2. A destruição do passado- ou melhor, dos mecanismos
sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das
gerações passadas- é um dos fenômenos mais
característicos e lúgubres do final do século XX. Quase
todos os jovens de hoje crescem numa espécie de
presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com
o passado público da época em que vivem. Por isso, os
historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros
esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no
fim do segundo milênio.
Eric Hobsbawn
3. Durante muito tempo acreditei que a casa da memória, era como
um antigo barraco, na ponta de um morro, calmo e frio:
Memória era aquilo do passado que fica congelado. É sempre o
que foi. Quem já fui. Aquilo que fomos, ou o que morremos. A
memória tinha a cara de museu: espaço em que quadros,
objetos, fotos, vídeos e músicas, despertam a emoção da
lembrança.
Sendo assim, a memória precisa de um tempo estático: passado.
Um lugar: Calmo. Um rosto: sério, ou no máximo, com um
sorrio metade triste, metade saudoso. E um tempo verbal: o
pretérito, melhor dizendo, a vida que, como o último trem,
partiu e não voltará mais. A memória, assim entendida, é o que
desperta a lembrança e a congela e a guarda nos museus: sejam
eles os clássicos, com os dinossauros, sejam os modernos: com
os vídeos, roupas, e barracos.
Mc Raphael Calazans
4. A memória e a mudança histórica
O mundo em deslocamento:
globalização (novas formas de sociabilidade do
trabalho, novas formas de comunicação,
d e s l o c a m e n t o s p o p u l a c i o n a i s e
desenraízamentos)
conflitos políticos e religiosos
guerras que trazem extermínio e grandes
migrações
7. Desafio de construir ou reconstruir identidades
pulverizadas, seja pelas configurações
político-sociais que produziram os dramas das
m i n o r i a s é t n i c a s e d o s d i v e r s o s
“marginalizados”, seja pelos processos
políticos e econômicos, que se traduziram no
chamado neoliberalismo, reproduzindo em
escala ampliada a imagem do “excluído”.
9. Memória, identidade e cidadania
n Do vínculo com o passado se extrai a força
para formação de identidade
n Memória como alimento que permite a
constituição de novas identidades
n Memória como resistência à pulverização
n Está na raiz de movimentos identitários
(sociais e/ou políticos) e de afirmação de novas
subjetividades, de novas cidadanias.
10. Batalhas da memória
A memória busca reabilitar “a periferia e a
marginalidade”, e “entra em disputa”, num
terreno de conflito e competição entre memórias
concorrentes (Michael Pollack)
Exemplos: resgate de experiências marginais ou
historicamente traumáticas, localizadas fora das fronteiras
ou na periferia da história oficial ou dominante; estudos
sobre as vítimas do nazismo; anos da ditadura militar;
estudos sobre a escravidão; estudos sobre grupos sociais
atingidos por processos de violência, expropriação.
11. n Preocupação com a memória histórica é um
fenômeno que vem caracterizando o trabalho
de várias instituições, ONG´s, diversos grupos
sociais.
n Iniciativas destinadas à criação de centros de
memória, projetos de revitalização de sítios
históricos, rurais e urbanos, ou de memória
institucional, núcleos de documentação e
pesquisa, museus, programas de história,
elaboração de vídeos e documentários.
12. As várias memórias
n Memória individual: a recordação de uma
pessoa só se torna fato social quando ela a
expressa verbalmente para alguém.
n Memória coletiva: pertence a um determinado
grupo, assegurando coesão e solidariedade a
seus componentes (gênero, etnia, grupo social
etc)
n Memória nacional: unificadora e integradora,
procurando a harmonia e sublimando o conflito.
23. "PM prende favelados pelo pescoço, um tipo inusitado de ‘algema’", Jornal do Brasil, 1982, Foto de Luiz Morier
24. Elementos constitutivos da memória
n Acontecimentos vividos pessoalmente
n Vividos “por tabela”, ou seja vividos pelo
grupo ou coletividade da qual a pessoa se sente
pertencer; “memória herdada”.
n Memória constituída por personagens
(encontrados pessoalmente e “por tabela”.)
n Os lugares de memória: ligados à lembrança,
“lugares de comemoração”.
25. O esquecimento
n Construção de memória implica em escolhas
entre os fatos do passado que devem/podem ser
lembrados; fatos “esquecidos”, o “não dito”.
n “Projetos de esquecimento”: fatos que não
devem ser lembrados, sob pena de ameaçar a
unidade do grupo, questionando sua identidade.
n Processos de repressão e violência social e
política: sofrimento e ressentimento.
26. A memória e os desafios no
mundo atual: ética e utopia
n Função ética
Diante dos desafios do mundo atual,
particularmente aqueles que dizem respeito à
falta de projetos de futuro, a memória cumpre
a função de atualizar as lembranças agindo.
Lembramos menos para conhecer do que para
agir
“Direito à memória” e “dever de memória”
27. n Memória e utopia
Representa um contraponto à timidez,
recuo ou crise das utopias racionalistas.
A memória apontando os lugares de
realização histórica.
Construção de mitos idenditários que tem
informado as ações de reconhecimento
social e político.
28. A memória como alimento para agregação
As lembranças grupais se apóiam umas às
outras formando um sistema que subsiste
enquanto puder sobreviver a memória grupal.
Se por acaso, esquecemos, não basta que os
outros testemunhem o que vivemos. É preciso
mais: é preciso estar sempre confrontando,
comunicando e recebendo impressões para que
nossas lembranças ganhem consistência
Eclea Bosi
32. Arte feita por grafiteiros da zona norte, em homenagem aos que se foram nesta guerra sem fim, Alemão,
2018
33. Recuperar a memória da experiência compartilhada
nesses variados territórios da cidade, como muitos
grupos estão fazendo é uma forma, fundamental,
rica e fortemente mobilizadora, de regenerar o
tecido social tão esgarçado pelas razões que
conhecemos. E uma condição para prosseguir o
trabalho no qual estamos empenhados, de colaborar
no processo de democratização de nosso país,
reduzindo a desigualdade característica da estrutura
urbana carioca.
Luiz Antônio Machado
34. Eu tenho uma partícula de
cada um: a fala, as
orientações que eu já ouvi,
as capacitações que eu já
participei, as coisas que eu
já tive junto a outras
pessoas. É por isso que nós
temos memória, né?”
Rosana, educadora nas favelas da
Grande Tijuca
Arquivo Condutores de Memória
35. Por isso, na favela a memória é ativa. É
bandeira de reivindicação do direito à
vida. Ela recusa depositar num espaço a
saudade e as lembranças. Não é possível
ter passado, para quem não consegue
garantir o futuro. Por isso o lugar da
memória na favela é o presente. Um
presente dado à vida.
Mc Raphael Calazans