1. O que pode nos fazer viver e
viver bem?
FREI ALMIR GUIMARÃES
A gratuidade é um viver mergulhado no ser. Ela nos dá acesso à polifonia da
vida, na sua variedade, nos seus contrastes, na sua realidade densa, na sua
inteireza (José Tolentino Mendonça)
1. Viver, viver é o que conta. Viver com gratuidade, intensamente. Não
toleramos empurrar a história para frente de qualquer maneira, levar uma vida
insossa, repetitiva, monótona, rotineira. Queremos ser gente e gente desperta.
Aspiramos viver em totalidade. Nada de pedacinhos soltos sem uma liga.
Somos gente que gosta de ser homem, de ser mulher, de “curtir” os amigos, de
chorar com os que choram e partilhar a alegria dos que se alegram. Gente que
gosta de abrir estradas, de caminhar de pés descalços no verde da grama, de
arreganhar as janelas, pela manhã, de par a par, e agradecer a chegada o
irmão sol. Não queremos nos sobrecarregar de coisas inúteis e certos
balangandãs. Viver é o que conta: gostar da brisa suave, de tomar uma xícara
de café com aqueles que estimamos, de cantar aquilo que mana da profundeza
de nosso coração. Viver e viver em plenitude. Sempre verificar a qualidade de
nossa vida.
2. “As rotinas têm um efeito saudável: tornando o cotidiano uma cadeia de
situações que podem ser aguardadas, que nos permitam habitar com confiança
o tempo. Mas o que começa por ser bom esconde também um perigo. De
repente, a rotina substitui-se à própria vida. Quando tudo se torna obvio e
regulado, deixa de haver lugar para a surpresa. Cada dia é simplesmente igual
ao anterior. A nossa viagem passa para as mãos de um piloto automático”
(José Tolentino Mendonça, A mística do instante, Paulinas, p. 17).
3. Somos humanos. Corpo, coração, inteligência, afeto, sentidos. Estamos para
aprender a arte de viver. Temos certeza que somos amados mesmo antes de
nosso nascimento. Antes de abrir os olhos, já éramos queridos pelo Mistério.
Fomos tomando consciência de um amor sem limites… “Com amor eterno eu
te amei…”. Viemos do nada e temos a vida inteira para fortalecer essa certeza
de um Amor que não conseguimos explicar, mas que nos impulsiona para
frente, sempre para adiante, sempre para a frente, que promete não nos largar.
4. Quando fazemos cessar as agitações ruidosas, quando chegamos a uma
certa serenidade, olhos fechados, silêncio dentro e fora, quando paramos para
pensar algo nos diz que temos uma sede de plenitude, de infinito. Sede do
Mistério, daquele que não vemos com nossos olhos, mas anda nos espreitando
2. e, quem sabe, batendo à nossa porta para ver se estamos em nós mesmo. Se
habitamos em nós mesmos. Se estamos em casa.
5. Somos cristãos e queremos ser discípulos do Senhor. Não nos satisfazemos
apenas com o fato de que nosso nome esteja inscrito nos registros da paróquia
em que fomos batizados. Fomos crescendo com o desejo de não parar. O
Papa Francisco anda a nos dizer que precisamos cultivar um encontro pessoal
com o Mestre, precisamos ser discípulos, mas não discípulos parados,
discípulos missionários, membros de uma Igreja em saída, que conta com
padres em saída, com bispos que gostam do cheiro das ovelhas, com leigos
tinhosos. Na Igreja, sempre na Igreja, não um grupo de eleitos altaneiro e
pairando sobre os outros. Na Igreja santa e pecadora.
6. Há aqueles que querem buscar uma fonte, viver o discipulado no seio da
família franciscana. Por diferentes caminhos e situações existenciais foram
querendo simplificar a vida e vestir-se do Evangelho. Buscam a santidade de
vida. Jogam fora o que lhes atravanca a vida. Lutam para viver no mundo o
espírito do eremitério e andam com uma bacia e uma toalha tentando lavar os
pés dos peregrinos e caminheiros. Contemplam e agem. Sentem a brisa suave
a acariciar-lhe o rosto e estão sempre a partir em missão, em estado de saída.
7. As fraternidades franciscanas seculares estão espalhadas pelo mundo afora
com sombras e luzes. São constituídas por homens e mulheres que buscam
sair de uma vida cristã medíocre, apenas de praticas religiosas e de discursos
muito cerebrais, que desejam realmente encontrar-se com o Senhor Deus e
seu Cristo. Não buscam uma “associação” religiosa com lista de obras e
salpicade de eventos. Pertencem geograficamente a territórios diocesanos e
paroquiais. Seu olhar, no entanto, não se restringe a tais horizontes. De alguma
forma esses cristãos franciscanos são sacudidos pela força do Evangelho.
Estão em todos os cantos.
8. Depois de um período de estudo e de formação na Fraternidade aceitam
fazer uma profissão: seguir o Evangelho de Cristo a vida toda, à maneira
Francisco. São pessoas que estão sempre a caminho. São peregrinos. Não
são, insistimos e repetimos, agregados ao esquema das paróquias e das
pastorais. Os franciscanos seculares adotam um gênero de vida.
Evidentemente se fazem presentes na paróquia e nas diferentes modalidades
de pastoral de maneira crítica, no bom sentido da palavra.
9. Franciscanos seculares, quer dizer, pessoas que vivem no mundo, na
família, no trabalho, na qualidade de leigos em sério processo de maturação.
Não um grupo de entusiasmados acalorados que esquentam o coração. Em
suas manifestações em prol inadiável da transformação do mundo não
misturam alhos com bugalhos. Seu partido político tem o estatuto do Sermão
da Montanha. Leigos no meio do mundo com espírito franciscano: simplicidade,
cortesia, espírito de serviço, fraternismo.
3. 10. Não devem ingressar na Ordem os que, mesmo casado ou vivendo no
mundo, alimentam uma “saudade” de uma vida consagrada à maneira dos
religiosos ou então dos padres e diáconos permanentes, ministros do altar. O
lugar, o espaço, o seio do franciscano secular é o mundo, o século. Precisam
honrar seu nome: franciscanos seculares.
Para refletir
“Não tenhamos dúvidas: tudo aquilo que escutamos, mas verdadeiramente
tudo, deve ser apenas a preparação para a escuta do que permanece em
silêncio. Só no habitat do silêncio, nas jornadas longas de silêncio e de
exposição em oração, a escuta pode amadurecer”.
José Tolentino Mendonça