O documento discute as desigualdades internas na agricultura familiar brasileira, contrariando o "mito da agricultura familiar homogênea e de sucesso". Os dados do Censo Agropecuário de 2006 revelam grandes diferenças entre as categorias de assentados, pobres, médios/intermediários e ricos, com a maioria dos assentados e pobres tendo pouca terra, renda e participação na produção total. As políticas de crédito rural podem estar aprofundando essas desigualdades ao invés de promover
1. SEMINÁRIO NACIONAL AGRICULTURA FAMILIAR
BRASILEIRA: DESAFIOS ATUAIS E PERSPECTIVAS DE
FUTURO
ESTRUTURA AGRÁRIA E DESIGUALDADES
INTERNAS NA AGRICULTURA FAMILIAR
BRASILEIRA
Joacir Rufino de Aquino
Economista (CORECON-RN)
Mestre em Economia Rural e Regional (UFCG)
Professor Adjunto III (UERN)
Brasília/DF
13/08/2014
2. 1 - INTRODUÇÃO
• O debate sobre a agricultura familiar é um tema
importante que ganhou destaque após a publicação
dos primeiros resultados do Censo Agropecuário 2006;
• Os dados do referido Censo têm sido utilizados, com
frequência, para fortalecer O MITO DA AGRICULTURA
FAMILIAR HOMOGÊNEA E DE SUCESSO NO BRASIL,
responsável pela maior parte dos empregos e pela
produção de 70% dos alimentos;
• Mas será que a realidade dessa categoria de
agricultores é tão boa quanto mostra a média?
3. - HIPÓTESES:
• A forma com que os dados do Censo 2006 têm sido
trabalhados até agora, usando a média, encobre
desigualdades marcantes entre os agricultores
familiares;
• Há uma grande precariedade no âmbito da agricultura
familiar brasileira e a política de crédito contribui para
manter a desigualdade produtiva;
• Reconhecer essa situação e ajustar o foco das políticas
públicas é o grande desafio de uma estratégia de
desenvolvimento rural sustentável.
4. 2 – DELIMITANDO A AGRICULTURA FAMILIAR E
SUAS DIFERENÇAS INTERNAS A PARTIR DO
CENSO AGROPECUÁRIO 2006
• Fonte dos dados: Tabulações especiais da
segunda apuração do Censo 2006 (obtidas em
2011), mas disponibilizadas para consulta
pública apenas no final de 2012;
• As tabulações especiais foram fruto da
parceria, pioneira, do IBGE com o MDA;
5. O relatório fruto do PROJETO
DE COOPERAÇÃO TÉCNICA
IPEA/PGDR 2010-2011 –
ANÁLISE MULTIDIMENSIONAL
DOS NOVOS DADOS DO
CENSO AGROPECUÁRIO 2006
6. 2.1 – Classificação da agricultura familiar
• Delimitação da agricultura familiar a partir dos critérios da Lei
11.326, de 2006, mais conhecida como LEI DA AGRICULTURA
FAMILIAR;
• Os agricultores familiares foram classificados a partir de 4
critérios de enquadramento:
i – Área até 4 módulos fiscais
ii - Predominância da mão de obra familiar
iii - Renda familiar ligada ao estabelecimento
iv - Gestão familiar
7. 2.2 – Tipologia dos agricultores familiares
• Os agricultores familiares foram segmentados
conforme as normas do PRONAF vigentes na
Safra 2006/2007;
• Adicionalmente, seguindo o princípio
Leninista proposto por Bernstein (2011), os
produtores identificados foram organizados
em 4 categorias: assentados, pobres,
médios/intermediários e ricos.
8. Quadro 1 – Critérios de estratificação dos agricultores familiares
conforme as regras do PRONAF – 2006/2007
GRUPOS CARACTERÍSTICAS
A - Assentados da reforma agrária
B - AFs com RBAF (com rebate) de até R$ 3 mil, sendo ao menos 30%
do estabelecimento
C
- AFs com RBAF (com rebate) acima de R$ 3 até R$ 16 mil, sendo ao
menos 60% do estabelecimento
D
- AFs com RBAF (com rebate) acima de R$ 16 até R$ 45 mil, sendo ao
menos 70% do estabelecimento e que mantém até 2 empregados
permanentes
E
- AFs com RBAF (com rebate) acima de R$ 45 até R$ 80 mil, sendo ao
menos 80% do estabelecimento e que mantém até 2 empregados
permanentes
Familiar não
PRONAF
- AFs com RBAF (com rebate) acima de R$ 80 mil e que mantém mais
de 2 empregados permanentes.
Fonte: MDA/SAF/PRONAF (2007); IBGE/SIDRA (2012).
9. Quadro 2 – Segmentação da estrutura da
agropecuária brasileira em 2006
Estabelecimentos
Agropecuários
Não Familiar
Familiar
(Lei 11.326)
- Grupo A - Assentados
- Grupo B - Pobres
- Grupo C - Médios/Intermediários
- Grupo D
- Grupo E - Ricos
- Não-PRONAF
Fonte: Elaborado a partir de IBGE/SIDRA (2012) e Aquino et al. (2013, 2014).
10. 3 – A IMPORTÂNCIA DA AGRICULTURA
FAMILIAR NA ESTRUTURA AGRÁRIA BRASILEIRA
• A agricultura familiar tem um peso importante na
estrutura agrária brasileira;
• A utilização dos números agregados do Censo
2006, de forma acrítica, tem contribuído para
criar o MITO DA AGRICULTURA FAMILIAR
HOMOGÊNEA E DESENVOLVIDA NO BRASIL;
• A estrutura agrária brasileira é marcada por uma
forte desigualdade produtiva, que tem sido
acentuada pela POLÍTICA DE CRÉDITO RURAL.
11. Tabela 1 - Número de estabelecimentos agropecuários e
área total dos diferentes tipos de agricultura do Brasil –
2006
Tipos de
Agricultura
Estabelecimentos Área Total
Número % Número %
Familiar 4.366.267 84 80.102.694 24
Não Familiar 809.369 16 253.577.343 76
Total 5.175.636 100 333.680.037 100
Fonte: Tabulação da 2ª apuração do Censo Agropecuário 2006 (IBGE/SIDRA, 2012).
12. Tabela 2 – Número de pessoas ocupadas nos
estabelecimentos agropecuários do Brasil por tipos de
agricultura – 2006
Tipos de Agricultura Pessoal Ocupado %
Familiar 12.323.110 74
Não Familiar 4.245.095 26
Total 16.568.205 100
Fonte: Tabulação da 2ª apuração do Censo Agropecuário 2006 (IBGE/SIDRA, 2012).
13. Tabela 3 – Participação dos agricultores familiares e não
familiares no Valor Bruto da Produção (VBP) da
agropecuária brasileira – 2006
Tipos de Agricultura
Valor Bruto da
Produção %
(R$ 1,00)
Familiar 54.494.117.490 33
Não Familiar 109.492.176.940 67
Total 163.986.294.428 100
Fonte: Tabulação da 2ª apuração do Censo Agropecuário 2006 (IBGE/SIDRA, 2012).
15. • O “mito da agricultura familiar” se justifica
politicamente na disputa por fundos públicos
– crédito e renegociação de dívidas
(GRAZIANO DA SILVA, 2009);
• Esse aspecto deve ser levado em conta, pois a
agricultura familiar ainda ocupa um lugar
marginal na política agrícola;
16. Tabela 4 – Distribuição desigual dos recursos programados do
crédito rural e perda de participação da agricultura familiar –
Safras 2007/2008 e 2014/2015
Tipos de
Agricultura
Valor Crédito Safras (R$ bi) Participação relativa (%)
2007/2008 2014/2015 Variação
(%)
2007/2008 2014/2015
Familiar 12,0 24,1 101 17 13
Não Familiar 58,0 156,1 169 83 87
Total 70,0 180,2 157 100 100
Fonte: Graziano da Silva (2009); MDA/SAF (2014); MAPA (2014).
17. - A QUESTÃO É QUE:
“Em um país desigual como o Brasil, a média
estatística é quase sempre enganadora.”
(Frase de Tânia Bacelar, em palestra proferida na Audiência Pública
realizada no Senado Federal para discutir um novo conceito de Ruralidade,
no dia 28 de junho de 2013)
- LOGO, É PERTINENTE INDAGAR:
Agricultura familiar, agriculturas familiares...
mas que agricultura familiar brasileira?
18. 4 – DO MITO A REALIDADE: HETEROGENEIDADE E
DESIGUALDADES INTERNAS NA AGRICULTURA
FAMILIAR BRASILEIRA
• A agricultura familiar brasileira é marcada por
profundas desigualdades internas;
• O mito da agricultura familiar, construído a
partir da média, esconde e negligencia
peculiaridades importantes do segmento que
precisam ser incorporadas ao debate público;
19. Tabela 5 - Número de estabelecimentos agropecuários e
área total dos diferentes tipos de agricultores familiares do
Brasil – 2006
Categoria
Estabelecimentos Área Total
Número % Número %
Assentados 533.454 12 14.999.586 19
Pobres 2.416.127 55 29.316.451 37
Médios/Intermediários 782.982 18 18.075.888 23
Ricos 633.704 15 17.710.769 22
Total Familiar 4.366.267 100 80.102.694 100
Fonte: Tabulação especial da 2ª apuração do Censo Agropecuário 2006 (IBGE/SIDRA, 2012).
20. Tabela 6 – Distribuição dos estabelecimentos familiares
segundo as regiões do Brasil – 2006 (Em %)
Regiões Assentados Pobres Médios Ricos
Norte 27 6 10 6
Nordeste 40 65 30 27
Sudeste 7 15 21 23
Sul 11 11 34 40
C.-Oeste 15 3 5 5
Brasil 100 100 100 100
63%
Fonte: Tabulação especial da 2ª apuração do Censo Agropecuário 2006 (IBGE/SIDRA, 2012).
21. O quadro de pobreza
apresentado tem
raízes histórico-estruturais
e decorre
também das
contradições da ação
do Estado brasileiro
Fonte: Mapa elaborado por Antônio Florido (IBGE/RJ)
22. Tabela 7 – Número de pessoas ocupadas nos
estabelecimentos da agricultura familiar do Brasil – 2006
Categorias Pessoal Ocupado %
Assentados 1.607.324 13
Pobres 6.209.544 50
Médios/Intermediários 2.367.483 19
Ricos 2.138.759 17
Total Familiar 12.323.110 100
Fonte: Tabulação especial da 2ª apuração do Censo Agropecuário 2006 (IBGE/SIDRA, 2012).
63%
23. Tabela 8 – Participação dos distintos Tipos no Valor Bruto da
Produção (VBP) da agricultura familiar brasileira – 2006
Tipos de
Agricultura
Nº de
Estabelecimen
tos (A)
Estabelecimen
tos COM VP
(B)
%
(B/A)
Valor da
Produção (C)
%
VP médio
(C/B)
Assentados 533.454 462.971 87 5.711.549.031 10 12.337
Pobres 2.416.127 2.035.754 84 2.827.925.065 5 1.389
Médios 782.982 781.616 100 8.460.026.343 16 10.824
Ricos 633.704 622.346 98 37.494.617.051 69 60.247
Familiar 4.366.267 3.902.687 89 54.494.117.490 100 13.963
Fonte: Tabulação especial da 2ª apuração do Censo Agropecuário 2006 (IBGE/SIDRA, 2012).
25. Tabela 9 - Receitas (em R$ 1,00) obtidas pelos agricultores
familiares do Brasil – 2006
Tipos de
Agricultura
Receita Total
Receita
Agropecuária*
%
Outras
Receitas**
%
(A) (B) (B/A) (C) (C/A)
Assentados 4.480.803.300 3.834.073.105 86 646.730.195 14
Pobres 4.916.792.966 1.306.769.748 27 3.610.023.218 73
Médios 6.932.633.515 5.628.931.333 81 1.303.702.182 19
Ricos 29.413.083.670 27.319.520.418 93 2.093.563.252 7
Total
Familiar
45.743.313.451 38.089.294.604 83 7.654.018.847 17
Fonte: Tabulação especial da segunda apuração do Censo Agropecuário 2006 (IBGE/SIDRA, 2012).
(*) A Receita Agropecuária foi obtida pelo somatório do valor das vendas de: produtos vegetais, animais em geral e seus
produtos, animais criados em cativeiros (jacaré, escargô, capivara e outros), húmus e esterco.
(**) As “outras receitas” captadas pelo Censo de 2006 contabilizadas foram: aposentadorias e pensões, salários obtidos em
atividades fora do estabelecimento, doações ou ajudas, programas sociais do governo e desinvestimentos.
26. - Algumas evidências mostram que o PRONAF pode
está acirrando a concentração e a desigualdade
produtiva entre os produtores familiares;
- O Programa estaria incentivando a Especialização
Produtiva, negando o caráter multifuncional da AF –
seu maior trunfo.
- Tal processo tem ganhado intensidade inédita a
partir de 2008 com o PRONAF MAIS ALIMENTOS, que
está estimulando a modernização desigual da
agricultura familiar brasileira;
27. Gráfico 1 – Participação dos Grupos de agricultores familiares no
montante do crédito rural do PRONAF no período de 1999 a 2011 (Em %)
Fonte: SAF/MDA (2013).
Nota: Dados organizados por Aquino (2013).
28. Tabela 10 - Classificação dos Agricultores Familiares no Brasil
segundo a metodologia FAO/INCRA - 1996/2006
Tipos Nº Estab. 1996 % Nº Estab. 2006 %
A = Ricos 406.291 10 452.750 10
B+C = Médios 1.817.298 44 1.539.101 34
D = Pobres 1.915.780 46 2.560.274 56
TOTAL 4.139.369 100 4.552.125 (???) 100
Fonte: Tabulações especiais dos Censos Agropecuários 1995-1996 e 2006.
NOTA: Dados extraídos e adaptados de Guanziroli, Buainain e Di Sabbato (2012).
29. Tabela 11 - Participação no Valor Bruto da Produção (VBP) por
Grupo de Renda – Brasil – 1996/2006
TIPOS
% s/ Total VBP Familiares
1996 2006
A = Ricos 50,6 69,5
B+C = Médios 38,7 20,4
Pobres 10,7 10,1
TOTAL 100,0 100,0
Fonte: Tabulações especiais dos Censos Agropecuários 1995-1996 e 2006.
NOTA: Dados extraídos e adaptados de Guanziroli, Buainain e Di Sabbato (2012).
30. Tabela 12 - Grau de Especialização ou Diversificação da
Produção Familiar – Brasil – 1996/2006
Tipos Especializados Diversificados
Média Familiar % %
1996 41 59
2006 56 44
AFs RICOS (Tipo A)
1996 51 49
2006 72 28
Fonte: Tabulações especiais dos Censos Agropecuários 1995-1996 e 2006.
NOTA: Dados extraídos e adaptados de Guanziroli, Buainain e Di Sabbato (2012).
31. UMA CONSTATAÇÃO IMPORTANTE:
• Apesar das adversidades, os estabelecimentos
pequenos e médios não vão desaparecer!!
• Não vão desaparecer ao menos por 3 razões
(HELFAND; PEREIRA; SOARES, 2014): i) alguns
são competitivos; b) a maioria tem poucas
alternativas fora da agricultura; c) as políticas
sociais possibilitam que as famílias fiquem na
agricultura mesmo não tendo como obter o
sustento da atividade agropecuária.
32. 5 – DESAFIOS ATUAIS E PERSPECTIVAS DE
FUTURO DAS AGRICULTURAS FAMILIARES
BRASILEIRAS
• A agricultura familiar é um setor estratégico para o
desenvolvimento do Brasil no contexto de crise urbana que
vivenciamos;
• As qualidades da agricultura familiar existem em estado
latente;
• A situação produtiva da maioria dos agricultores familiares
brasileiros é extremamente precária;
• Não há motivo para ufanismo exagerado;
• O PRONAF está aprofundando a desigualdade produtiva e
estimula um estilo de agricultura produtivista;
33. • A partir de 2008 estamos assistindo a retomada do discurso
da modernização da agricultura familiar, em um tom mais
forte que em 1996;
• As transferências de renda e as renegociações de dívidas
funcionam como um “colchão amortecedor” das
contradições do modelo, mas não resolvem os problemas
estruturais da maioria dos produtores;
• As agriculturas familiares brasileira tem futuro?!
• Modernização X Diversificação e DR;
• O foco da estratégia de desenvolvimento precisa ser
redirecionado para os agricultores assentados, pobres e
médios;
34. • Desafio: remover as “múltiplas carências sociais e
produtivas” que “bloqueiam” os agricultores assentados e
pobres;
• As questões da terra, da educação e da tecnologia são
fundamentais;
• A sobrevivência dos agricultores ricos vai depender de sua
capacidade adaptação a um contexto cada mais
competitivo;
• Valorizar as múltiplas funções da agricultura familiar é uma
questão estratégica;
• É preciso ir além do debate setorial, para construir um
modelo que valorize as pessoas, pois os agricultores
familiares são produtores agrícolas, mas, acima de tudo, são
cidadãos brasileiros.