonares. Pode ou não haver adenomegalia hilar/mediastinal satélite (esta associação é mais comum em crianças, sendo menos frequente em adultos). TUBERCULOSE MILIAR Esta forma é mais comum em crianças menores de dois anos e não vacinadas com BCG, ou então em pacientes com imunodepressão moderada a grave (ex.: desnutrição, aids). Lembre-se da disseminação linfo-hematogênica logo após a primoinfecção... Normalmente, os focos são contidos quando da instalação da imunidade e permanecem latentes. Nesta forma de tuberculose, entretanto, tais focos não são contidos e evoluem com progressão da lesão e grande proliferação bacilar. O foco primário pode progredir e continuar lançando bacilos no sangue, ou então um foco metastático na parede de uma veia pulmonar (foco de Weigart) pode ser o responsável pela continuidade da disseminação. O interstício pulmonar e as meninges são os tecidos mais afetados, mas a doença também está presente no sistema reticuloendotelial (fígado, baço, linfonodos, medula óssea, etc.). Se não tratada precocemente, quase sempre leva a criança a óbito. O termo “miliar” vem do aspecto macroscópico multinodular pulmonar – os nódulos granulomatosos intersticiais são semelhantes às sementes de millet, uma espécie de gramínea – . A meningite tuberculosa, também mais comum em crianças < 2 anos, é uma forma de tuberculose miliar primária. Veremos adiante que a vacina BCG previne estas complicações. FIGURA 10 Fig. 10: Tuberculose primária progressiva. Temos adenopatia hilar (direita) e pneumonia tuberculosa nos lobos inferiores. FIGURA 11
  • 15. TUBERCULOSE PÓS-PRIMÁRIA (“FORMA DO ADULTO”) A tuberculose pós-primária é definida como a forma da doença que se desenvolve em pacientes infectados pela tuberculose há mais de três anos, ou seja, que já tiveram contato prévio com o BK. Antigamente, era chamada de tuberculose secundária ou “do adulto”, numa época em que quase todas as crianças da área endêmica se infectavam pelo bacilo de Koch, ou seja, quase todos os adultos eram reatores na prova tuberculínica... Atualmente, continua sendo a forma predominante em adolescentes e adultos, porém devemos ressaltar que estes indivíduos também podem apresentar tuberculose primária! A tuberculose pós-primária pode ocorrer por: (1) reativação de um foco latente; ou por (2) reinfecção – inalação de um novo inóculo bacilar. Em países com baixa incidência de tuberculose quase todos os casos são devidos à reativação, enquanto nos países com grande número de indivíduos infectantes (como na África negra), a regra é a tuberculose por reinfecção. No Brasil, provavelmente os dois tipos ocorrem numa frequência semelhante. Os focos intersticiais (focos de Simon) que se disseminaram pelo parênquima pulmonar durante a primoinfecção contêm o bacilo na forma latente. Por mecanismos pouco conhecidos, geralmente relacionados a uma queda (mesmo que sutil) da imunidade, estes bacilos são novamente ativados e voltam a se proliferar nos macrófagos. Os segmentos posteriores dos lobos superiores e o segmento superior dos lobos inferiores (segmento 6) são os mais acometidos pela tuberculose pós-primária – Existem duas explicações plausíveis para este fato: (1) maior tensão de O2 nos alvéolos da porção superior dos pulmões; (2) menor drenagem linfática desses segmentos. Curiosamente, a reinfecção após inalação de nova carga de bacilos determina uma doença com as mesmas características da reativação, acometendo as mesmas regiões pulmonares. Fig. 11: Tuberculose miliar. FIGURA 12.
  • 16. Como a “memória imunológica” já está desenvolvida, a reação granulomatosa se instala rapidamente, juntamente com áreas de necrose caseosa. Uma resposta mista, com componente proliferativo e exsudativo, toma o tecido pulmonar afetado. Nesse momento, é muito comum a formação de um grande foco caseoso que evolui com liquefação e eliminação do material na árvore brônquica. Suas possíveis consequências: (1) surgimento da “caverna tuberculosa” – um local rico em O2 onde o bacilo se multiplica de forma absurda; (2) disseminação broncogênica – grande carga bacilar atingindo outros lobos e segmentos pulmonares (incluindo o pulmão contralateral), determinando infiltrados pneumônicos; e (3) transmissão da infecção – a cada tosse, espirro, ou mesmo durante a fala, uma infinidade de gotículas contendo bacilo viável é expelida. Vale frisar que, apesar da resposta imunológica exacerbada, não costuma haver adenopatia hilar ou mediastinal em adultos da mesma forma que nas crianças... QUADRO DE CONCEITOS V Video_04_Pneu2 Estes pacientes funcionam como importantes fontes de infecção na comunidade. Ainda mais pelo fato de muitos apresentarem um quadro clínico oligossintomático e até mesmo assintomático, portanto, nem sequer suspeitando que estão com tuberculose ativa. A faixa etária entre 15-30 anos é a mais propensa a este tipo de tuberculose pulmonar. Aí vem uma pergunta: será que todos os casos de tuberculose pulmonar apical são pós-primários? A resposta é NÃO... Alguns indivíduos entre 15-30 anos podem desenvolver esta forma de tuberculose meses após a primoinfecção. O que acontece é simplesmente uma antecipação dos fenômenos descritos acima: primoinfecção – disseminação – latência – reativação nas regiões apicais pulmonares! TUBERCULOSE NO IDOSO Os idosos podem desenvolver a forma pós-primária apical, mas frequentemente apresentam uma forma semelhante à tuberculose primária progressiva, com infiltrados pneumônicos predominando nos lobos médio e inferior. Tal como os adultos e adolescentes, raramente existe adenopatia hilar e mediastinal. TUBERCULOSE NO IMUNODEPRIMIDO (AIDS) A tuberculose no paciente HIV positivo tem um espectro amplo, bastante dependente do grau de imunodepressão (estimado pela contagem de linfócitos CD4+). Quando o CD4+ encontra-se entre 350-500/mm3, a tuberculose assume um padrão cavitário, semelhante ao da tuberculose pós-primária do adulto. Quando o CD4+ está abaixo de 350/mm3, a tuberculose assume uma tendência exsudativa, acometendo grandes áreas pulmonares, predominando nos lobos inferiores. Nos casos de imunodepressão extrema, o padrão se caracteriza por uma reação inflamatória inespecífica, contendo neutrófilos, linfócitos e macrófagos, juntamente a um grande número de bacilos. Este tipo de lesão tuberculosa chama-se “não reativa”. Na aids, o histopatológico demonstra áreas granulomatosas e exsudativas lado a lado a áreas de lesão não reativa. Não tratados, estes pacientes evoluem rapidamente para óbito. Vale lembrar que a imunodepressão também predispõe à tuberculose miliar. TUBERCULOSE EXTRAPULMONAR Fig. 12: Tuberculose pós-primária – forma cavitária. A tuberculose pulmonar pós-primária do adulto tem grande tendência a assumir um padrão cavitário e, por isso, é uma forma altamente contagiosa de tuberculose. ● Repare, por analogia, que as crianças, por tenderem a evoluir com a forma não cavitária de tuberculose, têm, em geral, pouca importância na transmissão da doença.
  • 17. A tuberculose extrapulmonar pode afetar qualquer órgão e sistema, porém os mais acometidos são: pleura, linfonodos, ossos, articulações, meninges, cérebro, rins, genitália interna, pericárdio, peritônio e intestino. A patogênese da tuberculose extrapulmonar varia conforme o órgão acometido. A tuberculose pleural vem da progressão de um foco pulmonar subpleural, lançando uma pequena quantidade de bacilos no espaço pleural. Isso leva a uma reação inflamatória exsudativa e ao derrame pleural unilateral. A infecção pericárdica tem patogênese semelhante. As meninges geralmente são afetadas durante a disseminação linfo-hematogênica, quando o bacilo penetra no espaço liquórico através dos plexos coroides nos ventrículos cerebrais. A tuberculose óssea, articular, renal e genital são formas pós-primárias da doença. Os focos latentes instalados no momento da primoinfecção são reativados, causando cada uma dessas formas específicas de tuberculose. A patogênese da tuberculose extrapulmonar será revista no Capítulo 3. PROVA TUBERCULÍNICA (PT) OU “PPD” A prova tuberculínica (teste de Mantoux), também chamada de “PPD”, identifica os indivíduos infectados pelo bacilo de Koch, seja “infecção latente” (ILTB) ou “infecção doença” (TB). Na realidade, o PPD (tuberculina ) é uma fração proteica purificada a partir da cultura de BK (PPD = Purified Protein Derivative), que contém os principais antígenos do M. tuberculosis. Pessoas infectadas pelo BK desenvolvem, após 2-10 semanas, uma memória imunológica pela seleção de linfócitos T helper (CD4+) específicos contra o BK. A partir desse momento, ao injetarmos o PPD na derme do paciente, surge uma lesão indurada e eritematosa cerca de 48-72h após a injeção ( )... O que aconteceu? Os linfócitos T helper específicos contra o BK determinaram uma reação tipo IV (hipersensibilidade tardia) naquele local. A prova tuberculínica é feita com a administração intradérmica de 2 UT (“Unidades Tuberculínicas”) no 1/3 médio da face anterior do antebraço esquerdo, equivalente a 0,1 ml da solução padrão utilizada no Brasil (PPD-RT 23). A leitura é feita 48-72h após (podendo estender o prazo até 96h, caso o paciente não compareça na data marcada), medindo-se o tamanho da induração, e não do eritema! Antigamente, o resultado era expresso como não reator, fraco reator ou forte reator, mas essa classificação foi abandonada... Agora,o ponto de corte para a interpretação do teste varia em função da população estudada e seu respectivo risco de adoecimento. A PT é empregada na prática para o diagnóstico de infecção latente (ILTB) em adultos, e ILTB/infecção ativa em crianças. Existem casos de PT “falso-positiva” e “falso-negativa”. Observe a . Tab. 2 * Principalmente se a vacina foi tomada após o primeiro ano de vida (quando a reação é mais intensa e duradoura). No Brasil, ela geralmente é dada nos primeiros DIAS de vida... Mesmo assim, após dez anos, a influência da BCG sobre o resultado da PT tende a ser mínima. IGRA (ENSAIO DE LIBERAÇÃO DE INTERFERON GAMA) O IGRA é um novo teste laboratorial que pode ser usado para o diagnóstico de Infecção Latente por Tuberculose (ILTB) em pacientes assintomáticos, isto é, o paciente possui o bacilo em seu corpo, mas não desenvolveu a doença. Trata-se de metodologia altamente específica (> 95% de especificidade), cujo resultado NÃO é falseado pelo uso da vacina BCG (quer dizer, uso recente de BCG não produz IGRA “falso-positivo”). FIGURA 13 Fig. 13: Prova tuberculínica – observe a medida da induração (20 mm). Tabela 2 PT falso-positiva PT falso-negativa ● Infecção por outras micobactérias. ● Vacinação recente com BCG*. Questões técnicas: Má conservação do frasco, contaminação, dose incorreta, erro de leitura. Questões biológicas: TB grave (meníngea) ou disseminada (miliar), imunodepressão (aids, corticoides, imunossupressores, quimioterapia), outras infecções graves (virais, bacterianas ou fúngicas), neoplasia (linfoproliferativa, cabeça e pescoço), vacinação com vírus vivo nos últimos 15 dias, desnutrição, desidratação grave, diabetes mellitus, IRC, insuficiência hepática, gravidez, idade < 3 meses ou > 65 anos, febre durante o período de feitura da PT, luz ultravioleta e linfogranulomatoses benignas ou malignas.
  • 18. Para realização do IGRA são utilizadas sequências proteicas purificadas altamente específicas do M. tuberculosis, não encontradas no BCG ou em qualquer outra micobactéria. Logo, a especificidade de um teste positivo é de virtualmente 100%. Em poucas palavras, a técnica consiste no seguinte: o sangue do paciente é coletado e exposto a antígenos do M. tuberculosis, medindo-se a produção de IFN-gama pelos linfócitos presentes na amostra. Apenas linfócitos previamente selecionados para reagir contra o M. tuberculosis secretam IFN-gama em grande quantidade! Assim, somente os indivíduos que já tiveram contato prévio com o BK apresentam maior secreção de INF-gama, isto é, um “IGRA positivo”. O ponto de corte para o exame ser considerado positivo varia conforme o kit específico. CAP. 2 CLÍNICA, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E PROFILAXIA DA TUBERCULOSE PULMONAR APRESENTAÇÃO CLINICORRA​DIOLÓGICA Aqui descreveremos as manifestações clínicas, laboratoriais e radiológicas da tuberculose pulmonar, classificando-as nos seguintes tipos: (1) tuberculose primária; (2) tuberculose pós-primária; (3) tuberculose primária do adulto; (4) tuberculose na aids. TUBERCULOSE PULMONAR PRIMÁRIA ● Tuberculose pulmonar primária: o paciente se infectou há menos de três anos. ● Quase sempre uma doença autolimitada. ● Faixa etária mais comum: crianças. O quadro clínico clássico da tuberculose pulmonar primária é encontrado principalmente nas crianças recém-infectadas, predominando naquelas com idade < 4 anos. Este grupo possui forte predisposição à adenopatia hilar e mediastinal. Os sintomas acompanham os achados radiológicos, aparecendo, geralmente, logo após a viragem tuberculínica, isto é, entre 2-10 semanas após a primoinfecção.
  • 19. O quadro clínico da tuberculose pulmonar primária pode ser comparado ao de uma pneumonia atípica... Os sintomas mais frequentes são febre baixa (38-39ºC) e tosse seca. Em muitos casos, o quadro é confundido com o de uma “gripe” prolongada (apesar de não haver sintomas do tipo coriza/sinusite/cefaleia), não motivando atendimento médico. Mesmo sem tratamento, a síndrome febril da tuberculose primária dura em média 14-21 dias, podendo chegar até 2-3 meses. O estado geral costuma estar preservado; outros sintomas, como fadiga e dor torácica são incomuns. A dor pleurítica sugere pleurite tuberculosa, um evento relativamente comum no contexto da tuberculose primária em adultos. O tema “tuberculose pleural” será abordado com mais detalhes adiante. A ativação do sistema imunológico na tuberculose primária pode levar, numa minoria de pacientes (< 5% dos casos), a três tipos de reação a distância: eritema nodoso, conjuntivite flictenular e uma síndrome poliarticular (artrite/artralgia). O eritema nodoso é uma vasculite subcutânea, apresentando-se como múltiplos nódulos dolorosos com superfície eritematosa, de predomínio na superfície extensora dos membros. Todas essas reações tendem a ser autolimitadas. Apesar de o quadro clínico ser inespecífico, os achados radiológicos são extremamente sugestivos! O exame radiológico revela tipicamente uma adenopatia hilar e/ou mediastinal ipsilateral ao foco primário. Este foco se localiza mais comumente no lobo médio (pulmão direito), mas pode ser descrito em qualquer segmento pulmonar (30% no lobo inferior e 10% no lobo superior). No local do foco, a radiografia geralmente mostra um pequeno infiltrado ( ), que pode eventualmente ser nodular (nódulo de Ghon). Aqui vale ressaltar: a tuberculose primária é a causa mais comum de adenopatia hilar/mediastinal unilateral em crianças! A adenopatia pode ser bilateral em 15% dos casos, confundindo o diagnóstico com outras patologias, como a sarcoidose. Os achados radiológicos da tuberculose pulmonar primária tendem a desaparecer ao longo de seis meses a um ano, mesmo sem tratamento específico. O foco primário regride, muitas vezes deixando uma “marca” ou “cicatriz”, representada por um nódulo pequeno, geralmente calcificado – o “tuberculoma”. Este nódulo poderá ser visto na radiografia de tórax para o resto da vida... Futuramente, poderá ser considerado no diagnóstico diferencial dos nódulos pulmonares solitários. COMPLICAÇÕES DA TB PULMONAR PRIMÁRIA A ocorrência de outros sintomas está na dependência de eventuais complicações do quadro pulmonar. Vejamos: ● Atelectasia, devido à compressão de um brônquio pela adenopatia hilar – ; ● Pneumonia tuberculosa, devido à ruptura de um linfonodo infectado para dentro de um brônquio – ; ● Evolução para a forma linfo-hematogênica (miliar), mais comum em crianças < 2 anos não vacinadas pelo BCG; ● Evolução para a forma primária progressiva. FIGURA 1 Fig. 1: Nódulo de Ghon. FIGURA 2 FIGURA 3
  • 20. O local mais comum de atelectasia é o lobo superior direito. O aumento dos linfonodos hilares pode comprimir o brônquio lobar ou provocar edema em sua parede, levando à obstrução total de seu lúmen. A tendência é a reversão espontânea da atelectasia, à medida que a adenopatia e o edema brônquico se reduzem naturalmente. A pneumonia tuberculosa é decorrente da inoculação alveolar de uma grande quantidade de bacilos (uma “chuva de bacilos”), provenientes de um linfonodo hilar infectado que fistuliza para o brônquio. Forma-se um exsudato mononuclear com áreas de necrose caseosa, ocupando os alvéolos. O quadro radiológico pode ser comparado ao de uma pneumonia bacteriana pneumocócica. Fig. 2: Atelectasia na TB pulmonar primária. No primeiro radiograma, observamos uma imagem típica de TB primária – infiltrado pulmonar mais adenopatia hilar satélite. O aumento destes linfonodos comprimiu o brônquio lobar superior direito, gerando uma atelectasia. Fig. 3: Pneumonia tuberculosa. Nesta peça de autópsia, observa-se o aumento importante do linfonodo hilar esquerdo. Sua ruptura lançou uma grande quantidade de bacilos nos alvéolos do lobo inferior, levando à formação de uma pneumonia tuberculosa lobar.
  • 21. A tuberculose primária progressiva ocorre principalmente nas crianças desnutridas e nos indivíduos HIV positivos. Nestes pacientes, o foco primário evolui para um infiltrado broncopneumônico progressivamente maior, capaz de cavitar e disseminar o bacilo para outros segmentos pulmonares, do mesmo lado ou contralaterais ( ). O quadro é o de uma pneumonia multilobar necrosante, de curso arrastado e sem resposta aos antibióticos convencionais. TUBERCULOSE PÓS-PRIMÁRIA ● A tuberculose pós-primária é a forma crônica de tuberculose pulmonar. ● É típica de indivíduos entre 15-40 anos. ● É a forma responsável pela transmissão da doença na população. Esta forma de tuberculose ocorre em pacientes infectados há mais de três anos (geralmente há mais de cinco anos) e que, portanto, já desenvolveram a “memória imunológica” contra o bacilo. São PPD positivos há bastante tempo... Por razões pouco conhecidas, um ou mais focos bacilares hematogênicos localizados no interstício pulmonar são reativados (focos de Simon). Outras vezes, o paciente é reinfectado (uma nova carga de bacilos). Geralmente, o foco de reativação (ou de reinfecção) bacilar está localizado no segmento posterior do lobo superior ou, menos frequentemente, no segmento superior do lobo inferior (segmento 6) – áreas reconhecidamente de maior oxigenação alveolar, nas quais o bacilo se prolifera com mais facilidade. A resposta imunológica é imediata, porém “exagerada” e ineficaz... Macrófagos ativados, em conjunto com linfócitos T helper, reagem intensamente para formar o infiltrado granulomatoso ( ) evoluindo geralmente para necrose caseosa em seu interior. No cáseo semissólido o bacilo se prolifera pouco, mas logo ocorre liquefação do material, por ação de enzimas proteolíticas secretadas pelas células inflamatórias do granuloma. No cáseo liquefeito, o bacilo consegue se multiplicar em larga escala. Pela erosão da parede brônquica, o ar (rico em O2) penetra na lesão, criando a “caverna tuberculosa” – o meio ideal para a proliferação bacilar ( ). No interior desta cavidade existe mais de um milhão de bacilos por ml! Esses bacilos são expelidos com a fala, espirro ou tosse. Dizemos que o paciente é multibacilífero. FIGURA 4 Fig. 4: TB pulmonar primária progressiva. O foco primário, em vez de seguir um rumo autolimitado, evoluiu para a formação de pneumonia extensa, com cavitação e disseminação broncogênica do bacilo. FIGURA 5 FIGURA 6
  • 22. Quais são os sinais e sintomas da tuberculose pulmonar pós-primária? O conceito fundamental é: a maioria desses pacientes é oligossintomática! A principal queixa é a tosse crônica, que pode ser seca, mucoide ou com expectoração purulenta, associada ou não a hemoptoicos. Esta tosse muitas vezes não é valorizada pelo paciente, que então não procura atendimento médico. Ao longo de vários meses, ele vai perdendo peso e muitos relatam febre vespertina (38-38,5ºC) e sudorese noturna. Quando o médico é procurado, a doença já evoluiu, e pior: o paciente já contaminou várias pessoas (uma média de quinze), geralmente crianças. Aí está o grande problema epidemiológico da tuberculose pulmonar bacilífera!!! Os exames laboratoriais podem revelar uma anemia leve, normocítica-normocrômica (anemia de doença crônica), aumento importante da VHS, raramente uma leucocitose neutrofílica ou linfocítica (de até 15.000/mm3), monocitose ou monocitopenia, elevação de enzimas hepáticas e eventualmente hiponatremia por SIADH. A evolução do processo pulmonar é para disseminação broncogênica. Os bacilos que se proliferam na “caverna tuberculosa” são lançados na árvore brônquica, disseminando-se para qualquer lobo ou segmento pulmonar. Daí vão surgindo novos infiltrados, do mesmo lado ou contralaterais – e A “imagem em escada”, característica desta forma de tuberculose, é a presença de um infiltrado no lobo superior (onde se encontra a cavidade) e de um infiltrado no lobo inferior contralateral, por disseminação broncogênica. A presença de linfadenopatia hilar e/ou mediastinal NÃO é característica do quadro pós-primário, pelo menos nos pacientes HIV negativos. Fig. 5: Infiltrado da TB pós-primária. Neste momento, a radiografia mostra um infiltrado misto, contendo, frequentemente, linhas que convergem para o hilo pulmonar. Fig. 6: “Caverna tuberculosa”. Poderia ser o mesmo paciente da Fig. 5, meses depois. Observe a grande área de cavitação no meio de uma condensação alveolar. FIGURA 7 FIGURA 8.
  • 23. Fig. 7: Tuberculose cavitária com disseminação broncogênica. Observe o infiltrado no lobo superior direito contendo uma cavitação (bem demonstrada na tomografia linear – figura menor). O infiltrado superior esquerdo deve-se à disseminação broncogênica. Fig. 8: Tuberculose cavitária com disseminação broncogênica. Há uma grande cavitação ocupando praticamente todo o lobo superior esquerdo. Os infiltrados pneumônicos no lobo inferior esquerdo e no pulmão direito devem-se à disseminação broncogênica.
  • 24. COMPLICAÇÕES DA TB PULMONAR PÓS-PRIMÁRIA Ao contrário da tuberculose pulmonar primária, a forma pós-primária não é autolimitada. A doença tende a progredir lentamente, disseminando-se pelos pulmões. Na tentativa de resolver o processo tuberculoso, o sistema imunológico acaba ativando fibroblastos, causando fibrose parenquimatosa das áreas acometidas, especialmente o local onde está a lesão cavitária. A fibrose pulmonar provoca destruição irreversível da área afetada. Consequentemente, graves sequelas surgirão: retrações, bronquiectasias, cavidades com paredes fibrosadas (possíveis focos para o aspergiloma – fungus ball) e pulmão vicariante ( ). Quando a fibrose é extensa, o paciente evolui com dispneia e posteriormente com cor pulmonale e insuficiência respiratória. Os bacilos expelidos de uma cavidade infectada podem infectar a parede de um brônquio, levando à tuberculose endobrônquica, ou a própria laringe, causando a tuberculose laríngea. A primeira pode justificar o encontro de lesões infiltrativas na broncoscopia e pode acarretar complicações como estenose brônquica (com atelectasia), broncorreia (> 500 ml/dia de expectoração) e/ou hemoptise. O comprometimento laríngeo manifesta-se como rouquidão, e a lesão pode ser confundida com neoplasia ao ser visualizada na laringoscopia. Apesar do escarro hemoptoico (raias de sangue) ser frequentemente notado, franca hemoptise não é comum... Quando ocorre, deve-se à corrosão de vasos pulmonares ou brônquicos que passam na parede da “caverna tuberculosa”. O chamado aneurisma de Rasmussen é descrito como uma erosão da adventícia e média do segmento de uma artéria brônquica que se dilata para o interior da cavidade. A hemoptise também pode ser decorrente do aspergiloma, instalado em uma cavidade fibrosada inativa. A “caverna tuberculosa” pode se estender para a pleura, com risco de se formar uma fístula broncopleural. A consequência imediata é o pneumotórax. Neste caso, um número absurdamente alto de bacilos pode atingir o espaço pleural, culminando num empiema tuberculoso. O aspecto radiológico é o de um hidropneumotórax ( ). Se não for tratado com drenagem precoce, o empiema tuberculoso pode deixar as mesmas sequelas que um empiema pleural bacteriano (encarceramento pulmonar). FIGURA 9 Fig. 9: Tuberculose com fibrose pulmonar. Observe a cavitação no lobo superior direito, a fibrose pulmonar extensa no mesmo lado e o pulmão esquerdo vicariante (hiperinsuflação compensatória). FIGURA 10
  • 25. Façamos um resumo das alterações radiológicas típicas da tuberculose pulmonar pós-primária. ● Fase inicial: infiltrado pulmonar misto com imagens lineares convergindo para o hilo - . ● Fase cavitária: infiltrado pulmonar com cavitação - . ● Fase cavitária com disseminação broncogênica: presença de novos infiltrados - e . Fig. 10: Hidropneumotórax do empiema tuberculoso. FIGURA 5 Fig. 5: Infiltrado da TB pós-primária. Neste momento, a radiografia mostra um infiltrado misto, contendo, frequentemente, linhas que convergem para o hilo pulmonar. Fig. 6: “Caverna tuberculosa”. Poderia ser o mesmo paciente da Fig. 5, meses depois. Observe a grande área de cavitação no meio de uma condensação alveolar. FIGURA 6 FIGURA 7 FIGURA 8
  • 26. Fig. 7: Tuberculose cavitária com disseminação broncogênica. Observe o infiltrado no lobo superior direito contendo uma cavitação (bem demonstrada na tomografia linear – figura menor). O infiltrado superior esquerdo deve-se à disseminação broncogênica. Fig. 8: Tuberculose cavitária com disseminação broncogênica. Há uma grande cavitação ocupando praticamente todo o lobo superior esquerdo. Os infiltrados pneumônicos no lobo inferior esquerdo e no pulmão direito devem-se à disseminação broncogênica.
  • 27. ● Fase avançada: fibrose pulmonar (retração do parênquima) - FIGURA 9. A TC de tórax pode ajudar nos casos de tuberculose pulmonar pós-primária incipiente, quando a radiografia de tórax pode ser considerada normal. Veja na TC abaixo a presença de nódulos esparsos e imagens de infiltrado do tipo “brotos de árvore” ou “brotamento”, característicos da doença – . TUBERCULOSE PRIMÁRIA DO ADULTO Quando um adulto desenvolve a forma primária da doença, pode seguir um curso semelhante ao da infância, porém com uma importante diferença: na maioria das vezes, não há adenopatia hilar e/ou mediastinal (a não ser no paciente HIV positivo). O adulto é mais propenso à tuberculose pleural primária do que à tuberculose pulmonar primária. Todavia, pacientes diabéticos, gastrectomizados, desnutridos ou HIV positivos possuem uma chance maior de adoecer após a primoinfecção! Eles podem se apresentar como uma pneumonia atípica, com pequeno infiltrado unilateral ou com uma forma primária progressiva (broncopneumonia tuberculosa). Às vezes, após a primoinfecção, o adulto desenvolve a forma apical semelhante à tuberculose pós-primária. Nestes casos, é provável que o foco primário tenha sido controlado, mas o período de latência foi curto, havendo uma reativação precoce do foco intersticial no lobo superior. TUBERCULOSE NA AIDS Fig. 9: Tuberculose com fibrose pulmonar. Observe a cavitação no lobo superior direito, a fibrose pulmonar extensa no mesmo lado e o pulmão esquerdo vicariante (hiperinsuflação compensatória). FIGURA 11 Fig. 11: Infiltrado tipo "árvore em brotamento".
  • 28. O paciente HIV positivo tem uma chance aumentada de desenvolver tuberculose-doença (risco 30 vezes maior que o imunocompetente). O mecanismo pode ser a reativação, reinfecção ou infecção primária (viragem tuberculínica). Quando o CD4 está acima de 200 células/mm3, a tuberculose pulmonar tende a se apresentar de forma semelhante à tuberculose do imunocompetente, com a forma cavitária predominando no adulto. Na imunodepressão grave, isto é, CD4 < 200 células/mm3, a tuberculose pulmonar possui um quadro clinicorradiológico atípico! Neste grau de imunodepressão podemos encontrar alterações semelhantes às da pneumocistose, como um infiltrado intersticial difuso. Derrame pleural e adenopatia hilar/mediastinal também passam a ser mais frequentes... Os linfonodos são facilmente reconhecidos na TC pela sua típica captação periférica de contraste e atenuação da densidade no centro. Um estudo constatou os seguintes padrões radiológicos na TB pulmonar de pacientes HIV+, independentemente do CD4: (1) padrão de TB pulmonar primária – 36%; (2) padrão de TB pulmonar pós-primária ou apical – 30%; (3) padrão pneumocistose-símile – 14%; (4) radiografia de tórax normal – 13%; (5) padrão miliar – 4%. Quando suspeitar de tuberculose pulmonar? Estratégia para interromper a cadeia de transmissão As medidas de saúde pública de maior impacto para o controle da TB na população são a detecção precoce dos casos bacilíferos e seu tratamento adequado. Bacilíferos são os pacientes que apresentam baciloscopia do escarro positiva, o que só ocorre em TB das vias aéreas, isto é, pulmonar e/ou laríngea (formas exclusivamente extrapulmonares não transmitem a doença). No geral, cerca de 90% dos casos de TB são pulmonares, e 60% destes são bacilíferos. Sabe-se que eles contaminam, em média, 10-15 pessoas por ano!!! Portadores de TB pulmonar com baciloscopia negativa, porém cultura do escarro positiva, são disseminadores menos eficientes da doença, mas a transmissão também ocorre. Por este motivo, recomenda-se que serviços de saúde em todos os níveis (primário, secundário e terciário), públicos ou privados, sejam estruturados para a realização permanente de busca ativa de Sintomáticos Respiratórios (SR), isto é, os médicos SEMPRE devem investigar a presença de tosse (qualquer que seja o motivo da consulta) e solicitar exame do escarro nos indivíduos SR! SR é todo indivíduo com tosse por tempo ≥ 3 semanas. Em populações com maior vulnerabilidade para TB, a definição muda... Por exemplo: diabéticos serão considerados SR quando apresentarem tosse por ≥ 2 semanas. Já os profissionais de saúde, portadores do HIV, indígenas, presidiários, imigrantes e moradores de rua são considerados SR com tosse de qualquer duração! Observe alguns exemplos práticos do que vem a ser a “busca ativa” de SR: (1) visita domiciliar do agente comunitário de saúde – faz parte dos formulários perguntar se algum morador tem tosse; (2) internação em hospital geral, por qualquer motivo – avaliar se o paciente é SR na anamnese de admissão, caso positivo, colocá-lo em isolamento respiratório até o resultado dos exames de escarro; (3) sistema carcerário e unidades de longa permanência (asilos, hospitais psiquiátricos, albergues para população de rua) – avaliar SR na admissão e de maneira periódica. Vale lembrar que nem sempre o SR terá tuberculose... Estima-se que a cada 100 SR avaliados, apenas 3 ou 4 sejam bacilíferos. O SUS deve se organizar para avaliar e tratar os SR não portadores de TB (outras infecções ou doenças crônicas como asma e DPOC) através da rede de referência e contrarreferência. A estratégia que traça a estrutura de atendimento aos SR não TB é chamada pela OMS de PAL (Practical Approach to Lung Health). DIAGNÓSTICO PACIENTE ADULTO (TB PÓS-PRIMÁRIA) Formalmente, a confirmação diagnóstica de tuberculose REQUER a demonstração da presença do BK no corpo do paciente. Por conseguinte, apenas três métodos são capazes de confirmar em definitivo o diagnóstico: (1) teste rápido molecular; (2) baciloscopia; e (3) cultura. Não obstante, existe a possibilidade de considerarmos o diagnóstico de TB – e iniciarmos o tratamento – mesmo sem confirmação micobacteriológica. É o que se chama de diagnóstico clinicoepidemiológico, definido como a situação em que um paciente adulto com quadro clínico típico, no contexto epidemiológico apropriado, por qualquer motivo, não puder comprovar por meio de exames laboratoriais a presença do BK... Em tal cenário, é preciso que outros testes corroborem a impressão inicial, por exemplo: exames de imagem, histopatológico, etc. A base racional do diagnóstico clinicoepidemiológico é: “tem cara de TB e só pode ser TB, mas não conseguimos (por qualquer motivo) confirmar formalmente o diagnóstico, nem tampouco outro diagnóstico pode ser estabelecido. Como se trata de doença transmissível de grande impacto na saúde pública, o correto, nesta situação peculiar, é iniciar o tratamento e observar a resposta clínica. O diagnóstico só vai ser posto em xeque (e o tratamento interrompido) se não houver qualquer melhora com o uso de tuberculostáticos... Uma resposta clínica adequada será apenas mais um elemento a fortalecer o diagnóstico clinicoepidemiológico”. Faremos agora uma breve descrição de cada um dos três métodos confirmatórios citados. Em seguida, veremos as estratégias recomendadas para a sua utilização na prática. TESTE RÁPIDO MOLECULAR (TRM-TB) O TRM-TB é um teste de amplificação gênica que utiliza a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR). Ele detecta especificamente a presença de DNA do M. tuberculosis (e não de outras micobactérias), ao mesmo tempo em que sinaliza a existência de genes que conferem resistência à rifampicina... Seu resultado fica pronto em duas horas, com sensibilidade de 90% e especificidade de 99%. Atualmente, no Brasil, o TRM-TB representa o método de escolha para a pesquisa de tuberculose pulmonar ou laríngea em adultos e adolescentes! Diante da suspeita de TB pulmonar ou laríngea, o teste pode ser feito em uma única amostra de escarro. Cumpre ressaltar que o TRM-TB ainda não está disponível em algumas localidades... A implantação da “Rede de Teste Rápido para Tuberculose”, que possibilitará sua realização em todas as unidades do SUS, teve início em julho de 2014 e ainda não terminou. O TRM-TB detecta o DNA de micobactérias vivas ou mortas. Logo, ele NÃO SERVE para acompanhar a resposta ao tratamento, uma vez que a persistência de sua positividade não necessariamente significa falha terapêutica (podemos detectar o DNA de micobactérias mortas, mesmo com tratamento eficaz)... O acompanhamento da resposta terapêutica deve ser feito com baciloscopias mensais (ver adiante).
  • 29. Mais de 80% dos BK resistentes à rifampicina TAMBÉM são resistentes à isoniazida. A resistência a essas duas drogas caracteriza a TB-MDR (multirresistente) – ver adiante. BACILOSCOPIA A baciloscopia consiste na pesquisa direta do bacilo de Koch através do exame microscópico. O método de Ziehl-Neelsen é a técnica de coloração mais utilizada. Quando o material analisado for o escarro, devem ser coletadas duas amostras em momentos distintos (uma na consulta, e a outra na manhã do dia seguinte). Se estivermos diante de um paciente com fortes indícios clínicos e radiológicos de TB pulmonar, porém as duas amostras de escarro forem negativas, pode-se repetir a baciloscopia conforme avaliação individual. A baciloscopia também pode ser empregada em materiais biológicos que não o escarro (ex.: outros fluidos orgânicos, tecido de biópsia ou peça cirúrgica). É importante compreender que, nestes casos, a sensibilidade é sempre mais baixa, sendo obrigatória a realização conjunta de cultura para BK... Como no paciente com suspeita de TB extrapulmonar devemos considerar a possibilidade de TB pulmonar associada, além de baciloscopia + cultura do material biológico em questão, é preciso solicitar também duas amostras de escarro conforme anteriormente descrito. Uma baciloscopia positiva em qualquer amostra indica tuberculose ativa. A baciloscopia é o exame de escolha para acompanhar a resposta terapêutica na TB pulmonar bacilífera, uma vez que sua negativação representa o parâmetro mais confiável para demonstrar a eficácia do tratamento. Observe na o padrão de registro dos resultados da baciloscopia do ESCARRO. Ressalte-se que, em se tratando de outros materiais biológicos, o registro é mais simples (presença de qualquer quantidade de bacilos = exame positivo). Tab. 1 *Com 1 a 9 BAAR por campo em 100 campos observados define-se a amostra como PAUCIBACILAR. CULTURA + TSA A cultura para BK possui elevada sensibilidade e especificidade, podendo ser realizada em meios sólidos ou líquidos. Os mais utilizados são os meios sólidos a base de ovo, como o Löwenstein-Jensen e o Ogawa-Kudoh. As principais vantagens desses meios são o baixo custo e a menor chance de contaminação, sendo sua grande desvantagem a demora para o crescimento micobacteriano (14 a 30 dias, podendo se estender até 60 dias). Os meios líquidos permitem incubação em sistemas automatizados, e têm como vantagem um resultado mais rápido (5 a 12 dias, podendo se estender até 42 dias). Seu custo, no entanto, é bem mais elevado... Com a cultura positiva, a identificação da espécie deve ser feita por técnicas bioquímicas, fenotípicas e/ou moleculares. Toda cultura positiva deve ser submetida ao TSA (Teste de Sensibilidade Antimicrobiana). Por padrão, os fármacos inicialmente testados são: rifampicina, isoniazida, pirazinamida, etambutol e estreptomicina. Se alguma resistência for encontrada, a amostra deverá ser enviada a um laboratório de referência para testagens adicionais, com pesquisa de sensibilidade às drogas de segunda linha, como canamicina, amicacina, capreomicina e ofloxacina. O TSA pode ser realizado em meio sólido ou líquido. ESTRATÉGIAS PARA A CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA DE TUBERCULOSE Como vimos, sempre que o TRM-TB estiver disponível, ele deverá ser solicitado perante a suspeita de tuberculose. Em se tratando de TB pulmonar ou laríngea, uma única amostra de escarro basta. Ademais, existem situações onde – além do TRM-TB – a cultura com teste de sensibilidade (TSA) também deve ser solicitada, independentemente do resultado do teste molecular... Tratam-se dos indivíduos que pertencem aos grupos de maior vulnerabilidade, isto é, os que têm – estatisticamente – maior chance de apresentar a doença (Tabela 2). Tabela 1 BAAR por campo Resultado Nenhum BAAR em 100 campos Negativo 1 a 9 BAAR por campo em 100 campos* Citar a quantidade de bacilos vistos 10 a 99 BAAR por campo em 100 campos + 1 a 10 BAAR por campo em 50 campos ++ Acima de 10 BAAR por campo nos primeiros 20 campos observados +++ SAIBA MAIS... O sistema automatizado utiliza os princípios da radiometria... No BACTEC 460, o material é semeado em meio líquido (Middlebrook 7H-12A ou 7H-12B), ao qual se adiciona ácido palmítico marcado com C14. O BK metaboliza esta substância, convertendo-a em CO2 radioativo. A detecção de aumento da radioatividade no espaço aéreo da garrafa sinaliza positividade.
  • 30. Tab. 2 Duas definições são importantes neste momento: ● Caso novo = o paciente nunca recebeu tratamento anti-TB, ou o fez por < 30 dias; ● Retratamento = o paciente é uma recidiva (após cura confirmada ou tratamento completo), ou então um reingresso após abandono, tendo deixado de tratar a TB por período > 30 dias consecutivos. Observe na a estratégia diagnóstica que deve ser seguida na suspeita de CASO NOVO de tuberculose. Perceba que cultura + TSA sempre estarão indicados se a tuberculose for confirmada! Tab. 3 Agora, observe na a estratégia diagnóstica que deve ser seguida nos casos de RETRATAMENTO. Perceba que todo possível retratamento deve coletar, após suspeita diagnóstica, os três exames confirmatórios ao mesmo tempo: TRM-TB, baciloscopia e cultura. Um TRM-TB positivo no retratamento não necessariamente indica tuberculose ativa, já que tal resultado poderia ser explicado pela detecção do DNA de micobactérias mortas... Logo, a confirmação do diagnóstico de TB nos casos de retratamento só pode ser feita através de baciloscopia e/ou cultura! Contudo, ainda assim o TRM-TB deve ser solicitado, pelo seguinte motivo: este exame pode nos dizer de forma rápida, nos casos com baciloscopia positiva, se existe ou não resistência à rifampicina... Grupos de maior vulnerabilidade para Tuberculose no Brasil Índios. Presidiários. Portadores do HIV/aids. População de rua. Profissionais de saúde. Contatos de TB multirresistente. Tabela 3 Tabela 4
  • 31. Tab. 4 Caso o TRM-TB não esteja disponível, a conduta preconizada passa a ser a realização de baciloscopia, lembrando que para a TB pulmonar é necessário analisar duas amostras de escarro obtidas em dias consecutivos. Nesta situação a cultura é obrigatória, independentemente do resultado das baciloscopias. OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES Radiografia de tórax – o exame radiológico é auxiliar no diagnóstico de tuberculose, justificando sua solicitação rotineira em todos os casos suspeitos! Nestes pacientes, detecta imagens sugestivas de tuberculose, sendo indispensável a realização do exame bacteriológico para diagnóstico definitivo, já que não existem achados patognomônicos de tuberculose na radiografia... O exame radiológico em pacientes com baciloscopia positiva (diagnóstico já confirmado) tem como função primordial a exclusão de doenças pulmonares associadas, que necessitem de tratamento concomitante, além de permitir avaliar a evolução radiológica, sobretudo na ausência de resposta ao tratamento. De acordo com o Ministério da Saúde, os resultados dos exames radiológicos do tórax devem obedecer à seguinte classificação: ● Normal – Não apresentam imagens patológicas nos campos pulmonares; ● Sequela – Apresentam imagens sugestivas de lesões cicatriciais; ● Suspeito – Apresentam imagens sugestivas de tuberculose em atividade (opacidades ou infiltrados radiológicos, nódulos, cavidades, fibroses, retrações, linfonodomegalia, calcificações ou aspecto miliar); ● Outras doenças – Apresentam imagens sugestivas de pneumopatia não tuberculosa. Tomografia computadorizada do tórax – a TC de alta resolução detecta a doença em casos onde o raio X simples apresenta resultados imprecisos, por alterações parenquimatosas mínimas ou por não permitir a distinção entre lesões antigas e lesões de tuberculose ativa (ex.: cavidades de paredes finas x paredes espessas; nódulos calcificados x nódulos com densidade de partes moles, respectivamente). No entanto, é método de maior custo e menor oferta, restrito aos centros de referência. Deve ser usado de forma individualizada, levando em consideração os recursos disponíveis e o custo-benefício, especialmente nos casos com baciloscopia negativa que exigem diferenciação com outras doenças. Broncoscopia – a broncoscopia e os procedimentos a ela associados, como lavado brônquico, lavado broncoalveolar, escovado brônquico, biópsia brônquica, biópsia transbrônquica e punção aspirativa com agulha, podem ser úteis no diagnóstico da tuberculose nas seguintes situações: ● Formas com exames micobacteriológicos iniciais negativos; ● Suspeita de outra doença pulmonar que não a tuberculose; ● Presença de doença que acometa difusamente o parênquima pulmonar (ex.: TB miliar); ● Suspeita de tuberculose endobrônquica; ● Pacientes imunodeprimidos, particularmente os infectados pelo HIV (maior risco de formas não cavitárias e, portanto, menor positividade do escarro). Histopatologia – a análise tecidual é indicada no diagnóstico de tuberculose extrapulmonar, assim como no diagnóstico de tuberculose pulmonar difusa (TB miliar). O achado de granulomas caseosos é altamente sugestivo de TB, porém é importante ter em mente que eles NÃO são patognomônicos desta condição... Além do estudo histopatológico em si, também podemos demonstrar a presença ou não do bacilo de Koch através do emprego da baciloscopia, cultura e/ou TRM-TB no material coletado. Dosagem de ADA – a ADA (adenosina deaminase) é uma enzima secretada por linfócitos e macrófagos ativados. Quando em níveis aumentados no líquido pleural (> 40 U/L), possui elevado valor preditivo positivo para tuberculose, permitindo a confirmação diagnóstica mesmo sem demonstração direta da presença do BK (ou seja, trata-se de importante elemento na composição do diagnóstico “clinicoepidemiológico” de TB pleural). A ADA também tem sido aceita no diagnóstico de TB pericárdica, peritoneal, articular (sinovial) ou mesmo do SNC (liquor). O fato é que o encontro de níveis normais de ADA em todos esses líquidos possui elevado valor preditivo negativo, afastando a possibilidade de tuberculose.
  • 32. Exames para HIV – a coinfecção TB-HIV possui efeito sinergístico, agravando o curso clínico de ambas as doenças! Dada a elevada prevalência de coinfecção, e considerando que o tratamento antirretroviral afeta favoravelmente o prognóstico, a realização de testes para detecção do HIV é atualmente OBRIGATÓRIA em todo paciente que recebe o diagnóstico de tuberculose! O método de escolha deve ser o teste rápido para HIV. PACIENTE PEDIÁTRICO (< 10 ANOS DE IDADE): COMO DIAGNOSTICAR TB PRIMÁRIA NA CRIANÇA? A criança com TB primária é tipicamente paucibacilar e, portanto, o estudo do escarro (quando possível a sua coleta) costuma ser negativo, mesmo com a utilização do TRM-TB, que é menos sensível nesta população. Desse modo, o diagnóstico em crianças < 10 anos pode ser CONFIRMADO por uma análise conjunta de critérios clínicos, radiológicos e pela PT. Existe uma escala de pontos validada com este intuito, cuja interpretação é a seguinte: ≥ 40 pontos (diagnóstico muito provável) = o tratamento deve ser iniciado; 30-35 pontos (diagnóstico possível) = o tratamento pode ou não ser iniciado a critério médico; < 30-25 pontos (diagnóstico pouco provável) = a investigação deve prosseguir, podendo-se partir para exames mais complexos como a broncofibroscopia. Observe a . Tab. 5 Em crianças pequenas que têm dificuldade para expectorar (geralmente < 6 anos), a cultura do lavado gástrico, realizado de manhã bem cedo (aproveitando o material acumulado no estômago pela deglutição do escarro), pode ser utilizada para o estudo micobacteriológico. Tal exame pode ser feito ambulatorialmente ou com a criança internada, dependendo das condições locais para sua realização. O ideal é que sejam obtidas duas amostras em dias consecutivos. TB NEONATAL A TB neonatal pode ser congênita, adquirida in utero, ou logo após o nascimento, pela exposição a um adulto bacilífero. A TB congênita é rara e gravíssima (geralmente uma TB miliar disseminada), com letalidade > 50% a despeito do tratamento. Mais da metade dos partos são prematuros. A infecção in utero pode se dar por disseminação hematogênica ou por infecção tuberculosa do útero ou canal vaginal (nestes casos, o RN adquire o BK ao ingerir líquido amniótico e/ou secreções vaginais). Toda gestação com diagnóstico de TB em atividade no momento do parto deve ter a placenta biopsiada e submetida à cultura para BK após o parto. A conduta frente à exposição do RN a um adulto bacilífero será vista adiante (“quimioprofilaxia primária” em “controle de contatos”). Uma forma incomum de aquisição após o nascimento é através da ingesta de leite materno ou colostro nas mães portadoras de mastite tuberculosa. ABORDAGEM TERAPÊUTICA INTRODUÇÃO A proposta da OMS para o enfrentamento global da TB é a estratégia conhecida como TDO – Tratamento Diretamente Observado. O TDO se baseia em cinco princípios (resumidos abaixo) e tem como objetivo propiciar a adesão ao tratamento, reduzindo a chance de surgimento de resistência aos fármacos anti-TB e aumentando a probabilidade de cura. Tab. 6 Tabela 5 Escore de Pontos para Diagnóstico de TB Pulmonar Primária em Crianças que Não Expectoram ou Têm Escarro Negativo ● Febre ou sintomas como tosse, adinamia, expectoração, emagrecimento e sudorese por ≥ 2 semanas. ● Adenomegalia hilar ou padrão miliar e/ou condensação ou infiltrado (com ou sem escavação) inalterado por duas semanas ou evoluindo com piora ou sem melhora com antibióticos para germes comuns. 15 pontos (cada item) ● Contato próximo com adulto bacilífero nos últimos dois anos. ● PT ≥ 10 mm. 10 pontos ● Condensação ou infiltrado de qualquer tipo por < 2 semanas. ● Desnutrição grave (peso < percentil 10). ● PT entre 5-9 mm. 5 pontos (cada item) ● RX de tórax normal. - 5 pontos ● Infecção respiratória com melhora após uso de antibióticos para germes comuns ou sem antibióticos. - 10 pontos ● Assintomático ou com sintomas há menos de duas semanas. ● Contato com adulto bacilífero ocasional ou negativo. ● Prova tuberculínica < 5 mm. ● Peso ≥ percentil 10. ZERO pontos Princípios do TDO Compromisso político com a estratégia e mobilização da sociedade. Garantia de exames bacteriológicos de qualidade. Tratamento padronizado e supervisionado. Fornecimento eficaz de medicamentos. Sistema de monitoramento dos casos (desde a notificação até o encerramento).
  • 33. TRATAMENTO DIRETAMENTE OBSERVADO (TDO) No Brasil, TODOS os casos de tuberculose devem ser submetidos ao TDO! O motivo é que não é possível predizer a adesão ao tratamento, mas o TDO comprovadamente aumenta a adesão... Consiste não apenas em observar a deglutição do medicamento, mas também, e fundamentalmente, na construção de um vínculo com o doente! Sempre que necessário outras ações deverão ser adotadas, como o uso de incentivos (ex.: lanche, auxílio-alimentação) e facilitadores (ex.: vale-transporte). O ideal é a observação diária, de segunda a sexta, feita pelo profissional de saúde na própria unidade de saúde. Contudo, esquemas alternativos (ex.: observação três vezes por semana, na unidade de saúde ou no domicílio do paciente) também são aceitáveis, desde que o doente e seus familiares compreendam a importância do uso diário da medicação e haja participação de lideranças comunitárias no processo. Foi documentado em estudos que, quando o TDO é feito exclusivamente por familiares, a chance de má adesão ao tratamento aumenta... Para ser considerado TDO o paciente deve ter, no mínimo, 24 doses observadas pelo profissional de saúde durante a fase intensiva do tratamento (dois primeiros meses), e 48 doses na fase de manutenção (meses subsequentes) – ver adiante. TERAPIA TUBERCULOSTÁTICA Os esquemas de tratamento atualmente preconizados para a tuberculose “sensível” são: ● Esquema básico (idade < 10 anos) – 2 RHZ/4 RH; ● Esquema básico (idade ≥ 10 anos) – 2 RHZE/4 RH; ● Esquema para meningoencefalite e TB osteoarticular (idade < 10 anos) – 2 RHZ/10 RH + corticoterapia (exceto na forma osteoarticular); ● Esquema para meningoencefalite e TB osteoarticular (idade ≥ 10 anos) – 2 RHZE/10 RH + corticoterapia (exceto na forma osteoarticular). Obs.: TB osteoarticular considerada de “baixa complexidade” pode receber tratamento por apenas seis meses (2 RHZE/4 RH), a critério clínico... Legenda: R = rifampicina; H = isoniazida; Z = pirazinamida; E = etambutol. A corticoterapia na meningoencefalite tuberculosa deve ser feita com prednisona oral 1-2 mg/kg/dia por quatro semanas, ou dexametasona intravenosa nos casos mais graves, 0,3-0,4 mg/kg/dia por 4-8 semanas, com desmame ao longo das quatro semanas subsequentes. Fisioterapia motora é mandatória em todos os casos, e deve ser iniciada sem demora. As indicações do esquema básico são: (1) casos novos de TB pulmonar ou extrapulmonar (exceto meningoencefalite e TB osteoarticular), infectados ou não pelo HIV; (2) retratamento (exceto meningoencefalite e TB osteoarticular). O esquema para meningoencefalite e TB osteoarticular está indicado para os casos novos e retratamentos destas formas específicas de TB extrapulmonar. Evidentemente, se um paciente com TB meningoencefálica ou osteoarticular apresentar tuberculose concomitante em outra localização, o tratamento deverá ser feito com o esquema mais longo... Como vimos, no retratamento o paciente deve coletar TRM-TB, baciloscopia e cultura antes de iniciar a terapia. Após o resultado desses exames ele deverá ser reavaliado quanto à adequação do esquema iniciado. Perceba que a principal diferença em relação à faixa etária está no acréscimo do ETAMBUTOL para os pacientes com idade ≥ 10 anos. Tal fármaco não deve ser feito em crianças com < 10 anos, pelo fato de acarretar maior toxicidade ocular neste subgrupo! Em relação à duração, o esquema básico (indicado para todas as formas de TB, exceto a meningoencefálica e a osteoarticular) deve ser feito por seis meses, ao passo que o esquema para TB meningoencefálica e a osteoarticular deve ser estendido até doze meses. Em ambos os casos, porém, a duração da fase intensiva é a mesma: os primeiros dois meses! O esquema básico pode ser usado em GESTANTES nas doses habituais, porém é preciso associar piridoxina (vit. B6) 50 mg/dia, a fim de reduzir o risco de toxicidade neurológica da isoniazida para o feto. Para os adultos, as drogas agora são fornecidas em comprimidos de doses fixas combinadas (RHZE e RH), visando facilitar a adesão. Para as crianças, por outro lado, a apresentação dos fármacos varia conforme a faixa de peso... O tratamento deve ser preferencialmente conduzido em nível ambulatorial, no âmbito da atenção primária. O tratamento sob regime de internação hospitalar estará indicado nas situações descritas na . Tab. 7 O paciente pode ser internado compulsoriamente para tratamento da TB? Sim, desde que esgotadas todas as possibilidades de abordagem terapêutica ambulatorial, com avaliação do Serviço Social e aval do Ministério Público... EFEITOS COLATERAIS Os paraefeitos da terapia tuberculostática são classificados em dois grandes grupos: (1) efeitos menores; (2) efeitos maiores. Os primeiros não indicam a suspensão do tratamento, podendo ser manejados pela equipe de atenção primária. Já os efeitos maiores devem levar à suspensão do tratamento, demandando um manejo mais complexo, com necessidade de recursos da atenção secundária... A suspensão é geralmente temporária, podendo-se tentar reintroduzir os mesmos fármacos na maioria das vezes. No entanto, quando o paciente experimenta reações de hipersensibilidade “graves” (como plaquetopenia, anemia hemolítica, injúria renal, entre outras), o fármaco responsável deve ser definitivamente suspenso, uma vez que sua reintrodução irá causar uma nova reação de hipersensibilidade ainda mais grave... Observe as e . Tabela 7 Meningoencefalite tuberculosa (sempre internar na fase inicial do tratamento). Intolerância aos medicamentos incontrolável em ambulatório. Mau estado geral. Intercorrências clínicas ou cirúrgicas relacionadas ou não à TB que necessitem de tratamento hospitalar. Vulnerabilidade social (ex.: morador de rua) ou grupo com alto risco de abandono, especialmente se for retratamento, falência ou TB-MDR. Tabelas 8 9
  • 34. Tab. 8 Tab. 9 Que tipo de paciente apresenta risco aumentado de efeitos colaterais com o tratamento anti-TB? Observe a Tabela 10. Tab. 10 EFEITOS MENORES (não indicam suspensão do esquema) EFEITOS MAIORES (indicam suspensão e, muitas vezes, mudança no esquema) Idade (a partir de 40 anos o aumento no risco é progressivo). Alcoolismo (ingestão diária de álcool > 80 g). Desnutrição (perda > 15% do peso corporal). Hepatopatas. Coinfecção pelo HIV.
  • 35. Quais são os esquemas especiais para a substituição dos medicamentos de primeira linha quando estes últimos provocam efeitos adversos intoleráveis? Observe a . Tab. 11 Lfx = levofloxacino. ACOMPANHAMENTO O controle de tratamento nos pacientes bacilíferos é feito através de baciloscopias seriadas do escarro, idealmente a cada mês, mas de forma obrigatória no segundo, quarto e sexto meses. É importante ressaltar que a duração do esquema básico (seis meses) pode ser prolongada a critério médico, de acordo com a evolução clinicorradiológica do caso (isto é, pode-se fazer mais três meses de tratamento de manutenção (RH), resultando num esquema 2 RHZE / 7 RH). Para tanto, as seguintes diretrizes devem ser observadas: Tab. 12 *O Manual do Ministério da Saúde orienta que, antes de decidir pelo prolongamento da fase de manutenção, é preciso consultar uma unidade de referência em TB!!! FALÊNCIA TERAPÊUTICA Todo paciente com critérios de falência terapêutica ( ) deve receber o “esquema padrão para multirresistência” ou “esquemas especiais” individualizados, de acordo com o perfil de sensibilidade do germe. Falaremos sobre resistência do BK um pouco mais à frente. Tab. 13 Vejamos rapidamente alguns conceitos interessantes que poderão ser cobrados em prova... ● Tuberculose na gestante, o que eu preciso saber? ● Tuberculose e hepatopatia, o que eu preciso saber? Tabela 11 INTOLE​RÂNCIA MEDICA​MENTOSA ESQUEMA Rifampici​na 2 HZELfx / 10 HELfx Isonia​zida 2 RZELfx / 4 RELfx Pirazina​mida 2 RHE / 7 RH Etambutol 2 RHZ / 4 RH Situações onde se pode considerar o prolongamento da fase de manutenção, de forma individualizada* Persistência de poucos bacilos no escarro após o quinto ou sexto mês. Resposta clinicorradiológica insatisfatória, mesmo que a baciloscopia do escarro seja negativa. TB pulmonar cavitária cuja baciloscopia persiste positiva após segundo mês de tratamento. Monorresistência à R ou H, caso o paciente não apresente melhora clinicorradiológica satisfatória. HIV/aids. Diabetes mellitus. Tabela 13 Falência ● Persistência de baciloscopia positiva ao final do tratamento. ● Pacientes com baciloscopia inicial fortemente positiva (++ ou +++) que mantêm essa situação até o quarto mês de tratamento. ● Positividade inicial da baciloscopia, seguida de negativação e retorno da positividade após o quarto mês, por dois meses consecutivos. Se no momento do parto a mãe apresentar tuberculose ativa, realizar cultura e histopatologia da placenta. Não há contraindicação ao esquema básico durante a gestação. Não há contraindicação ao esquema básico durante o aleitamento. O aleitamento está contraindicado na presença de mastite tuberculosa. A mãe portadora de TB deve usar máscara cirúrgica durante o aleitamento e durante os cuidados com a criança.
  • 36. Observe abaixo o algoritmo para manuseio do tratamento anti-TB nos casos de hepatopatia prévia e hepatotoxicidade atual: Tab. 14 Lembre-se: devemos sempre tentar usar um esquema que contenha rifampicina e isoniazida, pois será mais eficaz... ● Tuberculose e nefropatia, o que eu preciso saber? O clearance de creatinina sempre deve ser calculado para determinar a posologia correta das drogas. Como regra prática, para pacientes que utilizarão o esquema básico e apresentam clearance de creatinina < 30 ml/min, recomenda-se o seguinte: ● Fase intensiva (primeiros dois meses): RHZE às segundas, quartas e sextas; RH às terças, quintas, sábado e domingo; ● Fase de manutenção (últimos quatro meses): RH diariamente. Pacientes em programa de diálise devem tomar os medicamentos após o término da sessão de diálise. ● Tuberculose e HIV, o que eu preciso saber? Apresentamos abaixo os dez conceitos essenciais que você não pode deixar de saber sobre este assunto... Em um pequeno percentual de pacientes, as enzimas hepáticas sofrem elevações discretas e assintomáticas nos dois primeiros meses de tratamento. Nestes casos não é necessário suspender o tratamento, apenas monitorizar (a maioria normaliza espontaneamente). O tratamento deve ser interrompido se: ● Elevação das enzimas hepáticas > 5x LSN, assintomática; ● Elevação das enzimas hepáticas > 3x LSN, com sintomas; ● Surgimento de icterícia, independentemente das enzimas hepáticas. Se após a interrupção do tratamento ocorrer normalização das alterações clinicolaboratoriais dentro de quatro semanas, reintroduzir o esquema básico na seguinte sequência: 1. Rifampicina + etambutol; 2. Isoniazida; 3. Pirazinamida. As drogas são reintroduzidas a intervalos de três a sete dias, e antes de cada etapa é necessário verificar o hepatograma! O tempo de tratamento começará a ser contado a partir da data em que a reintrodução completa for possível… Se as enzimas hepáticas não se reduzirem dentro de quatro semanas, ou caso a tuberculose seja grave o bastante a ponto de impossibilitar a suspensão temporária do tratamento (ex.: meningoencefalite, TB miliar), devemos lançar mão do seguinte esquema alternativo: 5 Cm3 E Lfx / 7 E Lfx ALT = alanina aminotransferase; AST = aspartato aminotransferase; LSN = Limite Superior da Normalidade; R = rifampicina; E = etambutol; Lfx = levofloxacino; Cm = capreomicina; H = isoniazida; Z = pirazinamida. Abreviaturas acompanhadas de números: (1) o primeiro número indica o número de meses em que os medicamentos devem ser tomados; (2) o segundo número indica o número de dias por semana que o medicamento deve ser tomado; (3) quando não houver especificação, considera-se uso diário, isto é, sete dias por semana... Substituir a capreomicina pela estreptomicina se o teste de sensibilidade mostrar suscetibilidade a esta última e o paciente não possuir história prévia de uso de estreptomicina.
  • 37. No Brasil, a TB é a principal causa de morte em pessoas que vivem com HIV (letalidade da coinfecção ~ 20%), e cerca de 10% dos casos de TB ocorrem em indivíduos HIV+. Por este motivo, é mandatório investigar HIV após o diagnóstico de tuberculose! O exame de escolha é o teste rápido para HIV. Todo paciente infectado pelo HIV deve realizar PT ao diagnóstico, e depois, anualmente. Se PT ≥ 5 mm, descartada tuberculose doença, tratar Infecção Latente por Tuberculose, a “ILTB” (ver adiante). As manifestações clínicas da tuberculose variam conforme o grau de imunodepressão... Indivíduos com CD4 > 350 geralmente têm apresentação clínica semelhante a de pessoas não infectadas pelo HIV, isto é, tuberculose pulmonar (lobo superior), com ou sem cavitação. CD4 < 350 costuma cursar com formas pulmonares atípicas (ex.: infiltrado em lobos inferiores + adenopatia hilar), formas extrapulmonares ou mesmo TB disseminada (ex.: miliar + meningoencefalite). Em todo paciente coinfectado por TB/HIV deve-se buscar o isolamento micobacteriano por meio de cultura, identificação e teste de sensibilidade. A TARV está indicada para todo paciente HIV+ com tuberculose ativa (qualquer que seja a forma da doença), independentemente do nível de CD4. A genotipagem viral pré-TARV está sempre indicada na coinfecção HIV-TB, porém não se deve esperar por seu resultado para começar o tratamento (isto é, inicia-se a TARV conforme as orientações a seguir, ajustando-a posteriormente, caso necessário). Recomenda-se não iniciar a TARV concomitantemente com a terapia tuberculostática, pelo risco de sobreposição de efeitos colaterais e, no caso da TB meningoencefálica, pelo risco de síndrome da reconstituição imune grave, com desenvolvimento de hipertensão intracraniana... O primeiro tratamento a ser iniciado é o tuberculostático, seguido da TARV. As atuais diretrizes são: (1) CD < 50 ou sinais clínicos de imunodeficiência avançada (exceto TB meníngea) = começar TARV dentro das primeiras duas semanas de tratamento anti-TB; (2) TB meningoencefálica = começar TARV após a oitava semana de tratamento anti-TB; (3) demais casos (CD4 > 50, ausência de TB meníngea) = começar TARV na oitava semana de tratamento anti-TB. Sempre que possível o tratamento anti-TB para os pacientes HIV+ deve ser igual ao de pessoas não infectadas pelo HIV. É importante compreender que o uso de rifampicina deve ser priorizado (maior eficácia do esquema anti-TB). O grande problema é que a rifampicina (indutora de citocromo P450) interage com diversos antirretrovirais... Atualmente, definem-se dois cenários: (1) pacientes coinfectados HIV-TB sem critérios de alto risco; (2) pacientes coinfectados HIV-TB com critérios de alto risco. Os critérios de alto risco são (basta ter pelo menos um dos seguintes): ● CD4 < 100; ● Presença de outra doença oportunista; ● Doença grave/necessidade de internação hospitalar; ● TB disseminada. Se nenhum desses critérios estiver presente, a TARV inicial de escolha será TDF + 3TC + EFV (tenofovir, lamivudina e efavirenz), ou seja, 2 ITRN/ITRNt + ITRNN... Por outro lado, se pelo menos um critério estiver presente (ou se houver intolerância ao EFV), a TARV inicial de escolha passa a ser TDF + 3TC + RAL (raltegravir), ou seja, 2 ITRN/ITRNt + inibidor de integrase. Terminado o tratamento da TB, pode-se optar pela prescrição da TARV de primeira linha na atualidade, que consiste na combinação de TDF + 3TC + DTG (dolutegravir, um inibidor de integrase ministrado em dose única de 50 mg/dia). E se o paciente já estiver em uso da TARV padrão (TDF + 3TC + DTG) quando receber o diagnóstico de TB? Neste caso, o esquema TDF + 3TC + DTG deverá ser mantido, com a diferença que o DTG, que era ministrado em dose única de 50 mg/dia, passará a ser feito na dose de 50 mg de 12/12h até 15 dias após término do tratamento da TB. Findo este prazo, retorna-se a dose de DTG para 50 mg/dia... Isto é necessário porque a rifampicina diminui os níveis séricos de DTG, e o aumento na dose deste último é feito para contornar tal problema, permitindo a continuidade do uso do DTG com segurança e eficácia, durante o período em que for necessário coadministrar o tratamento anti-TB. Quando o paciente não puder utilizar o DTG, o esquema de segunda linha passa a ser TDF + 3TC + RAL (raltegravir, que também é um inibidor de integrase). Caso nenhum desses esquemas possa ser usado (ex.: intolerância ou resultado da genotipagem do HIV mostrando resistência viral) e seja necessário associar um Inibidor de Protease (IP) – uma classe que diminui muito os níveis séricos de rifampicina – deve-se substituir esta última pela rifabutina (150 mg/dia). Se nenhuma rifamicina puder ser usada (ex.: intolerância), devemos associar estreptomicina ao esquema tuberculostático, que fica assim: 2 HZES/10 HE. O risco de reações adversas aos medicamentos anti-TB é maior no portador do HIV. A explicação é que a ativação ininterrupta do sistema imunoinflamatório que caracteriza a infecção pelo HIV aumenta a chance de surgirem reações de natureza alérgica/imunológica contra substâncias exógenas. A TB ativa, por estimular o sistema imunológico, promove aumento da carga viral e diminuição da contagem de CD4 (fenômeno da transativação heteróloga do HIV). Assim, não devemos dosar esses marcadores antes de iniciar o tratamento específico anti-TB (pois os resultados estarão falseados)! Podemos dosar o CD4 e a carga viral trinta dias após o início do tratamento anti-TB. ● Tuberculose e Tabagismo, o que eu preciso saber? Estima-se que cerca de 20% da incidência de tuberculose possa ser diretamente atribuída ao tabagismo ativo!!! Logo, é óbvio que qualquer programa de controle da tuberculose deve englobar medidas para o controle do tabagismo… O tabagismo (ativo ou passivo) é comprovadamente um fator de risco INDEPENDENTE para os seguintes desfechos: ● TB infecção; ● TB doença; ● Recidiva de TB; ● Mortalidade por TB. As explicações são as seguintes: (1) o tabagismo reduz as defesas da árvore respiratória; (2) reduz a tensão de O2 no sangue, agravando as lesões necróticas pulmonares; (3) prejudica a cicatrização, aumentando a extensão da doença e suas sequelas. Além de recomendações de cunho político-econômico, como por exemplo, aumentar os impostos sobre o cigarro, restringir sua propaganda e promover campanhas educativas para a população, o programa de controle da tuberculose também recomenda que todos os pacientes com tuberculose sejam questionados a respeito de tabagismo. Aqueles que fumam devem ser aconselhados a parar. Tal recomendação, à primeira vista, pode parecer simplória demais e, quiçá, sem qualquer efeito prático… Entretanto, um estudo realizado em unidades de atendimento à TB no Rio de Janeiro mostrou que esta conduta (chamada de “intervenção breve”) é comprovadamente benéfica!!! Durante a consulta, intervenções breves de cinco a dez minutos (com explicações adaptadas para o grau de compreensão de cada paciente em particular) podem aumentar a taxa de abandono do tabagismo em fumantes portadores de tuberculose!!!