O documento apresenta um livro sobre o Zen Budismo escrito por David Scott e Tony Doubleday. Os autores descrevem as origens e práticas do Zen, incluindo a meditação, ensinamentos dos mestres e como aplicar o Zen na vida cotidiana. Apesar de ser possível descrever a estrutura do Zen, sua essência só pode ser compreendida através da experiência direta, como ensinam os autores.
2. O LIVRO DE OURO DO ZEN
DAVID SCOTT & TONY DOUBLEDAY
Se uma jóia cair no lago, muitas pessoas cairão na agua a fim de recuperá-‐‑la, agitando-‐‑
a até que se torne turva. O homem sábio espera que a água se acalme de modo que a
jóia venha a brilhar naturalmente, por si própria."ʺ
Os princípios do Zen obedecem a essa mesma lógica. Se você tentar absorvê-‐‑los sem
enveredar pelo caminho do raciocínio intelectual, eles brilharão, e você alcançará o que
estava buscando.
É o que mostram David Scott eTony Doubleday neste Livro de Ouro do Zen. De maneira
clara e acessível, eles aproximam o leitor ocidental desta milenar sabedoria espiritual,
relatando suas origens históricas, práticas de meditação, ensinamentos dos grandes
mestres e enfocando o Zen na vida cotidiana.
Este título faz parte da coleção LIVROS DE OURO, série inaugurada com O Livro de Ouro
da Mitologia, de Thomas Bulfinch.
Quando sentar, apenas sente, Acima de tudo, não vacile."ʺ
(Mestre Zen Umon -‐‑ século X)
O que é o Zen, como surgiu e se desenvolveu, e sua prática hoje são alguns dos
aspectos abordados neste livro. Seus autores, David Scott e Tony Doubleday, alertam,
entretanto, que a filosofia Zen não pode ser absorvida exclusivamente através de
leitura. É preciso a experiência direta para que o Zen possa ser compreendido de fato.
Até porque se trata de uma tradição baseada em princípios que não podem ser
provados por meio de argumentos intelectuais.
O Zen é uma disciplina do corpo e da mente que exige grande esforço, perseverança e
fé. Tanto na possibilidade da Iluminação, como na capacidade de alcançá-‐‑la. Scott e
Doubleday reúnem histórias, koans (paradoxos que não podem ser solucionados pelo
pensamento racional), narrativas de mestres e textos clássicos, com a finalidade de
permitir ao leitor obter um insight da essência do Zen.
Os métodos de treinamento desenvolvidos desde o tempo de Bodhidharma, há 1500
anos, também são relatados neste livro, que fornece ainda uma orientação para a
prática do Zen, com ênfase nos grandes benefícios que esta proporciona ao corpo e ao
espírito. Enfocando aspectos como a meditação, a alimentação, as artes marciais, os
3. autores esclarecem porque, como afirmava o mestre Nansen (748-‐‑834), "ʺa mente
cotidiana é o Caminho"ʺ.
Fornecendo ao leitor ocidental um maior conhecimento e clareza sobre esta riquíssima
tradição, O Livro de Ouro do Zen confirma a verdade enunciada na Canção do Za-‐‑Zen, de
Zenji Hakuin Ekaku, composta no século XVIII: "ʺdesde o início, todos os seres são
buda"ʺ.
David Scott e Tony Doubleday
são discípulos de Sensei Genpo Merzel, monge do Kanzeon Zen Centre. Dentre outros
livros, Scott publicou Samurai and Cherry Blossom e The Essential Guide to Japan.
D A V I D S C O T T &
T O N Y D O U B L E D A Y
O Livro de Ouro do
A S A B E D O R I A M I L E N A R E S U A P R Á T I CA
Tradução de Maria Aida Xavier Leoncio
2a edição
D A V I D S C O T T & T O N Y D O U B L E D A Y
"ʺSe uma jóia cair no lago, muitas pessoas cairão na água a fim de recuperá-‐‑la,
agitando-‐‑a, até que se torne turva. O homem sábio espera que a água se acalme de
modo que a jóia venha a brilhar naturalmente, por si própria."ʺ
Os princípios do Zen obedecem a essa mesma lógica. Se você tentar absorvê-‐‑los sem
enveredar pelo caminho da especulação intelectual, eles brilharão, e você alcançará o
que estava buscando.
É perfeitamente possível descrever a estrutura e as práticas desta tradição espiritual
milenar, mas é impossível descrever a experiência da natureza essencial do Zen. E isso
o que nos ensinam David Scott e Tony Doubleday em O Livro de Ouro do Zen.
Os autores estudam e praticam Zen Budismo há vários anos. Em O Livro de Ouro do
Zen estão as origens históricas, as práticas de meditação, os ensinamentos dos grandes
mestres e os enormes benefícios que a prática dessa doutrina secular proporciona ao
corpo e ao espírito.
4. Sumário
Agradecimentos,
Nota do Autor,
Nomes, Datas e Citações,
Introdução,
1. O que É o Zen?,
2. Origens e História do Zen,
3. O Caminho do Zen,
1. A Jornada para o Verdadeiro Self,
2. A Vida de Joshu Jushin,
4. A Prática do Zen,
5. A Prática Ulterior,
6. O Zen na Vida Cotidiana,
7. Alimentação Zen,
8. Os Desenhos do Touro e o Vaqueiro,
9. O Zen e as Artes Marciais,
10.Perguntas Comuns,
11.Votos e Sutras do Zen,
Glossário de Termos Gerais,
Glossário Monástico ou do Sesshin,
Lista para Consulta,
David Scott dedica este livro a Annette Hollins.
Tony Doubleday dedica a seus pais.
David Scott e Tony Doubleday querem expressar seus agradecimentos a Harry Cook por sua
contribuição a este livro. O capítulo de sua autoria, "ʺZen e as Artes Marciais"ʺ, foi apresentado
de maneira tão clara e explicativa, que o deixamos exatamente como ele escreveu.
Gostaríamos, por fim, de agradecer ao Sensei Genpo Merzel, Abade do Kanzeon Zen Centre.
Ambos somos seus discípulos do Zen. Sem ele, não teríamos sido capazes de escrever este livro.
5. Nota do autor
Tony Doubleday começou a trabalhar neste livro como assistente de pesquisa, mas sua
contribuição foi tão
valiosa, ultrapassando as expectativas, que ele logo se transformou
em co-‐‑autor.
David Scott
Notas , dicas e citações
Todo livro sobre Zen Budismo encontra dificuldades para traduzir os nomes dos
antigos mestres e para a terminologia Zen. Existem traduções para o inglês de nomes
de origem chinesa (e diferentes sistemas estão sendo usados aqui) e traduções para o
inglês de traduções japonesas de originais chineses, bem como traduções diretas de
nomes e termos japoneses. Como você pode imaginar, torna-‐‑se bastante confuso para
uma pessoa que não seja acadêmica. Procuramos simplificar o assunto, escolhendo no-‐‑
mes e termos que estão no uso corrente. Isto significa que não fomos necessariamente
sistemáticos. Na primeira ocasião em que uma pessoa de importância histórica é
mencionada, fornecemos as datas de seu nascimento e morte, sempre que possível. Se
essa informação não constar, é porque a pessoa em questão é um mestre con-‐‑
temporâneo ou alguém que morreu neste século. Na página 216, encontra-‐‑se uma lista
para as consultas.
Usamos citações em todo o livro, mas, para mantê-‐‑lo simples, nem sempre fornecemos
uma nota sobre o capítulo e o versículo referente à origem da citação. Uma outra lista,
no final do livro, contem os nomes de todos os livros utilizados em nossa pesquisa.
Introdução
Qualquer pessoa pode descrever os ingredientes e métodos W F culinários para fazer
um determinado prato, mas o gosto da comida e a sensação de prazer que ela dá não
podem ser transmitidos. A mesma coisa acontece com o Zen. Podemos descrever a
estrutura e as práticas dessa tradição espiritual, porém nenhum escritor, por mais
brilhante que seja, pode dar ao leitor a experiência genuína da natureza essencial do
Zen. Essa pessoa tem de se empenhai em praticar. O leitor poderá, então, perguntar
por que escrever um livro sobre o Zen? Nossa pergunta abrange dois aspectos:
6. Os primeiros seguidores do Zen, na China e no Japão, empreenderam jornadas
espirituais simplesmente escolhendo um mestre, com fé e confiança e, com paciência,
submetiam-‐‑se à sua sabedoria. A abordagem dos ocidentais modernos, com sua
condição cultural diferente, provavelmente tem sido mais cautelosa. Antes de nos
emprenharmos a dar um determinado passo, queremos ter uma compreensão
intelectual do que isto vai acarretar e algum conhecimento a respeito dos valores
filosóficos e práticos que o sustentam. O principal objetivo de O Livro de Ouro do Zen é
fornecer estas infotmações.
Não obstante nossa necessidade inicial de um conhecimento concreto de sua filosofia,
o Zen é uma tradição não-‐‑intelectual; o segundo motivo para escrever este livro foi dar
para o leitor a oportunidade de provar o gosto "ʺnão-‐‑mente"ʺ muito específico do Zen.
Não podemos chegar ao seu núcleo através da leitura, mas, com a ajuda das histórias
do Zen, dos contos dos mestres Zen, das citações dos textos do Zen e de uma descrição
dos métodos de ensino, talvez possamos obtet um insight da sua essência.
Compaixão, orientação, disposição de espírito, energia, liberdade e absurdez, quando
combinados, dão ao Zen seu sabor próprio, único. Esperamos que este livro incorpore
um pouco dessas qualidades.
CAPÍTULO I
O que é ZEN?
Iluminação significa ver através da sua própria natureza essencial e isto, ao mesmo tempo,
significa ver através da natureza essencial do cosmos e de todas as coisas. Pois, ver através da
natureza essencial é a janela da iluminação. Podemos chamar a natureza essencial de verdade,
se assim quisermos. No Budismo dos tempos antigos, foi chamada de talidade, ou natureza de
Buda ou a mente. No Zen, tem sido chamada de não-‐‑existência, a mão, a face original de
alguém. As designações podem ser diferentes, mas o conteúdo é absolutamente o mesmo.
MES TRE ZEN ROS HI HAKÜ U N Y AS U TANI (1885-‐‑1973)
7.
8. Zen é o método prático de realização dessa natureza de Buda. E uma disciplina do
corpo e da mente que exige grande esforço, perseverança e fé, tanto na possibilidade
da Iluminação como na sua própria capacidade de alcançá-‐‑la. E simples, direto, prático
e ocupa-‐‑se do aqui e agora. Quando um monge perguntou: "ʺQual é o significado do
Zen?"ʺ, um mestre Zen respondeu: "ʺVocê tomou o seu café da manhã?"ʺ "ʺSim"ʺ, disse o
monge. "ʺEntão, lave a sua tigela"ʺ, disse o mestre. Compreender e experimentar a
verdade ou a natureza de Buda leva a uma aceitação dinâmica da vida cotidiana e ao
reconhecimento de sua qualidade extraordinária. O mestre Zen Umon (morto em 949),
quando perguntado como agir de acordo com a verdadeira natureza, respondeu:
Quando andar, apenas ande, Quando sentar, apenas sente; Acima de tudo, não vacile.
Como Umon tão claramente demonstrou, a essência do Zen é transmitida mais
diretamente através da linguagem da experiência diária e não com frases acadêmicas
ou teológicas.
O objetivo pragmático do Zen é levar o praticante a uma experiência direta da vida em
si. Eliminar todas as distinções dualísticas como eu/você, verdadeiro/falso,
sujeito/objeto, a fim de chegar a uma consciência da vida não condicionada por
palavras e conceitos.
Obviamente, precisamos das palavras para comunicar as idéias, mas a visão do Zen é
que, se confiarmos somente nelas, corremos o risco de substituir o conhecimento a
respeito de alguma coisa pelo esforço de empenhar-‐‑se para tet uma experiência direta
da sua realidade. O método Zen destina-‐‑se a demonstrar a Realidade, e não a
descrevê-‐‑la por meio de palavras. Portanto, os métodos de treinamento do Zen são
programados, algumas vezes de forma bastante rude, a fim de proporcionar ao
praticante uma experiência direta da Realidade sem véus, sem enfeites.
Pergunte ao um mestre Zen: "ʺO que é o Zen?"ʺ, e ele é bem capaz de responder com
outra pergunta do tipo: "ʺQuem você é?"ʺ ou "ʺO que é a vida?"ʺ. A partir da sua
perspectiva, o Zen é, antes de tudo, a experiência que o discípulo deve identificar em
sua própria vida. O mestre vai dizer que livros e palestras podem transmitir uma certa
instrução e interpretação úteis, porém constantemente salientatá as suas limitações. As
informações são adquiridas e passadas de uma pessoa para outra, ao contrário da
experiência do Zen, que se preocupa com a natureza do nosso ser interior. Desde que
estejamos satisfeitos por perseguirmos um mero conhecimento do Zen, podemos nos
tornar acadêmicos brilhantes, mas deixaremos de confrontar a nossa existência como
seres humanos e, conseqüentemente, não vamos entender o Zen. Segundo um mestre
Zen chinês, Mumon (1183-‐‑1260), "ʺAo nos empenharmos em interpretar claramente,
retardamos a sua realização."ʺ
Ao buscarmos uma compreensão literal do Zen, defrontamo-‐‑nos com o silêncio
aterrador com o qual o mítico budista leigo iluminado, Vimalakirti, respondeu a uma
pergunta a respeito da natureza da Realidade. O Sutra que leva seu nome nos conta
9. que Vimalakirti recebeu a visita de um grupo de antigos seguidores do Budismo,
inclusive do Bodhisattva Manjushri, que era famoso por sua sabedoria. Para testar seus
conhecimentos dos ensinamentos de Buda, Vimalakirti perguntou aos convidados
qual seria o meio para quem aspira a Iluminação conhecer a Realidade como uma
experiência direta. Cada um dos presentes falou por sua vez, terminando com
Manjushri, que disse: "ʺAcho que não podemos nos apossar da Realidade por meio de
palavras, ensinamentos, debates ou especulações. Devemos ir além de todas as
perguntas e respostas. Esta é a maneira de conhecer a Realidade como uma experiência
direta."ʺ Então, Manjushri disse para Vimalakirti: "ʺAgora que cada um de nós se
expressou da sua maneira, diga-‐‑nos qual é o meio pelo qual quem aspira à Iluminação
pode vir a conhecer a Realidade como uma experiência direta?"ʺ Vimalakirti ficou em
silêncio. Diante disso, Manjushri exclamou: "ʺExcelente, excelente! Como pode haver
uma verdadeira realização da Iluminação se as palavras e o discurso não forem
abandonados?"ʺ
A resposta de Manjushri estava correta, mas Vimalakirti foi muito mais além dos
certos e errados do assunto. Foi a expressão categórica da sua compreensão. Para
percebê-‐‑lo, nós também temos de compreender o silêncio de nossos próprios corações.
A palavra Zen é uma abreviatura de Zenna ou Zenno, que é a maneira de os japoneses
lerem os caracteres chineses do Ch'ʹanna, que, por sua vez, quer dizer dhyana, em
chinês. Esta é uma palavra sânscrita que descreve o ato da meditação e o estado de
consciência não-‐‑dualística (ou outros estados de consciência fora da experiência
cotidiana), que podem surgir com a prática.
Como se pode deduzir das origens de seu nome, o fundamento da prática do Zen é a
meditação Zazen, e seu objetivo específico é levai o praticante a uma completa
realização da sua verdadeira natureza. O Zen ensina que a prática do Zazen é o
caminho mais íngreme, porém mais rápido, para a Iluminação ou para "ʺver as coisas
como elas são"ʺ. A meta do Zen é a Iluminação, e uma Iluminação sempre profundada.
Para prosseguir, precisamos, então, fazer a pergunta: o que é Iluminação? Aqui,
novamente, defrontamos com as limitações da informação. Como vamos compreender
através de palavras uma experiência que não conhecemos? Se há alguma diferença, as
palavras só atrapalham. Elas podem se tornar conceitos ou predisposições em que
tentamos enquadrar nossa experiência. Por esse motivo, muitos dos grandes mestres
do Budismo sempre evitaram descrever a Iluminação com termos em torno dos quais
os conceitos podem se formar. Como ocorreu no debate entre Manjushri e Vimalakirti,
eles ptefetem descrever a experiência em termos predominantemente negativos.
Os ensinamentos do Zen dizem que devemos deixar de lado a dialética sobre o que é a
Iluminação e, sim, apresentar sua manifestação na vida diária. Portanto, a maneira de
praticar o Zen não é ter uma compreensão conceituai daquilo, por exemplo, que o
Roshi Yasutani (na citação que abre este capítulo) chama de natureza essencial e,
depois, sair procurando-‐‑a. Ao contrário, temos de nos tornar conscientes de nós
mesmos como realmente somos e saber avaliar o que significa o autoconhecimento
10. consciente. Raramente paramos para pensar o que realmente significa dizer: "ʺEu
penso"ʺ ou "ʺEu sinto"ʺ, ou "ʺEu faço"ʺ e, entretanto, refletir sobre isso é o primeiro passo
para a Iluminação.
Em japonês, o despertar para a Iluminação chama-‐‑se "ʺSatori"ʺ ou "ʺKensho"ʺ. Estes dois
termos são muitas vezes usados alternadamente. Desde que a compreensão pode ser
súbita ou gradual e mais ou menos profunda, é comum chamat o Kensho de insight
limitado, e a Iluminação propriamente é o Satori ou Daí-‐‑Kensho (que significa grande
despertar). Pode-‐‑se tentar compreender a experiência do Kensho no sentido de que,
quando o pensamento discriminatório é posto de lado, resta uma enorme dimensão do
ser que antes não era totalmente desconhecida, mas que tinha um significado até então
ignorado. Por conseguinte, a reação involuntária daquele para o qual o Kensho se
torna uma realidade é muitas vezes de surpresa e satisfação: "ʺMas é claro! Como eu
sou burro!"ʺ
A experiência é um pouco semelhante à do homem que, parado no caixa automático
do lado de fora do banco, não consegue lembrar-‐‑se da senha do seu cartão. Durante
vários minutos é tomado pela dúvida e frustração e, por mais que tente, não consegue
lembrar-‐‑se. Quando, finalmente, ela aparece de estalo na sua mente consciente, lhe é
tão familiar que ele tem certeza de estar absolutamente correto e sorri entre os dentes
por ter-‐‑se esquecido antes.
O mestre Soto Zen Roshi Kodo Sawaki disse que ptaticat o Zen é se tornar íntimo do
Self. O Self é aquela enorme dimensão da existência a que chamamos de Natureza
Essencial. Inclui e não se opõe ao ego, com o qual normalmente nos identificamos e a
partir do qual criamos a persona que mostramos para os outros. O Zen não quer, como
alguns pensam, destruir ou livrar-‐‑se do ego, como se este fosse uma parte física de nós
11. mesmos que pudesse ser cirurgicamente
removida. O ego é a soma total de todas
as nossas lembranças, hábitos, desejos,
aversões, opiniões, padrões de
pensamento etc. Ele oferece nossos pontos
de referência para nos relacionarmos no
mundo e, nesse contexto, é um
instrumento vital. Entretanto, também nos
restringe e nos frustra quando não enten-‐‑
demos sua perspectiva provisoria e
limitada sobre a vida. Acima de tudo, ele
é impermanente e sem substância e,
portanto, faz parte de uma consciência ou
vazio maior. Ao dar-‐‑se conta da ligação
íntima com o Self, o ego é transcendido,
perde sua sujeição e pode ser usado
livremente, compassivamente e com
sabedoria.
A relação entre o ego e a Natureza
Essencial foi ilustrada pelo mestre Zen
japonês Bankei Yotaku (1622-‐‑1693),
através de uma analogia com um trabalho
de costuta.
A mente de Buda não-‐‑nascida lida espontânea
e livremente com qualquer coisa que se
apresente para ela. Mas, se alguma coisa por
acaso fizer você mudar a mente de Buda em
pensamento, então você passa a ter problemas
e perde aquela liberdade. Deixe-‐‑me dar-‐‑lhe um
exemplo. Suponhamos que uma mulher esteja
ocupada, costurando alguma coisa. Uma
amiga chega e começa a conversar com ela. Enquanto escuta a amiga e costura de acordo com o
não-‐‑nascido, não tem problemas para fazer as duas coisas. Mas, se presta atenção às palavras da
amiga e um pensamento surge na sua mente enquanto reflete sobre o que vai responder, suas
mãos param de costurar. Concentra a atenção na costura e pensa no que está fazendo, deixa de
captar o que a amiga está dizendo e a conversa não flui normalmente. Em qualquer um dos
casos, sua mente-‐‑Buda escapuliu da concentração no não-‐‑nascido. Ela a transformou em
pensamento. Enquanto os pensamentos estão fixos numa coisa, estão vazios de todas as demais,
privando a mente da sua liberdade.
12. Se a mente de Buda não-‐‑nascida for a verdadeira natureza de nossos pensamentos
cotidianos, deve-‐‑se concluir que se encontra no meio de nossa vida diária. No
treinamento Zen, a ligação íntima com o Self faz com que nos confrontemos com o
mundo das formas do dia-‐‑a-‐‑dia. Esta ligação íntima com as formas do mundo
cotidiano, então, nos confronta com a realidade do vazio e da impermanencia. O Zenji
Eihei Dogen (1200-‐‑1253), fundador do Soto Zen japonês, disse:
Aprender o caminho de Buda é aprender sobre si mesmo. Aprender sobre si mesmo é esquecer-‐‑se
de si mesmo, é estar iluminado por tudo, no mundo. Estar iluminado por tudo é deixar cair o
próprio corpo e a própria mente.
É este deixar cair o corpo e a mente que leva à compreensão de que não existe uma
entidade fixa chamada comumente de si mesmo. Só existe o espaço ilimitado, infinito,
desobstruído. Nas palavras do Sensei Genpo, um mestre Zen dos nossos dias:
Este espaço, também chamado "ʺvazio"ʺou Shunyata, não é um mero vácuo, mas é real, pleno e
existente. E a fonte da qual todas as coisas emanam e para a qual retornam. Não pode ser visto,
tocado ou conhecido e, no entanto, existe como "ʺEu"ʺ e está sendo livremente usado por cada um
de nós, a cada momento das 24 horas do dia. Não tem contornos, nem tamanho, nem cor, nem
forma e, entretanto, tudo que vemos, ouvimos e tocamos é "ʺele"ʺ.
Está além do nosso conhecimento intelectual e nunca será realizado pela mente racional. Em
outras palavras, está absolutamente fora do nosso alcance. Quando somos subitamente acorda-‐‑
dos e compreendemos claramente que não existem nem nunca existiram barreiras,
compreendemos que somos todos uma coisa só: montanhas, lua, estrelas, universo, somos todos
o si mesmo. Não mais existe uma divisão ou barreira entre o si mesmo e os outros, não mais
quaisquer sentimentos de alienação, medo, ciúme ou ódio pelos outros, pois já se sabe e está
comprovada a evidente realidade de que não existe nada separado do si mesmo e, portanto, nada
a temer. Esta compreensão naturalmente resulta na "ʺverdadeira compaixão"ʺ. As pessoas e
coisas não são mais vistas como separadas, mas como o próprio corpo.
Quando descobrimos nossa verdadeira natureza, temos a sensação de que voltamos
para casa, ou que redescobrimos algo de grande valor. Este é um tema que se repete no
mito e é um ponto muitas vezes enfatizado no Zen. Talvez seja por causa disso que é
possível, por exemplo, ouvir falar do silêncio aterrador de Vimalakirti e, mesmo sem
entender por que, sentir grande afinidade com sua história.
Concluindo, podemos dizer que o Zen é universal e apropriado para qualquer pessoa,
em qualquer lugar. Uma de suas crenças básicas é que a natuteza de Buda é inerente a
todas as pessoas e que ela é perfeita. Este verdadeiro Self possui compaixão e amor
pelos seus semelhantes, mas, como disse Buda, "ʺdevido à mente do homem ter se
tornado invertida, através do pensamento ilusório, ele deixa de percebê-‐‑lo"ʺ. O
13. discípulo do Zen aspira enxergar através da ilusão e para dentro do seu verdadeiro
Self e, dessa forma, a natureza de toda a existência. Assim sendo, o treinamento Zen
não acrescenta nada ao indivíduo; pelo contrário, mostra o caminho para extirpar as
ilusões, a fim de que se torne o que realmente é, para voltar para casa, na linguagem
do Zen. Este voltat para casa implica ver as coisas cada vez mais verdadeiramente,
como elas são na realidade.
A filosofia Zen, finalmente, baseia-‐‑se em suposições que não podem ser provadas por
meio de argumentos intelectuais. A única maneira de realmente entender o Zen é
através do conhecimento experimental. Este é obtido na tradição Zen, através dos
métodos de treinamento desenvolvidos, desde o tempo de Bodhidharma, há 1500
anos.
O treinamento ideal do Zen implica a prática regular do Zazen, ser membro de uma
comunidade ou associação Budista (Sangha), ter acesso diteto aos ensinamentos de um
guia espiritual (um Roshi) e estudar os ensinamentos de Buda (o Dharma). Buda, o
Dharma e o Sangha são conhecidos como os Três Tesouros.
As características do Zen que o separam de outras tradições budistas, estão tesumidas
a seguir.
Em primeiro lugar, a Iluminação é transmitida diretamente do mestre para o aluno,
fora dos ensinamentos ortodoxos. (Na tradição Zen, a aprovação da transmissão direta
do Dharma é essencial. Sabe-‐‑se que a força do Zen está nesta transmissão do mestte
para o discípulo, de mente para mente.) Em segundo lugar, não existe dependência de
escrituras ou de outros livros sagrados. Por último, os mestres Zens dirigem-‐‑se
diretamente ao coração humano. Christmas Humphries (1901-‐‑1983), fundador da
Sociedade Budista Britânica, descreveu o Zen como a apoteose do Budismo... Um
assalto direto à cidadela da Verdade, sem a segurança dos conceitos de Deus, alma ou
salvação.
CAPÍTULO 2
Origens e história do ZEN
Buda nasceu em Kipilavastu; Iluminado em Magadha; Ensinou em
Varanasi; Entrou no Nirvana em Kusinagara.
CÂNTIC O SOTO ZEN PARA A HORA D A REFEIÇ ÃO
14. Zen japonês, com sua ênfase sobre a prática do Zazen, estudo do Koan e a realização
do Satori, tem suas origens na China. Aqui, os primeiros mesttes Zen ensinaram e os
primeiros mosteiros reconhecidamente Zen foram fundados. Entretanto, as raízes mais
profundas do Zen encontram-‐‑se na índia, onde o Sidarta Gautama nasceu, alcançou a
Iluminação e fundou a religião budista. A história da sua vida desperta um interesse
mais do que histórico, já que, para os seguidores do Zen, ele é o modelo supremo de
alguém que seguiu o Caminho até o fim e realizou a Iluminação perfeita. Buda
(palavra sánscrita que significa O Desperto) não é uma figura abstrata do passado, mas
um homem com o qual um mestre Zen pode sentir um relacionamento pessoal na
consciência de suas lutas compartilhadas. O seguidor do Zen acredita que cada um de
nós tem o potencial para alcançar o despertar total e que o caminho de Buda não está
teservado para uns poucos escolhidos, mas definitivamente aberto para todos.
15. Buda nasceu no século sexto a.C, a noroeste da índia. Quando nasceu, seu pai,
Suddhodana, consultou um astrólogo, o qual previu que o jovem Sidharta cresceria
para ser um herói e conquistaria o mundo, ou seria um grande sábio. Suddhodana,
evidentemente, preferiu a primeira opção e tomou providências para que seu filho
fosse criado com todas as virtudes dos reis e guerreiros da época, protegendo-‐‑o, tanto
quanto possível, de qualquer coisa que pudesse levá-‐‑lo a questionar o significado da
vida.
De início, os objetivos de Suddhodana foram bem-‐‑sucedidos, e Sidharta tornou-‐‑se um
jovem forte e feliz. Casou-‐‑se e sua mulher deu à luz um menino. Entretanto, embora
não percebesse claramente por que, começou a sentir-‐‑se inquieto, achando que a sua
vida não lhe trazia nenhuma satisfação. Decidiu fugir secretamente do palácio e
aventurar-‐‑se entre os súditos de seu pai. Pela primeira vez na vida, deparou com as
realidades: doença, velhice e morte e, como resultado
dessa experiência, tornou-‐‑se cada vez mais angustiado,
compreendendo que, pot maior que fosse a proteção, o
conforto e o luxo que o pai proporcionava não podiam
impedir que ele, nem ninguém, lutasse pela vida.
Refletindo sobre o problema e em busca de uma
resposta, decidiu tornar-‐‑se mendigo errante. Naquela
época, este era o caminho para os que queriam
entender a morte e o sofrimento da humanidade.
Assim, Sidharta renunciou à riqueza, ao poder e à
família, partindo em busca da verdade. Ele tinha quase
trinta anos, estava na plenitude da vida e era muito
determinado. Estava abandonando tudo por um futuro
totalmente incerto. Como era praxe, não possuía nada,
dormia ao relento e obtinha comida, esmolando.
Procurou vários mestres, aprendendo tudo o que eles
sabiam, mas continuava sem solucionar suas dúvidas a
respeito do significado da vida. Na sua determinação
para equacionar este problema, sujeitou-‐‑se a todas as
formas de rigorosa austeridade, ganhando a reputação
de asceta. Um pequeno círculo de seguidores reuniu-‐‑se
em torno dele. Juntos, jejuavam, expunham-‐‑se aos
rigores do calor e do frio, e submetiam-‐‑se a
mortificações físicas. Depois de cinco anos desta vida,
Sidharta estava quase morto de fome e exaustão, e
ainda não tinha conseguido solucionar sua dúvida.
Finalmente, concluiu que o significado da vida não
tinha de ser descoberto por meio de um ascetismo
16.
17. extremo e, assim, abandonou esta prática. Não devemos desprezar o significado desta
sua atitude. Com efeito, ele chegou à conclusão de que os cinco ou seis anos em que se
sujeitou, voluntariamente, à mais incrível dureza (e reconquistou algum status pessoal,
em conseqüência disso) foram uma completa perda de tempo. Da mesma forma como
quando decidiu abandonar o palácio de Suddhodana deve ter sido necessária uma
grande coragem e autoconfiança para chegar a este reconhecimento. E isto também
comprova a força de sua dúvida pessoal a respeito do significado da vida, bem como
sua fé e determinação para solucioná-‐‑la.
Pela primeira vez, em muitos anos, comeu uma refeição decente. O resto do grupo, que
o tinha como mestre, partiu revoltado. Profundamente frustrado por seu próprio
fracasso, Sidharta, de repente, lembrou-‐‑se de uma época de sua infância em que,
sentado debaixo de uma árvore, no jardim do palácio, espontaneamente experimentara
um estado de perfeita harmonia e paz com a vida. Com determinação renovada,
sentou-‐‑se debaixo de uma árvore e resolveu que só se levantaria quando sua dúvida a
respeito da vida estivesse totalmente satisfeita.
O dia cedeu lugar à noite, e a noite trouxe a aurora. Então, de acordo com a versão
existente no Zen, a esttela da manhã despontou no horizonte e, vendo-‐‑a, Sidharta,
subitamente, compreendeu que nunca haviam faltado respostas para suas dúvidas.
Vida e morte eram apenas fenômenos passageiros, no palco do não-‐‑nascido, o qual não
era outro senão ele próprio. "ʺIsto é um milagre!"ʺ exclamou. "ʺTodos os seres vivos são
intrinsecamente iluminados, quanto ao significado da vida e da morte, são
perfeitamente dotados de sabedoria e da compaixão dos Despertos, mas, dados seus
pensamentos ilusórios, não podem percebê-‐‑lo."ʺ Compreendendo esta verdade, sua
dúvida foi resolvida e Sidharta Gautama tornou-‐‑se Buda Shakyamuni.
A verdade descoberta era tão simples e sutil, que ele teve dúvidas de que alguém fosse
capaz de entender. Enttetanto, ao meditat, deu-‐‑se conta de que deveria haver, pelo
menos, algumas pessoas prontas para sensibilizarem-‐‑se com seus ensinamentos e,
assim, iniciou uma vida dedicada ao ensino que deveria se prolongar por quase
quarenta anos, e cujas repercussões são sentidas até nossos dias.
Existem tantas formulações do ensinamento de Buda (o "ʺDharma"ʺ) quantas são as
escolas do Budismo. A escola do Zen afirma transmitir a verdadeira essência do
Dharma, sem apoiar-‐‑se nas palavras e letras da doutrina. Isto não quer dizer que o Zen
ignore o Budismo canónico, mas, muito pelo contrário, como Vimalakirti, os mestres
Zen consideram mais importante manifestar a essência do Budismo do que meramente
falar sobre ele. Foi assim que Huineng (638-‐‑713), o Sexto Patriarca do Zen chinês,
embora analfabeto e, portanto, incapaz de estudar os Sutras, pôde explicá-‐‑los, na
íntegra, para quem se dedicasse a ler as passagens para ele. Certa vez, Hui-‐‑neng disse:
"ʺNão deixe o Sutra derrubá-‐‑lo; derrube-‐‑o você."ʺ
Os ensinamentos de Buda eram pragmáticos, ditetos e adaptados às necessidades de
seus ouvintes. Ele nunca perdeu de vista os abismos profundos da confusão, nos quais
a maior parte da humanidade está mergulhada, e estava pronto para usar todos os
18. modos de ensinamentos proveitosos para ajudar seus seguidores em seus equívocos e
dificuldades. Assim, quando foi abordado por uma mulher que ttazia o filho morto
nos braços, buscando consolo e compreensão por que essa coisa horrível tinha lhe
acontecido, disse que poderia ajudá-‐‑la, desde que trouxesse uma semente de mostatda
de uma casa que não tivesse conhecido o sofrimento. A mulher foi de casa em casa
procurando a tal semente e, apesat de muitos terem oferecido sementes, ela não
encontrou nenhuma casa que não tivesse conhecido o sofrimento. Assim sendo, voltou
ao Buda, que disse:
Minha irmã, você descobriu
Procurando aquilo que ninguém acha, o bálsamo amargo Que eu tinha que lhe dar. Aquele que
você amou Caiu morto no seu peito ontem; hoje Você sabe que o mundo inteiro chora Com sua
tristeza.
Buda desenvolveu muitos métodos táticos para levar as pessoas a abandonarem os
apegos das suas mentes discriminadoras (que ele via como a fonte dos problemas).
Explicou por que agia desta forma, através da parábola da casa em chamas:
Em uma cidade de um determinado país, havia um grande ancião, cuia casa era enorme, mas só
tinha uma porta estreita.
Cena da vida de Buda Área indianado séc.II
19. Esta casa estava muito estragada e, um dia, de repente, irrompeu WASHING I ON um grande
incêndio que rapidamente começou a se alastrar. Dentro da casa estavam muitas crianças, e o
ancião começou a implorar para que saíssem. Mas todas estavam absortas nas suas brincadeiras
e, embora tudo levasse a crer que iriam morrer queimadas, elas não prestaram a menor atenção
ao que o ancião dizia e não mostravam pressa de sair.
O ancião pensou um momento. Como era muito forte, poderia colocar todas dentro de um
caixote e tirá-‐‑las rapidamente. Mas, depois, viu que, se o fizesse, algumas poderiam cair e se
queimar. Por isso, resolveu alertá-‐‑las sobre os horrores do incêndio, para que saíssem por sua
livre e espontânea vontade.
Aos gritos, pediu que fugissem imediatamente, porém as crianças deram uma olhada
e não tomaram conhecimento.
O grande ancião lembrou-‐‑se que todas as crianças queriam carroças de brinquedo e, assim,
chamou-‐‑as dizendo que viessem depressa ver as carroças de bodes, veados e bois que tinham
chegado.
Ao ouvirem isto, as crianças finalmente prestaram atenção e caíram umas sobre as outras, na
ânsia de saírem, fugindo, desta maneira, da casa em chamas. O ancião ficou aliviado por terem
escapado ilesas do perigo, e, quando elas começaram a perguntar pelas carroças, deu a cada uma
não aquelas simples que elas que¬riam, porém carroças magnificamente decoradas com objetos
preciosos, puxadas por grandes novilhos brancos.
O simbolismo desta história talvez esteja bastante óbvio. O ancião é Buda, a casa em
chamas é a natureza da existência que Buda chamou de "ʺDukka"ʺ (isto é, incapaz de dar
uma satisfação duradoura, porque, em todos os aspectos, é inconsistente e
transitória).As crianças são a humanidade e
suas brincadeiras representam as diversões
mundanas com as quais estamos tão ocupados
que, muito embota estejamos vagamente
conscientes da vida e do verdadeiro Self, não
prestamos atenção nisto. As carroças de bode,
veado e boi são os métodos de ensino
temporários, na realidade, o "ʺchamariz"ʺ,
através do qual Buda pode nos fazer escutar e
começar a praticar o Dharma, e as carroças
magníficas, puxadas por grandes novilhos
brancos, representam a própria Iluminação,
para a qual Buda só nos conduzirá se tiver
nossa cooperação e entrega.
Buda-‐‑ Alto relevo, arte indiana (período Gupta)
20. O espírito da história toda do Dharma de Buda talvez esteja resumido nesta história.
Ela foi adaptada e difundida por meio de todos os seus grandes sucessores do
Dharma. Demonstra também a natureza provisional daquilo que Buda ensinou,
associando seu ensinamento a um remo, que é útil enquanto a pessoa está atraves-‐‑
sando a água, mas que poderá ser abandonado depois. É por isso que, na tradição Zen,
o Dharma foi chamado de o dedo que aponta para a lua.
No Sutra Lankavatara, Buda é mencionado como tendo dito: "ʺSe um homem se apega
ao significado literal das palavras... a respeito do estado original da Iluminação, o qual
é não-‐‑nascido e que não morre..., começa a ter pontos de vista positivos ou negativos.
Assim como as diferenças dos objetos são vistas como ilusão, e distinguidas como
reais, se afirmações errôneas forem feitas, as distinções errôneas continuam. É por
meio do ignorante que as distinções continuam, e o sábio faz o contrário."ʺ E, como
vemos no Sutra Vajraechedika (do Diamante):
Assim você deve pensar deste mundo fugaz; Uma estrela no amanhecer, uma espuma no regato;
Uma faísca de relâmpago, em uma nuvem de verão; Uma lâmpada cintilando, um fantasma, e
um sonho.
Muito embora o Dharma tenha sido formulado dentro das Quatro Nobres Verdades,
do Caminho Óctuplo, das Cinco Virtudes Espirituais e dos Cinco Obstáculos à Prática,
dos Doze Elos da Existência Condicionada e muito mais, todos estes constituem os
diversos meios práticos para compreendermos a verdadeira natureza do coração e da
mente humanos. Por isso, em outro lugar, os Sutras nos falam que, entre a Iluminação,
em Magadha, e a morte ou paranirvana, em Kusinagara, Buda não proferiu nenhuma
palavra de ensinamento; que não alcançou a Iluminação embaixo da árvore Bodi, em
Magadha, e que eternamente esteve sentado sobre o "ʺPico dos Abutres"ʺ, pregando o
Dharma para a assembléia (o Sangha).
Em Zen Flesh, Zen Bonés, tradução para o inglês de Nyogen Senzaki e Paul Reeps,
encontramos o seguinte:
Buda disse: Considero a condição dos reis e legisladores como grãos de poeira. Observo os
tesouros de ouro e as pedras preciosas como sendo tijolos e seixos. Para mim, as mais finas
vestes de seda são trapos esfarrapados. Vejo mundos de miríades, no universo, como pequenas
sementes de fruta, e o maior lago da índia como uma gota de óleo no meu pé. Percebo os
ensinamentos do mundo como a ilusão dos mágicos. Distingo a mais alta concepção de li-‐‑
bertação como um brocado dourado de um sonho, e vejo o caminho sagrado dos iluminados
como flores que aparecem nos olhos de alguém. Encaro a meditação como o pilar de uma mon-‐‑
tanha, o Nirvana como um pesadelo no dia. Considero o julga mento do que é certo e errado
como a dança sinuosa de um dragão, e o aparecer e desaparecer das crenças como nada mais do
que vestígios das quatro estações.
21.
Na tradição Zen, diz-‐‑se que, durante todos os quarenta anos de ensinamento, Buda só
teve um sucessor no Dharma, seu discípulo mais antigo, Mahakashyapa. É assim que
D.T. Suzuki conta a história do Daí-‐‑Kensho de Mahakashyapa:
Buda estava um dia no Monte dos Abutres, pregando para uma congregação de discípulos. Ele
não recorreu a nenhuma longa alocução verbal para explicar o assunto que estava tratando.
Simplesmente, levantou, perante a assembléia, um buquê de flores que um dos discípulos lhe
havia oferecido. Nenhuma palavra saiu de sua boca. Ninguém entendeu o significado dessa
atitude, a não ser o venerável Mahakashyapa, que serenamente sorriu para o mestre, como quem
tinha compreendido muito bem o seu ensinamento silencioso.
Buda, vendo o que se passava, solenemente proclamou: "ʺTenho o mais precioso tesouro
espiritual e, neste momento, estou trans-‐‑mitindo-‐‑o para vocês, O Mahakashyapa.
De fato, Buda estava dizendo pata Mahakashyapa: "ʺEsta flor é o verdadeiro caminho e
eu a entrego para você."ʺ Mahakashyapa teve um insight imediato da experiência do
aqui e agora com "ʺapenas estas flores"ʺ, da mesma maneira que Sakyamuni
experimentou "ʺapenas a estrela matutina"ʺ. Os símbolos da Iluminação, o manto e a
tigela, foram passados adiante e, nas palavtas do Sutra do Lotus Branco, "ʺum Buda
junto com outro Buda aprofundam a realidade da existência inteira!"ʺ
Mahakashyapa ttansmitiu o Dharma para Ananda, outro discípulo de Buda, da
seguinte maneira: Ananda perguntou para Kashyapa: "ʺO honrado pelo mundo lhe deu
o manto doutado, você ganhou mais alguma coisa?"ʺ (Em outtas palavras, teria o Buda
transmitido para Mahakashyapa algum ensinamento secreto?) "ʺAnanda"ʺ, gritou
Kashyapa. "ʺSim, Senhot"ʺ, respondeu Ananda. "ʺDerrube o mastro da bandeira do
portão"ʺ, disse Kashyapa. Debaixo do impacto de ouvir e responder, Ananda estava no
momento completamente alerta. Não faltava mais nada para ele compreender. Katsuki
Sekida diz o seguinte sobre isto:
Quando vai haver a palestra de um mestre, a bandeira é hastea da no mastro do portão do
templo. Mas, agora, o mastro tinha que ser derrubado. A palestra de Kashyapa acabou. A
derrubada do mastro é a confirmação drástica da transmissão do Dharma para Ananda.
Derrubar o mastro da bandeira tem outra implicação importante: é derrubar o seu próprio
apego, derrubar o seu tesouro: Iluminação, Zen, seu mestre, Buda, tudo. Este ato de derrubar é
usado como um Koan independente. O mestre perguntará: "ʺComo você derruba o mastro da
bandeira?"ʺ
22. A partir de Shakyamuni, a essência da Iluminação de Buda foi transmitida, ao todo,
através de 28 gerações de mestres Dhyana da índia, até Bodhidharma, no século sexto
da era cristã. Sidharta
Gautama, na verdade, tornou-‐‑se um herói que conquistou o mundo, mas não
exatamente da maneira que seu pai planejara.
AN (OU ZEN) NA CHINA
Mais ou menos no ano 520, Bodhidharma cruzou o Oceano Indico, indo para a China.
Sua chegada às terras do Imperador Amarelo marcou o início do Ch'ʹan e ele tornou-‐‑se
o primeiro Patriarca Chinês.
Embora diversas escolas do Budismo tenham sido criadas na China, muito antes de
Bodhidharma chegar, sua reputação de renomado mestre de Dhyana antecedeu-‐‑o; por
isso, o Imperador Chinês Wu-‐‑ti (502-‐‑540), que era um budista devoto, convidou
Bodhidharma para visitat o Palácio Imperial, a fim de transmitir seus ensinamentos. O
Imperador tinha patrocinado a consttução de muitos mosteiros e templos budistas e
sustentado diversos mestres de várias seitas budistas. Segundo sua maneira de
entendei os ensinamentos, achava que, em conseqüência de tudo o que fazia, deveria
"ʺmerecer"ʺ um feliz e próspero reino, e ter o privilégio de reencarnar no lugar que
alguns budistas chamam de "ʺNação Pura"ʺ, onde, ao contrário da terra, todas as
condições de vida conduziriam à realização da Iluminação.
O Imperador estava encantado por tet a oportunidade de encon-‐‑ttar um mestre
profundamente iluminado e ansioso para conhecer suas realizações espirituais. Conta-‐‑
se que, ao encontrar Bodhidharma, o Imperador perguntou:
Tenho construído muitos templos, copiado inúmeros Sutras e ordenado muitos monges, desde
que me tornei Imperador. Portanto, pergunto-‐‑lhe: qual é o meu mérito?"ʺ
"ʺNenhum!"ʺ, respondeu Bodhidharma. O Imperador insistiu: "ʺPor que não tenho mérito?"ʺ
Bodhidharma replicou: "ʺFazer as coisas para obter mérito tem um motivo impuro e só revelará o
fruto mesquinho do renascimento. "ʺ
O Imperador, um tanto aborrecido, então, perguntou:
"ʺQual é o princípio mais importante do Budismo?"ʺ
Ao que Bodhidharma respondeu: "ʺUm grande vazio. Nada sagrado."ʺ
O Imperador, agora confuso e bastante indignado, inquiriu: "ʺQuem é este que está diante de
mim?"ʺ Bodhidharma falou: "ʺEu não sei. "ʺ
23. Vendo que o Imperador não entendeu, Bodhidharma cruzou o rio para Shaolin, onde
ficou em meditação durante nove anos, voltado para a parede de uma gruta.
Wu-‐‑ti, mais tarde, conversou com um de seus ministros budistas sobre o encontro que
tivera com Bodhidharma. O ministro perguntou: "ʺVossa Majestade Imperial sabe
quem é esta pessoa?"ʺ O Imperador disse que não sabia. O ministro falou: "ʺEle é o Bo-‐‑
dhisattva da compaixão, portador do selo do coração de Buda."ʺ Cheio de
arrependimento, o Imperador quis chamar Bodhidharma de volta à corte, mas o
ministro advertiu: "ʺAinda que você o mandasse buscar, ele não viria. Nem mesmo se
todos, na China, fossem pedir-‐‑lhe."ʺ Ao mesmo tempo, Bodhidharma atraía um círculo
de seguidores e, com o passar dos anos, confirmou Eka (o chinês Hui K'ʹo) como seu
próprio sucessor do Dharma.
Os mestres de Dhyana rapidamente descobriram que os chineses tinham um sistema
contemplativo próprio, nos ensinamentos de Lao-‐‑tsu e de Ch'ʹung-‐‑tsu (o qual se chama
coletivamente de Taoísmo). A maneira simples de viver em harmonia com a vida,
associada ao Taoísmo, está resumida no princípio "ʺWu-‐‑wei"ʺ, que significa "ʺnão-‐‑fazer"ʺ
ou "ʺnão-‐‑esforço"ʺ (no sentido de seguir as ilusões da mente). O texto clássico do
Taoísmo, o Tao Te Ching, começa assim:
O Tao que pode ser contado não é o Tao eterno.
O nome que pode ser especificado não é o nome eterno.
O que não tem nome é o eternamente real. Dar nomes é a origem de todas as coisas pessoais.
Livre do desejo, você compreende o mistério. Apanhado em desejo, só vê as
manifestações.
Embora mistério e manifestações surjam da mesma fonte. Esta fonte chama-‐‑se escuridão.
Escuridão dentro da escuridão. A porta de todo o entendimento.
25. As similaridades com o Budismo Dhyana eram marcantes e, mais tarde, Ch'ʹan é
impregnado pela influência do Taoísmo que, assim, deu a Ch'ʹan seu sabor distinto.
Veja, por exemplo, o Hsin Hsin Ming, escrito pelo Terceiro Patriarca, Sengstan (em
japonês, Sosan), que assim começa:
O Grande caminho não é difícil Para aqueles que não têm preferências.
Quando amor e ódio estão ausentes
Tudo se torna claro e indistinto.
Faça a menor distinção, entretanto,
E o céu e a terra serão infinitamente postos de lado.
Depois do Quarto Patriarca, Tao-‐‑hsin, os mestres do Ch'ʹan começaram a construir e
fundar mosteiros pata treinamento e, quando chegou a época do Quinto, Hung-‐‑jen
(601-‐‑74), já havia mil monges estudando na mesma área.
O SEXT O PAT RIARCA
Um dos discípulos do mosteiro de Hung-‐‑jen era um camponês analfabeto que, depois,
se tornou o Sexto Patriarca. Seu nome era Hui-‐‑neng e, ao lado de Bodhidharma e
Shakyamuni, é talvez o mestie mais renomado na história do Zen.
No relato biográfico de sua vida, o Sutra da Declaração de Princípios do Sexto
Patriarca conta como chegou até Hung-‐‑jen, depois de ter ficado todo iluminado ao
escutar, por acaso, um monge ler o Sutra do Diamante. Hung-‐‑jen, percebendo a sua
Iluminação, colocou-‐‑o pata ttabalhat na cozinha, pois não queria criar uma situação
embataçosa para os monges mais velhos. Passaram-‐‑se oito meses até que Hung-‐‑jen
chamou todos os monges para uma reunião e anunciou que, se algum deles pudesse
compor uma poesia, explicando a essência do Zen, lhe seria dada a "ʺtransmissão"ʺ, e
receberia o manto e a tigela do Sexto Patriarca. O favorito para o título era o monge-‐‑
chefe, Shen-‐‑hsin. Ele escreveu o verso a seguir, sem assinar, na parede do mosteiro,
tatde da noite.
Nosso corpo é a árvore-‐‑Bodi Nossa mente, um espelho brilhante. Cuidadosamente nós os
limpamos minuto a minuto E não deixamos nenhuma poeira ali pousar.
27. Os outros monges ficaram maravilhados e decidiram que não poderia haver nada
melhor. Entretanto, Hui-‐‑neng, passando pelo corredor, petguntou pelo verso que seria
lido para ele (ele não sabia do teste de Hung-‐‑jen), e ditou seu próprio poema:
A árvore Bodi não existe Nem sequer um espelho brilhante. Já que tudo é
vazio Onde pode a poeira pousar?
Todos ficaram surpresos, e o mestre, reconhecendo que este era o trabalho de alguém
que verdadeiramente entendeu a essência da mente, apagou-‐‑o, temendo que pudesse
expor Hui-‐‑neng à indignação dos monges com ciúmes, por lealdade a Shen-‐‑hsui. Hui-‐‑
neng tinha sido convocado para ver o mestre naquela mesma noite. Ele tinha recebido
o manto e a tigela (que se dizia terem pertencido a Bodhidharma), e tinha sido avisado
para seguir para o sul. Durante quinze anos, Hui-‐‑neng ficou no anonimato até decidit
que já era a hora certa de revelar que ele era o Sexto Patriarca. A escola do Zen, por ele
fundada, passou a ser conhecida como Escola do Sudeste, e a de Shen-‐‑hsui que aos
poucos iria desaparecer , como Escola do
Nordeste.
Tal era a genialidade de Hui-‐‑neng que, com
grande capacidade, transmitiu o Dharma
para 43 sucessores! Daí em diante,
apareceram muitas linhas diferentes de
transmissão do Zen, sendo que essa foi a
semente pata o desenvolvimento das duas
principais seitas Zen no Japão: a Soto e a
Rinzai.
LIN-‐‑CHI (EM JAPONÊS: RINZAI,
MORTO EM 866)
Este é o mestre do Ch'ʹan, cujo nome, em
japonês, é usado para designar uma das
duas maiores seitas Zen. Lin-‐‑chi ficou
famoso pela maneita rude e franca com que
tratava os discípulos para despertar suas
mentes. Era bem capaz de bater no
inquiridor para cortar os padrões de
pensamento condicionado e permitir que a
mente se abrisse para sua verdadeira
natureza. Seus métodos de ensino são mais
28. bem ilustrados por suas próprias palavras:
A Dinastia T'ʹang (620-‐‑906) foi a Idade de Ouro do Zen na China. Ela produziu grandes
mestres, como Joshu (778-‐‑897) e Nansen (748-‐‑834), e as histórias e casos desses mestres
foram reunidas em coleções como a Mumokan, Hekiganroku, Shoyoroku e Tetteki
Tosui, e estudadas pelos discípu¬los do Zen até os dias de hoje. Um dos maiores
pro¬fessores e que gozou de maior influência, nessa época, foi Lin-‐‑ chi.
Os seguidores do Caminho, o Dharma de Buda, não necessitam de instrução especializada. Seja
simplesmente você mesmo, sem buscar mais nada, usando mantos ou comendo... Se você
dominar a situação na qual está, onde quer que esteja, tudo se torna verdadeiro, você não é mais
manobrado pelas circunstâncias.
Amigos, vou dizer-‐‑lhes uma coisa: não existe Buda, não existe caminho espiritual para seguir,
nem treinamento, nem realização. Você está febrilmente correndo atrás de quê? Colocando uma
cabeça em cima de sua própria cabeça, seus cegos idiotas! A cabeça está exatamente onde deveria
estar. O problema é que vocês não acreditam em vocês mesmos o suficiente. Por isso, são jogados
pra lá e pra capelas condições nas quais se meteram. Estando escravizados e distorcidos pelas
situações objetivas, não têm liberdade de espécie alguma, não são senhores de si próprios. Parem
de se voltar para fora e também não se apeguem às minhas palavras. Simplesmente deixem de se
apegar ao passado e de ficar ansiando pelo futuro.
O ZEN CHEGA AO JAPÃO
Antes de serem transmitidas para o Japão, as duas maiores escolas dominantes do
Ch'ʹan, na China, eram a que traçou sua linhagem a partir do sexto Patriarca até Lin-‐‑chi
e a que traçou sua linhagem revendo Ts'ʹao-‐‑shan Pen-‐‑chi (em japonês: Sozan Honjaku,
840-‐‑901) eTung-‐‑shan Lian-‐‑chieh (em japonês: Tozan Ryokai, 807-‐‑869), então conhecida
como Escola de Ts'ʹao-‐‑tung, na China. No Japão, essas duas escolas ficaram conhecidas
como Rinzai e Soto, respectivamente. A Rinzai foi introduzida, primeiramente, no
Japão, por Eisai (1141-‐‑1215), e a Soto, por Eihei Dogen Kigen, de quem já falamos.
Em 1184, Eisai construiu o primeiro tempo do Zen no Japão. Chama-‐‑se Shofuku-‐‑ji e até
hoje existe. Mais tarde, mudou-‐‑se para a capital Imperial, Kyoto, onde a Escola Rinzai
tomou-‐‑se firmemente estabelecida.
Entre os séculos XII e XIV, o Rinzai Zen passou a ser muito popular na classe dos
samurais que dominava o Japão. Os samurais valorizaram a imediata praticabilidade
do treinamento, que era adaptado para satisfazer as necessidades urgentes daqueles
anos de turbulência. A coragem e a determinação dos guerreiros fizeram deles
discípulos particularmente fortes. Abriram-‐‑se templos do Rin
29.
O grande Buda Arte japonesa, período Kamakura, ano 1252
zai em Kamakura, a capital militar, e o sistema nativo do "ʺGuerreiro Zen"ʺ, com seu
koan próprio, começou a se expandir. Nesse meio tempo, o Soto Zen desenvolveu-‐‑se
independentemente da agitação política da capital.
Dogen nasceu em 1200. Seu pai morreu quando ele tinha dois anos, e sua mãe faleceu
cinco anos depois. Com a idade de treze anos foi viver com um tio, um devoto do
Budismo. A perda de seus pais e o incentivo de seu tio confirmaram a decisão do
Dogen de tornar-‐‑se monge. Alguns anos mais tarde, foi para o mosteiro de Kenninjo,
fundado por Eisai, e estudou com o sucessor do Dharma de Eisai, Myozen. Durante o
tempo que ficou em Kenninjo, o Dogen completou seu treinamento na tradição Rinzai
e recebeu o "ʺInka"ʺ, o selo de mestre. Apesar disso, não tinha resolvido
satisfatoriamente seu dilema básico quanto ao significado da vida. Suas dúvidas
levaram-‐‑no a empreender uma viagem arriscada, para a China, em 1223. Uma vez lá,
estudou com o Mestre Ju-‐‑ching (1163-‐‑1228) no mosteiro de T'ʹien-‐‑T'ʹung. Tudo leva a
crer que o treinamento foi duro e, no início, não teve uma vida fácil. Seu Daí-‐‑Kensho
ocorreu da seguinte maneira:
30. Seguindo o exemplo do seu mestre, o Dogen se dedicou à prática do Zazen noite e dia.
De manhã cedo, enquanto dava seu giro costumeiro para fazer uma inspeção, no início
do período do Zazen formal, Ju-‐‑ching encontrou um dos monges cochilando. Re-‐‑
preendendo o monge, disse: "ʺA prática do Zazen é o deixar cair o corpo e a mente. O
que você espera conseguir cochilando?"ʺ Ao ouvir estas palavras, Dogen compreendeu
a Iluminação, o olho de sua mente
abriu-‐‑se completamente. Dirigindo-‐‑se para a sala de Ju-‐‑ching, a fim de ter sua
Iluminação confirmada como genuína, o Dogen queimou um incenso e prostrou-‐‑se
perante seu mestre.
"ʺO que você quer dizer com isto?"ʺperguntou Ju-‐‑ching. "ʺEu experimentei o deixar cair o corpo e
a mente"ʺ, respondeu o Dogen.
Ju-‐‑ching, vendo que a Iluminação do Dogen era genuína, disse por fim: "ʺVocê realmente deixou
cair o corpo e a mente!"ʺ
O Dogen, entretanto, insistiu em dizer: "ʺEu apenas acabei de compreender a Iluminação, não
me aprove com tanta felicidade. "ʺ "ʺEu não o estou aprovando facilmente. "ʺ O Dogen, ainda
insatisfeito, persistiu: "ʺEm que você se baseia para dizer que não me aprovou facilmente?"ʺ Ju-‐‑
ching respondeu: "ʺCorpo e mente caíram!"ʺ Ouvindo isto, o Dogen prostrou-‐‑se perante o mestre
em profundo respeito e gratidão, mostrando que realmente havia transcendido sua mente
discriminatória.
Tirado de Dogen Zen, por Yuho Yokoi.
Dogen voltou pata o Japão, em 1227, levando cópias de certos textos importantes do
Soto Zen, muito embora tenha dito que regressou de "ʺmãos
vazias"ʺ. A essência fundamental do Zen, que ele agora ensi-‐‑
nava, era que a prática ou atividade do dia-‐‑a-‐‑dia é a expressão
da própria Iluminação. Por este motivo, começou a dar
grande ênfase aos detalhes da atividade cotidiana, e encarou
cada momento como uma oportunidade de expressar a
gratidão pela natureza de Buda. Ganhou a reputação de se
submeter a uma disciplina severa e de fazer críticas abertas às
outras seitas budistas, inclusive ao Rinzai.
Em 1236, Dogen fundou seu próprio templo, e sua fama de
mestre começou a se espalhar. Hoje, ele é reverenciado como
um dos maiores gênios religiosos do Japão. Dogen não tinha
nada em comum com as lutas do podet aiistoctático e militar
do seu tempo e isto, combinado com sua insistência em afir-‐‑
mar que mulheres e homens eram igualmente capazes de rea-‐‑
lizar o Caminho de Buda, fez do Soto uma tradição realmente
sem classes.
Buda Arte japonesa, períodoAsuka, séc.VII
31. Foge ao escopo deste livro fornecer uma
pesquisa detalhada dos ensinamentos do
Dogen; todavia, deve-‐‑se mencionar que seu
impacto sobre o Zen japonês foi
incomensurável e nenhum discípulo bem-‐‑
intencionado poderá desprezar sua obra.
Não estaremos exagerando se dissermos
que, após a introdução do Soto e do Rinzai
no Japão, como escolas separadas, elas se
desenvolveram e floresceram independentes
uma da outra por quase 700 anos. Se o vigor
dessas escolas foi firmemente mantido,
através dos séculos, é um assunto que
envolve certa controvérsia. O Zenji Hakuin,
por exemplo, é considerado por toda a parte,
no Japão, como o reformador do Rinzai Zen,
no século XVII, que estava naquela época se
tornando bastante "ʺinsípido"ʺ. Similarmente,
os métodos de ensino de mestre Bankei
separaram os sistemas tradicionais
completamente.
Dutante todos estes anos, uma escola tem criticado a outra, e cada uma pode estar
certa dentro de sua própria perspectiva. Os praticantes do Rinzai criticam seus
congêneres do Soto por subestimarem a realização do Satori, e os últimos criticam os
primeiros por não considerarem que a prática diária do Caminho não é nada mais do
que realizar a Iluminação.
É preciso que alguém tenha a capacidade do próprio Dogen para obter a aprovação de
mestre em uma tradição, e ainda reconhecer que existe algo a ser aprendido com a
outra. Entretanto, foi precisamente isto que o Roshi Daiun Sogaku Harada (1872-‐‑1963)
fez. O Roshi Yasutani, seu sucessor do Dharma, disse a respeito dele: "ʺEmbora ele
próprio fosse da seita Soto, não conseguiu encontrar um mestre verdadeiramente
realizado naquele seita e, portanto, submeteu-‐‑se ao treinamento no Shogen-‐‑ji e, depois,
no Nansen-‐‑ji, dois mosteiros Rinzai. Em Nansen-‐‑ji, finalmente, apoderou-‐‑se do
segredo mais profundo do Zen, sob a orientação do Roshi Doku-‐‑tan, um eminente
mestre."ʺ Em conseqüência, os sucessores do Dharma do Roshi Harada usaram ambos
os métodos de ensino, Soto e Rinzai, e argumentaram que assim procediam de uma
maneira inovadora, tradicional e flexível.
Menciona-‐‑se tal fato devido à profunda influência que o Roshi Yasutani e outros dessa
linhagem tiveram sobre o desenvolvimento do Zen no Ocidente.
32. O ZEN CONT EMPORÂNEO NO OCIDENT E
Embora muitas vezes o associem às artes marciais, medicina alternativa, cozinha
macrobiótica, manutenção de motocicleta etc, muitos ocidentais, pelo menos, já
ouviram falar no Zen hoje em dia. Ele tem sido popularizado em filmes, música, artes
e ficção, e não existem boas livrarias ou bibliotecas que não tenham, pelo menos, uma
publicação sobre o assunto.
O trabalho pioneiro de D.T. Suzuki, Alan Watts e Christmas Humphries, juntamente
com o intercâmbio cultural deste século, também tornou muito fácil, para diversas
gerações de mestres Zen orientais, trazer o Dharma para o Ocidente.
Talvez por causa do relacionamento desenvolvido entre as forças americanas de
ocupação e os nacionalistas japoneses, os primeiros mestres Zen do Japão que viajaram
para o exterior foram inicialmente para a
América do Norte. No início, reuniões
informais, conduzidas por Nyo-‐‑gen Senzaki
e outros, despertaram um interesse nos
retiros (sesshin) formais do Zen, sob a
orientação, Por exemplo, dos Roshis
Shunryu
Suzuki, Hakuin Yasutani e Soen Nakagawa.
No início da década de 70, centros de
treinamento formal foram fundados na
América para o Soto e o Rinzai Zen, bem
como para o Ch'ʹna chinês e o "ʺSon"ʺ coreano.
Como os monges japoneses Eisai e Dogen,
que foram para a China e retornaram para o
Japão com o Dharma, alguns ocidentais,
interessados no Zen, fotam para o Oriente,
de lá regressando para fundar seus próprios
centros de treinamento como satélites de
mosteiros do Japão ou independentes. Entre
estes estão o Roshi Jiyu Kennet, o Venerável
Myoko-‐‑ni e o Roshi Philip Kapleau. Juntos,
os discípulos ameficanos e europeus e os
mestres japoneses no Ocidente, que
concluíram seu próprio treinamento formal,
representam uma getação de mestres Zen
nativos, alguns dos quais agora têm seus
próprios sucessores do Dharma.
Apesar de ainda estatmos nos primeiros
anos de seu desenvolvimento, ficou claro
33. que o Zen, no Ocidente, vai set diferente de seus congêneres orientais. Isto se reflete
nas expectativas dos próprios discípulos, seus mesttes e no Dharma em si. Deste
modo, assim como tem tido um notável crescimento, o Zen no Ocidente tem também
experimentado muitos mal-‐‑entendidos e dificuldades: duras lições estão sendo
aprendidas tanto pelos discípulos como pelos mestres.
Tem havido considerável experimentação com os métodos de ensino tradicionais, e
um dos resultados é que os mestres ficaram mais dispostos a falar e explicar o Zen do
que no passado. Mas há também diferenças de estilos marcantes com relação às várias
linhagens que estão surgindo no Ocidente. Vejamos o Soto Zen, por exemplo; a escola
franco-‐‑européia, fundada pelo Roshi Taisen Deshimaru (1914-‐‑1982), é muito diferente,
na sua abordagem para treinamento, da britânica do Roshi Jiyu Kennet e da Ordem
norte-‐‑americana dos budistas contemplativos.
Tudo isto é de esperar, enquanto os mestres adaptam o treinamento para atender às
necessidades dos discípulos. Uma impressão que se tem do Ch'ʹan desenvolvido é de
que se tornou reconhecidamente diferente dos sistemas do Budismo Mahayana de
Dhyana, no qual teve origem. De maneira semelhante, o Soto e o Rinzai japoneses,
conforme existem hoje, são muito diferentes das suas origens do século XII. Já que o
Zen ttata da valorização da vida, em vez da devoção a dogmas e credos específicos,
suas formas européias e norte-‐‑americanas, com certeza, evoluirão com as conhecidas
características da cultura ocidental.
E muito cedo para dizer que forma essas características finalmente vão tomar; porém,
neste estágio, cettas preocupações e temas parecem bastante comuns em várias escolas
ocidentais do Zen. Resumidamente são:
1.Apesar de o Dogen insistir que homens e mulheres são igualmente capazes de
realizar o Caminho, há uma diferença marcante entre o moderno Ocidente e o antigo
Oriente quanto ao lugar e ao status da mulher no treinamento Zen. A tendência no Oci-‐‑
dente tem sido não fazer distinção de sexo. Centros de treinamento, mosteiros, sesshin,
acesso aos mestres, todos estão abertos para qualquer pessoa. Talvez, em conseqüência
disso, haja muito mais mulheres procurando o treinamento Zen no Ocidente do que no
Oriente.
2.A necessidade de, e a distinção entre treinamento leigo e monástico, tem sido matéria
para muita meditação e experimentação no Ocidente. Alguns mestres são muito
severos nas suas exigências para com os discípulos que querem se tornar monges, ao
passo que outros encaram como natural, para qualquer um que pratique a meditação
regularmente, tornar-‐‑se monge, se assim o desejar. A distinção é também obscura
porque não existe uma tradição muito difundida, no Ocidente, para os leigos
manterem as comunidades monásticas. Isto significa que quase todos os monges Zen
ocidentais têm de trabalhar, pelo menos por algum tempo, em tarefas comuns, para se
manterem. Em conseqüência disso, nos centros Zen que ficam na cidade, mais do que
nos mosteiros da zona rural, esta tem sido a regra. Onde centros de retiros monásticos
34. foram fundados, a tendência é abrigar apenas pequenas comunidades residenciais, e a
maior parte das pessoas ficar somente algumas semanas ou meses de cada vez.
3. Até que ponto o Zen ocidental deverá adotar as formas orientais nas quais o Zen
está "ʺcondensado"ʺ é um assunto que tem sido tratado amplamente, de diferentes
maneiras. Algumas linhagens ocidentais têm feito um grande esforço para remover da
prática todos os vestígios das origens orientais. Assim, todos os termos de teferência,
os Sutras e os cânticos têm sido traduzidos nos equivalentes próximos europeus, e têm
sido adotadas formas de apresentação das tradições religiosas européias. Outtas têm
sido mais conservadoras, entretanto, limitando-‐‑se, pot exemplo, a traduzir para o
vernáculo somente certos cantos.
Os motivos para fazer ou deixar de fazer quaisquer modificações no tratamento
oriental do Zen serão testados com o passar do tempo; alguns surgirão como bem-‐‑
sucedidos, outros serão desprezados como inadequados. Por enquanto, a escolha dos
estilos de ensino e tradições disponíveis para o iniciante é muito grande, senão um
pouco confusa. Talvez o melhor e mais imparcial conselho que possa ser dado é aquele
certa vez oferecido pelo Zenji Dogen:
Mesmo as pessoas que estão no mundo profano devem se concentrar em uma coisa e aprendê-‐‑la
o máximo possível, para poder realizá-‐‑la perante os outros, em vez de aprender muitas coisas, ao
mesmo tempo, sem realizar verdadeiramente nenhuma delas. Isto é tanto mais válido para o
Dharma de Buda, que transcende o mundo profano e nunca foi aprendido ou praticado a partir
do começo sem começo. Nós ainda não estamos familiarizados com ele. Além disso, nossa
capacidade é pobre. Se tentarmos aprender muitas coisas a respeito deste majestoso e ilimitado
Dharma de Buda, não realizaremos nada. Mesmo que nos dediquemos a apenas uma coisa,
devido a nossa natureza e capacidade inferiores, teremos dificuldade de esclarecer o Dharma de
Buda completamente em uma vida. Discípulos, concentrem-‐‑se em uma coisa só.
CAPÍTULO 3
O CAMINHO DO ZEN
1. A JORNADA PARA O VERDADEIRO SELF
Existem diversas metáforas para o caminho do treinamento Zen, e a mais comum é a
dos dez "ʺDesenhos do Vaqueiro e o Touro"ʺ (veja o Cap. 8); entretanto, no Gakudo-‐‑
Yojinshu (Diretrizes para Estudar o Caminho), o Zenji Dogen usou outra:
36. As pessoas que praticam o Caminho nos dias de hoje ainda não entenderam o que ele é, tão
grande é o seu desejo de obter resultados visíveis. Quem não comete este erro? E como um
jovem que foge de seu pai e de sua herança e fica vagando aqui e ali, na pobreza. Embora seja o
filho único de uma família abastada, não está consciente disto e eternamente perambula em
terras estrangeiras, mendigando trabalho. Na verdade, todas as pessoas são assim.
Originalmente, a história do jovem que foge de casa vem do Sutta do "ʺLótus Branco"ʺ
do Budismo Mahayana, um texto que, como monge noviço, é quase certo que o Dogen
deveria saber de cor.
Na história completa, o pai do jovem, muito triste pela perda de seu único filho,
procurou-‐‑o sem sucesso e, finalmente, passou a morar numa determinada cidade. Por
ser excessivamente abastado, construiu uma excelente mansão para viver, no meio de
uma grande propriedade.
Chegou, então, a hora em que o filho sentiu vontade de regressar para o seu próprio
país e, um dia, perambulou desconhecido na cidade de seu pai e aproximou-‐‑se da
mansão, procurando trabalho. O jovem estava realmente muito maltrapilho e, vendo o
esplendor da mansão, além da nobreza e do refinamento do proprietário que estava na
varanda, achou que não haveria lugar ali para ele. Por isso, saiu andando. Neste meio
tempo, o pai, que nunca esquecera o rosto do filho, imediatamente ieconheceu-‐‑0 na
multidão que estava ao lado de fora da mansão. Cheio de alegria, enviou dois de seus
mais importantes súditos para dar-‐‑lhe boas-‐‑vindas. Infelizmente, o filho, não tendo a
menor idéia da intenção desses homens e temendo ser motto ou tornar-‐‑se escravo,
repeliu-‐‑os e fugiu para um bairro pobre. Sabendo disso, o pai resolveu enviar dois
servos vestidos de roupas rasgadas, para procurar o filho e oferecer-‐‑lhe um emprego
de lacaio na propriedade.
Desta maneira, o jovem foi atraído de volta à mansão, onde começou a trabalhar,
limpando um monte de sujeira. À noite, voltou para o cortiço. À medida que o tempo
passava, o jovem ia se tornando mais à vontade com a vizinhança, e aceitou a oferta de
um humilde para morar perto da propriedade. Depois, o pai se vestiu com roupas de
trabalho e conseguiu se aproximar do filho e conversar com ele. O jovem foi
encorajado pelo pai no seu trabalho e, com o decorrer do tempo, tornou-‐‑se melhor e
mais responsável. Disse também o pai para o filho que, toda vez que quisesse, poderia
ir visitar a mansão.
Embora o jovem estivesse feliz por ser tão bem-‐‑tratado, tinha sempre a convicção de
que era um subalterno do poderoso nobre, que tão gentilmente o havia empregado,
sentindo-‐‑se muito inferior e que não merecia tanta generosidade. Entretanto, trabalhou
com lealdade e diligentemente, enquanto o pai lhe dava mais e mais responsabilidades
até que, finalmente, se tomou gerente de toda a propriedade. Depois de muitos anos, o
sentimento de inferioridade do filho diminuiu, e ele se tomou, de certa forma, muito
amigo do pai. Este, sentindo que a motte se aproximava, pediu que todos os
dignatarios comparecessem junto com seus servos e criados. Perante todos, comunicou
37. que o pobre homem que ele havia levado para casa e ao qual havia confiado a gerência
da propriedade era, de fato, seu próprio filho, e, agora, toda a propriedade lhe
pertencia. Só então o jovem compreendeu, para sua alegria, que aquele era seu pai e
essa herança era sua.
Como no mito, a história simboliza a ânsia da psique humana no sentido da
totalidade. O pai, naturalmente, tepresenta a natureza de Buda ou o verdadeiro Self;
representa, também, o mestre do Zen. O filho é o ego-‐‑Self (a mente discriminadora). A
história começa com a situação desagradável em que a maioria das pessoas está meti-‐‑
da: a da alienação da natureza de Buda que não reconhecem dentro de si próprias. No
Gakudo Yojinshu, o Zenji Dogen diz que o grau de alienação das pessoas é
representado pelo quanto, da mesma forma que o jovem, têm perambulado pelas
"ʺtetras estrangeiras"ʺ, esquecendo sua "ʺfamília"ʺ e "ʺherança"ʺ, e vivendo como miseráveis,
preocupados com a "ʺluta pela sobtevivência"ʺ. Em outras palavras, a alienação repousa
em que dimensão a maneira de a pessoa encarar a vida baseia-‐‑se no lucro e no sucesso
exteriores (o que Dogen chama de lucro visível"ʺ), em oposição à reflexão sobre a
natureza da vida como ela é. A maior parte da humanidade está muito preocupada
com suas necessidades habituais ("ʺa luta pela sobrevivência"ʺ), sem nunca parar e
conscientemente refletir sobre como a vida realmente é. Na verdade, toda a orientação
e "ʺcultura"ʺ da sociedade conspiram, por assim dizer, contta tal reflexão: assim sendo, o
ser humano realmente vive em "ʺterras estrangeiras"ʺ. Todavia, muitas vezes chega uma
hora em que, quase instintivamente, mesmo a pessoa mais ocupada e apatentemente
mais materialista, sente-‐‑se forçada a buscat harmonia com sua vida e seu verdadeiro
Self. Desta maneira, o jovem foi atraído pela sua própria necessidade de ttabalho,
voltando a bater à porta do seu pai.
Há pessoas que se sentem compelidas a refletir sobre quem realmente são, quando
alguma coisa lhes acontece, levando-‐‑as a questionai o significado da vida; por
exemplo, quando defrontam com a inevitabilidade da morte. Entretanto, muitas
pessoas são bem mais propensas a ignorar esses assuntos ou, pelo menos, deixá-‐‑los de
lado como sendo de interesse puramente "ʺreligioso"ʺ. Em parte, talvez, como insinua a
história, devido às conseqüências do conhecimento de que a vida é realmente um
mistério para nós serem muito assustadoras para o ego-‐‑Self. O jovem fugiu com medo
da casa de seu pai e dos seus súditos de alta hierarquia.
Outro aspecto é até que ponto, assim como aquele filho, as pessoas se consideram sem
valor ou um fracasso. As vezes querem respostas para o que consideram problemas
"ʺespirituais"ʺ, mas ficam com medo de procurá-‐‑las e duvidam da sua própria capaci-‐‑
dade de entendê-‐‑las. Enttetanto, a ânsia do Self é no sentido da totalidade e, portanto,
na história, o pai adota o que no Zen se chama compaixão ou meios "ʺhabilidosos"ʺ. Em
vez de tentar forçar o filho a voltar para casa, enviou dois serviçais pobremente vesti-‐‑
dos para oferecer ao jovem aquilo que ele julgava querer: um trabalho humilde.
38.
Tríade do Buda Cakyamuni Arte japonesa, período Asuka, ano 62