Comunicação no 30º Congresso da SOTER. Um diálogo com o pensamento de Jorge Riechmann e a Laudato Si. Aborda os principais bloqueios para o desenvolvimento da consciência ecológica e algumas alternativas
O caminho da consciência ecológica (dos bloqueios à ação transformadadora)
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O caminho da consciência ecológica.
Dos bloqueios à ação transformadora
Prof. Dr. Afonso Murad – Pós-doutor em Teologia – FAJE (BH) amurad@marista.edu.br
(Texto a ser publicado nos anais do 30º Congresso Internacional da SOTER)
Resumo
A destruição da biosfera acontece com uma velocidade cada vez maior. Por que a consciência ecológica não
segue o mesmo ritmo? Quais fatores psicológicos e culturais bloqueiam o despertar da humanidade para essa
questão vital para o seu futuro? Tal tema foi abordado de forma original por Jorge Riechmann, na obra “Um
mundo vulnerável”. O autor mostra como a “roda da engrenagem” das sociedades industriais desconhece a
responsabilidade moral. Há uma desproporção crescente entre o ser humano e a tecnosfera, que se constitui
como instância autônoma e de grande poder. Várias “fontes de ilusão” contribuem para um estado de
indiferença, como: a inércia cognitiva, o efeito de ancoragem, o efeito de representatividade e de
disponibilidade, os mecanismos de aquiescência e segregação, a distorção de percepção de probabilidade.
Riechmann então propõe algumas estratégias para superar estes bloqueios, em vista da crescente consciência
planetária. A reflexão do filósofo espanhol contemporâneo fornece significativo material para a ecoteologia,
ajudando a descobrir os entraves e a despertar o ser humano para a responsabilidade com a Casa Comum.
Palavras-chave: Consciência ecológica, Riechmann, dissonância cognitiva, ecologia social,
ecoteologia.
Introdução
Apesar de vários estudos e ações educativas em defesa do planeta, a destruição ecológica
continua implacável. Por que há uma distância tão grande entre o discurso e a ação? Que
mecanismos impedem ou retardam o desenvolvimento da consciência ecológica? Tal é o tema
desenvolvido por Jorge Riechmann no capítulo 3 de sua obra “Un mundo vulnerable”
(RIECHMANN, 2005a, p.67-93). Para ajudar a responder a esta questão, nosso autor recorre à
contribuição da psicologia social, da psicologia cognitiva e da aprendizagem. Como os
problemas ecológicos estão ligadas a comportamentos humanos, a abordagem psico-social se
reveste de particular importância. Não somente para apontar os bloqueios e as dissonâncias,
mas também para auxiliar na modificação da conduta. Riechmann recorre especialmente a
três autores: Sjöberg (1989), Aronson (1990) e Piatelli (1995), além de sociólogos e filósofos.
Conforme Capella (1993), ao menos dois traços caracterizam a ação humana nas sociedades
contemporâneas. O primeiro é seu crescente caráter artificial, tecnicamente mediado. A
relação com o natural é cada vez mais remota e mediada por ligações tecnológicas interpostas.
O segundo, consiste no fato da ação humana ser crescentemente socializada e fragmentada.
Daí a dificuldade de perceber a conexão entre a ação individual e seus resultados. Essa se faz
labiríntica, intrincada. Encontramo-nos como dentro de um labirinto, sem fio condutor que
nos guie para a saída. Torna-se então cada vez mais complicada a formação da consciência
moral, dada a dificuldade de estabelecer o nexo entre a ação -individual e coletiva- e suas
consequências (RIECHMANN, 2005a, p.69-70). Capella afirma ainda que a sociedade atual cria
“cidadãos-servos”, escravos da privatização individualista. Esses são sujeitos de direitos sem
poder, que foi usurpado pelo Estado e o mercado (CAPELLA, 1993, p. 152).
O filósofo alemão Günther Anders mostrou que a complexidade da interação humana nas
sociedades industriais avançadas dilui, até a anulação, o sentimento de responsabilidade
moral (ANDERS, 2011). As consequências dos nossos atos nos escapam, cada vez mais. Cada
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um vê um ato isolado, não o contexto global não a cadeia causal, que às vezes é muito
complicada. Anders também analisou outro fenômeno, que ele chamou de “desnível
prometeico”: “uma assincronia ou desproporção crescente do ser humano com seus
produtos, com sua tecnosfera” (RIECHMANN, 2005a, p. 70). A imaginação e os sentimentos
humanos estão abaixo do que exigiriam as tecnologias atuais.
Efetivamente, não conseguimos relacionar as pequenas opções com as grandes questões. Por
exemplo: o namorado compra para sua amada uma peça de roupa bonita e barata. Mas ele
desconhece que a cadeia produtiva de tal confecção está marcada pela exploração de mão de
obra e destruição do meio ambiente nos países de origem.
Tal constatação poderia suscitar um sentimento de impotência. A isso, Riechmann apela: se
queremos sair do labirinto devemos lutar por uma sociedade mais simples e descentralizada.
Isso não significa voltar ao passado, ao primitivo. Antes, exige-se mais inteligência tecnológica
e sabedoria moral. Tal processo não será rápido e imediato. Assemelha-se a uma descida
suave do planador, uma retirada ordenada, cuidando dos nossos feridos. Apesar da
labirinticidade da ação humana nas sociedades industriais contemporâneas, temos ainda fios
que podem nos guiar para fora do labirinto (RIECHMANN, 2005a, p.72-73).
Nossa relação com a realidade foi sempre determinada por uma dupla mediação: técnica e
simbólica, na condição de homo faber e homo loquens. A contradição e o conflito perduram.
O problema é quando a primeira dimensão se sobrepõe ou quase elimina a outra. Ora, a
existência humana é irremediavelmente incompleta, precária e limitada, mas prenhe de
possibilidades de realização, dentro dessa limitação constitutiva. Assim, as nossas aspirações
podem se ajustar aos limites e possibilidades do entorno, sem confundir os limites naturais
com as restrições impostas por poderes humanos opressores (RIECHMANN, 2005a, p. 120-
122).
Vejamos então os fatores apontados por Riechmann, que inibem o desenvolvimento da
consciência ecológica.
1. Fatores dificultadores ou inibidores
Riechmann enumera três condicionamentos sociais de forte impacto.
a. Anonimato e destrutividade
Pessoas bem integradas em redes relacionais tendem a estabelecer relações cooperativas e
de reciprocidade com seus semelhantes. Isso favorece que desenvolvam comportamentos
ecologicamente benignos. De outro lado, o ser humano sozinho, numa sociedade tecnológica,
está tão desvalido como um cachorro numa rodovia. E indivíduos perdidos no anonimato
tendem a atuar de forma mais agressiva, pois o senso de responsabilidade está diluído e eles
são menos conscientes de si mesmos. Ora, a mundialização de um capitalismo ecocida e
destruidor dos vínculos sociais favorece comportamentos anônimos e violentos, contra os
humanos e meio ambiente (RIECHMANN, 2005a, p.72). Quanto maior o anonimato, maior a
fragilidade e o incremento da tendência destrutiva do ser humano. E menor a consciência do
cuidado com o planeta.
b. Distância entre valores e comportamentos
Frequentemente há grandes discrepâncias entre os valores declarados e os comportamentos
reais. As pessoas dizem, em pesquisas, que querem defender o meio ambiente. Mas suas
ações não correspondem a este desejo. Não há relação mecânica entre o discurso e a conduta
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real. Além disso, os fatores situacionais, contextuais, tem importância decisiva na
determinação da conduta e nas emoções humanas. Pessoas “normais” em situações
“anormais” terão comportamentos diferentes, para o bem ou para o mal (RIECHMANN,
2005a, p.72-74)
A consciência ecológica não se transforma de maneira imediata em ação favorável ao meio
ambiente. Então, seria mais eficaz incentivar a mudança de condutas das pessoas, do que
investir diretamente nos valores explicitados. E para isso, deve-se premiar as ações positivas
e punir as negativas. Como já acontece com multas referentes a transgressões sociais e
ambientais (RIECHMANN, 2005a, p.73-76).
c. Benefícios sociais implicam custos pessoais
Quase toda as infraestruturas que condicionam nossa vida cotidiana estão organizadas de
maneira antiecológica. Se alguém decide comportar-se ecologicamente, encontrará muitas
dificuldades. Em alguns casos, será quase heróico ou impossível. Como ir ao trabalho em
transporte público, se não há meios eficientes e rápidos? Para que separar o lixo, se os
coletores não existem ou estão distantes da casa? As “infraestruturas” e os sistemas de
incentivos nos quais se desenvolve nossa vida conduzem a atuar mal. Às vezes, um
comportamento favorável ao meio ambiente acarreta mais custos pessoais do que um
irresponsável. E normalmente os benefícios não são individuais, e sim coletivos. Como é difícil
a cooperação social para alcançar fins bons! Há situações onde se apresentam somente
escolhas ruins. Então, a saída viável consiste em nos esforçarmos para mudar o marco dentro
das quais escolhemos as regras do jogo (RIECHMANN, 2005a, p.73-76).
A seguir, com o auxílio da psicologia social e cognitiva, nosso autor aponta alguns bloqueios
na forma como recebemos e elaboramos as informações, que retardam a formação de uma
consciência ecológica. Trata-se de limitações intrínsecas aos processos cognitivos.
A psicologia social chama a atenção sobre a importância dos contextos (sociais, culturais,
normativos) para receber e elaborar o conhecimento. A psicologia cognitiva alerta sobre as
limitações intrínsecas de nossa psiquê na hora de deliberar e atuar. Várias fontes de
preconceitos e distorções são inerentes aos processos reflexivos. Somente tomando
consciência delas é que se pode reduzir esses “túneis da mente” (PIATTELLI, 1995) ou
inclinações intrínsecas.
É difícil manter em atividade muitas unidades mentais na memória, simultaneamente e a
curto prazo. Assim, uma sociedade da superinformação nos leva à desinformação. Para
melhorar a qualidade de nossas deliberações e decisões, e reconstruir contextos para a
formação da consciência moral, deve-se reduzir controladamente e de forma democrática, “a
complexidade excessiva das modernas sociedades industriais”. Reduzir a complexidade
complexamente, fugindo dos simplismos (RIECHMANN, 2005a, p.78-79).
Riechmann aponta outros fatores, que atuam em intensidade diversa, contra o
desenvolvimento da consciência ecológica. Vejamos.
d. Inércia cognitiva e efeito de ancoragem
Certa preguiça ou conservadorismo cognitivo leva-nos a aceitar os marcos dentro das quais os
problemas são apresentados, a esperar “mais do mesmo” e a ignorar a possibilidade de
mudanças radicais num curto prazo de tempo. Esta inércia leva a considerar o presente como
mero prolongamento do passado. Além disso, os psicólogos mostram que as pessoas tendem
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a subestimar em grande medida as taxas de crescimento exponencial (RIECHMANN, 2005a,
p.78-79).
As pessoas baseiam seus juízos em uma opinião pré-concebida. Tal opinião inicial pode ter
efeito considerável sobre os juízos subsequentes. A revisão de um primeiro juízo intuitivo,
impulsivo, não chega a ser anulado completamente. Tal efeito da ancoragem leva a “reforçar
nossa crença num mundo seguro e estável, e omitir a informação conflitiva e ameaçadora”.
Assim, vemos o novo através do prisma do velho, em vez de enfocá-lo com carácter adicional
(RIECHMANN, 2005a, p.80).
Devido a certa preguiça mental, por consentimento aceitamos os problemas dentro da
formulação que nos aparece, sem gerarmos versões alternativas. E por segregação isolamos
o problema de seu contexto global e fazemos que ocupe o centro exclusivo de nossa atenção
(RIECHMANN, 2005a, p.81-82). São os assim chamados mecanismos de aquiescência e de
segregação. Simultaneamente, estes mecanismos influenciam e são influenciados por outros
dois fatores, abaixo relacionados.
e. Efeitos de representatividade e de disponibilidade
O que são os “efeitos de representatividade”? A maioria das pessoas é mais influenciada por
um exemplo vivo, claro e pessoal, do que por um abundante material estatístico. E
frequentemente atribui-se excessiva importância aos detalhes de um caso determinado, e se
passa por alto os fatores básicos e os antecedentes de caráter geral. Sobrevalorizam-se os
casos particulares e as experiências pessoais, em detrimento das informações mais gerais e
objetivas.
O ser humano se inclina a considerar representativo a um caso isolado e único, a converter
um fato particular em categoria. Isso acontece devido à necessidade de considerar que seu
entorno é seguro. Dessa forma, ser as mudanças são lentas e graduais e os efeitos demoram
a ser percebidos (gerando insegurança), podem ser esquecidos ou ignorados.
Já o efeito de disponibilidade consiste na tendência a sobrevalorizar tudo o que é novo e
espetacular, devido à ênfase dispensada pela mídia. Destacam-se as circunstâncias triviais,
pois elas estão mais disponíveis (RIECHMANN, 2005a, p.81). Numa sociedade midiática, os
casos particulares são apresentados como se fossem gerais. Tal é a grande parte das
informações veiculadas, disponíveis para o público. Favorece desta forma a falta de
consciência socioambiental.
Acrescenta-se ainda dois fatores mentais. O primeiro consiste nas distorções da percepção de
probabilidade. Normalmente, aquilo que é típico nos aparece altamente provável,
independentemente das probabilidades objetivos de uma situação concreta. A narração
prevalece sobre a razão.
Mais. Percebe-se a representação estatística de males ou desgraças pelo seu lado bom. Se nos
disserem que um acidente nuclear é provável na proporção de 1/50, pensamos que viveremos
ao menos 49 anos sem este risco. Além disso, abaixo de certos limites, as possibilidades nos
parecem equivalentes. Assim, 8% ou 1% de determinado risco ambiental nos soa com o
mesmo.
As distorções da percepção de probabilidade estão ligadas a um segundo fator mental: o
excesso de confiança. As pessoas estão seguras das respostas dadas até agora e não estão
dispostas a assumir nova informação ou interessar-se por outros modos de considerar o
mundo. A isso se soma um fator de pressão coletiva. Quando estamos em um grupo coeso
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com ideias fortes e claras, é difícil enxergar algo do outro ponto de vista (RIECHMANN, 2005a,
p.82-83).
f) A dissonância cognitiva
A dissonância cognitiva é o estado de tensão desagradável quando alguém mantém
simultaneamente duas cognições ou certezas psicologicamente incompatíveis. As pessoas
tendem a reduzir tal tensão, fazendo-as compatíveis. Até distorcem o mundo objetivo para
reduzir a dissonância. É uma conduta defensiva, pois protege nossa imagem de “seres
razoáveis e bons”. Então, em vez de acolher uma mensagem inquietante, tende-se a
subestimá-la e a desacreditar de quem a transmite. Ou ainda: conformar-se depois que algo
ruim já está funcionando. Por exemplo, as pessoas “se acostumam” com uma usina nuclear,
que é extremamente perigosa.
Quais as implicações da dissonância cognitiva? Em situações negativas de alta densidade, as
pessoas se defendem modificando suas atitudes, crenças e juízos. Minimizam a gravidade do
dano (RIECHMANN, 2005a, p.83-84). Por exemplo, a respeito das consequências danosas das
mudanças climáticas, dizem: “não está tão mal assim..”
2. Caminhos para desenvolver a consciência ecológica
Quais seriam as alternativas para romper com este ciclo vicioso e ajudar a humanidade a
entrar no umbral da consciência ecológica?
a. Simultaneidade de ações pessoais e coletivas
Para enfrentar o poder destruidor do capitalismo global, os indivíduos devem construir ou
reforçar forças sociais coletivas, em vista de transformações estruturais para o bem.
Simultaneamente, é preciso também novas regras de jogo para a economia e a relação entre
seres humanos e a natureza. Riechmann propõe três mudanças essenciais e interrelacionadas.
(1) A transformação interior: abandonar a passividade. Como fomos atingidos por “um funesto
fatalismo tecnológico”, precisamos reagir e superar a atitude passiva e resignada.
(2) A transformação pessoal: mudar o modo de vida. Transformar a “soberania do
consumidor” numa força política real. Realizar mudanças de hábito de consumo, como
economizar energia, reduzir o consumo de carne, evitar comprar produtos importados que
prejudicam a população de sua origem. Comprar bem, coordenando-se com os outros, para
que eles tomem atitude semelhante.
(3) A Transformação das relações sociais: optar pela ação coletiva. Organizar-nos para
defender os valores de justiça, solidariedade, emancipação e respeito pela natureza; lutar pela
democracia. Recolocar assim “uma lógica da ação coletiva solidária”. (RIECHMANN, 2005a, p.
57-59).
Uma das características singulares do pensamento de Riechmann consiste na proposta
integradora e simultânea de práticas individuais e coletivas. Para ele, ética é micropolítica.
Política é macroética. Deve haver múltipla vinculação entre os dois níveis. A “vida buena”1 do
indivíduo se concebe na relação com a “vida buena” da comunidade a que pertence. Da
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A expressão castelhana soa ambígua em português. Pois “vida boa” ou “boa vida” significam para nós uma
existência sem compromissos, um desfrute dos bens isento de responsabilidade social. Na América Latina se
cunhou a expressão “bem viver”, que traduz melhor o termo “vida buena”.
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mesma forma como se exigem forças sociais coletivas, é importante o empenho na vida
cotidiana e no âmbito das relações interpessoais.
Numa época moral de longo alcance, as consequências de nossas ações e omissões chegam
muito longe no espaço e no tempo, embora não tenhamos consciência disso. Cada vez mais,
a tarefa do cuidado com o outro está vinculado às questões de justiça, em âmbito nacional e
planetário.
Riechmann propõe também o resgate de valores clássicos, diante da nova situação de
saturação do mundo em termos ecológicos e da emergência da tecnociência. O valor ecológico
básico seria a reverência ou o respeito por toda vida, como propunha Albert Schweitzer. E tal
valor já se encontra em várias tradições religiosas e filosóficas antigas.
Mais do que reivindicar novos paradigmas éticos, deve-se revalorizar subculturas ou tradições
morais minoritárias, que agora desempenharão um papel importante. Na época moral de
longo alcance, não necessitamos de uma “nova ética”, e sim de uma “nova política”, pois há
um vazio de ação. Do ponto de vista da economia ecológica os valores centrais, segundo Daly
(2004), seriam a frugalidade e a eficiência (cf. RIECHMANN, 2005a, p.60-61).
b. O poder da práticas e dos exemplos
A reflexão de Riechmann supera certo idealismo, que é comum entre aqueles que visam
suscitar consciência ecológica e estimular práticas sustentáveis. Como já vimos, ele mostra
que existe uma distância entre os valores declarados e os comportamentos reais. Por isso,
Riechmann propõe priorizar a modificação de condutas. Depois, elas se traduzirão em atitudes
e se internalizarão em valores (RIECHMANN, 2005a, p.75.87).
Como apontou nosso autor, os mecanismos de externalização de problemas ecológico-sociais
facilita que as pessoas se distanciem emocionalmente das consequências de seus atos. Não
há somente um labirintização da ação, mas também um deslocamento, do centro para as
periferias. Como superá-los?
Os indivíduos se sentem implicados emocionalmente com os acontecimentos mais próximos
no tempo e no espaço. A consciência sócio-ecológica se desenvolve quando estamos junto às
pessoas e aos contextos desafiadores. A empatia para com os diretamente afetados suscita
responsabilidade pessoal. Ajuda a criar o consenso de que a situação é crítica. E assim
fortalece a convicção que a própria ação terá efeitos positivos e tangíveis. Portanto, uma
opção metodológica imprescindível consiste em colocar as pessoas efetivamente próximas
daquelas que tem a consciência ecológica desenvolvida. E viabilizar o acesso a situações
concretas onde se percebe, com os cinco sentidos, presencialmente, situações
socioambientais que nos tiram da zona de conforto.
Neste sentido, exerce papel importante a presença de minorias com o poder dos bons
exemplos. Basta que a pessoa tenha um só aliado para que sua tendência a se apegar a um
juízo errôneo se reduza fortemente. As atitudes e condutas testemunhais tem enorme eficácia
para a mudança social.
E a superação do consumismo? Ela não acontece de forma mágica e imediata. Segundo
Riechmann, o ser humano na moderna sociedade produtivista/consumista se assemelha a um
dependente de drogas. Necessita de uma cura de desintoxicação. Precisa de novas formas de
inserção no real e de dar sentido à sua vida. Sair do consumismo exige um processo lento e
contínuo (RIECHMANN, 2005a, p.88-90).
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c. Comprometimento da mídia e do poder político
Não se mudam valores por meio de simples coerção. Os métodos indiretos podem ser mais
úteis que os diretos. Especial responsabilidade moral recai sobre aqueles que tem maior poder
e capacidade de influência, como os governos e os líderes das mídias.
Os efeitos das campanhas de massas destinadas a mudar as atitudes das pessoas por
doutrinação explícita não costumam ser muito importantes. A emissoras de TV não visam
comunicar ou informar, e sim distrair, entreter, divertir (RIECHMANN, 2005a, p.86). Mais. Elas
ajudam a criar uma realidade irreal, de segunda mão, que “suplanta, desmente e desvitaliza a
realidade real” tem consequências provavelmente devastadoras (RIECHMANN, 2005a, p. 95,
nota 68).
Especialmente quando se deseja uma conduta que supõe sacrifício ou abster-se de um prazer:
o incentivo em favor desta atitude ou ação, criada pela legislação ou por política de preços
tem mais probabilidade de dar resultado (RIECHMANN, 2005a, p.87). Colocar em marcha as
mudanças necessárias exige o comprometimento do poder público. A ele cabe uma
combinação adequada de pedagogia, estabelecimento de normativas e mudanças na
estrutura de incentivos.
Por fim, é necessária uma pedagogia social crítica, em todos os níveis, para nos darmos conta
da realidade e da gravidade da crise ecológica. Estamos em guerra contra a natureza.
Precisamos fazer as pazes com o planeta (RIECHMANN, 2005a, p. 90-93).
A título de conclusão
Como já explicamos em outra obra (MURAD, 2016), a ecoteologia estabelece um diálogo
profícuo com outras ciências e saberes, em vista do desenvolvimento da consciência
planetária. Essa é compreendida como a percepção ativa de que o mundo cada vez é uno, que
somos filhos(as) da Terra e responsáveis para que ela continue habitável para nós e os outros
seres de Nossa Casa Comum.
O estudo de Riechmann a respeito dos fatores inibidores do desenvolvimento da consciência
socioambiental é de fundamental importância, tanto para aqueles/as que pesquisam, quanto
para os/as que atuam em diversas instâncias da sociedade civil em processos
transformadores. Como contribuir efetivamente para superar os estágios de indiferença ou
alienação?
Vale recordar que esta tarefa não é inédita. Paulo Freire, na sua consagrada “Educação como
prática de liberdade” já deu algumas pistas metodológicas para realizar a passagem da
“consciência intransitiva” para a “conciência crítica” (FREIRE, 1967). Júlio Barreiro, em obra
pouco conhecida no Brasil, intitulada “Educação Popular e Conscientização”, procura
responder à cruciante pergunta: “por que os pobres tem tanta dificuldade de reconhecer os
mecanismos opressores e lutar contra eles?” (BARREIRO, 1980).
Como filha da teologia da libertação, a ecoteologia latino-americana se preocupa e se ocupa
destas questões. Parece-nos que Riechmann suscita uma discussão produtiva e estimuladora
para nós. Ele associa a contribuição de diferentes autores e nos fornece um quadro referencial
rico e complexo. Competirá a líderes religiosos e comunitários a tarefa de identificar quais
fatores, apontados por Riechmann, tem maior incidência sobre o público com o qual eles
atuam.
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A enorme distância entre a gravidade da questão socioambiental e a timidez das nossas
respostas também causa grande inquietação no Papa Francisco, na Encíclica “Laudato Si”.
Quem detém o poder político, econômico e midiático parece ignorar o clamor da Terra e dos
pobres. Por que? Francisco diz que “isto deve-se, em parte, ao fato de que muitos
profissionais, formadores de opinião, meios de comunicação e centros de poder estão
localizados longe deles, em áreas urbanas isoladas, sem ter contato direto com os seus
problemas. Vivem e refletem a partir da comodidade dum desenvolvimento e duma qualidade
de vida que não está ao alcance da maioria da população mundial. Esta falta de contato físico
e de encontro, às vezes favorecida pela fragmentação das nossas cidades, ajuda a cauterizar
a consciência e a ignorar parte da realidade em análises tendenciosas” (LS 49). Tal análise
coincide com um dos pontos destacados por Riechmann.
Por que reações tão fracas a problemas tão grandes? O que se pode fazer? Toda a Encíclica
está tecida com esta perspectiva de transformação. O diagnóstico é complexo, pois a realidade
também se manifesta assim. A análise de Riechmann converge com a do Papa. Dentre as
muitas pistas propostas por Francisco, vale aqui citar algumas, para concluir este trabalho
inconcluso, que nos levará a novas pesquisas.
Não dispomos ainda da cultura necessária para enfrentar esta crise e há
necessidade de construir lideranças que tracem caminhos, procurando dar resposta
às necessidades das gerações atuais (..) e futuras. Torna-se indispensável criar um
sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos
ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-
económico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a
liberdade e a justiça (LS 53b).
Nunca maltratamos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos.
Mas somos chamados a tornar-nos os instrumentos de Deus Pai para que o nosso
planeta seja o que ele sonhou ao criá-lo e corresponda ao seu projeto de paz, beleza
e plenitude (LS 53a).
Referências
ANDERS, G. La obsolescencia del Hombre. Aldaia (Valencia): Pre-textos, 2011 (sobre a 5 ed do
original em alemão).
ARONSON, E. El animal social. Introducción a la psicología social. 5 ed. Madrid: Alianza
editorial, 1990.
BARREIRO, J. Educação Popular e Conscientização. Petrópolis: Vozes, 1980.
CAPELLA, J. R. Los ciudadanos siervos. Madrid: Trotta, 1993
DALY, H. Economia Ecológica. Princípios e aplicações. Lisboa: Piaget, 2004
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
MURAD, A (org.). Ecoteologia: um mosaico. São Paulo: Paulus, 2016.
PIATELLI, M. Los túneles de la mente. Barcelona: Crítica, 1995.
RIECHMANN, J. Un mundo vulnerable. Ensayos sobre ecologia, ética y tecnociencia. Madrid:
Catarata, 2 ed, 2005.
SJÖBERG, L. “Comportamientos humanos y cambios en el medio ambiente: perspectivas
psicológicas. Revista Internacional de Ciencias sociales 121 (set 1989).