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Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015
2 PUBLICIDADE
Debate Online - www.debate.co.mz
3
Caros amigos e amigas, leito-
res e leitoras do Debate cultural,
publicamos, hoje, o último nú-
mero deste velho jornal de três
anos que fora, durante 2 anos e
meio, generalista – primeiro cul-
tural desde o Brado Africano, em
1958, o primeiro jornal literário
do nosso pais –, que fazemos
aparecer, desde 14 de Agosto,
todas as sextas-feiras.
Aos 5 de Fevereiro de 2016, pu-
blicaremos o primeiro número, o
primeiro num novo formato. Ain-
da, um anúncio de viragem so-
bre o fundo de crise dos próprios
media e uma inflação ou uma cri-
se econômica. Depende do pon-
to de vista!
Claro que, hoje, se paramos de
publicar é para nos lançarmos
melhor no novo projecto que nos
apaixona e com o qual já sonhá-
vamos há bastante tempo: pro-
duzir, imprimir e distribuir um jor-
nal cultural semanal e gratuito.
Um jornal a sério, a cores, e que
conta com 24 páginas no qual
teremos muito espaço de pu-
blicação: catorze páginas para
artigos, dossiers, reportagens,
entrevistas, fotos, críticas literá-
rias, crónicas, um calendário de
bons planos de saídas culturais
e de sugestões de restaurantes
e bares a visitar.
O nosso jornal terá duas ver-
sões: a electrónica e a impressa;
e gostaríamos que as duas che-
gassem a todo o pais, à Lusofo-
nia e à Região Austral...
Saibam que todos torcemos para
que isso aconteça. Ninguém la-
menta esta decisão que se apoia
em constatações que nos apare-
ceram ao longo destes cinco seis
meses de trabalho.
No nosso jornal, posso garantir-
vos que podem ler as críticas li-
terárias de Albino Macuacua, os
ensaios de Lucílio Manjate, as
crónicas sobre a sociedade e fi-
losofia de Nelson Lineu, cartas,
dossiers especiais, resultado de
pesquisas de Pedro Lopes Perei-
ra, resenhas de Eduardo Quive,
contos de Dhymio Arijuane, Fáti-
ma Langa, estudos literários de
Emílio Cossa, Celso Cossa.
Telcínia dos Santos, Nelson Mu-
candze, Hilário Agostinho, Rei-
naldo Luís, Coutinho Fernando,
Carlos Macuacua, Américo Pa-
cule cobrem, desde há muito,
os desafios culturais e societais,
digamos assim, do Maputo e do
país. Entrevistas, textos de opi-
nião, poemas de Amosse Mu-
cavele, Hirondina Joshua, Laau
Siqueira...Completarei o alinha-
mento com novas colaborações
de José Pinto de Sá, Amaril-
do Jorge, David Bamo, Cármen
Secco, que escreverão sobre di-
versos temas tocando a cultura,
a sociedade e os media. Outros
colaboradores dar-nos-ão uma
mão forte em 2016.
Tudo isso se acresce a um bom
trabalho que faz a nossa equipa
interna. Na verdade, a difusão
dos conteúdos é possível gra-
ças a estes artesãos da sombra,
que fazem com que o Debate
Cultural exista. Penso em todos
os que trabalham na produção,
designers, revisores, fotógrafos;
os comerciais, a administração e
transporte ao serviço dos clien-
tes. Gostaria de nomear a todos.
Nós somos uma pequenita Media
Empresa, o primeiro media cultu-
ral em Moçambique e, ademais,
gratuito. Há que estarmos orgu-
lhosos. Bravo a todos!
Uma última palavra para os nos-
sos parceiros, que se trate de
actores culturais, que se ins-
crevem no discurso público onde
buscamos inspiração, ou as ins-
tituições que, ainda, nos olham
cépticos ou os que fazem de
conta que não existimos, e com
os quais gostaríamos de traba-
lhar num esforço de promoção
e valorização do que é nosso e
belo! Saibam que estamos enga-
jados, no verdadeiro sentido for-
te do termo, em promover o tra-
balho dos nossos artistas e dos
artesãos daqui! Não temos nada
contra Beyonce, Cristiano Ro-
naldo ou manas Khardashians;
antes pelo contrário! É nice, mas
o nosso desafio é outro! E que
todos somos cultura!
Para terminar, sei que não de-
veria mencionar a palavra publi-
cidade; mas vou mencionar, sem
vergonha nem escrúpulos, que
temos necessidade de vocês
como vocês de nós. Digo-o tam-
bém para os leitores e leitoras
que apreciam o nosso trabalho.
As instituições públicas e priva-
das, as ONGs, as Embaixadas.
Há uma ligação entre nós, todos
e todas, que é necessário preser-
var, uma espécie de ecossistema
local, uma ligação social essen-
cial, que devemos acarinhar.
Pronto... o encontro está marca-
do! O primeiro Debate estará na
rua no dia 5 de Fevereiro. Daqui
até lá, não hesitem em nos es-
crever e em submeter as vossas
propostas e ideias. Terei um imen-
so prazer em vos ler. Deixo-vos o
meu correio electrónico pessoal:
zuchinnizuchinni@gmail.com
DEBATE CULTURAL: 1º NUMERO 5 DE FEVEREIRO DE 2016
LITERATURA
A palavra por si só em
“poemas sem véu” ....................................... 9
Estou na ante-câmara
da loucura ……………....................………. 18
MONUMENTO
Praça dos heróis: Estrela que
eterniza “nossos” Heróis ……..................…. 10
TEATRO
Em “a caminho da fortaleza” diz-se:
"feiticeiro é aquele que passa a
vida a perseguir os outros " ……………..…. 19
MÚSICA
De Xigubo a Cubaliwa:
pegadas de Craveirinha
no chão lírico de Azagaia …...…….. 20, 21, 22
CONTO
Ndinema e as festas
do Natal e ano novo .................................. 24
EXPOSIÇÃO
Inauguração da Exposição
Pancho Guedes ........................................... 4
TURISMO
Inhambane: Turismo numa
cidade de Êxodo .......................................... 5
Gurué: turismo em decadência
por “desleixo” .......................................... 6, 7
Ficha Técnica
Jornal Debate
Cowork 1, Paulo Samuel Kankomba nº 1063,
Maputo - Moçambique
• TÍTULO REGISTADO: sob o número 18/
Gabinfo-Dec/2005
• PROPRIEDADE: Zuchinni, Lda
• DIRECTOR Editorial: Maria Irene JJ Mucuiu
Colaboraram nesta edição
	 Alexandre Chaúque, Nelson Mucandze
Eduardo Quive, Álvaro Fausto Taruma,
Reinaldo Luís, Emílio Cossa
Colaboradores Permanentes
	 Albino Macuacua, Catarina Simão,
Eduardo Quive, Lucílio Manjate,
Nelson Lineu, Cláudio Frutuna
• FOTOS: Google.com, Reinaldo Luís,
www.alcanceeditores.co
• CorrespondenteS:
Alexandre Chaúque (Inhambane)
Jessemusse Cacinda (Nampula)
• REVISão: Mickson Zucula, Jojo Mei
• PAGINAÇÃO: Timóteo Mahotas
• PUBLICIDADE: Ema Ndzilo
• ATENDIMENTO NOS DIAS ÚTEIS:
	 Das 8h às 16h
• CEL: 843839510, 843119087
• ENDEREÇO ELECTRÓNICO:
	 info@debatemoz.com; zuchinnizuchinni@
gmail.com,
ik1989ib@gmail.com;
• SÍTIO INTERNET: http//www.debate.co.mz;
Debatemoz .com
• PERIODICIDADE: Semanal
• TIRAGEM: 3000 Exemplares
Impressão: LOWVELD MEDIA
SUMÁRIO EDIÇÃO Nº64
Sexta-Feira, 18 de dezembro 2015
Mais do que cultura...
É um movimento!
''NÓS POR CÁ, TODOS BEM'' ACV
“PENSAR NAS LITERATURAS
AFRICANAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA É UM
FENÓMENO
NOVO,
COMPARATIVAMENTE, A
OLHAR, POR EXEMPLO, PARA
AS LITERATURAS INGLESA,
FRANCESA OU ALEMÃ, QUE
TÊM UMA LONGA
TRADIÇÃO”
Nataniel Ngomane
Teve lugar dia 15 de De-
zembro de 2015, às 18h00,
na Mediateca do BCI – Es-
paço Joaquim Chissano,
em Maputo, a cerimónia de
abertura da Exposição de
Artes Plástica “10 PE-TE”
do artista moçambicano
Hlalala.
Por julgar o órgão por V.
Excia dirigido de extrema
importância, solicitamos a
divulgação e oportuna co-
bertura do evento.
Tem lugar esta quarta-fei-
ra, dia 18 de Novembro de
2015, às 18h00, na Me-
diateca do BCI – Espaço
Joaquim Chissano, em Ma-
puto, a cerimónia de aber-
tura da Exposição de Artes
Plástica “Caminhos” do jo-
vem artista moçambicano
Luís Simbine.
Por julgar o órgão por V.
Excia dirigido de extrema
importância, solicitamos a
divulgação e oportuna co-
bertura do evento.
Obrigado e cumprimentos.
Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015
4 Exposição
Foto: google.com
Conheca o Mestre: Pancho Guedes,
um arquitecto de aparições (1925-
2015).
Um arquitecto de muitos estilos, um
homem de muitas pátrias. Português
e sul-africano, modernista e surreal,
deixou mais de 400 obras em Mo-
çambique, que marcavam pela sua
exuberância
Dizia: "tudo depende do que se so-
nha". E porque este homem de olho
azul não tinha medo de sonhar, tor-
nou-se numa referência da arquitec-
tura portuguesa do século XX. Criou
casas com "olhos", prédios com
"dentes", chamou-lhes O Leão que
Ri ou A Mulher Habitável, fez escolas,
conventos, apartamentos, bancos,
igrejas, hotéis. É impossível ficar in-
diferente perante o seu trabalho, so-
bretudo, em Maputo: ou se sorri ou se
enrruga a testa. Pouco ali é comum,
as linhas são tortuosas, curvas, por
vezes, fora de escala, complexas. Ele
queria que os seus edifícios fossem
"esquisitos e teatrais", mas de "fácil
leitura". Porque "a arquitectura não
tem de ser chata, triste e cinzenta". A
dele nunca o foi. "Os meus edifícios,
em África, pareciam uma aparição",
reconheceu.
Pancho Guedes tinha 500 obras
construídas, frisa à SÁBADO o arqui-
tecto, amigo, Pedro Ressano Garcia.
Mas não foi por isso que reputadas
revistas especializadas internacio-
nais assinalaram a sua morte, no dia
7, aos 90 anos, na fazenda da filha,
na África do Sul, chamando-lhe "um
dos mais importantes da arquitectura
africana". A crítica aplaude-o: "mo-
dernista alternativo", "heterodoxo",
"desconcertante", "exuberante", "anti
-racional", "anarca" e "aventureiro". O
homem que ousou fundir a arquitec-
tura e as outras artes.
Também pintor, escultor e fotógrafo,
Pancho reclamava para a arquitectu-
ra a liberdade dos poetas e pintores.
"I claim for the architects the rights,
and liberties that painters and poets
have held for so long" tornou-se no
seu poema visual mais repetido. Para
este arquitecto português e sul-afri-
cano, os arquitectos eram "mágicos,
ilusionistas, negociantes em bens
mágicos, promessas, poções, encan-
tamentos", escreveu num dos seus
manifestos. E ele era o "Doutor Feiti-
ceiro", que usava com liberdade total
o que, viajante sem limites, bebia em
todo o mundo, da Índia ao Brasil, de
Itália a Moçambique.
Cada um de nós é muitos outros
Pedro Ressano Garcia, que deu au-
las com Pancho, fixa-o de forma mais
simples: "Uma pessoa muito especial,
um arquitecto raríssimo". Reunia um
"conhecimento prático incomum com
um universo teórico único e uma ima-
ginação inacreditável". Misturava Le
Corbusier, Gaudí ou Dalí com os ar-
tistas africanos (foi mentor do célebre
Pintor Malangatana) e a arte popular
local. "Interessava-lhe por ser primi-
tiva [a sua vasta colecção africana
esteve exposta em Lisboa em 2010],
porque no fundo procurava a essên-
cia da condição humana". Talvez, por
isso, gostasse de conversar com as
crianças: "Interessa-me o que pen-
sam. Estão muito perto da essência",
explicava a Pedro Ressano Garcia.
Cáustico, "não era de trato fácil, mas
tinha um humor, uma integridade e
uma generosidade impressionantes".
A frontalidade, "o não ser dado a fre-
tes ou jogos de cintura" fizeram dele
"uma figura incómoda no meio corpo-
rativo", diz Ressano Garcia. Só nos
últimos anos, Portugal reconheceu-o
quando já se afirmara figura mundial
há décadas. E, no entanto, era por-
tuguês.
Nasceu em Lisboa, a 13 de Maio de
1925 como Amâncio d’Alpoim Miran-
da Guedes, o segundo de dois filhos
de um médico e de uma açoriana de
ascendência espanhola. Depois, pas-
sou a Pancho: nome dado por uma
tia materna, que tinha dificuldade em
dizer os nomes dos dois sobrinhos,
ao outro baptizou-o de Pepe. E as-
sim ficou, embora às vezes assinas-
se Adam Guedes, Amâncio Guedes,
A.d'Alpoim Guedes, pois, argumenta-
va, "cada um de nós é muitos outros".
Aos 3 anos, partiu para África com a
família, o pai era médico: São Tomé
e Príncipe, Guiné, Moçambique. An-
dou na escola primária em Lourenço
Marques (Maputo), e no liceu, em
Joanesburgo, na África do Sul. Fez
arquitectura na Universidade de Wi-
twatersrand, onde conheceu Dori,
mulher para o resto da vida – "na
Universidade houve muitas namora-
das, até que uma disse a verdade e
casei com ela", contou ao Público – e
teve quatro filhos. Foi aí que estudou
com a arquitecta Heather Martiens-
sen, viúva do conhecido arquitecto
sul-africano Rex Martienssen, e co-
nheceu outros nomes relevantes da
arquitectura anglo-saxónica.
Veio a Portugal, em 1953, para obter
a equivalência do diploma e, assim,
poder assinar em Moçambique, onde
já construíra o edifício Dragão e tinha
o Prometheus em curso. Os seus
clientes eram, principalmente, ban-
cos, companhias estrangeiras e mis-
sões (para quem trabalhou, às vezes,
pro bono), não recebia muitas enco-
mendas do governo. Modernista, não
tinha um só estilo. Identificou 25, sen-
do o mais forte o Stiloguedes (com
"dentes" ou "picos" de betão, não
sabia de onde lhe tinha vindo a ima-
gem, "seria da Casa dos Bicos", de
quem sempre gostara?, interrogava-
se). O Leão que Ri (prédio residen-
cial com seis apartamentos feito para
a sua família, a partir de um desenho
do filho Pedro, de 7 anos) é o melhor
exemplar deste estilo. Pancho, que
tinha aqui o seu escritório, chamou-
lhe, anos mais tarde "a minha casa, o
meu túmulo".
Nos 23 anos que gastou em Moçam-
bique, fez 600 a 700 projectos e dei-
xou 400 construídos (também deixou
obra. um banco, em Tombua, Angola
e na África do Sul, casas). Destes,
destacam-se a padaria Saipal (duas
fotografias em baixo), de que gos-
tava muito, ou a igreja da Sagrada
Família, na Machava, arredores de
Maputo, que descreveu como "uma
casa com paredes enroladas virando-
se e revirando-se em cantos, fendas
e concavidades". Costumava dizer
que, na ex-colónia portuguesa, inven-
tara e construíra "edifícios suficientes
quitectura.
Em 1990, voltou, finalmente, a Portu-
gal, onde leccionou na Faculdade de
Arquitectura da Universidade de Lis-
boa e na Universidade Lusófona até
depois dos 80 anos. Continuava um
homem livre. Dizia frases como: "Não
há política, há arranjos"; "Se houve
Estado Novo, ele ainda vive"; "Não
como manga, que representa o so-
nho do império que não se cumpriu"
(Público); "Portugal e os arquitectos
portugueses estão obcecados com
coisas que sejam muito simples, com
uma ligeira monumentalidade e repe-
tição" (Jornal Arquitectos).
Somos todos coleccionadores de an-
tiguidades, dizia.
O Centro Cultural de Belém expôs a
sua obra em 2009, e Pancho, então,
com 84 anos, andava "hiperactivo,
caminhava para lá todos os dias, fazia
visitas guiadas, falava com as pessoas
que lá iam", diz Ressano Garcia. Aliás,
"ele não tinha idade", os "alunos não
se lembravam que ele era velho", tal
era a forma como abordava os as-
suntos. Já, depois dos 80, aprendera
a trabalhar no computador e usava
telemóvel, mas sem perder o seu
tempo de silêncio. Sempre activo em
conferências e exposições, só há
dois anos, já com válvulas no cora-
ção, deixou de viajar.
Em 2011, regressara à África do Sul.
Para "ver os netos", para "viver". A
mulher morrera em 2006 e a solidão
invadira a A Casa dos Olhos que fize-
ra em Eugaria, Sintra. Sentira-se bem
naquela casa cheia de arte africana e
recordações: "Somos todos coleccio-
nadores de antiguidades. Não pode-
mos sobreviver sem o passado". Gos-
tara de viver ali: "Refaço a vida que
tinha em África, rodeado de romenos
e americanos, expatriados". Só que
perdera a magia: "Sem a Dori não fun-
ciona", lamentou ao Público em 2011.
E "estar sozinho não é grande coisa".
para uma cidade de dimensões con-
sideráveis, caótica e feita de cama-
das de memórias, de uma obsessiva
irregularidade".
Sempre, longe da política, perseguido
pela PIDE – "A liberdade era o seu va-
lor mais elevado", frisa Ressano Gar-
cia– também não ficou confortável com
a descolonização e voltou a Witwater-
srand onde fundou e dirigiu o departa-
mento de arquitectura. Uma escolha
que levou o famoso arquitecto holan-
dês, Aldo Van Eyck, a provocar os sul
-africanos: "Vocês não o merecem! Ele
devia era estar na Europa".
O seu prestígio intensificou-se. Arqui-
tectos do Team Ten (movimento que
nasceu em meados dos anos 50 e
preconizava novas abordagens para
o planeamento urbano), de que era
próximo, foram a Moçambique ver a
sua obra. Deu aulas nos cinco con-
tinentes, em países como Estados
Unidos ou Israel, esteve nas Bienais
de Veneza e S. Paulo, expôs em vá-
rias cidades (Basileia, por exemplo),
aparecia nas grandes revistas de ar-
Debate Online - www.debate.co.mz
5TURISMO
TURISMO NUMA CIDADE DE ÊXODO
Aproximam-se as festas, e tudo isto
vai mudar. A pacatez será substituí-
da, com certeza, pelo ram-ram in-
tenso de todos os fins do ano. Aliás,
esse prognóstico é quase uma cer-
teza porque os locais de alojamento,
na sua maioria, estão reservados.
Comecemos por aqueles que vão
alugar as suas moradias; e o re-
sultado que temos é que as casas
estão reservadas para hospedagem
durante todo o mês de Dezembro e
uma parte de Janeiro.
Badrú Suamado é um dos proprie-
tários que já esfrega as mãos de
contente. As principais estâncias
da cidade, também, idem em aspas.
Segundo os responsáveis dos ho-
téis “Capitão” e “Inhambane”, pra-
ticamente, já não há quartos livres
para a quadra festiva. O mesmo vai
acontecer nas praias do Tofo, Jan-
gamo e Baía dos Cocos, para onde
parece ir desaguar todo o turbilhão
do turismo do fim do ano.
A Direcção Provincial do Turismo, em
Inhambane, acredita que, por estas
alturas, o cenário muda de alguma for-
ma, já que, ao longo do ano, o turismo,
nesta zona, parece adormecer; e essa
modorra pode ser aferida pelo pouco
movimento nas praias, que serão das
mais lindas do mundo.
Por exemplo, “Tofo” faz parte das vin-
te e cinco praias mais lindas do globo;
e, mesmo assim, passa quase todo o
tempo “sem ninguém”, e a explicação,
de acordo com os dados disponíveis,
pode ser encontrada numa gama de
oferta diversificada que inclui o turismo
de interior, que se pratica nos países
vizinhos.
A praia de Jangamo, a cerca de qua-
renta quilómetros da cidade de Inham-
bane, será um dos lugares de eleição,
por tudo aquilo que ela representa em
termos de beleza, indiscutivelmente ar-
rebatadora.
Os operadores turísticos daquela zona,
porém, temem que o fluxo de turistas
para ali possa ser afectado, negativa-
mente, pela triste recente notícia de
ocorrência de tubarões. Mas o gerente
do principal lodje local desdramatiza:
“aquilo que vocês viram na televisão
não tem nada a ver com a nossa praia.
Os pescadores ilegais, que caçam tu-
barões, fazem-no a longas distâncias
daqui; o que acontece é que trazem
as peças para as comerciazar às pes-
soas. Esse acto não tem nada a ver
connosco e nem com esta praia. Por
isso quero sossegar aos turistas que
podem vir desfrutar desta dádiva”.
Outro lugar, que se destaca pela sua
localização e pelos seus relevos, é a
praia da Barra, constantemente fusti-
gada por incêndios nas estâncias, que,
até agora, não encontraram uma expli-
cação clara.
Há menos de três meses, o “Flamingo
Bay”, ponto incontornável, especta-
cular pela sua rusticidade artística, foi
cimpletamente avassalado pelo fogo
que se pensa ter sido provocado por
um curto-circuito.
E não é a primeira vez que isso acon-
tece no mesmo lugar, criando enormes
prejuízos. Todavia, não serão esses
precalços que irão demover os opera-
dores, que persistem em repôr as coi-
sas e continuar. E o facto de não se ir a
tempo de repôr a infraestrutura – única
pelas suas características – pode con-
dicionar a demanda pela “Barra”.
Mas, aqui, não é o único destino tu-
rístico, obviamente! Em Vilankulo, por
exemplo, pelas informações disponí-
veis, tudo está a postos para receber
quem queira visitar um dos lugares
mais apetecidos do país. Os responsá-
veis do Hotel Massunguine já vieram
a terreiro dizer que estão por demais
organizados para corresponder às ex-
pectativas.
Parafraseando a gerente, “temos quar-
tos confortáveis, boa comida diversifi-
cada, bebidas para todos os gostos e,
sobretudo, a hospitalidade e sossego
que o nosso hotel oferece”. É isso:
esses são, apenas, alguns pontos de
refência de um destino que será um
grande manancial, um maná, se qui-
sermos.
É um maná que inclui a praia de Guin-
jata, alistada nos lugares cimeiros das
praias mais lindas do mundo. A nossa
reportagem esteve lá recentemente, e
o que constatou é que, paradoxalmen-
te, o vazio tomou conta de tudo.
Nos finais do ano passado, terá havido
um desentendimento entre os trabalha-
dores locais e os operadores turísticos
sul-africanos e, ainda, as populações
dalí, num processo que chamou a in-
terevenção das estrutruras administra-
tivas. E o que se sabe, até hoje, é que
o diferendo não ficou resolvido, e hoje
Guinjata parece um lugar desolado.
ÊXODO
Na cidade de Inhambane, a sensação
de êxodo continua, mesmo assim. A
cidade é a mesma. Conserva o rítmo
de sempre. Aqui, ninguém tem pressa.
Mesmo querendo, esbarra-se com o
mar. Com a beleza da baía. E diante
do belo, não se apressa.
Neste lugar, o crepúsculo do amanhe-
cer é igual ao crepúsculo do entar-
decer. Não há diferença. As pessoas
mantêm a mesma cadência tanto ao
amanhecer quanto ao pôr do sol. Foi
sempre assim. E será sempre assim.
Quando o sol vai dormir, a cidade vai
dormir também. As ruas desertificam-
se. Os bares clássicos, que já não
existem, esvaziam-se. Isto é pior que o
tédio. Ultrapassa a modorra. Aos fins-
de-semana, desenha-se um filme de
ficção, que faz desta urbe o deserto de
Sahara.
Não se ouve nenhum som em nenhum
dos cantos desta dádiva. Parece uma
cidade abandonada, onde, perante o
decreto de Estado de Sítio, todos re-
colheram cedo para os seus casulos,
ou fugiram para o fim do mundo. Mas o
mais interessante é que, no dia seguin-
te, voltam desse fim do mundo para
calcorrear as ruas. Sem se preocupa-
rem com nada. Sem olharem para trás.
Não é preciso olhar para trás; aqui, nin-
guém faz mal a ninguém. Deus, quan-
do quer descansar, vem para aqui. Até
o diabo. Na verdade, neste recanto,
ninguém se acotovela. Nem na belíssi-
ma ponte desenhada em forma de “T”
quando os passageiros são vomitados
como baratas assustadas, dos barcos
que vão e vêm, beijando as duas mar-
gens. De um lado, Inhambane; do ou-
tro, Maxixe.
A cidade quer modificar-se na sua es-
trutura original, mas não pode. Ela foi
feita assim. E vai ficar sempre assim.
Por todo o sempre. Embora alguns
tentem feri-la no seu orgulho. Já a feri-
ram com a estupidez da construção do
Hotel Capitão, que nos retirou um bem
precioso e comum, que é a contempla-
ção da baía na sua plenitude.
Agora, querem matar-nos outro pulmão,
ali ao lado das instalações do Grupo
Desportivo de Inhambane. Já puseram
chapas metálicas a indicar futuras insta-
ções de qualquer coisa. O dinheiro, por
vezes, faz perder o sentido do belo. Os
políticos também pensam que podem fa-
zer tudo ao seu bel-prazer, mesmo que
para isso tenham de desobedecer as
paisagens naturais.
E a ganância, e a casmurrice, e a tos-
quice da mente e a brutalidade levam
as coisas para esse sentido. Parecem
estar a levar Inhambane para o es-
boroamento urbanístico entanto que
cidade-museu e, amanhã, a memória
poderá ter-se esvaído.
Agora, são os bairros periféricos deste
lugar, que chamo “a cidade mais sos-
segada do mundo”, que me doem. As
ruas não obedecem um plano de urba-
nização organizado. Elas aparecem ao
gosto do novo morador. Querem que
as coisas aconteçam, hoje, sem so-
lidez, sem perespectiva do futuro. O
amanhã não será com eles.
Que se lixem os filhos que, hoje, nas-
cem dos seus próprios ventres. E, pe-
rante esta situação, não dá para rir.
Não dá para rir quando, nesses bair-
ros, não temos um jardim público orga-
nizado, espaçoso, amplo, a pensar-se
no crescimento demográfico. Que não
pára de galopar. No prolongamento da
baía de Inhambane, em direcção ao
sul, cada um constrói onde quer. Não
há ordem; e parece que ninguém está
interessado em impor essa ordem.
Hoje, ainda, é uma alegria viver nesses
bairros que nascem, Malembwane,
Guitambatuno, Chamane, Nhaguiviga,
Muelé, Tsivanene, etc. É retumbante
viver neste ambiente meio rural, meio
urbano. Mas, amanhã, vai surgir o
caos. Certamente, quando chegar a
hora das correcções – que podem ser
evitadas agora – as ruas irão apontar
para algumas ou muitas casas. A bru-
talidade da ocupação dos espaços
não irá deixar espaços para lazer. Terá
sido afundado o belo. O que será uma
grande pena, numa cidade feita para
ser eternamente turística!
Foto: google.com
Colaborador
Alexandre Chaúque
Crepúsculo
Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015
6 TURISMO
GURUÉ: TURISMO EM DECADÊNCIA
POR “DESLEIXO”
Portador de uma riqueza históri-
ca e ímpares atractivos turísticos,
Gurué acentua uma decadência
turística e cultural questionáveis.
Para as autoridades locais, apa-
rentemente optimistas, tudo está
num bom ritmo, embora os dados
provem o contrário.
“Depois da destruição registada
no conflito armado, hoje, o cená-
rio é outro, e grandes investimen-
tos sócio-económico e cultural
estão a marcar a presença”, pala-
vras do Director das Actividades
Económicas, Vilinho Abeque, em
declarações à nossa reportagem.
Para um cidadão comum, que está
em Gurué desde os tempos de Vila
Junqueiro, tais declarações podem
não fazer sentido: a guerra não jus-
tifica a declinação do legado natural
e histórico, que o distrito detém, por-
que, num passado muito recente, “a
cidade mantinha a sua referência”;
aliás, apenas, comparado com os
dados do ano passado, o turismo,
naquela cidade, decresceu14%.
Graças à sua riqueza histórica e na-
tural, nos últimos três anos, o distri-
to de Gurué, a 348 quilómetros da
cidade de Quelimane, Zambézia, foi
espaço para a gravação de dois fil-
mes (NAMULI, de Majka Burhardt, a
ser lançado em Janeiro de 2016, e
Tabu de Miguel Gomes, lançado em
Portugal em 2012).
Os esforços de documentar aquelas
imagens visam chamar a atenção
nacional e internacional para o facto
de existirem espécies raras e amea-
çadas e propor um plano de sustenta-
bilidade multifacetada de longo prazo
para a região, mas esse esforço não
tem atraído a correspondência das
autoridades governamentais locais.
Nem, ao menos, pôr um status oficial
de conservação no Monte Namúli, a
segunda maior montanha do país,
que está a 30Km da cidade de Gurué,
servindo, actualmente, como fonte de
rendimento da família da rainha do
monte Namúli, quem realiza cerimó-
nias tradicionais, chegando a cobrar
aos turísticas dois mil meticais (valor
não fixado), invocando, para tal, expli-
cações supersticiosas.
Não são, apenas, alpinistas ou cineas-
tas que visitam o local. Namúli não está
perdido aos olhares dos investigadores
e estudantes nacionais e internacionais,
que o escalam, o que mostra tratar-se
de um local de aquisição e consolida-
ção de conhecimentos.
Com 2.419 metros, a montanha é
uma referência em África, e por que
não dizer no mundo. Ali, existe uma
espécie única de passarinhos (Na-
múli Aplis), que não existe em ne-
nhuma parte do mundo, embora há
quem diga que, depois da pesquisa
em Gurué, a mesma espécie foi en-
contrada em Mabu.
“Não existe um preço definido para
escalar a montanha, às vezes, pede
duzentos meticais, 500, até dois mil
meticais”, afirma Peter Pichcer, aus-
tríaco, dono da Pensão Gurué, que
está a desenvolver algumas activi-
dades com vista a atrair turísticas.
Foi naquele hotel onde alojou Majka
Burhardt com a sua equipe aquando
da gravação do filme.
Visão de turismo ainda não existe
Peter Pichcer acredita que a forma
como as autoridades governamen-
tais geram o turismo em Gurué é
como se ela não existisse; “seria
necessário um diálogo sério, mais
aberto e um compromisso de as
autoridades honrarem as suas pro-
messas para dar a Gurué o devido
reconhecimento natural e histórico.
Ideias, o Governo tem, há projectos
bons, mas falta o compromisso de
pôr isso em prática”, disse.
Limpa, calma, pequena (5606 km²),
Gurué peca, apenas, por desvalori-
zar o que a distingue das outras ci-
dades. A Casa dos Noivos, a Casa
de Cultura (antigo clube dos empre-
sários), o Cine Gurué, bem na praça
da cidade, são algumas referências
em decadência, patrimónios pultu-
rais ricas em histórias, que teste-
munham que, de facto, o distrito de
Gurué já foi, no passado muito re-
cente, “a Suíça de África”, quando
havia o devido cuidado, o que dava
à aquela cidade uma outra imagem
e atraía receitas que, hoje, se estão
perdendo a 100%. Por exemplo, no
bairro de cimento, todas as casas ti-
nham um jardim e havia um prémio
para a casa com melhor jardim.
A Casa dos Noivos, bem na cadeia
do Monte Namúli, numa vista que
ninguém quer perder, está totalmen-
te degradada. É nesse local onde os
que contraíam matrimónio, vindos
de Maputo, outras províncias ou
outros países, podiam passar lua-
de-mel e tinham todas as condições
de alta qualidade para firmar a sua
fidelidade; e, hoje, clama por uma
urgente reabilitação.
Ramiro Carvalho, ex-piloto de Samo-
ra Machel, pediu às autoridades locais
que reabilitassem o local e devolves-
sem a imagem perdida; “não aceita-
ram, e nem cuidam, assim fazem com
todos outros lugares turísticos”, diz
Marcos, que vive naquele distrito des-
de os tempos em que o distrito era o
maior produtor de chá.
Há três anos, a casa dos noivos
Foto: google.com
Colaborador
Nelson Mucandze
Debate Online - www.debate.co.mz
7TURISMO
foi usado para a gravação do filme
“Tabu”, lançado e premiado em Por-
tugal; para tal, foi necessário reno-
var a pintura externa, apenas, para
enganar o telespectador.
Até então, não há qualquer pers-
pectiva de devolver à Casa dos Noi-
vos o devido cuidado. E, na falta de
preocupação em conservar não só
os bens como a própria infra-estru-
tura, a Casa foi alvo de vandaliza-
ção perante um olhar complacente
das autoridades locais.
O Cine Gurué, ao lado da pensão
Monte Verde, em frente à Praça
Aquário, onde, nos últimos anos,
passavam, aos fins-de-semana, fil-
mes pouco recentes, actualmente,
sofre a falta de cuidados; e transfor-
mou-se numa boutique.
A respeito disso, sem entrar em
detalhes, Vilinho Abeque disse que
aquele espaço foi entregue ao sec-
tor privado para a sua gestão. Mas
“para mais detalhes sobre isso, se-
ria necessário entrar em contacto
com a direcção competente (direc-
ção de cultura e turismo) ”, disse.
Por um lado, a Casa Presidencial,
onde Samora Machel ficava quando
chegava a Gurué, continua em con-
dições ajeitáveis, mas o seu acesso
está a quem de desejar. O mesmo
sucede com a Casa da Cultura,
embora funcione para casamentos,
Shows locais, clama por uma reno-
vação, ainda que de pintura.
Essas infra-estruturas, elevadas ao
Património Cultural, em abandono,
conjugando com atractivos naturais
de Gurué, vislumbram que não é por
acaso que aquela cidade está para
ser proposta para o Património da
Humanidade.
Isso revela a sua dimensão histórica
e a sua riqueza natural, mas que, no
entanto, pelo “desleixo” da gestão das
autoridades distritais, “não é possível
submeter Gurué a UNESCO, porque
nem como Património Cultural serve”,
afirma Marcos.
Com licença de hotel isento de
impostos
O hotel dos padres ilustra a negli-
gência que as autoridades locais
têm na gestão do sector turístico ao
nível daquele distrito. Esta institui-
ção, que sobrevive de doações, em-
bora venda os seus serviços hotelei-
ros, tem licença do hotel, mas está
isento de impostos como tal. Pro-
vocando uma concorrência desleal
com outras pensões e hotéis, que
se vão alastrando pela cidade, cum-
prindo os seus deveres hoteleiros,
na expectativa de que as melhorias
chegaram, porque a procura existe.
Manuel Oliveira, homem cujo seu
percurso de vida gira em torno des-
te distrito, cheio de ricas memórias,
bons e maus, acredita que as polí-
ticas administrativas provocaram
certos atrasos no distrito: “há coisas
que, até então, não ultrapassámos,
mas já deveríamos ter ultrapassado;
e tudo o que hoje foi abaixo foi por
falta de uma visão e civismo”.
Como réplica à nossa questão sobre
as mudanças, Oliveira respondeu
que, com as políticas actuais, não é
possível aquele distrito voltar a ter a
sua própria independência económi-
ca e cultural. “Não, é difícil por cau-
Foto: google.com
Foto: google.com
sa da forma como está estruturada.
Visitas turísticas decrescem
Na tentativa de entrevistar o gover-
no distrital, após enviar as perguntas
por correio electrónico (por orienta-
ção da Secretaria Permanente do
Distrito), fomos recebidos pelo Di-
rector das Actividades Económicas,
Vilinho Abeque, quem explicou à
nossa reportagem que o distrito, em
todas as vertentes culturais e econó-
micas, está num bom caminho, “por-
que, depois da destruição registada
no conflito armado, hoje, o cenário
é outro; e grandes investimentos só-
cio-económicos e culturais já estão
a marcar a sua presença no distrito”.
Os dados do governo distrital in-
dicam que, de um plano de rece-
ber 5.832 turistas, foram recebidos
4.298, dos quais 3.828 nacionais
e 470 estrangeiros, traduzindo-se
numa realização de 74%.
Comparativamente ao igual período
do ano passado, em que o distrito
recebeu 4.981, regista-se um de-
créscimo de 14%, o que se deve às
vias de acessos, que se encontra-
vam condicionadas ao início do ano.
Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015
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9LITERATURA
A PALAVRA POR SI SÓ EM “POEMAS SEM VÉU”
A poesia é, sempre, um exercício
de auto-superação. Um acto de
extravasamento da alma de um
sujeito oculto, que se pode trans-
formar num conhecido. Pode ha-
ver, na poesia, o simples devaneio,
ou então, a própria poesia; se o
olhar for lançado, objectivamente,
à poesia. Certamente, os “Poemas
Sem Véu” de Lica Sebastião en-
contram-se nesse percurso.
Uma poesia que fala, gesticula,
move-se – talvez incompletamen-
te – audaz na sua forma e estilo.
Tudo que for a dizer sobre a poesia
de Lica Sebastião será incompleto
se não lembrar que ela é também
artista plástica. Esse é um ponto
de partida para compreender essa
poesia onde os sujeitos poéticos,
sem esboço, se expressam natu-
ralmente, colocando a alma e o
corpo em constante comunicação.
Lica Sebastião associou o seu ca-
samento com a arte visual para
vestir o véu da escrita. Uma aven-
tura em que se saiu bem, ao tecer
“umas palavras” com o empenho
que a poesia requer até chegar ao
estado que se almeja: o estado de
ser arte, corpo e alma.
Pode, de tanto que há por dizer,
afirmar-se que a Poesia Sem Véu
é a palavra que faz o retrato enig-
mático da alma, transformando
o diálogo, quase sôfrego com os
seus sujeitos, em verdadeiras insi-
nuações. Mas a autora terá toma-
do a dianteira a partir do poema
“Tanto por dizer...” convicta das di-
ficuldades de dizer “tanto” através
da poesia: “Querido,/quando me
refiro a ti/socorro-me de aspas,/
reticências, apóstrofes./Fica tanto
por dizer…” (p. 46)
No poema “Quem me dera”, quan-
do a poetisa desafia o seu desejo
de “pintar sorrisos francos, verda-
deiros/ como folhas.../ e gestos
espontâneos” (p.47), fica evidente
que, no auge da imaginação, os
“Poemas Sem Véu” anunciam a
desvinculação da alma do corpo
– se a essência for o que importa.
Mas, se o olhar for lançado ao véu
como esse tecido de fingimento ou
embelezamento, há que descobrir
o casamento desse corpo com o
meio, porque a imagem é aliada
aos cenários e o corpo, ao bem
-estar do espírito.
Aí se explica, igualmente, o motivo
da preocupação com a temática
existencial sobre os nossos dias e
os que ainda estão por vir, como
revela no “Último verso”: “Homo
sapiens, o que vais fazer quando a
catástrofe chegar ao teu planeta?”
(p.58), ao direcionar o discurso
para o presente do indicativo (ex-
cluindo-se).
O sarcasmo com que se relacio-
nam algumas temáticas – mesmo
quando se trata de recordações
capazes de congelar os ânimos
como no poema “Sequelas de
Acidade”, o sujeito que fala de um
episódio catastrófico – é capaz
de abrir espaço para a criação de
afectos ao dizer que “Descobri que
era amada e que amigo não é uma
abstração (…) / Sobrevivi de olhos
abertos”, (p.14).
Esse poema, no concreto, sabe
criar o retrato melancólico das pa-
ragens da vida para abrir espaço
à reflexão, se calhar, um exercício
de inventar um chão novo sob os
pés.
A poesia de Lica Sebastião é feita
de comunicações, outrossim, de-
monstra a necessidade de afectos
que a autora transporta a partir de
um vazio que é feito no âmago dos
seus sujeitos, que, entretanto, co-
nhecem a necessidade de o corpo
servir o espírito.
Pode, ainda, encarar-se os desa-
fios, a que se propõe essa poesia,
num exercício de exploração dos
efeitos da língua e da linguagem.
Porque um corpo imóvel não tem
poesia, é asfixiado às memórias
perdidas; e não tem uma lingua-
gem.
Os efeitos de uma obra como
“Poemas Sem Véu”, quando a lei-
tura se deixa transcender, podem
ser “tantos” como a própria poesia
chegou a dizer.
Foto: www.alcanceeditores.co
Colaborador
Eduardo Quive
Isto é, portanto
Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015
10 MONUMENTOS
PRAÇA DOS HERÓIS: ESTRELA QUE ETERNIZA “NOSSOS” HERÓIS
A Praça dos Heróis, monumento em
forma de estrela, erguido em me-
mória dos heróis da revolução, que
combateram por um Moçambique in-
dependente, comparada com outras
praças espalhadas pelo país, tem
uma dimensão histórico-cultural que
transcende o seu propósito.
Em Moçambique, os monumentos,
como temos ilustrado nas edições
anteriores, estão espalhados um
pouco por todos os lados, tanto nas
cidades como nas vilas. No entanto,
quando se fala das datas comemora-
tivas, a Praça dos Heróis, que está no
entroncamento entre as Av. Acordos
de Lusaka e FPLM, é a mãe de todas,
por ser a única frequentemente visita-
da por diversas pessoas e entidades
de todos níveis, o que enriquece a
sua dimensão.
Inaugurada no dia 3 de Fevereiro de
1977, 65 dias depois do início da sua
construção, em Novembro de 1976,
por perto de 50 trabalhadores de três
empresas moçambicanas, a Praça dos
Heróis tem uma área total de 84 metros
quadrados. O diâmetro geral da estrela
é de 24 metros, com uma altura de 6
metros acima do nível do terreno e de
dois abaixo do mesmo nível.
Usou-se o betão, mármore branco e
ferro para a sua construção. A es-
trela, agarrada ao solo, cobrindo a
cripta, simbolicamente, representa o
socialismo, ideologia política do país
na altura. O mármore branco dá-lhe
mais visibilidade, tanto de dia assim
como de noite. “Era importante que
o monumento fosse visível a qual-
quer altura do dia”, refere o arquitecto
José Forjaz.
Estava previsto o plantio de árvores
ao redor da Praça dos Heróis, sim-
bolizando uma coroa; ideia que, até
então, não se materializou.
No dia 3 de Fevereiro de 1979, foram
transladados os primeiros restos mor-
tais dos moçambicanos cujos corpos
jazem na cripta.
No entanto, o seu historial inicia em
1976, em Fevereiro, num comício po-
pular largamente concorrido, quando
o Presidente Samora Machel anun-
ciou a nacionalização de todos os
prédios de rendimento.
Diga-se que, de acordo com o princípio
invocado, e à luz do processo de acesso
às reais conquistas do povo moçambi-
cano, todos os prédios de rendimento,
incluindo as palhotas de caniço suburba-
nas, passavam para as mãos do Estado,
sendo este quem deveria administrar o
parque imobiliário. No quadro desta deci-
são governamental, foi necessário esta-
belecer parâmetros e mecanismos para
a sua implementação.
A dimensão da Praça retirou a força
ao Ministério da Agricultura e Segu-
rança Alimentar; ora, em reabilitação,
o hospital de Mavalane, a Escola Se-
cundária do Noroeste, com uma cele-
bridade que vinha dos áureos tempos
do colonialismo, a Urbanização, o
mercado Delina e muitos outros pon-
tos de que se falava para orientação
das pessoas, ficou a praça como re-
ferência para localizar estes lugares.
Bem ao lado está o mercado Delina,
onde se compra e se vende tudo,
desde o açúcar aos mais sofistica-
dos materiais de construção, passan-
do por telemóveis, computadores e,
como não poderia deixar de ser, moe-
das externas mais correntes nesta
zona da África Austral.
Em 2013, foi reabilitada, mas a sua
estrutura não sofreu alterações, e a
sua imagem mudou radicalmente a
cidade de Maputo. Esta foi a segunda
inauguração depois de ser reabilitada
em 2009, quando foram construídas
rampas ao longo dos passeios que dão
acesso ao monumento para facilitar a
entrada dos portadores de deficiência.
Com a nova visão, as noites da Praça
dos Heróis são belas, exactamente, por
causa deste movimento das barracas e
da musicalidade do ambiente ilumina-
do àquele modo único. Glória vai para
a ideia edificante deste monumento,
que eleva os heróis nacionais para a
verdadeira dimensão das estrelas.
Praça deve ser um espaço para to-
dos
Na visão do historiador Egídio Vaz,
a Praça dos Heróis Nacionais é o lo-
cal onde se celebram as efemérides
mais importantes do país. É o ponto
mais importante e mais alto de todas
as cerimónias oficiais de carácter his-
tórico-cultural do país.
No entanto, nos 40 anos da indepen-
dência, o historiador sublinha que
não concorda com o tratamento que
a praça dos heróis está a ter por parte
do Estado. “A Praça dos Heróis não
deve, necessariamente, ser um ce-
mitério, para começar!.. A Praça dos
Heróis deve ser um monumento er-
guido em reconhecimento dos heróis
de uma determinada nação em torno
do qual deve conter todos os elemen-
tos materiais ou não, que documentam
a história, a importância e o legado de
quem se homenageia.
A melhor forma de honrar os nossos
heróis é não os pôr ou os depositar
dentro da cidade ou dentro das nos-
sas casas. É colocando-os num es-
paço destacado onde podem descan-
sar em paz eternamente; isso, sim, é
respeito”.
Egidio Vaz defende que uma Praça
dos Heróis seria, também, um local
onde fosse possível adquirir réplicas
de objectos históricos ou insígnias
dos que ora se homenageiam, como
bandeirolas, cachecóis, bonés, ca-
misetas, livros, agendas, garrafas,
casacos, medalhas, postais, etc., de
pessoas honradas de uma nação ou
do seu legado.
“Ou seja, em vez de ser um cemitério,
evitado e vigiado 24 sobre 24 horas,
uma Praça dos Heróis devia ser um
ponto de atracção turística, onde, a
cada dia 3 de Fevereiro ou data his-
tórica, pudéssemos levar os nossos
filhos para a visitar e revisitar a histó-
ria de um povo – a nossa história de
Moçambique”.
A sua opinião é de que se deve en-
contrar um espaço, no Município de
Maputo e da Matola, ou em qualquer
outro ponto do país, um espaço bom,
acessível e nobre para criar um ce-
mitério de dirigentes, se assim quise-
rem, para onde todos eles deverão
encontrar a última moradia.
Mas, antes, Vaz propõe a necessidade
de se investigar, documentar e divulgar
a história dos actores e fautores da His-
tória de Moçambique o mais profundo
e amplamente possível para que não
seja surpresa quando o próximo morrer
e lhe for atribuído um título honorífico e
“uma meia página de louvores em rela-
ção aos seus feitos”.
Foto: www.google.com
Colaborador
Nelson Mucandze
Debate Online - www.debate.co.mz
11COMUNICADO
PUBLICIDADE
ERRATA
O Jornal Debate vem por este meio comunicar ao público que houve erros na edição 63/12-13/20, 11 de Dezembro de 2015, referentes à
autoria e assinatura de textos tais como:
1. Entrevista: Nelsa Guambe; é de José Pinto de Sá e não de Américo Pacule.
2 Entrevista: Fátima Langa; décimo parágrafo da página 20, a escritora que ofereceu livros à biblioteca foi Fátima Langa e não Madu costa.
Pelo sucedido, as nossas sinceras desculpas!
Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015
12 LITERATURA
Doutor Nataniel Ngomane é uma persona-
lidade, rigorosamente, única e, por isso, di-
fícil de apresentar. Certamente, já exerceu
várias funções. Actualmente, é Professor
na Universidade Eduardo Mondlane, e ac-
tual Director do Fundo Bibliográfico de Lín-
guaPortuguesa. É,precisamente, Profes-
sor de Literatura Comparada e Introdução
aos Estudos Literários I e II.
Licenciado em Linguística pela Universi-
dade Eduardo Mondlane, cuja disserta-
ção de defesa foi sobre o romance Terra
sonâmbula, de Mia couto; é doutorado em
Estudos Comparados de Literatura pela
Universidade de São Paulo - USP, com a
tese “A escrita de Mia Couto e Ungulani
baka Khosa e a Estética do Realismo Ma-
ravilhoso (2004).
ORealismoMaravilhosoéumgéneronas-
cido na América Latina. Talvez, por isso,
a sua tese de doutoramento confronte as
obras desses autores moçambicanos com
as do brasileiro João Guimarães Rosa e
do cubanoAlejo Carpentier.
Nessetrabalho,Ngomanechegaàconclu-
são de que a escrita dos dois autores mo-
çambicanos pertence a um género que,
tendo nascido na América Latina, pode
aparecer em qualquer país que tenha sido
colonizado e que tenha tido um contacto,
um confronto de culturas.
Colabora, como Professor Visitante, com a
Universidade de São Paulo - USP, Brasil,
com a Universidade do Minho, de Coim-
bra, Braga e de Trás-os-Montes, em Por-
tugal, com a Universidade de Bayreuth, na
Alemanha,ecomadeNottingham,noRei-
noUnido,HelsinquianaFinlândiae,agora,
com a Universidade Agostinho Neto, atra-
vés do Instituto104 Superior de Ciências
da Educação – ISCED, de Luanda.
Aqui, orienta seminários de Mestrado na
área de Estudos Comparados, sinalizando
uma nova parceria, agradável e necessá-
ria, dado o facto de os nossos países fala-
rem a língua portuguesa e terem desafios
comunsparaaconstruçãodasrespectivas
nações.
É membro do conselho científico do
ISARC.
P - Como é que estão a correr os cur-
sos de pós-graduação, na Universida-
de Eduardo Mondlane - UEM, no que
diz respeito ao ensino das literaturas,
professor?
Ngomane - No que diz respeito à litera-
tura, ainda não têm, propriamente, um
programa de pós-graduação. Temos uma
Faculdade de Letras e Ciências Sociais,
que congrega, entre os cursos, os de Le-
tras. Na altura em que foram produzidos
os mestrados em Linguística, ainda não
tínhamos um corpo docente qualificado
para abrir um curso de pós-graduação em
Literatura.
Neste momento, já estamos, mais ou me-
nos, preparados; ou seja, temos um corpo
docente qualificado, e estamos a trabalhar
no sentido de produzirmos um programa
de mestrado que culmine em estudos de
doutoramento em literatura. Mas já temos
mestrados e doutoramentos em linguística
e em outras áreas, na UEM.
P -Sei que está cá para orientar alguns
seminários de mestrado aqui no IS-
CED. Gostava de ouvir de si como é
que estão a correr e como é que surge
esta parceria?
NN - Bom, esta parceria é do tipo que
acontece no meio universitário. Não sei
quem deu o meu nome ao ISCED; a ver-
dade é que um dia recebi um e-mail de
uma professora que esteve aqui no IS-
CED, a Doutora Luísa Coelho, convidan-
do-me para orientar estes seminários na
área da Didáctica de Línguas - para um
curso de mestrado em literatura e língua
portuguesa.
Respondi que não entendia nada de di-
dácticas e que a minha área era a Literatu-
raComparada.AProfessoraCoelhodisse-
me que não havia nenhum problema, que
sepodiamudaroprogramaparaLiteratura
Comparada, que seria bem-vinda. Como
a professora Coelho terminou o contrato
dela em Luanda, passei a dialogar com o
Professor Vitorino Reis, que, por sua vez,
me convidou para orientar um seminário
de Literatura Comparada para este curso
de mestrado.
É nesse âmbito que aqui estou; e tem sido
uma experiência bastante rica: Moçambi-
que e Angola têm a mesma idade como
nações, e têm os mesmos desafios, inclu-
sive, na área da Educação e formação de
quadros. Logo, não é muito complicado,
para quem dá aulas na Eduardo Mondla-
ne, dar aulas aqui no ISCED; ou seja, não
há diferenças significativas entre dar aulas
aos estudantes angolanos ou moçambica-
nos:osgrandesproblemassãofundamen-
talmente os mesmos.
Seguimos, mais ou menos, o mesmo per-
curso. Refiro-me, particularmente, à prosa,
área em que mais trabalho: o início do ro-
mance angolano nos finais do século XIX,
o moçambicano na primeira metade de
XX... Existem certas proximidades, o que
facilita o processo. A língua é a mesma,
parte substancial das nossas culturas é
bastante próxima.
É só olharmos para a nossa comum ma-
triz bantu e, mesmo olhando para a matriz
portuguesa, sentimos que há uma grande
“PENSAR NAS LITERATURAS
AFRICANAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA É UM FENÓMENO
NOVO, COMPARATIVAMENTE, A
OLHAR, POR EXEMPLO, PARA
AS LITERATURAS INGLESA,
FRANCESA OU ALEMÃ, QUE
TÊM UMA LONGA TRADIÇÃO”
“PENSAR NAS LITERATURAS
AFRICANAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA É UM FENÓMENO
NOVO, COMPARATIVAMENTE, A
OLHAR, POR EXEMPLO, PARA
AS LITERATURAS INGLESA,
FRANCESA OU ALEMÃ, QUE
TÊM UMA LONGA TRADIÇÃO”
N ATA N I E L
NGOMANE
N ATA N I E L
NGOMANE
Nataniel Ngomane (Foto: Arquivo)
Escritor/ Jornalista
Nome: Cláudio Frutuna
Debate Online - www.debate.co.mz
13LITERATURA
proximidade. Portanto, tem sido bastante
gratificante esta experiência, sobretudo, a
troca de experiência com colegas angola-
nos, do ISCED.
P - Como é que vê a qualidade, em ter-
mos de conhecimentos, por parte dos
estudantes deste curso de mestrado?
NN - São estudantes bastante participa-
tivos, são muito informados. Como em
qualquer sala de aulas, há sempre uma ou
outra informação que é nova para os estu-
dantes; mas, de uma maneira geral, têm
informação suficiente para estabelecer o
diálogo que nós queremos.
E porque o objectivo último deles é produ-
zir trabalhos de mestrado, nós temos ten-
tado dar o máximo de colaboração nesse
sentido, procurar iluminar um pouco aque-
las zonas de penumbra que lhes habitam,
discutindo os seus projectos e ideias, cla-
rificando aquilo que podemos clarificar a
partir do nosso conhecimento, por via da
oferta possível de bibliografia.
P - Professor, como avalia a literatura
de expressão portuguesa, ou seja, dos
PALOP?
NN -Não sou a pessoa ideal para fazer
uma avaliação dessa natureza. Falar de
uma literatura de língua portuguesa... Pre-
firoutilizaraexpressãoliteraturasdelíngua
portuguesa, no plural, a “literatura de ex-
pressão portuguesa”, porque nós somos
uma constelação de nações, uma conste-
lação de culturas; e seria complicado pro-
curarmos uma forma singular de nomear a
nossa expressão cultural.
Por outro lado, eu não sou, necessaria-
mente, um indivíduo de “expressão por-
tuguesa”. Recuso-me de ser chamado
de lusófono. Não sou lusófono, porque a
minha matriz fundamental é Bantu. Falo ci-
tswha [leia-se tchitsua], que é a minha lín-
gua materna; falo copi [leia-se tchopi], que
é a língua da minha mãe; falo xironga, que
é a língua através da qual me socializei, a
língua da minha infância; e tenho a língua
portuguesa,queaprendiaossete(7)anos,
porque tinha de entrar para escola.
Não sou lusófono. Em termos culturais,
o meu ideal de casamento, de morte, de
convívio, de riso, é um ideal não, neces-
sariamente, português; mas, necessa-
riamente, Bantu. “Lusofonia”, “expressão
portuguesa”... São adjectivos que não têm
nada a ver comigo.
Daí preferir expressões como países de
língua portuguesa, países africanos de
língua portuguesa, literaturas africanas de
língua portuguesa, e sempre no plural, evi-
dentemente, porque Angola é diferente de
Moçambique; Moçambique é diferente da
Guiné; Guiné diferente de Cabo Verde; e
por aí em diante.
Julgo ser fundamental usar o plural, por-
que somos uma diversidade, para não
cair no erro em que muitos críticos, espe-
cialmente, os de fora do nosso continente,
caiem, em dizer, por exemplo, “queremos
uma cooperação entre Portugal, Brasil e
África”, como se África fosse um país. Te-
mos inúmeras diversidades no nosso con-
tinente, de Norte a Sul. E mesmo na África
Austral, onde há algumas proximidades,
há também diferenças abismais.
Temos de olhar e perceber isso de forma
bastante clara. Justamente, por isso, não
me sinto em condições de fazer a ava-
liação que me pede. Posso dar algumas
ideias em torno dessa questão, o que não
significa que esteja a fazer uma avaliação
das literaturas de língua portuguesa no
continente africano.
Pensar nas literaturas africanas de língua
portuguesa é um fenómeno novo, com-
parativamente, a olhar, por exemplo, para
as literaturas inglesa, francesa ou alemã,
que têm uma longa tradição. Têm muitos
séculos de vida.Ao olharmos para a litera-
turadeMoçambique,oudeAngola,vemos
literaturas absolutamente novas, surgidas
recentemente, ainda em fase de consoli-
dação.
Ainda assim, hoje, já podemos falar des-
tas literaturas como literaturas nacionais,
embora ainda exista um discurso que pro-
cura uniformizar estas literaturas, como se
tratasse de uma apenas. Basta olharmos
para as universidades pelo mundo fora,
para percebermos que a maior parte de-
las têm áreas chamadas “literaturas afri-
canas”, “literaturas africanas de expressão
portuguesa”... Algumas chamam mesmo
“literaturas lusófonas”, o que é muito dis-
cutível.
Já existe uma Literatura Moçambicana,
uma Literatura Angolana, uma Literatura
Cabo Verdiana, São Tomense... Quer di-
zer, essas literaturas já se afirmaram au-
tonomamente; são literaturas nacionais.
Se olharmos para as dinâmicas dessas
literaturas,percebemosquetêmgruposde
autores que se relacionam, gerações de
autores que se ligam, que se influenciam
por meio de motivações diversas: seja do
ponto de vista ideológico como do ponto
de vista político, estético ou cultural.
Essas gerações produzem obras concre-
tas, conjuntos de obras que podem ser
reunidas por perspectivas temáticas, es-
téticas, epocais e outras. E mais do que
termos autores e conjuntos de obras, te-
mos, necessariamente, públicos diversos.
Portanto, temos leitores para essas obras.
Sendo estes três factores que configuram
os sistemas literários, podemos dizer que
os nossos países têm, efectivamente, lite-
raturas.
Trata-sedeumpassofundamentalparaos
países que surgiram há pouco tempo, há
pouco mais de trinta anos. E isto é óptimo,
se se tiver de fazer uma avaliação, para di-
zer o seguinte: olha, as nossas literaturas
acabam de surgir, mostram produção es-
téticaetemáticariquíssimas,eestãonuma
fase de consolidação.
Um número, não muito, mas significativo
dos nossos autores é conhecido lá fora.
No caso específico de Moçambique e An-
gola, posso citar alguns nomes: José Cra-
veirinha, Noémia de Sousa, Luís Bernardo
Honwana, Luandino Viera, Artur Pestana
– o Pepetela -, Luís Carlos Patraquim, Mia
Couto, UngulanibakaKhosa, Manuel Rui,
Eduardo White, João Melo, Paulina Chi-
ziane, Paula Tavares, João Paulo Borges
Coelho, Eduardo Agualusa, entre muitos
outros.
Ouseja,játemosumasériedeescritorese
deobrasquegozamdeumreconhecimen-
to nacional e internacional, seja pelo uso
dos seus textos em salas de aulas, seja
pela atribuição pública - reconhecimento
público das suas obras – de prémios con-
cretos.Qualquerumdessesautoresjáterá
ganhadoalgumprémiodentrodoseupaís,
ouforadele,porcausadaobraqueproduz
e o seu consequente reconhecimento, o
que é sinal de pertença a algum sistema
literário.
Então, temos, de facto, literaturas nacio-
nais. Não só ficamos independentes do
pontodevistapolítico,mastambémtemos,
de certo modo, aquilo que é fundamental
em termos culturais: literaturas nacionais.
P - Qual é o paralelismo que podemos
encontrar entre as literaturas africanas
de língua portuguesa e as de língua
francesa e inglesa? Quais são as dife-
renças e semelhanças existentes, em
termos de qualidade literária, profes-
sor?
NN - A nossa qualidade literária é boa.
Muito boa – diga-se. Mas gostava de vol-
tar a chamar atenção para o facto de não
termos uma literatura africana de língua
portuguesa. Não existe uma literatura afri-
cana de língua portuguesa; existem várias
literaturas africanas de língua portuguesa.
Quanto à comparação, em termos de
qualidade, é algo muito difícil e complexo
e, até, perigoso, porque corremos o risco
de cair em reducionismos e situações de
sobrevalorização sem propósito. Não gos-
taria de comparar, porque as literaturas de
língua inglesa pouco conhece; as de lín-
gua francesa também pouco conhecem.
Mas acredito que as nossas literaturas têm
qualidade e têm reconhecimento público;
por isso, são estudadas em várias Univer-
sidades; por isso é que uma parte signifi-
cativa dos nossos autores são lidos pelo
mundo fora, o que é um bom indicador da
qualidade das nossas literaturas. E as ou-
tras também a têm.
Quando vamos para os países africanos
de língua inglesa, encontramos autores
lidos em todo o mundo. Aqui ao lado, na
África do Sul, além de Coetzee, que foi
agraciado com o Nobel de literatura de
2003, temos a Nadine Gordimer, uma
grande autora sul-africana, também Nobel
de literatura, em 1991.
Em André Brink, temos também um gran-
de autor sul-africano. No Zimbabwe, pode-
mos citar Nozipo Maraíre, que escreveu
Zenzele(1996), um belíssimo romance.
E podíamos citar outros nomes noutros
países africanos, como o caso de Labou
Tansi, no Congo, escritor de língua fran-
cesa. Precisamos citar N’gugiWa 7iong’o?
Wole Soyinka? Todos eles, e muitos ou-
tros, mostram que as nossas literaturas,
de uma maneira geral, sejam de língua
inglesa, francesa ou portuguesa, têm qua-
lidade.
Não há dúvidas quanto a isto. Estamos a
falar de literatura; poderíamos estar a falar
de música, de teatro; poderíamos estar a
falar de outras expressões artísticas como
a dança, a pintura, a escultura. Neste do-
mínio, das artes, acho que estamos bem.
Precisamos de trabalhar mais e superar
a qualidade boa de hoje, trazendo coisas
cada vez melhores. Mas não restam dúvi-
das de que temos literatura de qualidade.
P-Algunsestudiososdizemque,parao
caso de Angola, particularmente, a dé-
cada de oitenta foi de ouro, em termos
de produção literária de qualidade. E
havia uma componente muito impor-
tante para produção literária, que é a
crítica. Do que tem estado a estudar da
literatura angolana, sente que a ausên-
cia da crítica literária, a sua pouca pre-
sença, diminui a qualidade da produ-
ção literária? Pelo menos da literatura
produzida hoje?
NN-Souapologistadadiversidade,nãode
modelosúnicos.Porisso,nãoacreditoque
a ideia que se tem dos anos oitenta tivesse
de se manter nos anos dois mil; até por-
que estamos numa outra época, movida
poroutrasforças.Cadaépocatemosseus
valores e deve ser lida em função desses
valores, de acordo com a dinâmica históri-
ca, social e cultural dessa mesma época.
Nãoconheçoaliteraturaangolana.Conhe-
ço alguns autores, dos quais já fiz referên-
cia, como o Pepetela, o Luandino, Paula
Tavares, Manuel Rui, João Melo, Agualu-
sa. O Ondjaki, por exemplo, até agora, só
o conheço de nome.Ainda não li nenhuma
obra dele. Não tenho vergonha nenhuma
de dizer isso. Portanto, conheço-o muito
pouco, e muito pouco também conheço a
crítica angolana.
Não conheço quase nada. Logo, não me
posso pronunciar sobre isso. Mas sei que
há um discurso mais ou menos similar ao
de Moçambique em que, inclusive, se fala
de uma crise da literatura. Acho que cada
época é uma época; não podemos espe-
rarque,anualmente,apareçaumMiaCou-
to, um Ungulani baka Khosa, uma Paulina
Chiziane.
O que não impede que apareça um Ond-
jaki em Angola, ou um João Paulo Borges
Coelho, em Moçambique, que escreveu
esse romance monumental, a que se cha-
ma “O olho de Hertzog” (2010).
Quantos Camões têm Portugal? Quantos
Fernando Pessoa tem Portugal? Há toda
uma dinâmica natural - embora estejamos
a falar de cultura; mas a cultura tem uma
relação com a Natureza -; por isso, acho
que há uma dinâmica natural nestes fe-
nómenos, que tem de ser lida dentro da
sua própria lógica. Julgo ser isto que está
a acontecer.
Há sempre momentos altos e momentos
baixos em qualquer fenómeno, em que os
momentos baixos não implicam, neces-
sariamente, uma crise, mas um estado
normal e ideal da época que se está viver,
com todas as vicissitudes típicas dessa
época; com todos os problemas inerentes
a essa época, enquadrados numa dinâmi-
ca mais global.
No caso, a dinâmica global pode ter a ver
com as crises financeiras, com os níveis e
qualidades da educação não só emAngo-
la ou em Moçambique, mas em todo mun-
do. Talvez seja o caso de a gente lançar
o olhar para fora das nossas fronteiras,
começar a verificar o que se passa nos ou-
trospaísesecomparar:qualeraasituação
nos anos oitenta nesses países, e qual é
agora, nos anos dois mil?
O que resulta daí? Não é um problema
só de Angola, ou Moçambique; trata-se
de uma conjuntura global e que, como tal,
deve ser lida dentro da própria época e no
âmbito da dinâmica que hoje se vive.
P - Mas a crítica é inegavelmente um
barómetro que ajuda a medir a quali-
dade literária. E, como a literatura é um
produto vendável, surge o problema da
aceitação das editoras. Não é funda-
mental a crítica literária, que serviria de
garante para o êxito deste processo?
NN -De facto, é um elemento fundamental.
Mas quanto é que ganha umcrítico por es-
crever um texto de crítica? Deixa de fazer
as suas coisas e escreve um texto crítico...
e não recebe nada por isso. Não será,
este, um grande problema?
Porque as restantes profissões são pagas
parafazeroqueestãoafazer.Queméque
paga a crítica? Quem respeita a crítica?
Quem dá valor à crítica? As pessoas pe-
dem sempre para fazer um prefácio, uma
apresentação dos seus livros; quanto se
ganha por isso?
Imaginam quanto se despende para fa-
zer isso? A sociedade valoriza a crítica?
Até que ponto? Estas coisas devem ser
vistas também de uma outra forma. Já
houve tempos em que se vestia a camiso-
la porque se gostava; basta ver como se
fazem as transacções dos futebolistas. A
dinâmica é outra, não vamos pensar num
trabalho de crítica literária hoje, nos anos
dois mil - em que as pessoas lutam para
sobreviver - com a crítica que se fazia nos
Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015
14 LITERATURA
anos idos.
Talvez seja necessário repensar um pouco
nisso, porque temos, de facto, bons crí-
ticos. Em Moçambique, falar de um Lou-
renço de Rosário, um Gilberto Matusse,
Teresa Manjate, Francisco Noa, é falar de
bons críticos. Estes dão aulas de literatura,
prefaciam e apresentam livros. E isso está
aí... É público.
P – Qual é o papel que às Faculdades
de Letras podem jogar para o garante
do desenvolvimento dos estudos literá-
rios de crítica em si?
NN -Esse é o papel geral, ou global, de
uma Universidade: conferir qualidade aos
seus cursos. No caso da literatura, é evi-
dente que queremos o melhor para os
nossos estudantes. Queremos que eles
conheçam os textos, conheçam os meca-
nismosparaasuacompreensãoeanálise,
sejam capazes de os interpretar de forma
adequada, vendo neles representações
simbólicas das dinâmicas socioculturais e
históricas.
É papel dessas faculdades oferecer um
ensino de qualidade, oferecer instrumen-
tos de qualidade que possibilitem análi-
ses e pesquisas e, inclusive, processos
de ensino e aprendizagem baseados na
leitura de textos literários. Creio que é fun-
damentalmenteoquedevemosoferecer,e
é o que temos estado a tentar, de alguma
forma.
P-Faloudeensinodequalidade.Recordo-
me que alguns nostálgicos dizem que, nos
anos 80, havia textos de melhor qualidade,
porquemuitosdosescritoresedosquetra-
balhavam nos textos literários tinham uma
base de formação colonial...
NN -É uma leitura parcial. Absolutamente
parcial. Há outros elementos e factores
que não têm nada a ver com o facto de
se vir, ou não, de uma escola colonial; há
questões mais conjunturais, por exemplo,
o facto de a maior parte dos docentes –
pelo menos na minha Universidade é as-
sim – serem assistentes estagiários, ou
assistentes apenas; isto já é um elemento
que coloca em cheque a própria qualidade
do ensino Universitário.
Sabemos que a norma geral é que o do-
cente Universitário tenha o título de Doutor,
porque este título, de alguma forma, im-
plica uma experiência, implica uma leitura
dosfenómenosdeformadiferente.Agente
cai um pouco no absurdo, quando um su-
jeito que termina hoje o nível secundário,
amanhã está a dar aulas ao mesmo nível.
Não há, aí, nenhuma diferença; é lógico
que aí se descubram, depois, zonas de
fraqueza.
O mesmo acontece no ensino Universitá-
rio; ou seja, há outros elementos, outros
factores de ordem social, e até, de ordem
económica e cultural, que interferem, não
apenas a questão da qualidade, como um
elemento isolado, um elemento que pos-
sa ser visto a parte; há vários outros que
devem ser levados em conta na avaliação
desta qualidade.
Por outro lado, não é só a nível da literatura
que esta qualidade baixou; posso dar-me a
liberdade de dizer que há uma “inflação” de
formações;aqualidadequetemalicenciatu-
radehojenãoéamesmacomadezanos,e
issonãotemavercomofactodevirdeuma
escoladoperíodocolonialounão.
O valor que se atribui, hoje, a um mestrado
não é o mesmo que se atribuía há dez ou
vinte anos atrás; e estou a falar dos anos
noventa, e não dos anos oitenta. Portanto,
é toda uma dinâmica social que não pode
ser ignorada quando vamos fazer uma
análise profunda dos fenómenos sociais;
há toda uma série de elementos compro-
metidos com a dinâmica social de hoje,
que é uma outra dinâmica.
Estamos numa fase de mudanças de
paradigmas e, se calhar, ainda não per-
cebemos que o que está a acontecer são
mudanças de paradigmas, e não falta
de qualidade como tal; essas mudanças
podem ter implicações não apenas no
desempenho de certas áreas como na
capacidade de visão de certas pessoas,
relativamente a certas coisas, pessoas, se
calhar, guiadas por um certo conservado-
rismo bastante fixo, onde o valor de uma
licenciatura de hoje não é, seguramente, o
valor de uma licenciatura de há dez anos.
O valor de uma quarta classe de hoje não
é o valor da quarta classe de há dez anos,
assim como não é o mesmo valor que tem
o ensino médio hoje. Quais são os argu-
mentos em relação a isto? É porque a li-
cenciatura de hoje, o nível médio de hoje
ou a quarta classe de hoje não vêm da
escola colonial? De vez em quando, tam-
bém gosto de colocar veneno em algumas
coisas; mas envenenar desse jeito não
funciona.
É uma mudança paradigmática: a Univer-
sidade de hoje é diferente da Universidade
de algum tempo atrás; o processo de Bo-
lonha tem a ver com quê? Tem a ver com
o ancoramento de um processo colonial?
Claro que não! há toda uma mudança glo-
bal.
A crise mundial tem a ver com o quê? É
preciso perceber esta mudança num pro-
cesso dialéctico global e tentar encaixar
todos estes elementos, que são bastante
vulneráveis a esta dinâmica de hoje. Vejo
as coisas desta forma.
Há sectores mais vulneráveis e outros me-
nos, relativamente às dinâmicas de hoje.
Nãocreioquetalvulnerabilidade,necessa-
riamente, tenha a ver com a mudança de
um período colonial para um período não
colonial, e que o período não colonial seja
mais fraco...
P - Qual é o papel que as editoras nos
nossos países devem jogar, na publica-
ção de autores e obras literárias?
NN - Não percebo nada de editoras, logo,
não estou em condições de responder a
essa pergunta. Penso que essa pergunta
deve ser feita às editoras ou às instituições
que ditam as políticas do livro.
P - Existem casos, no mundo, em que
as Universidades têm as suas próprias
editoras. As regras dessas editoras de-
vem ser, necessariamente, as mesmas
que as das editoras independentes?
NN -Penso que não: a obrigação de uma
editora Universitária é editar trabalhos uni-
versitários, fundamentalmente. Se tiverem
espaço para editar outras coisas, podem
editar; mas, fundamentalmente, a sua mis-
são é editar trabalhos científicos produzi-
dos na Universidade.
Entendo as coisas dessa forma, embora
nem sempre seja assim. No caso da UEM,
temos uma imprensa Universitária, que po-
deria editar os nossos trabalhos universitá-
rios; mas ainda não há uma política que per-
mitaisso,queessaimprensapubliquetextos
produzidospelaprópriaUniversidade.
Digamos que esta seria a primeira obriga-
ção desta imprensa Universitária, editar
os textos Universitários: as teses de dou-
toramento, de mestrado e de licenciatura;
artigos diversos, resultados de diversos
estudos e pesquisas, que deviam ser pu-
blicados.
Várias imprensas universitárias – prefiro o
termo imprensa universitária a editoras –
noutras partes do mundo, publicam traba-
lhos universitários.Algumas, como a da Uni-
versidadedeSãoPaulo,oudaUniversidade
Federal de Minas Gerais, e várias outras,
têm como primeira prioridade a publicação
detrabalhosuniversitários,numaperspectiva
dedivulgaçãodostrabalhoscientíficos.
Acho que esta é a obrigação das imprensas
universitárias, que nós deveríamos abraçar
commuitaforça,tendoemvistaadivulgação
dos trabalhos que temos, mesmo, até, para
estimular a produção de mais conhecimen-
tosdentrodasnossasUniversidades.
P - Moçambique já tem um estudo da
História da Literatura Moçambicana?
NN - Depende do que isso possa signi-
ficar. Há textos que fazem referência a
isso. A Professora Fátima Mendonça tem
textos sobre isso, e tem-se dedicado bas-
tante ao processo de ensino da literatura
numa perspectiva histórica; tem uma série
de textos que nos têm servido de suporte
para o ensino da história da literatura Mo-
çambicana. Os programas de ensino têm
enfocado esta perspectiva histórica.
Não temos uma história da literatura mo-
çambicana como temos, por exemplo, os
volumes da história de Moçambique. Não
temosisso,oquetambémtemaverumpou-
co com o facto de a nossa literatura ser uma
literatura nova, o facto de termos, ainda, de
alguma maneira, um grupo de docentes de
literatura ainda muito escasso e haver várias
outras prioridades, que vêm concorrendo os
espaçosaseremtrilhados.Talveznãotenha
chegado, ainda, o momento de uma história
da Literatura Moçambicana com essa di-
mensão de um manual, de facto, de História
daLiteraturaMoçambicana.
P - Fizemos esta pergunta porque, em
2005, o Governo angolano criou uma
comissão multidisciplinar de especia-
listas nacionais e estrangeiros para tra-
balharem na Historia da Literatura An-
golana,quetinhamcomometaentregar
o primeiro draft em 2009. Estamos em
2011, e ainda não se apresentou esse
draft. Será que é uma tarefa muito com-
plexa fazer um estudo exaustivo da lite-
ratura angolana?
NN - Não há tarefas fáceis. Você está aqui
a fazer esta entrevista; não vai dizer que
esta tarefa é fácil. Conduzir um carro na
rua não é uma tarefa fácil; ir à escola com
cinco ou sete anos não é uma tarefa fácil;
não existem tarefas fáceis.
Por outro lado, acredito que não será uma
má vontade da equipe que foi indicada a
fazer este estudo que faz com que não
haja respostas; acredito que existam ra-
zões, para uma ideia desta dimensão;
existem razões bastante profundas, que
seria interessante a gente saber, ao invés
de especularmos.
Quer dizer, se eu quero falar de um deter-
minado grupo social, de um determinado
povo,deumdeterminadogrupodepessoas,
convémquemesituenaperspectivadessas
pessoas, que esteja dentro destas pessoas
parapoderfalar,defacto,comconhecimento
decausa,sobreestaspessoas.
E como não conheço, efectivamente, nin-
guém desta equipa, e não sei quais são
as razões que estão por detrás do atraso
desse processo, se são razões de ordem
profissional, económica, cultural, ou se são
razões de ordem ideológica, não sei; mas
várias razões podem estar na peneira, re-
lativamente ao atraso desta resposta. Por
essa razão, prefiro não me pronunciar, sob
o risco de cometer barbaridades. Prefiro
ficar quieto e não emitir nenhuma opinião.
P - Professor, gostaria de ouvir os seus
argumentos de razão em torno dos ter-
mos angolanidade, moçambicanidade
ou cabo verdeaneidade. Podem-se
abordar as nossas literaturas nestes
termos?
NN -Acredito que sim, que é possível falar-
se de uma moçambicanidade literária, da
mesma maneira que falamos da nacionali-
dade moçambicana, que digo que sou um
moçambicano e você é angolano.
A mesma perspectiva permite que a gen-
te fale de uma literatura moçambicana, de
uma canção moçambicana, de uma obra
moçambicana, de uma pintura moçam-
bicana, de uma escultura moçambicana,
de um teatro moçambicano. É possível,
sim. Claro que isso não se faz da mesma
maneira que a gente fala de uma madeira
moçambicana, que é um objecto concre-
to, não é?... Como um tipo de árvore que
nasce em Moçambique e que só lá é que
nasce; não é nesta perspectiva.
Mas numa perspectiva mais ampla, numa
perspectiva daquilo que nós, em literatura,
chamamos conceito aberto. E o que é um
conceito aberto? É um conceito que está
sempre pronto a receber qualificações e
pronto a perder qualificações. Porque a
ideia de moçambicanidade, angolanidade,
portugalidade, brasileiridade...
É uma ideia que está em permanente
construção. Enquanto a gente estiver viva,
está a construir isso, de acordo com a nos-
sa visão do mundo, a nossa maneira de
ser, a nossa maneira de falar, o jeito como
a gente usa as palavras, o reaproveita-
mento que a gente faz das palavras.
Talvez isso torne Mia Couto mais moçam-
bicano do que outra coisa, embora escreva
de forma similar a João Guimarães Rosa
e Luandino Vieira; Virgínia Wuollf, Joyce,
Proust,Faulkner...Mascadaumdestescon-
segue ser aquilo que é: o Luandino, angola-
no; o Couto, moçambicano; o Guimarães,
brasileiro; o Faulkner, americano; o Joyce, ir-
landês.Mastodostrabalhamdaquelaforma.
Oquefazcomquefaçamisso?
Há um toque especial e bastante específi-
co que os torna diferentes uns dos outros.
Isso é que faz a moçambicanidade. Mas
não é uma coisa permanente e fixa, nem
é concreta; é algo abstracto, algo presente
no nosso imaginário e que nos acompa-
nha, conferindo-nos esta diferença, per-
mitindo-nos dizer: eu não sou sul-africano,
swázi, zimbabweano, malawiano nem tan-
zaniano, que fazem parte da minha região.
Não sou nenhuma dessas coisas, sou mo-
çambicano. E quando saímos para o ex-
terior e vemos um grupo de pessoas que
tem a ver connosco, rapidamente identi-
ficamos esse grupo: olhamos e dizemos
logo, aqueles são moçambicanos.
Há alguma coisa que conseguimos atin-
gi-la e capturá-la na abstracção do nosso
imaginário e que permite isso. Portanto,
não vejo nenhuma dificuldade de se falar
de uma portugalidade, uma moçambica-
nidade. Essa coisa existe, mas de uma
forma sublime, que só é possível aferi-la a
partir do nosso imaginário, da nossa capa-
cidade de olhar, ver e interpretar as coisas.
P - Até que ponto à língua portuguesa
falada hoje em Angola, Cabo verde,
Guiné, Moçambique e São Tomé terá
galvanizado o enriquecimento da lín-
gua portuguesa em geral?
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15LITERATURA
NN - Não se sabe exactamente. Fala-se
muito desta ideia do enriquecimento da
língua portuguesa de uma maneira geral;
não sei se, de facto, estamos a enriquecer
a língua portuguesa de forma geral, ou se
estamos a enriquecer as nossas próprias
culturas, individualmente, enquanto Mo-
çambique, enquanto Cabo Verde.
É só olharmos para o Brasil: damo-nos
conta de que o Brasil realizou certas trans-
formações na língua portuguesa, naquilo
que podíamos chamar de base da língua
portuguesa, a norma europeia. Hoje, há
várias modificações introduzidas pelos
brasileiros e que não foram, necessaria-
mente,absorvidaspelanormaportuguesa,
ou europeia.
Então, em que medida é que significa en-
riquecer à língua portuguesa? Talvez se
pudesse falar do enriquecimento da língua
portuguesa se essas transformações, ope-
radaspelobrasileiro,entrassem,defacto,no
sistemalinguísticodalínguaportuguesa.
Penso que há aqui uma mudança no sen-
tido de perspectivar a existência de uma
língua portuguesa brasileira, uma língua
portuguesa moçambicana, uma língua
portuguesa cabo-verdiana. Tenho a im-
pressão de que, por vezes, temos medo
de falar disso. Qual é o problema? Os
americanos têm uma língua inglesa que
não é aquela dos ingleses. Qual é o pro-
blema?
Cada espaço de língua inglesa tem o seu
próprio espaço de língua: os ingleses têm
uma série de dificuldades de entenderem
e discutirem com os americanos, nessa
perspectiva de Língua, porque estes in-
ventaram uma outra forma de falar inglês.
Por que nós não podemos abordar mais
profundamente esta questão?
Em Moçambique, temos uma linguista, a
Perpétua Gonçalves, que tem estado a
trabalhar na perspectiva ideal, em termos
de leituras das regras sintácticas, das re-
gras morfológicas, na perspectiva de uma
língua portuguesa de Moçambique, a que
ela chama de Português de Moçambique.
Trata-se de uma variável que está a ganhar
contornos que mostram que se está a sedi-
mentarláumalínguaque,tendonascidoda-
queletronco,temestadoaganharasuapró-
pria autonomia. Com as literaturas, deu-se a
mesma coisa: as nossas literaturas, como
diz muito bem António Cândido, nasceram
daliteraturaportuguesa,constituindoassuas
ramificações. Mas foram ganhando a sua
autonomia,atésecortarocordãoumbilical.
Não será isto que está a suceder à língua?
Deixo para os linguistas, a resposta para
essa questão. Esta coisa de enriquecer a
língua, o que é? Parece haver, aqui, uma
tendência a um espírito agregacionista.
A ideia da liberdade, da independência e
da diversidade é fundamental e enrique-
ce, se olhamos para o enriquecimento da
língua nesta perspectiva, em que ela vai
autonomizando os seus filhotes, para eles
crescerem e se autonomizarem relativa-
mente à língua mãe, como ocorreu com a
língua inglesa nos Estados Unidos.
Mas, se formos a pensar, o enriquecimen-
to da língua como reenvio, realimentação
de uma língua mãe, acho que esta reali-
mentação não existe. Exemplo disso é
que aquela forma de falar que os brasilei-
ros usam não é recuperada na Europa; e
a forma de falar dos angolanos... Há uma
e outra palavra que a gente encontra, uma
espécie de modismo, não é?
Uma palavra que se usa, por exemplo, é
bué, que é tipicamente angolana, usada
em Portugal; mas olho para este fenóme-
no como um modismo, não propriamente
como uma absorção da palavra. Manin-
gue, uma palavra Moçambicana, também
se usa; mas também como um certo mo-
dismo, não havendo um uso generalizado.
Se houvesse esta tendência de uso ge-
ral... Há toda uma infinidade de palavras,
milhões de expressões, milhões de for-
mações sintácticas, que são produzidas
pelo povo brasileiro, e que teriam entrado
na norma europeia, e não entraram nem
estão a entrar.
Aliás, aproveito a ocasião para dizer que
acho absurda a ideia dos novos acordos
ortográficos, um absurdo autêntico, por-
que há questões mais candentes em cada
umadasnações,paraseremresolvidasdo
que tentar uniformizar uma coisa que não
se uniformiza. Por que não vamos optar,
tranquilamente, pela forma, como optaram
os ingleses?
Os americanos criaram a sua língua, têm
lá a sua língua, há dificuldades de comuni-
cação, mas entendem-se. Porque se tem
de uniformizar? Isto não é possível; temos
questões mais candentes internamente,
relativamente a esta língua. Seja em Por-
tugal, seja em Angola, seja em Moçam-
bique, em Cabo Verde ou na Guiné, são
questões que devem ser sistematizadas e
estudadas.
Agora, vamos uniformizar uma coisa que
não conhecemos? Quem propõe este
acordo ortográfico conhece muito bem as
tendências, as perspectivas e manifesta-
ções da escrita em Moçambique? Da es-
crita em Angola? Isto entrou na balança?
Acho um absurdo.
Sou pela liberdade absoluta do falante, por-
que quem produz a fala é o falante, e não
uma meia dúzia de linguistas, que vão pro-
duzirumaleidecomoéquesevaifalar;acho
que o falante é que faz a língua, e o gramá-
tico tem, apenas, a obrigação de descrever
como o falante fala, como o falante a usa, e
nãocriarregrasdeuniformização.
Deveríamos repensar, por exemplo, por-
quê, havendo uma tendência cada vez
mais galopante de se usar uma variante
do português de Moçambique, ou de An-
gola, continuamos a submeter as crianças
a avaliações com base numa norma que
não usam e que desconhecem.
Acho que este seria um grande problema
a ser debatido e a ser colocado na balança
nestemomento,enãotentarcriarumacor-
do com algo que muita gente até desco-
nhece. Há muitos absurdos nesta história
do acordo ortográfico.
Têmaparecidotextosquemostramalguns
desses absurdos, na queda das consoan-
tes disto e daquilo, quer dizer, há absurdos
que acho que não foram pensados, cria-
ram-se leis de generalizações em situa-
ções que deveriam ser olhadas de forma
bastante excepcional, que acabam trazen-
do absurdos ilógicos.
P - Que importância a literatura oral
deve jogar nos nossos países, até em
funçãodaoralidadequeécaracterística
do nosso continente?
NN -Todas as sociedades partem de uma
situação de oralidade, para chegar a uma
situação de escrita. Todas as sociedades
têm, de alguma forma, uma componente
de literatura oral; e esta, tal como a orali-
dade, é a parte fundamental da cultura
de qualquer sociedade, devendo-se tirar
o máximo proveito dos seus sistemas na
construção da nação, dos novos sistemas
culturais.
Mesmo porque a literatura escrita, a mú-
sica, o cântico, o teatro, têm tirado provei-
to do sistema da oralidade, inclusive, do
próprio sistema da literatura oral. As lin-
guagens diversas que existem, não só na
literatura oral, como também na oralidade,
são fontes fundamentais para a produção
de sistemas estéticos, nossas representa-
ções culturais - seja ao nível da música, da
literatura, do teatro, do cinema ou da dan-
ça.
Há todo um manancial dos nossos siste-
mas de oralidade, com as suas diversas
linguagens, que deve ser reaproveitado
para produzir novas realidades culturais,
novas realidades sociais, novas realida-
des didácticas, enfim, novas realidades de
tudo mais alguma coisa.
Nesse sentido, acho que vale a pena pres-
tar atenção a estes sistemas literários e
tirar proveito do que existe de bom para
produzir novas coisas, um pouco na senda
daquela máxima da física: no mundo nada
se perde, nada se cria; tudo se transforma.
P - Gostaria de ouvir a sua virtude de
razão, relativamente à defesa da ideia
de que as nossas literaturas deviam ser
escritasnasnossaslínguasnacionais...
NN - É um tópico bastante polémico, e não
é uma polémica de agora, é uma polémica
antiga, dividindo uma série de estudiosos.
Wole Soyinka, por exemplo, defende que
cada um deve escrever na língua em que
se sente melhor. Concordo com ele e com
as pessoas que assim fazem.
Lembro-me que Fernando Pessoa escre-
veu uma série de textos em inglês. E de-
via sentir-se bem, escrevendo em inglês.
Vários outros autores escolheram uma lín-
gua para escrever. Lembro-me do caso de
Ngungi WaT’hiongo, um escritor queniano
que optou por escrever em kikuyo.
Ngugi defende, categoricamente, que o
africano deve escrever nas suas próprias
línguas. Só que é a tal coisa... como a gen-
te encaixa isto, numa situação em que in-
tervêm vários e diversos outros factores?
Ngugi escreve em kikuio, mas quer ser lido
por gente que não lê kikuio, quer ser lido
em Moçambique, por exemplo.
Qualquerescritorquerserlidoeomeiokikuio
é reduzido; ele escreve em kikuio e, depois,
tem de traduzir as obras para Inglês. Não
sei se isto é tão confortável. Há vários outros
factores que impedem que esta ideia, que é
umaideianatural,secumpracabalmente.
Uma literatura deve falar a sua própria lín-
gua, mas os ventos da história mudaram
essa lógica. Porquê não estamos aqui a
fazer esta entrevista na minha língua ma-
terna? Seria interessante! Mas como é
que você, que é Mucuvale ou Umbundu
ou kimbundu, como é que você, que não
fala xithswa, a minha língua materna, vai
entender-se comigo?
A lógica da apropriação da língua portu-
guesa pelos movimentos de libertação afri-
canos, a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC,
foi uma apropriação não só lógica, mas
estratégica,deacordocomarealidadehis-
tórica, numa situação em que cada um de
nós fala uma língua diferente.
Seria natural que cada um de nós tivesse
uma estratégica que nos permitisse comu-
nicar completamente; essa estratégia foi a
apropriação da língua portuguesa, que foi
uma ideia fantástica!
Posso ler Mia Couto da maneira como o
meu irmão angolano lê Mia Couto, o meu
irmão cabo-verdiano. Se eu escrevesse
em xithswa ou em ronga, talvez houvesse
problemas para ser entendido; só se tives-
se de investir, como faz Ngungi, numa tra-
dução. Teria dificuldades em ser lido.
É uma questão bastante polémica; mas
faz sentido pensar que deveríamos escre-
ver nas nossas próprias línguas, como a
literatura inglesa fala em inglês, a francesa
fala em francês; é preciso reparar que as
literaturas americanas não falam as lín-
guas ameríndias, a literatura brasileira não
fala tupi, não fala tupinambá, e por aí fora;
têm uma realidade histórica que é, mais ou
menos, similar às nossas, com a diferença
fundamental de que nós não fomos dizi-
mados como o foram os índios; mas existe
esta lógica de usar esta língua da qual nós
nos apropriamos ou, como diria Luandino
Vieira, este troféu de guerra.
Nós temos este troféu de guerra, a língua
portuguesa. E, como diz o meu conterrâ-
neo, Luís Bernardo Honwana, esta língua
já não é pertença absoluta e exclusiva dos
portugueses; a língua portuguesa também
é nossa; então, nós podemos escrever li-
vremente em língua portuguesa.
P – Vem, agora, à questão da tradução.
Ou seja, se o autor domina uma deter-
minada língua nacional, mas tem de es-
crever em português, não há o risco de
se perder alguma originalidade?
NN – Existe essa possibilidade. Mas acon-
tecequeamaiorpartedosescritores,mes-
mo aqueles que escrevem na sua língua
materna, sendo esta uma língua bantu,
tem um domínio perfeito da língua portu-
guesa. É o caso de Ngungi, que tem um
domínio perfeito da língua inglesa.
Aliás, o grande paradoxo de Ngungi é es-
crever em kikuyo – porque faz questão de
escrever em kikuyo –, e estar radicado na
Inglaterra. Quem defende que deve escre-
ver na sua própria língua devia estar na
sua própria terra; ou não? Isso é um para-
doxo, que tem a ver com estas dinâmicas
de hoje, tem a ver com o contexto de hoje.
É um pouco aquele jogo do Velho e o
mar, no célebre romance de Hemingway:
quando é para dar corda, você tem de dar
a corda; quando é para puxar a corda, a
gente tem de puxar a corda. É um negócio
de tolerância, diálogo. Dialogamos perma-
nentemente com os ambientes, com os
momentos históricos.
E esta coisa do diálogo não é, apenas,
uma questão de comunicação entre pes-
soas; o diálogo é uma questão também de
comunicação com o meio que nos cerca,
com a cultura, com as circunstâncias, com
as situações. Dialogar sempre com elas.
Deve haver, sempre, um espaço de nego-
ciação permanentemente, sem “fixismos”;
um espaço de diálogo permanente, exac-
tamente, para não entrar neste tipo de pa-
radoxo: vou escrever em ronga, mas vou
morar na “metrópole”. Não tem uma coisa
a ver com a outra.
P - A terminar, professor, gostaria que
deixasse um conselho para as pessoas
que gostam de navegar no mundo da
escrita, dos estudos literários e, sobre-
tudo, da crítica?
NN-Muitaleitura.Muitaleitura,muitaleitura,
muita leitura. É preciso ler muito. Para fazer
um texto de crítica literária, é preciso ler; é
preciso conhecer muito bem o texto que a
gente vai analisar, e é preciso, também, co-
nhecer muito bem os textos que nos forne-
cem e os instrumentos para analisar e ou-
tros textos que nos fornecem instrumentos,
outros para projectar outras possibilidades;
e os textos que fornecem elementos para
darmos os pontos de saída. Por isso, é pre-
ciso ler, ler e ler muito! É o grande conselho
que se dá para se fazer crítica.
Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015
16 PETIÇÃO
Exmo Senhor Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo
Pela presente, e ao abrigo da Lei n.º 26/2014, de 23 de Setembro (Lei
que regulamenta o exercício do direito de petição, queixa e reclamação),
o grupo de munícipes abaixo-assinados, Amigos da Praia da Cidade de
Maputo, pretende trazer até a si um conjunto de preocupações sobre a
praia de Maputo e a avenida da Marginal e solicitar o seu apoio para a
introdução de medidas severas que impeçam tal realidade, que se está a
perpetuar no nosso quotidiano.
1. É um facto que a nossa praia é um ponto de lazer para todos os citadi-
nos, mas é, igualmente, inconcebível que a mesma se torne num verda-
deiro inferno durante os fins-de-semana e feriados; consubstanciando-se
em um verdadeiro atentado à saúde e ao ambiente equilibrado, bem como
ao pudor e decência - um desacato completo à autoridade e às leis exis-
tentes no nosso País.
2. Nos últimos anos, temos assistido a tudo e a mais alguma coisa na
nossa marginal, nos dias de maior afluência à praia:
a. As estradas ficam completamente bloqueadas, impedindo a circulação
de veículos, incluindo de carros da polícia, ambulâncias e de bombeiros.
Os veículos estacionam em duas e três faixas, sem qualquer respeito pe-
las normas. Os tão esperados passeios para os utentes da praia tornaram-
se, também, zonas de estacionamento.
Vários incidentes - em que foi necessária a intervenção do corpo de bom-
beiros e de ambulâncias - resultaram em catástrofe e morte, pois as viatu-
ras não conseguem chegar, sequer, ao local do incidente.
Com a ligação da Marginal à circular, esta situação piorou, pois o trafego
de viaturas aumentou consideravelmente, desde que a estrada ficou tran-
sitável. Esta questão está legislada, sendo necessária a implementação
das medidas específicas de fiscalização e de penalização.
b. A violência descontrolada, vandalismo generalizado, esfaqueamentos, as-
saltos, apedrejamento e outros tipos de agressão deixam a nossa polícia sem
meios de intervenção perante massas desordeiras e embriagadas.
É necessário um policiamento forte e regulador ao longo da Marginal, e
não, apenas, quando o caos se instala. Esta questão, também, está le-
gislada, sendo necessária a implementação das medidas específicas de
fiscalização e de penalização.
c. O lixo e os vidros partidos na praia, nos passeios e na estrada, a urina
e fezes, ao longo da Marginal, tornam este local num cenário desolador,
num atentado à saúde pública, num perigo para todos os citadinos que
tomam a praia como um refúgio de lazer e que, infelizmente, não podem
usufruir da mesma. Esta questão, também, está legislada, sendo neces-
sária a implementação das medidas específicas de fiscalização e de pe-
nalização.
d.Acomida confeccionada de forma irregular, ao ar livre, sem quaisquer con-
dições de higiene, torna-se um verdadeiro atentado à saúde pública e uma
violação das leis e normas de restauração vigentes no País, para além de
se tornarem numa concorrência desleal e ilegal dos operadores turísticos da
praia. Esta questão, também, está legislada, sendo necessária a implementa-
ção das medidas específicas de fiscalização e de penalização.
e. A venda de bebidas alcoólicas ao longo da praia, sancionada por lei,
transforma a praia num local de bebedeiras incontroláveis, aumenta o al-
coolismo nos jovens, aumenta o risco de doenças de transmissão sexual,
situações de verdadeiros atentados à moral e decência, com cenas de
sexo ao ar livre à frente de tudo e de todos. Esta questão, também, está
legislada, sendo necessária a implementação das medidas específicas de
fiscalização e de penalização.
f. A realização de espectáculos musicais, com sistemas de som podero-
sos, virados para terra, impedem o descanso tão merecido dos moradores
que utilizam o fim-de-semana para recuperar as forças para mais uma
semana de trabalho. O mesmo aplica-se às viaturas com sistemas. Esta
questão, também, está legislada, sendo necessária a implementação das
medidas específicas de fiscalização e de penalização.
g. O impedimento de funcionamento das empresas formais que operam
na marginal, como os centros comerciais, centros de conferência, restau-
rantes e hotéis, trazem um risco enorme à falência destas, com a perda
de inúmeros postos de trabalho e consequente redução da colecta de im-
postos que estes empreendimentos geram. A força motriz para o desen-
volvimento económico assenta nas pequenas e médias empresas que,
neste momento, estão sendo sufocadas pelos mercados informais que se
instalam ao longo da marginal.
3. Excelência, esta agudização dos problemas de circulação que os cita-
dinos experimentam no quotidiano, quer para acesso à praia, quer para
acesso às zonas residenciais, centros comerciais, centros de conferências
e estabelecimentos turísticos implantados ao longo da nossa linha de cos-
ta, requer uma intervenção urgente e maior impacto por parte do Conselho
Municipal, da Polícia Municipal, bem como da Polícia de Transito e outras
forças da lei e ordem.
A situação, tal como está, permite que, apenas, os indisciplinados e desordeiros
sejam os “donos da nossa praia”. As nossas famílias, no verdadeiro sentido da
palavra, ficam privadas de usufruir deste bem comum. O nosso postal da cidade
é transformado numa imagem de bebedeiras e desordem.
4. Tomamos a liberdade de sugerir medidas apropriadas para cada um
dos problemas apresentados, de acordo com o que está preconizado na
lei, e com base em medidas que achamos serem viáveis para resolver o
problema. São meras sugestões, depois de vários dias de reflexão sobre
o problema que a todos toca.
Leis vigentes e que devem ser aplicadas:
a) Código de Estrada, incluindo maior policiamento e aplicação de multas por in-
cumprimento, bem como controlo de alcoolemia eficaz.Tolerância zero.
b) Lei do Ambiente (Lei 20/97, de 1 de Outubro) e respectivos Regulamentos,
com destaque para o Regulamento da Prevenção da Poluição e Protecção do
Ambiente Marinho e Costeiro (Decreto 45/2006, de 30 de Novembro);
c) Regulamento sobre Controlo e Comercialização e Consumo de Bebidas
Alcoólicas (Decreto n.º 54/2013, de 7 de Outubro);
Medidas que podem ser aplicadas:
a) Realizar campanhas de sensibilização dos utentes da praia abrangendo
escolas, Outdoors, TV, Rádio, Jornais:
i. utilização de recipientes próprios para depositar o lixo;
ii. preservação do ambiente;
iii. promoção de “trazer de casa o seu próprio saco de depósito do lixo”;
iv. evitar consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
b) Acesso à praia
i. Criar parques de estacionamento para utentes da praia, remunerados
a favor do CMCM, mas que não transformem a nossa marginal em uma
sequência de parques de estacionamento;
ii. Proibir o estacionamento em locais que degradem a vegetação da
praia, que periguem o acesso de emergência de veículos de apoio (po-
lícia, bombeiros, ambulâncias, …), que periguem os utentes da praia,
principalmente, os desportistas e quem faz exercício físico.
iii. Criar via de acesso e escoamento alternativos à marginal (já existe uma
rua que inicia na Rua Alice e vai até ao Bairro do Triunfo… é necessário
colocar a rua de trás do triunfo com acesso à Escola Portuguesa e Julius
Nyerere, sem passar pela Marginal);
iv. Colocar semáforos em zonas de maior acesso de veículos a partir de
vias perpendiculares;
Debate Online - www.debate.co.mz
17PETIÇÃO
c) Saúde Pública, Lixo e Alcoolismo
i. Criar espaços apropriados para venda de bebidas e comidas, devida-
mente licenciados e com condições de higiene como impostas a estabe-
lecimentos do mesmo tipo;
ii. Obrigatoriedade de restaurantes e bares licenciados de procederem à
limpeza do seu espaço e espaço circundante;
iii. Proibir a venda ambulante de bebidas e comidas na praia fora dos
locais devidamente licenciados para o efeito;
iv. Aumentar a quantidade de caixotes e recipientes do lixo;
v. Garantir que o CMCM procede à limpeza diária da praia nos fins-de-
semana e feriados;
vi. Concessionar a empresas espaços da marginal, ficando estas respon-
sáveis pela sua limpeza;
vii. Criar parcerias com empresas de recolha de lixo, promovendo o paga-
mento de taxas por quilo de latas, vidros, plásticos recolhidos;
viii. Cobrar taxas específicas de lixo a empresas de produção de
bebidas, taxas essas que poderiam ser encaminhadas para as
campanhas de limpeza da praia e da cidade;
ix. Criar instrumentos legais que obriguem estas empresas produtoras de
bebidas a proceder à recolha de vasilhame para reciclagem;
x. Colocar WC públicas, garantindo a sua limpeza regular e eficaz. Con-
cessionar este serviço;
xi. Aplicar multas severas para quem foi encontrado a fazer lixo.
d) Poluição Sonora:
i. Proibir a poluição sonora de acordo com o regulamento vigente. Aplicar
Multas a quem as transgredir;
ii. Garantir que a realização de espetáculos seja realizada sem comprometer:
iii. acessos e mobilidade de moradores e não só;
iv. respeito pelas horas previstas na legislação para produção de ruído;
v. respeito pelas normas de valores máximos de ruídos produzidos;
vi. limpeza do espaço após realização do espetáculo;
vii. impedimento de venda de álcool, por se tratar de local público.
5. Como representantes que somos, de associações domiciliadas ou
operando na linha de costa da cidade e instituições ligadas ao turis-
mo, como moradores da cidade de Maputo, que querem desfrutar
da Praia de Maputo, como amigos da Praia de Maputo, solicitamos
uma maior intervenção de Vossa Excelência. Temos a esperança
de que Vossa Excelência concordará com a necessidade de intro-
duzir acções correctivas severas desta situação caótica, desespe-
rante e ilegal.
As nossas cordiais saudações,
Amigos da Praia da Cidade de Maputo
CC:
Governadora da Cidade de Maputo; Ministério da Saúde; Ministério da
Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural; Comando Geral da Polícia de
Moçambique; Comando da Cidade.
Lista de associações, instituições e indivíduos
que submetem esta petição:
1. Associação de moradores do bairro do triunfo
2. Associação de moradores do condomínio mares
3. Associação de moradores do condomínio Apartamentos Marés
4. Associação de moradores do condomínio 5ª avenida
5. Associação de moradores do condomínio Ayesha Garden
6. Associação de Kite Surf de Moçambique
7. Associação das Comissões de Moradores da Cidade de Maputo
8. Condomínio Casa Jovem
9. Condomínio Golden Sands
10. Associação dos Amigos de Futebol da praia
11. Clube Marítimo de Desportos
12. Centro Comercial Marés
13. Lojistas do Centro Comercial Mares
14. Sociedade Marés
15. Condomínio Joss Village
16. Condomínio Casa Própria
17. Citadinos dos vários bairros de Maputo, quer através das assinaturas
aqui anexadas, quer através da petição online que circula pela internet.
http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PraiaMaputo
Jd  edição 64 18 - 18 de Dezembro de 2015
Jd  edição 64 18 - 18 de Dezembro de 2015
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Jd edição 64 18 - 18 de Dezembro de 2015

  • 1.
  • 2. Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015 2 PUBLICIDADE
  • 3. Debate Online - www.debate.co.mz 3 Caros amigos e amigas, leito- res e leitoras do Debate cultural, publicamos, hoje, o último nú- mero deste velho jornal de três anos que fora, durante 2 anos e meio, generalista – primeiro cul- tural desde o Brado Africano, em 1958, o primeiro jornal literário do nosso pais –, que fazemos aparecer, desde 14 de Agosto, todas as sextas-feiras. Aos 5 de Fevereiro de 2016, pu- blicaremos o primeiro número, o primeiro num novo formato. Ain- da, um anúncio de viragem so- bre o fundo de crise dos próprios media e uma inflação ou uma cri- se econômica. Depende do pon- to de vista! Claro que, hoje, se paramos de publicar é para nos lançarmos melhor no novo projecto que nos apaixona e com o qual já sonhá- vamos há bastante tempo: pro- duzir, imprimir e distribuir um jor- nal cultural semanal e gratuito. Um jornal a sério, a cores, e que conta com 24 páginas no qual teremos muito espaço de pu- blicação: catorze páginas para artigos, dossiers, reportagens, entrevistas, fotos, críticas literá- rias, crónicas, um calendário de bons planos de saídas culturais e de sugestões de restaurantes e bares a visitar. O nosso jornal terá duas ver- sões: a electrónica e a impressa; e gostaríamos que as duas che- gassem a todo o pais, à Lusofo- nia e à Região Austral... Saibam que todos torcemos para que isso aconteça. Ninguém la- menta esta decisão que se apoia em constatações que nos apare- ceram ao longo destes cinco seis meses de trabalho. No nosso jornal, posso garantir- vos que podem ler as críticas li- terárias de Albino Macuacua, os ensaios de Lucílio Manjate, as crónicas sobre a sociedade e fi- losofia de Nelson Lineu, cartas, dossiers especiais, resultado de pesquisas de Pedro Lopes Perei- ra, resenhas de Eduardo Quive, contos de Dhymio Arijuane, Fáti- ma Langa, estudos literários de Emílio Cossa, Celso Cossa. Telcínia dos Santos, Nelson Mu- candze, Hilário Agostinho, Rei- naldo Luís, Coutinho Fernando, Carlos Macuacua, Américo Pa- cule cobrem, desde há muito, os desafios culturais e societais, digamos assim, do Maputo e do país. Entrevistas, textos de opi- nião, poemas de Amosse Mu- cavele, Hirondina Joshua, Laau Siqueira...Completarei o alinha- mento com novas colaborações de José Pinto de Sá, Amaril- do Jorge, David Bamo, Cármen Secco, que escreverão sobre di- versos temas tocando a cultura, a sociedade e os media. Outros colaboradores dar-nos-ão uma mão forte em 2016. Tudo isso se acresce a um bom trabalho que faz a nossa equipa interna. Na verdade, a difusão dos conteúdos é possível gra- ças a estes artesãos da sombra, que fazem com que o Debate Cultural exista. Penso em todos os que trabalham na produção, designers, revisores, fotógrafos; os comerciais, a administração e transporte ao serviço dos clien- tes. Gostaria de nomear a todos. Nós somos uma pequenita Media Empresa, o primeiro media cultu- ral em Moçambique e, ademais, gratuito. Há que estarmos orgu- lhosos. Bravo a todos! Uma última palavra para os nos- sos parceiros, que se trate de actores culturais, que se ins- crevem no discurso público onde buscamos inspiração, ou as ins- tituições que, ainda, nos olham cépticos ou os que fazem de conta que não existimos, e com os quais gostaríamos de traba- lhar num esforço de promoção e valorização do que é nosso e belo! Saibam que estamos enga- jados, no verdadeiro sentido for- te do termo, em promover o tra- balho dos nossos artistas e dos artesãos daqui! Não temos nada contra Beyonce, Cristiano Ro- naldo ou manas Khardashians; antes pelo contrário! É nice, mas o nosso desafio é outro! E que todos somos cultura! Para terminar, sei que não de- veria mencionar a palavra publi- cidade; mas vou mencionar, sem vergonha nem escrúpulos, que temos necessidade de vocês como vocês de nós. Digo-o tam- bém para os leitores e leitoras que apreciam o nosso trabalho. As instituições públicas e priva- das, as ONGs, as Embaixadas. Há uma ligação entre nós, todos e todas, que é necessário preser- var, uma espécie de ecossistema local, uma ligação social essen- cial, que devemos acarinhar. Pronto... o encontro está marca- do! O primeiro Debate estará na rua no dia 5 de Fevereiro. Daqui até lá, não hesitem em nos es- crever e em submeter as vossas propostas e ideias. Terei um imen- so prazer em vos ler. Deixo-vos o meu correio electrónico pessoal: zuchinnizuchinni@gmail.com DEBATE CULTURAL: 1º NUMERO 5 DE FEVEREIRO DE 2016 LITERATURA A palavra por si só em “poemas sem véu” ....................................... 9 Estou na ante-câmara da loucura ……………....................………. 18 MONUMENTO Praça dos heróis: Estrela que eterniza “nossos” Heróis ……..................…. 10 TEATRO Em “a caminho da fortaleza” diz-se: "feiticeiro é aquele que passa a vida a perseguir os outros " ……………..…. 19 MÚSICA De Xigubo a Cubaliwa: pegadas de Craveirinha no chão lírico de Azagaia …...…….. 20, 21, 22 CONTO Ndinema e as festas do Natal e ano novo .................................. 24 EXPOSIÇÃO Inauguração da Exposição Pancho Guedes ........................................... 4 TURISMO Inhambane: Turismo numa cidade de Êxodo .......................................... 5 Gurué: turismo em decadência por “desleixo” .......................................... 6, 7 Ficha Técnica Jornal Debate Cowork 1, Paulo Samuel Kankomba nº 1063, Maputo - Moçambique • TÍTULO REGISTADO: sob o número 18/ Gabinfo-Dec/2005 • PROPRIEDADE: Zuchinni, Lda • DIRECTOR Editorial: Maria Irene JJ Mucuiu Colaboraram nesta edição Alexandre Chaúque, Nelson Mucandze Eduardo Quive, Álvaro Fausto Taruma, Reinaldo Luís, Emílio Cossa Colaboradores Permanentes Albino Macuacua, Catarina Simão, Eduardo Quive, Lucílio Manjate, Nelson Lineu, Cláudio Frutuna • FOTOS: Google.com, Reinaldo Luís, www.alcanceeditores.co • CorrespondenteS: Alexandre Chaúque (Inhambane) Jessemusse Cacinda (Nampula) • REVISão: Mickson Zucula, Jojo Mei • PAGINAÇÃO: Timóteo Mahotas • PUBLICIDADE: Ema Ndzilo • ATENDIMENTO NOS DIAS ÚTEIS: Das 8h às 16h • CEL: 843839510, 843119087 • ENDEREÇO ELECTRÓNICO: info@debatemoz.com; zuchinnizuchinni@ gmail.com, ik1989ib@gmail.com; • SÍTIO INTERNET: http//www.debate.co.mz; Debatemoz .com • PERIODICIDADE: Semanal • TIRAGEM: 3000 Exemplares Impressão: LOWVELD MEDIA SUMÁRIO EDIÇÃO Nº64 Sexta-Feira, 18 de dezembro 2015 Mais do que cultura... É um movimento! ''NÓS POR CÁ, TODOS BEM'' ACV “PENSAR NAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA É UM FENÓMENO NOVO, COMPARATIVAMENTE, A OLHAR, POR EXEMPLO, PARA AS LITERATURAS INGLESA, FRANCESA OU ALEMÃ, QUE TÊM UMA LONGA TRADIÇÃO” Nataniel Ngomane Teve lugar dia 15 de De- zembro de 2015, às 18h00, na Mediateca do BCI – Es- paço Joaquim Chissano, em Maputo, a cerimónia de abertura da Exposição de Artes Plástica “10 PE-TE” do artista moçambicano Hlalala. Por julgar o órgão por V. Excia dirigido de extrema importância, solicitamos a divulgação e oportuna co- bertura do evento. Tem lugar esta quarta-fei- ra, dia 18 de Novembro de 2015, às 18h00, na Me- diateca do BCI – Espaço Joaquim Chissano, em Ma- puto, a cerimónia de aber- tura da Exposição de Artes Plástica “Caminhos” do jo- vem artista moçambicano Luís Simbine. Por julgar o órgão por V. Excia dirigido de extrema importância, solicitamos a divulgação e oportuna co- bertura do evento. Obrigado e cumprimentos.
  • 4. Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015 4 Exposição Foto: google.com Conheca o Mestre: Pancho Guedes, um arquitecto de aparições (1925- 2015). Um arquitecto de muitos estilos, um homem de muitas pátrias. Português e sul-africano, modernista e surreal, deixou mais de 400 obras em Mo- çambique, que marcavam pela sua exuberância Dizia: "tudo depende do que se so- nha". E porque este homem de olho azul não tinha medo de sonhar, tor- nou-se numa referência da arquitec- tura portuguesa do século XX. Criou casas com "olhos", prédios com "dentes", chamou-lhes O Leão que Ri ou A Mulher Habitável, fez escolas, conventos, apartamentos, bancos, igrejas, hotéis. É impossível ficar in- diferente perante o seu trabalho, so- bretudo, em Maputo: ou se sorri ou se enrruga a testa. Pouco ali é comum, as linhas são tortuosas, curvas, por vezes, fora de escala, complexas. Ele queria que os seus edifícios fossem "esquisitos e teatrais", mas de "fácil leitura". Porque "a arquitectura não tem de ser chata, triste e cinzenta". A dele nunca o foi. "Os meus edifícios, em África, pareciam uma aparição", reconheceu. Pancho Guedes tinha 500 obras construídas, frisa à SÁBADO o arqui- tecto, amigo, Pedro Ressano Garcia. Mas não foi por isso que reputadas revistas especializadas internacio- nais assinalaram a sua morte, no dia 7, aos 90 anos, na fazenda da filha, na África do Sul, chamando-lhe "um dos mais importantes da arquitectura africana". A crítica aplaude-o: "mo- dernista alternativo", "heterodoxo", "desconcertante", "exuberante", "anti -racional", "anarca" e "aventureiro". O homem que ousou fundir a arquitec- tura e as outras artes. Também pintor, escultor e fotógrafo, Pancho reclamava para a arquitectu- ra a liberdade dos poetas e pintores. "I claim for the architects the rights, and liberties that painters and poets have held for so long" tornou-se no seu poema visual mais repetido. Para este arquitecto português e sul-afri- cano, os arquitectos eram "mágicos, ilusionistas, negociantes em bens mágicos, promessas, poções, encan- tamentos", escreveu num dos seus manifestos. E ele era o "Doutor Feiti- ceiro", que usava com liberdade total o que, viajante sem limites, bebia em todo o mundo, da Índia ao Brasil, de Itália a Moçambique. Cada um de nós é muitos outros Pedro Ressano Garcia, que deu au- las com Pancho, fixa-o de forma mais simples: "Uma pessoa muito especial, um arquitecto raríssimo". Reunia um "conhecimento prático incomum com um universo teórico único e uma ima- ginação inacreditável". Misturava Le Corbusier, Gaudí ou Dalí com os ar- tistas africanos (foi mentor do célebre Pintor Malangatana) e a arte popular local. "Interessava-lhe por ser primi- tiva [a sua vasta colecção africana esteve exposta em Lisboa em 2010], porque no fundo procurava a essên- cia da condição humana". Talvez, por isso, gostasse de conversar com as crianças: "Interessa-me o que pen- sam. Estão muito perto da essência", explicava a Pedro Ressano Garcia. Cáustico, "não era de trato fácil, mas tinha um humor, uma integridade e uma generosidade impressionantes". A frontalidade, "o não ser dado a fre- tes ou jogos de cintura" fizeram dele "uma figura incómoda no meio corpo- rativo", diz Ressano Garcia. Só nos últimos anos, Portugal reconheceu-o quando já se afirmara figura mundial há décadas. E, no entanto, era por- tuguês. Nasceu em Lisboa, a 13 de Maio de 1925 como Amâncio d’Alpoim Miran- da Guedes, o segundo de dois filhos de um médico e de uma açoriana de ascendência espanhola. Depois, pas- sou a Pancho: nome dado por uma tia materna, que tinha dificuldade em dizer os nomes dos dois sobrinhos, ao outro baptizou-o de Pepe. E as- sim ficou, embora às vezes assinas- se Adam Guedes, Amâncio Guedes, A.d'Alpoim Guedes, pois, argumenta- va, "cada um de nós é muitos outros". Aos 3 anos, partiu para África com a família, o pai era médico: São Tomé e Príncipe, Guiné, Moçambique. An- dou na escola primária em Lourenço Marques (Maputo), e no liceu, em Joanesburgo, na África do Sul. Fez arquitectura na Universidade de Wi- twatersrand, onde conheceu Dori, mulher para o resto da vida – "na Universidade houve muitas namora- das, até que uma disse a verdade e casei com ela", contou ao Público – e teve quatro filhos. Foi aí que estudou com a arquitecta Heather Martiens- sen, viúva do conhecido arquitecto sul-africano Rex Martienssen, e co- nheceu outros nomes relevantes da arquitectura anglo-saxónica. Veio a Portugal, em 1953, para obter a equivalência do diploma e, assim, poder assinar em Moçambique, onde já construíra o edifício Dragão e tinha o Prometheus em curso. Os seus clientes eram, principalmente, ban- cos, companhias estrangeiras e mis- sões (para quem trabalhou, às vezes, pro bono), não recebia muitas enco- mendas do governo. Modernista, não tinha um só estilo. Identificou 25, sen- do o mais forte o Stiloguedes (com "dentes" ou "picos" de betão, não sabia de onde lhe tinha vindo a ima- gem, "seria da Casa dos Bicos", de quem sempre gostara?, interrogava- se). O Leão que Ri (prédio residen- cial com seis apartamentos feito para a sua família, a partir de um desenho do filho Pedro, de 7 anos) é o melhor exemplar deste estilo. Pancho, que tinha aqui o seu escritório, chamou- lhe, anos mais tarde "a minha casa, o meu túmulo". Nos 23 anos que gastou em Moçam- bique, fez 600 a 700 projectos e dei- xou 400 construídos (também deixou obra. um banco, em Tombua, Angola e na África do Sul, casas). Destes, destacam-se a padaria Saipal (duas fotografias em baixo), de que gos- tava muito, ou a igreja da Sagrada Família, na Machava, arredores de Maputo, que descreveu como "uma casa com paredes enroladas virando- se e revirando-se em cantos, fendas e concavidades". Costumava dizer que, na ex-colónia portuguesa, inven- tara e construíra "edifícios suficientes quitectura. Em 1990, voltou, finalmente, a Portu- gal, onde leccionou na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lis- boa e na Universidade Lusófona até depois dos 80 anos. Continuava um homem livre. Dizia frases como: "Não há política, há arranjos"; "Se houve Estado Novo, ele ainda vive"; "Não como manga, que representa o so- nho do império que não se cumpriu" (Público); "Portugal e os arquitectos portugueses estão obcecados com coisas que sejam muito simples, com uma ligeira monumentalidade e repe- tição" (Jornal Arquitectos). Somos todos coleccionadores de an- tiguidades, dizia. O Centro Cultural de Belém expôs a sua obra em 2009, e Pancho, então, com 84 anos, andava "hiperactivo, caminhava para lá todos os dias, fazia visitas guiadas, falava com as pessoas que lá iam", diz Ressano Garcia. Aliás, "ele não tinha idade", os "alunos não se lembravam que ele era velho", tal era a forma como abordava os as- suntos. Já, depois dos 80, aprendera a trabalhar no computador e usava telemóvel, mas sem perder o seu tempo de silêncio. Sempre activo em conferências e exposições, só há dois anos, já com válvulas no cora- ção, deixou de viajar. Em 2011, regressara à África do Sul. Para "ver os netos", para "viver". A mulher morrera em 2006 e a solidão invadira a A Casa dos Olhos que fize- ra em Eugaria, Sintra. Sentira-se bem naquela casa cheia de arte africana e recordações: "Somos todos coleccio- nadores de antiguidades. Não pode- mos sobreviver sem o passado". Gos- tara de viver ali: "Refaço a vida que tinha em África, rodeado de romenos e americanos, expatriados". Só que perdera a magia: "Sem a Dori não fun- ciona", lamentou ao Público em 2011. E "estar sozinho não é grande coisa". para uma cidade de dimensões con- sideráveis, caótica e feita de cama- das de memórias, de uma obsessiva irregularidade". Sempre, longe da política, perseguido pela PIDE – "A liberdade era o seu va- lor mais elevado", frisa Ressano Gar- cia– também não ficou confortável com a descolonização e voltou a Witwater- srand onde fundou e dirigiu o departa- mento de arquitectura. Uma escolha que levou o famoso arquitecto holan- dês, Aldo Van Eyck, a provocar os sul -africanos: "Vocês não o merecem! Ele devia era estar na Europa". O seu prestígio intensificou-se. Arqui- tectos do Team Ten (movimento que nasceu em meados dos anos 50 e preconizava novas abordagens para o planeamento urbano), de que era próximo, foram a Moçambique ver a sua obra. Deu aulas nos cinco con- tinentes, em países como Estados Unidos ou Israel, esteve nas Bienais de Veneza e S. Paulo, expôs em vá- rias cidades (Basileia, por exemplo), aparecia nas grandes revistas de ar-
  • 5. Debate Online - www.debate.co.mz 5TURISMO TURISMO NUMA CIDADE DE ÊXODO Aproximam-se as festas, e tudo isto vai mudar. A pacatez será substituí- da, com certeza, pelo ram-ram in- tenso de todos os fins do ano. Aliás, esse prognóstico é quase uma cer- teza porque os locais de alojamento, na sua maioria, estão reservados. Comecemos por aqueles que vão alugar as suas moradias; e o re- sultado que temos é que as casas estão reservadas para hospedagem durante todo o mês de Dezembro e uma parte de Janeiro. Badrú Suamado é um dos proprie- tários que já esfrega as mãos de contente. As principais estâncias da cidade, também, idem em aspas. Segundo os responsáveis dos ho- téis “Capitão” e “Inhambane”, pra- ticamente, já não há quartos livres para a quadra festiva. O mesmo vai acontecer nas praias do Tofo, Jan- gamo e Baía dos Cocos, para onde parece ir desaguar todo o turbilhão do turismo do fim do ano. A Direcção Provincial do Turismo, em Inhambane, acredita que, por estas alturas, o cenário muda de alguma for- ma, já que, ao longo do ano, o turismo, nesta zona, parece adormecer; e essa modorra pode ser aferida pelo pouco movimento nas praias, que serão das mais lindas do mundo. Por exemplo, “Tofo” faz parte das vin- te e cinco praias mais lindas do globo; e, mesmo assim, passa quase todo o tempo “sem ninguém”, e a explicação, de acordo com os dados disponíveis, pode ser encontrada numa gama de oferta diversificada que inclui o turismo de interior, que se pratica nos países vizinhos. A praia de Jangamo, a cerca de qua- renta quilómetros da cidade de Inham- bane, será um dos lugares de eleição, por tudo aquilo que ela representa em termos de beleza, indiscutivelmente ar- rebatadora. Os operadores turísticos daquela zona, porém, temem que o fluxo de turistas para ali possa ser afectado, negativa- mente, pela triste recente notícia de ocorrência de tubarões. Mas o gerente do principal lodje local desdramatiza: “aquilo que vocês viram na televisão não tem nada a ver com a nossa praia. Os pescadores ilegais, que caçam tu- barões, fazem-no a longas distâncias daqui; o que acontece é que trazem as peças para as comerciazar às pes- soas. Esse acto não tem nada a ver connosco e nem com esta praia. Por isso quero sossegar aos turistas que podem vir desfrutar desta dádiva”. Outro lugar, que se destaca pela sua localização e pelos seus relevos, é a praia da Barra, constantemente fusti- gada por incêndios nas estâncias, que, até agora, não encontraram uma expli- cação clara. Há menos de três meses, o “Flamingo Bay”, ponto incontornável, especta- cular pela sua rusticidade artística, foi cimpletamente avassalado pelo fogo que se pensa ter sido provocado por um curto-circuito. E não é a primeira vez que isso acon- tece no mesmo lugar, criando enormes prejuízos. Todavia, não serão esses precalços que irão demover os opera- dores, que persistem em repôr as coi- sas e continuar. E o facto de não se ir a tempo de repôr a infraestrutura – única pelas suas características – pode con- dicionar a demanda pela “Barra”. Mas, aqui, não é o único destino tu- rístico, obviamente! Em Vilankulo, por exemplo, pelas informações disponí- veis, tudo está a postos para receber quem queira visitar um dos lugares mais apetecidos do país. Os responsá- veis do Hotel Massunguine já vieram a terreiro dizer que estão por demais organizados para corresponder às ex- pectativas. Parafraseando a gerente, “temos quar- tos confortáveis, boa comida diversifi- cada, bebidas para todos os gostos e, sobretudo, a hospitalidade e sossego que o nosso hotel oferece”. É isso: esses são, apenas, alguns pontos de refência de um destino que será um grande manancial, um maná, se qui- sermos. É um maná que inclui a praia de Guin- jata, alistada nos lugares cimeiros das praias mais lindas do mundo. A nossa reportagem esteve lá recentemente, e o que constatou é que, paradoxalmen- te, o vazio tomou conta de tudo. Nos finais do ano passado, terá havido um desentendimento entre os trabalha- dores locais e os operadores turísticos sul-africanos e, ainda, as populações dalí, num processo que chamou a in- terevenção das estrutruras administra- tivas. E o que se sabe, até hoje, é que o diferendo não ficou resolvido, e hoje Guinjata parece um lugar desolado. ÊXODO Na cidade de Inhambane, a sensação de êxodo continua, mesmo assim. A cidade é a mesma. Conserva o rítmo de sempre. Aqui, ninguém tem pressa. Mesmo querendo, esbarra-se com o mar. Com a beleza da baía. E diante do belo, não se apressa. Neste lugar, o crepúsculo do amanhe- cer é igual ao crepúsculo do entar- decer. Não há diferença. As pessoas mantêm a mesma cadência tanto ao amanhecer quanto ao pôr do sol. Foi sempre assim. E será sempre assim. Quando o sol vai dormir, a cidade vai dormir também. As ruas desertificam- se. Os bares clássicos, que já não existem, esvaziam-se. Isto é pior que o tédio. Ultrapassa a modorra. Aos fins- de-semana, desenha-se um filme de ficção, que faz desta urbe o deserto de Sahara. Não se ouve nenhum som em nenhum dos cantos desta dádiva. Parece uma cidade abandonada, onde, perante o decreto de Estado de Sítio, todos re- colheram cedo para os seus casulos, ou fugiram para o fim do mundo. Mas o mais interessante é que, no dia seguin- te, voltam desse fim do mundo para calcorrear as ruas. Sem se preocupa- rem com nada. Sem olharem para trás. Não é preciso olhar para trás; aqui, nin- guém faz mal a ninguém. Deus, quan- do quer descansar, vem para aqui. Até o diabo. Na verdade, neste recanto, ninguém se acotovela. Nem na belíssi- ma ponte desenhada em forma de “T” quando os passageiros são vomitados como baratas assustadas, dos barcos que vão e vêm, beijando as duas mar- gens. De um lado, Inhambane; do ou- tro, Maxixe. A cidade quer modificar-se na sua es- trutura original, mas não pode. Ela foi feita assim. E vai ficar sempre assim. Por todo o sempre. Embora alguns tentem feri-la no seu orgulho. Já a feri- ram com a estupidez da construção do Hotel Capitão, que nos retirou um bem precioso e comum, que é a contempla- ção da baía na sua plenitude. Agora, querem matar-nos outro pulmão, ali ao lado das instalações do Grupo Desportivo de Inhambane. Já puseram chapas metálicas a indicar futuras insta- ções de qualquer coisa. O dinheiro, por vezes, faz perder o sentido do belo. Os políticos também pensam que podem fa- zer tudo ao seu bel-prazer, mesmo que para isso tenham de desobedecer as paisagens naturais. E a ganância, e a casmurrice, e a tos- quice da mente e a brutalidade levam as coisas para esse sentido. Parecem estar a levar Inhambane para o es- boroamento urbanístico entanto que cidade-museu e, amanhã, a memória poderá ter-se esvaído. Agora, são os bairros periféricos deste lugar, que chamo “a cidade mais sos- segada do mundo”, que me doem. As ruas não obedecem um plano de urba- nização organizado. Elas aparecem ao gosto do novo morador. Querem que as coisas aconteçam, hoje, sem so- lidez, sem perespectiva do futuro. O amanhã não será com eles. Que se lixem os filhos que, hoje, nas- cem dos seus próprios ventres. E, pe- rante esta situação, não dá para rir. Não dá para rir quando, nesses bair- ros, não temos um jardim público orga- nizado, espaçoso, amplo, a pensar-se no crescimento demográfico. Que não pára de galopar. No prolongamento da baía de Inhambane, em direcção ao sul, cada um constrói onde quer. Não há ordem; e parece que ninguém está interessado em impor essa ordem. Hoje, ainda, é uma alegria viver nesses bairros que nascem, Malembwane, Guitambatuno, Chamane, Nhaguiviga, Muelé, Tsivanene, etc. É retumbante viver neste ambiente meio rural, meio urbano. Mas, amanhã, vai surgir o caos. Certamente, quando chegar a hora das correcções – que podem ser evitadas agora – as ruas irão apontar para algumas ou muitas casas. A bru- talidade da ocupação dos espaços não irá deixar espaços para lazer. Terá sido afundado o belo. O que será uma grande pena, numa cidade feita para ser eternamente turística! Foto: google.com Colaborador Alexandre Chaúque Crepúsculo
  • 6. Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015 6 TURISMO GURUÉ: TURISMO EM DECADÊNCIA POR “DESLEIXO” Portador de uma riqueza históri- ca e ímpares atractivos turísticos, Gurué acentua uma decadência turística e cultural questionáveis. Para as autoridades locais, apa- rentemente optimistas, tudo está num bom ritmo, embora os dados provem o contrário. “Depois da destruição registada no conflito armado, hoje, o cená- rio é outro, e grandes investimen- tos sócio-económico e cultural estão a marcar a presença”, pala- vras do Director das Actividades Económicas, Vilinho Abeque, em declarações à nossa reportagem. Para um cidadão comum, que está em Gurué desde os tempos de Vila Junqueiro, tais declarações podem não fazer sentido: a guerra não jus- tifica a declinação do legado natural e histórico, que o distrito detém, por- que, num passado muito recente, “a cidade mantinha a sua referência”; aliás, apenas, comparado com os dados do ano passado, o turismo, naquela cidade, decresceu14%. Graças à sua riqueza histórica e na- tural, nos últimos três anos, o distri- to de Gurué, a 348 quilómetros da cidade de Quelimane, Zambézia, foi espaço para a gravação de dois fil- mes (NAMULI, de Majka Burhardt, a ser lançado em Janeiro de 2016, e Tabu de Miguel Gomes, lançado em Portugal em 2012). Os esforços de documentar aquelas imagens visam chamar a atenção nacional e internacional para o facto de existirem espécies raras e amea- çadas e propor um plano de sustenta- bilidade multifacetada de longo prazo para a região, mas esse esforço não tem atraído a correspondência das autoridades governamentais locais. Nem, ao menos, pôr um status oficial de conservação no Monte Namúli, a segunda maior montanha do país, que está a 30Km da cidade de Gurué, servindo, actualmente, como fonte de rendimento da família da rainha do monte Namúli, quem realiza cerimó- nias tradicionais, chegando a cobrar aos turísticas dois mil meticais (valor não fixado), invocando, para tal, expli- cações supersticiosas. Não são, apenas, alpinistas ou cineas- tas que visitam o local. Namúli não está perdido aos olhares dos investigadores e estudantes nacionais e internacionais, que o escalam, o que mostra tratar-se de um local de aquisição e consolida- ção de conhecimentos. Com 2.419 metros, a montanha é uma referência em África, e por que não dizer no mundo. Ali, existe uma espécie única de passarinhos (Na- múli Aplis), que não existe em ne- nhuma parte do mundo, embora há quem diga que, depois da pesquisa em Gurué, a mesma espécie foi en- contrada em Mabu. “Não existe um preço definido para escalar a montanha, às vezes, pede duzentos meticais, 500, até dois mil meticais”, afirma Peter Pichcer, aus- tríaco, dono da Pensão Gurué, que está a desenvolver algumas activi- dades com vista a atrair turísticas. Foi naquele hotel onde alojou Majka Burhardt com a sua equipe aquando da gravação do filme. Visão de turismo ainda não existe Peter Pichcer acredita que a forma como as autoridades governamen- tais geram o turismo em Gurué é como se ela não existisse; “seria necessário um diálogo sério, mais aberto e um compromisso de as autoridades honrarem as suas pro- messas para dar a Gurué o devido reconhecimento natural e histórico. Ideias, o Governo tem, há projectos bons, mas falta o compromisso de pôr isso em prática”, disse. Limpa, calma, pequena (5606 km²), Gurué peca, apenas, por desvalori- zar o que a distingue das outras ci- dades. A Casa dos Noivos, a Casa de Cultura (antigo clube dos empre- sários), o Cine Gurué, bem na praça da cidade, são algumas referências em decadência, patrimónios pultu- rais ricas em histórias, que teste- munham que, de facto, o distrito de Gurué já foi, no passado muito re- cente, “a Suíça de África”, quando havia o devido cuidado, o que dava à aquela cidade uma outra imagem e atraía receitas que, hoje, se estão perdendo a 100%. Por exemplo, no bairro de cimento, todas as casas ti- nham um jardim e havia um prémio para a casa com melhor jardim. A Casa dos Noivos, bem na cadeia do Monte Namúli, numa vista que ninguém quer perder, está totalmen- te degradada. É nesse local onde os que contraíam matrimónio, vindos de Maputo, outras províncias ou outros países, podiam passar lua- de-mel e tinham todas as condições de alta qualidade para firmar a sua fidelidade; e, hoje, clama por uma urgente reabilitação. Ramiro Carvalho, ex-piloto de Samo- ra Machel, pediu às autoridades locais que reabilitassem o local e devolves- sem a imagem perdida; “não aceita- ram, e nem cuidam, assim fazem com todos outros lugares turísticos”, diz Marcos, que vive naquele distrito des- de os tempos em que o distrito era o maior produtor de chá. Há três anos, a casa dos noivos Foto: google.com Colaborador Nelson Mucandze
  • 7. Debate Online - www.debate.co.mz 7TURISMO foi usado para a gravação do filme “Tabu”, lançado e premiado em Por- tugal; para tal, foi necessário reno- var a pintura externa, apenas, para enganar o telespectador. Até então, não há qualquer pers- pectiva de devolver à Casa dos Noi- vos o devido cuidado. E, na falta de preocupação em conservar não só os bens como a própria infra-estru- tura, a Casa foi alvo de vandaliza- ção perante um olhar complacente das autoridades locais. O Cine Gurué, ao lado da pensão Monte Verde, em frente à Praça Aquário, onde, nos últimos anos, passavam, aos fins-de-semana, fil- mes pouco recentes, actualmente, sofre a falta de cuidados; e transfor- mou-se numa boutique. A respeito disso, sem entrar em detalhes, Vilinho Abeque disse que aquele espaço foi entregue ao sec- tor privado para a sua gestão. Mas “para mais detalhes sobre isso, se- ria necessário entrar em contacto com a direcção competente (direc- ção de cultura e turismo) ”, disse. Por um lado, a Casa Presidencial, onde Samora Machel ficava quando chegava a Gurué, continua em con- dições ajeitáveis, mas o seu acesso está a quem de desejar. O mesmo sucede com a Casa da Cultura, embora funcione para casamentos, Shows locais, clama por uma reno- vação, ainda que de pintura. Essas infra-estruturas, elevadas ao Património Cultural, em abandono, conjugando com atractivos naturais de Gurué, vislumbram que não é por acaso que aquela cidade está para ser proposta para o Património da Humanidade. Isso revela a sua dimensão histórica e a sua riqueza natural, mas que, no entanto, pelo “desleixo” da gestão das autoridades distritais, “não é possível submeter Gurué a UNESCO, porque nem como Património Cultural serve”, afirma Marcos. Com licença de hotel isento de impostos O hotel dos padres ilustra a negli- gência que as autoridades locais têm na gestão do sector turístico ao nível daquele distrito. Esta institui- ção, que sobrevive de doações, em- bora venda os seus serviços hotelei- ros, tem licença do hotel, mas está isento de impostos como tal. Pro- vocando uma concorrência desleal com outras pensões e hotéis, que se vão alastrando pela cidade, cum- prindo os seus deveres hoteleiros, na expectativa de que as melhorias chegaram, porque a procura existe. Manuel Oliveira, homem cujo seu percurso de vida gira em torno des- te distrito, cheio de ricas memórias, bons e maus, acredita que as polí- ticas administrativas provocaram certos atrasos no distrito: “há coisas que, até então, não ultrapassámos, mas já deveríamos ter ultrapassado; e tudo o que hoje foi abaixo foi por falta de uma visão e civismo”. Como réplica à nossa questão sobre as mudanças, Oliveira respondeu que, com as políticas actuais, não é possível aquele distrito voltar a ter a sua própria independência económi- ca e cultural. “Não, é difícil por cau- Foto: google.com Foto: google.com sa da forma como está estruturada. Visitas turísticas decrescem Na tentativa de entrevistar o gover- no distrital, após enviar as perguntas por correio electrónico (por orienta- ção da Secretaria Permanente do Distrito), fomos recebidos pelo Di- rector das Actividades Económicas, Vilinho Abeque, quem explicou à nossa reportagem que o distrito, em todas as vertentes culturais e econó- micas, está num bom caminho, “por- que, depois da destruição registada no conflito armado, hoje, o cenário é outro; e grandes investimentos só- cio-económicos e culturais já estão a marcar a sua presença no distrito”. Os dados do governo distrital in- dicam que, de um plano de rece- ber 5.832 turistas, foram recebidos 4.298, dos quais 3.828 nacionais e 470 estrangeiros, traduzindo-se numa realização de 74%. Comparativamente ao igual período do ano passado, em que o distrito recebeu 4.981, regista-se um de- créscimo de 14%, o que se deve às vias de acessos, que se encontra- vam condicionadas ao início do ano.
  • 8. Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015 8 PUBLICIDADE MOVEIS FEITOS DE PALETES PARA MAIS INFORMAÇÃO GABRIEL VASCO GABRIEL843 119 087 MESAS | SOFÁS | CAMAS | BALCÕES | VASOS | PRATELEIRAS | ESTANTES | CADEIRAS | E MUITO MAIS
  • 9. Debate Online - www.debate.co.mz 9LITERATURA A PALAVRA POR SI SÓ EM “POEMAS SEM VÉU” A poesia é, sempre, um exercício de auto-superação. Um acto de extravasamento da alma de um sujeito oculto, que se pode trans- formar num conhecido. Pode ha- ver, na poesia, o simples devaneio, ou então, a própria poesia; se o olhar for lançado, objectivamente, à poesia. Certamente, os “Poemas Sem Véu” de Lica Sebastião en- contram-se nesse percurso. Uma poesia que fala, gesticula, move-se – talvez incompletamen- te – audaz na sua forma e estilo. Tudo que for a dizer sobre a poesia de Lica Sebastião será incompleto se não lembrar que ela é também artista plástica. Esse é um ponto de partida para compreender essa poesia onde os sujeitos poéticos, sem esboço, se expressam natu- ralmente, colocando a alma e o corpo em constante comunicação. Lica Sebastião associou o seu ca- samento com a arte visual para vestir o véu da escrita. Uma aven- tura em que se saiu bem, ao tecer “umas palavras” com o empenho que a poesia requer até chegar ao estado que se almeja: o estado de ser arte, corpo e alma. Pode, de tanto que há por dizer, afirmar-se que a Poesia Sem Véu é a palavra que faz o retrato enig- mático da alma, transformando o diálogo, quase sôfrego com os seus sujeitos, em verdadeiras insi- nuações. Mas a autora terá toma- do a dianteira a partir do poema “Tanto por dizer...” convicta das di- ficuldades de dizer “tanto” através da poesia: “Querido,/quando me refiro a ti/socorro-me de aspas,/ reticências, apóstrofes./Fica tanto por dizer…” (p. 46) No poema “Quem me dera”, quan- do a poetisa desafia o seu desejo de “pintar sorrisos francos, verda- deiros/ como folhas.../ e gestos espontâneos” (p.47), fica evidente que, no auge da imaginação, os “Poemas Sem Véu” anunciam a desvinculação da alma do corpo – se a essência for o que importa. Mas, se o olhar for lançado ao véu como esse tecido de fingimento ou embelezamento, há que descobrir o casamento desse corpo com o meio, porque a imagem é aliada aos cenários e o corpo, ao bem -estar do espírito. Aí se explica, igualmente, o motivo da preocupação com a temática existencial sobre os nossos dias e os que ainda estão por vir, como revela no “Último verso”: “Homo sapiens, o que vais fazer quando a catástrofe chegar ao teu planeta?” (p.58), ao direcionar o discurso para o presente do indicativo (ex- cluindo-se). O sarcasmo com que se relacio- nam algumas temáticas – mesmo quando se trata de recordações capazes de congelar os ânimos como no poema “Sequelas de Acidade”, o sujeito que fala de um episódio catastrófico – é capaz de abrir espaço para a criação de afectos ao dizer que “Descobri que era amada e que amigo não é uma abstração (…) / Sobrevivi de olhos abertos”, (p.14). Esse poema, no concreto, sabe criar o retrato melancólico das pa- ragens da vida para abrir espaço à reflexão, se calhar, um exercício de inventar um chão novo sob os pés. A poesia de Lica Sebastião é feita de comunicações, outrossim, de- monstra a necessidade de afectos que a autora transporta a partir de um vazio que é feito no âmago dos seus sujeitos, que, entretanto, co- nhecem a necessidade de o corpo servir o espírito. Pode, ainda, encarar-se os desa- fios, a que se propõe essa poesia, num exercício de exploração dos efeitos da língua e da linguagem. Porque um corpo imóvel não tem poesia, é asfixiado às memórias perdidas; e não tem uma lingua- gem. Os efeitos de uma obra como “Poemas Sem Véu”, quando a lei- tura se deixa transcender, podem ser “tantos” como a própria poesia chegou a dizer. Foto: www.alcanceeditores.co Colaborador Eduardo Quive Isto é, portanto
  • 10. Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015 10 MONUMENTOS PRAÇA DOS HERÓIS: ESTRELA QUE ETERNIZA “NOSSOS” HERÓIS A Praça dos Heróis, monumento em forma de estrela, erguido em me- mória dos heróis da revolução, que combateram por um Moçambique in- dependente, comparada com outras praças espalhadas pelo país, tem uma dimensão histórico-cultural que transcende o seu propósito. Em Moçambique, os monumentos, como temos ilustrado nas edições anteriores, estão espalhados um pouco por todos os lados, tanto nas cidades como nas vilas. No entanto, quando se fala das datas comemora- tivas, a Praça dos Heróis, que está no entroncamento entre as Av. Acordos de Lusaka e FPLM, é a mãe de todas, por ser a única frequentemente visita- da por diversas pessoas e entidades de todos níveis, o que enriquece a sua dimensão. Inaugurada no dia 3 de Fevereiro de 1977, 65 dias depois do início da sua construção, em Novembro de 1976, por perto de 50 trabalhadores de três empresas moçambicanas, a Praça dos Heróis tem uma área total de 84 metros quadrados. O diâmetro geral da estrela é de 24 metros, com uma altura de 6 metros acima do nível do terreno e de dois abaixo do mesmo nível. Usou-se o betão, mármore branco e ferro para a sua construção. A es- trela, agarrada ao solo, cobrindo a cripta, simbolicamente, representa o socialismo, ideologia política do país na altura. O mármore branco dá-lhe mais visibilidade, tanto de dia assim como de noite. “Era importante que o monumento fosse visível a qual- quer altura do dia”, refere o arquitecto José Forjaz. Estava previsto o plantio de árvores ao redor da Praça dos Heróis, sim- bolizando uma coroa; ideia que, até então, não se materializou. No dia 3 de Fevereiro de 1979, foram transladados os primeiros restos mor- tais dos moçambicanos cujos corpos jazem na cripta. No entanto, o seu historial inicia em 1976, em Fevereiro, num comício po- pular largamente concorrido, quando o Presidente Samora Machel anun- ciou a nacionalização de todos os prédios de rendimento. Diga-se que, de acordo com o princípio invocado, e à luz do processo de acesso às reais conquistas do povo moçambi- cano, todos os prédios de rendimento, incluindo as palhotas de caniço suburba- nas, passavam para as mãos do Estado, sendo este quem deveria administrar o parque imobiliário. No quadro desta deci- são governamental, foi necessário esta- belecer parâmetros e mecanismos para a sua implementação. A dimensão da Praça retirou a força ao Ministério da Agricultura e Segu- rança Alimentar; ora, em reabilitação, o hospital de Mavalane, a Escola Se- cundária do Noroeste, com uma cele- bridade que vinha dos áureos tempos do colonialismo, a Urbanização, o mercado Delina e muitos outros pon- tos de que se falava para orientação das pessoas, ficou a praça como re- ferência para localizar estes lugares. Bem ao lado está o mercado Delina, onde se compra e se vende tudo, desde o açúcar aos mais sofistica- dos materiais de construção, passan- do por telemóveis, computadores e, como não poderia deixar de ser, moe- das externas mais correntes nesta zona da África Austral. Em 2013, foi reabilitada, mas a sua estrutura não sofreu alterações, e a sua imagem mudou radicalmente a cidade de Maputo. Esta foi a segunda inauguração depois de ser reabilitada em 2009, quando foram construídas rampas ao longo dos passeios que dão acesso ao monumento para facilitar a entrada dos portadores de deficiência. Com a nova visão, as noites da Praça dos Heróis são belas, exactamente, por causa deste movimento das barracas e da musicalidade do ambiente ilumina- do àquele modo único. Glória vai para a ideia edificante deste monumento, que eleva os heróis nacionais para a verdadeira dimensão das estrelas. Praça deve ser um espaço para to- dos Na visão do historiador Egídio Vaz, a Praça dos Heróis Nacionais é o lo- cal onde se celebram as efemérides mais importantes do país. É o ponto mais importante e mais alto de todas as cerimónias oficiais de carácter his- tórico-cultural do país. No entanto, nos 40 anos da indepen- dência, o historiador sublinha que não concorda com o tratamento que a praça dos heróis está a ter por parte do Estado. “A Praça dos Heróis não deve, necessariamente, ser um ce- mitério, para começar!.. A Praça dos Heróis deve ser um monumento er- guido em reconhecimento dos heróis de uma determinada nação em torno do qual deve conter todos os elemen- tos materiais ou não, que documentam a história, a importância e o legado de quem se homenageia. A melhor forma de honrar os nossos heróis é não os pôr ou os depositar dentro da cidade ou dentro das nos- sas casas. É colocando-os num es- paço destacado onde podem descan- sar em paz eternamente; isso, sim, é respeito”. Egidio Vaz defende que uma Praça dos Heróis seria, também, um local onde fosse possível adquirir réplicas de objectos históricos ou insígnias dos que ora se homenageiam, como bandeirolas, cachecóis, bonés, ca- misetas, livros, agendas, garrafas, casacos, medalhas, postais, etc., de pessoas honradas de uma nação ou do seu legado. “Ou seja, em vez de ser um cemitério, evitado e vigiado 24 sobre 24 horas, uma Praça dos Heróis devia ser um ponto de atracção turística, onde, a cada dia 3 de Fevereiro ou data his- tórica, pudéssemos levar os nossos filhos para a visitar e revisitar a histó- ria de um povo – a nossa história de Moçambique”. A sua opinião é de que se deve en- contrar um espaço, no Município de Maputo e da Matola, ou em qualquer outro ponto do país, um espaço bom, acessível e nobre para criar um ce- mitério de dirigentes, se assim quise- rem, para onde todos eles deverão encontrar a última moradia. Mas, antes, Vaz propõe a necessidade de se investigar, documentar e divulgar a história dos actores e fautores da His- tória de Moçambique o mais profundo e amplamente possível para que não seja surpresa quando o próximo morrer e lhe for atribuído um título honorífico e “uma meia página de louvores em rela- ção aos seus feitos”. Foto: www.google.com Colaborador Nelson Mucandze
  • 11. Debate Online - www.debate.co.mz 11COMUNICADO PUBLICIDADE ERRATA O Jornal Debate vem por este meio comunicar ao público que houve erros na edição 63/12-13/20, 11 de Dezembro de 2015, referentes à autoria e assinatura de textos tais como: 1. Entrevista: Nelsa Guambe; é de José Pinto de Sá e não de Américo Pacule. 2 Entrevista: Fátima Langa; décimo parágrafo da página 20, a escritora que ofereceu livros à biblioteca foi Fátima Langa e não Madu costa. Pelo sucedido, as nossas sinceras desculpas!
  • 12. Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015 12 LITERATURA Doutor Nataniel Ngomane é uma persona- lidade, rigorosamente, única e, por isso, di- fícil de apresentar. Certamente, já exerceu várias funções. Actualmente, é Professor na Universidade Eduardo Mondlane, e ac- tual Director do Fundo Bibliográfico de Lín- guaPortuguesa. É,precisamente, Profes- sor de Literatura Comparada e Introdução aos Estudos Literários I e II. Licenciado em Linguística pela Universi- dade Eduardo Mondlane, cuja disserta- ção de defesa foi sobre o romance Terra sonâmbula, de Mia couto; é doutorado em Estudos Comparados de Literatura pela Universidade de São Paulo - USP, com a tese “A escrita de Mia Couto e Ungulani baka Khosa e a Estética do Realismo Ma- ravilhoso (2004). ORealismoMaravilhosoéumgéneronas- cido na América Latina. Talvez, por isso, a sua tese de doutoramento confronte as obras desses autores moçambicanos com as do brasileiro João Guimarães Rosa e do cubanoAlejo Carpentier. Nessetrabalho,Ngomanechegaàconclu- são de que a escrita dos dois autores mo- çambicanos pertence a um género que, tendo nascido na América Latina, pode aparecer em qualquer país que tenha sido colonizado e que tenha tido um contacto, um confronto de culturas. Colabora, como Professor Visitante, com a Universidade de São Paulo - USP, Brasil, com a Universidade do Minho, de Coim- bra, Braga e de Trás-os-Montes, em Por- tugal, com a Universidade de Bayreuth, na Alemanha,ecomadeNottingham,noRei- noUnido,HelsinquianaFinlândiae,agora, com a Universidade Agostinho Neto, atra- vés do Instituto104 Superior de Ciências da Educação – ISCED, de Luanda. Aqui, orienta seminários de Mestrado na área de Estudos Comparados, sinalizando uma nova parceria, agradável e necessá- ria, dado o facto de os nossos países fala- rem a língua portuguesa e terem desafios comunsparaaconstruçãodasrespectivas nações. É membro do conselho científico do ISARC. P - Como é que estão a correr os cur- sos de pós-graduação, na Universida- de Eduardo Mondlane - UEM, no que diz respeito ao ensino das literaturas, professor? Ngomane - No que diz respeito à litera- tura, ainda não têm, propriamente, um programa de pós-graduação. Temos uma Faculdade de Letras e Ciências Sociais, que congrega, entre os cursos, os de Le- tras. Na altura em que foram produzidos os mestrados em Linguística, ainda não tínhamos um corpo docente qualificado para abrir um curso de pós-graduação em Literatura. Neste momento, já estamos, mais ou me- nos, preparados; ou seja, temos um corpo docente qualificado, e estamos a trabalhar no sentido de produzirmos um programa de mestrado que culmine em estudos de doutoramento em literatura. Mas já temos mestrados e doutoramentos em linguística e em outras áreas, na UEM. P -Sei que está cá para orientar alguns seminários de mestrado aqui no IS- CED. Gostava de ouvir de si como é que estão a correr e como é que surge esta parceria? NN - Bom, esta parceria é do tipo que acontece no meio universitário. Não sei quem deu o meu nome ao ISCED; a ver- dade é que um dia recebi um e-mail de uma professora que esteve aqui no IS- CED, a Doutora Luísa Coelho, convidan- do-me para orientar estes seminários na área da Didáctica de Línguas - para um curso de mestrado em literatura e língua portuguesa. Respondi que não entendia nada de di- dácticas e que a minha área era a Literatu- raComparada.AProfessoraCoelhodisse- me que não havia nenhum problema, que sepodiamudaroprogramaparaLiteratura Comparada, que seria bem-vinda. Como a professora Coelho terminou o contrato dela em Luanda, passei a dialogar com o Professor Vitorino Reis, que, por sua vez, me convidou para orientar um seminário de Literatura Comparada para este curso de mestrado. É nesse âmbito que aqui estou; e tem sido uma experiência bastante rica: Moçambi- que e Angola têm a mesma idade como nações, e têm os mesmos desafios, inclu- sive, na área da Educação e formação de quadros. Logo, não é muito complicado, para quem dá aulas na Eduardo Mondla- ne, dar aulas aqui no ISCED; ou seja, não há diferenças significativas entre dar aulas aos estudantes angolanos ou moçambica- nos:osgrandesproblemassãofundamen- talmente os mesmos. Seguimos, mais ou menos, o mesmo per- curso. Refiro-me, particularmente, à prosa, área em que mais trabalho: o início do ro- mance angolano nos finais do século XIX, o moçambicano na primeira metade de XX... Existem certas proximidades, o que facilita o processo. A língua é a mesma, parte substancial das nossas culturas é bastante próxima. É só olharmos para a nossa comum ma- triz bantu e, mesmo olhando para a matriz portuguesa, sentimos que há uma grande “PENSAR NAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA É UM FENÓMENO NOVO, COMPARATIVAMENTE, A OLHAR, POR EXEMPLO, PARA AS LITERATURAS INGLESA, FRANCESA OU ALEMÃ, QUE TÊM UMA LONGA TRADIÇÃO” “PENSAR NAS LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA É UM FENÓMENO NOVO, COMPARATIVAMENTE, A OLHAR, POR EXEMPLO, PARA AS LITERATURAS INGLESA, FRANCESA OU ALEMÃ, QUE TÊM UMA LONGA TRADIÇÃO” N ATA N I E L NGOMANE N ATA N I E L NGOMANE Nataniel Ngomane (Foto: Arquivo) Escritor/ Jornalista Nome: Cláudio Frutuna
  • 13. Debate Online - www.debate.co.mz 13LITERATURA proximidade. Portanto, tem sido bastante gratificante esta experiência, sobretudo, a troca de experiência com colegas angola- nos, do ISCED. P - Como é que vê a qualidade, em ter- mos de conhecimentos, por parte dos estudantes deste curso de mestrado? NN - São estudantes bastante participa- tivos, são muito informados. Como em qualquer sala de aulas, há sempre uma ou outra informação que é nova para os estu- dantes; mas, de uma maneira geral, têm informação suficiente para estabelecer o diálogo que nós queremos. E porque o objectivo último deles é produ- zir trabalhos de mestrado, nós temos ten- tado dar o máximo de colaboração nesse sentido, procurar iluminar um pouco aque- las zonas de penumbra que lhes habitam, discutindo os seus projectos e ideias, cla- rificando aquilo que podemos clarificar a partir do nosso conhecimento, por via da oferta possível de bibliografia. P - Professor, como avalia a literatura de expressão portuguesa, ou seja, dos PALOP? NN -Não sou a pessoa ideal para fazer uma avaliação dessa natureza. Falar de uma literatura de língua portuguesa... Pre- firoutilizaraexpressãoliteraturasdelíngua portuguesa, no plural, a “literatura de ex- pressão portuguesa”, porque nós somos uma constelação de nações, uma conste- lação de culturas; e seria complicado pro- curarmos uma forma singular de nomear a nossa expressão cultural. Por outro lado, eu não sou, necessaria- mente, um indivíduo de “expressão por- tuguesa”. Recuso-me de ser chamado de lusófono. Não sou lusófono, porque a minha matriz fundamental é Bantu. Falo ci- tswha [leia-se tchitsua], que é a minha lín- gua materna; falo copi [leia-se tchopi], que é a língua da minha mãe; falo xironga, que é a língua através da qual me socializei, a língua da minha infância; e tenho a língua portuguesa,queaprendiaossete(7)anos, porque tinha de entrar para escola. Não sou lusófono. Em termos culturais, o meu ideal de casamento, de morte, de convívio, de riso, é um ideal não, neces- sariamente, português; mas, necessa- riamente, Bantu. “Lusofonia”, “expressão portuguesa”... São adjectivos que não têm nada a ver comigo. Daí preferir expressões como países de língua portuguesa, países africanos de língua portuguesa, literaturas africanas de língua portuguesa, e sempre no plural, evi- dentemente, porque Angola é diferente de Moçambique; Moçambique é diferente da Guiné; Guiné diferente de Cabo Verde; e por aí em diante. Julgo ser fundamental usar o plural, por- que somos uma diversidade, para não cair no erro em que muitos críticos, espe- cialmente, os de fora do nosso continente, caiem, em dizer, por exemplo, “queremos uma cooperação entre Portugal, Brasil e África”, como se África fosse um país. Te- mos inúmeras diversidades no nosso con- tinente, de Norte a Sul. E mesmo na África Austral, onde há algumas proximidades, há também diferenças abismais. Temos de olhar e perceber isso de forma bastante clara. Justamente, por isso, não me sinto em condições de fazer a ava- liação que me pede. Posso dar algumas ideias em torno dessa questão, o que não significa que esteja a fazer uma avaliação das literaturas de língua portuguesa no continente africano. Pensar nas literaturas africanas de língua portuguesa é um fenómeno novo, com- parativamente, a olhar, por exemplo, para as literaturas inglesa, francesa ou alemã, que têm uma longa tradição. Têm muitos séculos de vida.Ao olharmos para a litera- turadeMoçambique,oudeAngola,vemos literaturas absolutamente novas, surgidas recentemente, ainda em fase de consoli- dação. Ainda assim, hoje, já podemos falar des- tas literaturas como literaturas nacionais, embora ainda exista um discurso que pro- cura uniformizar estas literaturas, como se tratasse de uma apenas. Basta olharmos para as universidades pelo mundo fora, para percebermos que a maior parte de- las têm áreas chamadas “literaturas afri- canas”, “literaturas africanas de expressão portuguesa”... Algumas chamam mesmo “literaturas lusófonas”, o que é muito dis- cutível. Já existe uma Literatura Moçambicana, uma Literatura Angolana, uma Literatura Cabo Verdiana, São Tomense... Quer di- zer, essas literaturas já se afirmaram au- tonomamente; são literaturas nacionais. Se olharmos para as dinâmicas dessas literaturas,percebemosquetêmgruposde autores que se relacionam, gerações de autores que se ligam, que se influenciam por meio de motivações diversas: seja do ponto de vista ideológico como do ponto de vista político, estético ou cultural. Essas gerações produzem obras concre- tas, conjuntos de obras que podem ser reunidas por perspectivas temáticas, es- téticas, epocais e outras. E mais do que termos autores e conjuntos de obras, te- mos, necessariamente, públicos diversos. Portanto, temos leitores para essas obras. Sendo estes três factores que configuram os sistemas literários, podemos dizer que os nossos países têm, efectivamente, lite- raturas. Trata-sedeumpassofundamentalparaos países que surgiram há pouco tempo, há pouco mais de trinta anos. E isto é óptimo, se se tiver de fazer uma avaliação, para di- zer o seguinte: olha, as nossas literaturas acabam de surgir, mostram produção es- téticaetemáticariquíssimas,eestãonuma fase de consolidação. Um número, não muito, mas significativo dos nossos autores é conhecido lá fora. No caso específico de Moçambique e An- gola, posso citar alguns nomes: José Cra- veirinha, Noémia de Sousa, Luís Bernardo Honwana, Luandino Viera, Artur Pestana – o Pepetela -, Luís Carlos Patraquim, Mia Couto, UngulanibakaKhosa, Manuel Rui, Eduardo White, João Melo, Paulina Chi- ziane, Paula Tavares, João Paulo Borges Coelho, Eduardo Agualusa, entre muitos outros. Ouseja,játemosumasériedeescritorese deobrasquegozamdeumreconhecimen- to nacional e internacional, seja pelo uso dos seus textos em salas de aulas, seja pela atribuição pública - reconhecimento público das suas obras – de prémios con- cretos.Qualquerumdessesautoresjáterá ganhadoalgumprémiodentrodoseupaís, ouforadele,porcausadaobraqueproduz e o seu consequente reconhecimento, o que é sinal de pertença a algum sistema literário. Então, temos, de facto, literaturas nacio- nais. Não só ficamos independentes do pontodevistapolítico,mastambémtemos, de certo modo, aquilo que é fundamental em termos culturais: literaturas nacionais. P - Qual é o paralelismo que podemos encontrar entre as literaturas africanas de língua portuguesa e as de língua francesa e inglesa? Quais são as dife- renças e semelhanças existentes, em termos de qualidade literária, profes- sor? NN - A nossa qualidade literária é boa. Muito boa – diga-se. Mas gostava de vol- tar a chamar atenção para o facto de não termos uma literatura africana de língua portuguesa. Não existe uma literatura afri- cana de língua portuguesa; existem várias literaturas africanas de língua portuguesa. Quanto à comparação, em termos de qualidade, é algo muito difícil e complexo e, até, perigoso, porque corremos o risco de cair em reducionismos e situações de sobrevalorização sem propósito. Não gos- taria de comparar, porque as literaturas de língua inglesa pouco conhece; as de lín- gua francesa também pouco conhecem. Mas acredito que as nossas literaturas têm qualidade e têm reconhecimento público; por isso, são estudadas em várias Univer- sidades; por isso é que uma parte signifi- cativa dos nossos autores são lidos pelo mundo fora, o que é um bom indicador da qualidade das nossas literaturas. E as ou- tras também a têm. Quando vamos para os países africanos de língua inglesa, encontramos autores lidos em todo o mundo. Aqui ao lado, na África do Sul, além de Coetzee, que foi agraciado com o Nobel de literatura de 2003, temos a Nadine Gordimer, uma grande autora sul-africana, também Nobel de literatura, em 1991. Em André Brink, temos também um gran- de autor sul-africano. No Zimbabwe, pode- mos citar Nozipo Maraíre, que escreveu Zenzele(1996), um belíssimo romance. E podíamos citar outros nomes noutros países africanos, como o caso de Labou Tansi, no Congo, escritor de língua fran- cesa. Precisamos citar N’gugiWa 7iong’o? Wole Soyinka? Todos eles, e muitos ou- tros, mostram que as nossas literaturas, de uma maneira geral, sejam de língua inglesa, francesa ou portuguesa, têm qua- lidade. Não há dúvidas quanto a isto. Estamos a falar de literatura; poderíamos estar a falar de música, de teatro; poderíamos estar a falar de outras expressões artísticas como a dança, a pintura, a escultura. Neste do- mínio, das artes, acho que estamos bem. Precisamos de trabalhar mais e superar a qualidade boa de hoje, trazendo coisas cada vez melhores. Mas não restam dúvi- das de que temos literatura de qualidade. P-Algunsestudiososdizemque,parao caso de Angola, particularmente, a dé- cada de oitenta foi de ouro, em termos de produção literária de qualidade. E havia uma componente muito impor- tante para produção literária, que é a crítica. Do que tem estado a estudar da literatura angolana, sente que a ausên- cia da crítica literária, a sua pouca pre- sença, diminui a qualidade da produ- ção literária? Pelo menos da literatura produzida hoje? NN-Souapologistadadiversidade,nãode modelosúnicos.Porisso,nãoacreditoque a ideia que se tem dos anos oitenta tivesse de se manter nos anos dois mil; até por- que estamos numa outra época, movida poroutrasforças.Cadaépocatemosseus valores e deve ser lida em função desses valores, de acordo com a dinâmica históri- ca, social e cultural dessa mesma época. Nãoconheçoaliteraturaangolana.Conhe- ço alguns autores, dos quais já fiz referên- cia, como o Pepetela, o Luandino, Paula Tavares, Manuel Rui, João Melo, Agualu- sa. O Ondjaki, por exemplo, até agora, só o conheço de nome.Ainda não li nenhuma obra dele. Não tenho vergonha nenhuma de dizer isso. Portanto, conheço-o muito pouco, e muito pouco também conheço a crítica angolana. Não conheço quase nada. Logo, não me posso pronunciar sobre isso. Mas sei que há um discurso mais ou menos similar ao de Moçambique em que, inclusive, se fala de uma crise da literatura. Acho que cada época é uma época; não podemos espe- rarque,anualmente,apareçaumMiaCou- to, um Ungulani baka Khosa, uma Paulina Chiziane. O que não impede que apareça um Ond- jaki em Angola, ou um João Paulo Borges Coelho, em Moçambique, que escreveu esse romance monumental, a que se cha- ma “O olho de Hertzog” (2010). Quantos Camões têm Portugal? Quantos Fernando Pessoa tem Portugal? Há toda uma dinâmica natural - embora estejamos a falar de cultura; mas a cultura tem uma relação com a Natureza -; por isso, acho que há uma dinâmica natural nestes fe- nómenos, que tem de ser lida dentro da sua própria lógica. Julgo ser isto que está a acontecer. Há sempre momentos altos e momentos baixos em qualquer fenómeno, em que os momentos baixos não implicam, neces- sariamente, uma crise, mas um estado normal e ideal da época que se está viver, com todas as vicissitudes típicas dessa época; com todos os problemas inerentes a essa época, enquadrados numa dinâmi- ca mais global. No caso, a dinâmica global pode ter a ver com as crises financeiras, com os níveis e qualidades da educação não só emAngo- la ou em Moçambique, mas em todo mun- do. Talvez seja o caso de a gente lançar o olhar para fora das nossas fronteiras, começar a verificar o que se passa nos ou- trospaísesecomparar:qualeraasituação nos anos oitenta nesses países, e qual é agora, nos anos dois mil? O que resulta daí? Não é um problema só de Angola, ou Moçambique; trata-se de uma conjuntura global e que, como tal, deve ser lida dentro da própria época e no âmbito da dinâmica que hoje se vive. P - Mas a crítica é inegavelmente um barómetro que ajuda a medir a quali- dade literária. E, como a literatura é um produto vendável, surge o problema da aceitação das editoras. Não é funda- mental a crítica literária, que serviria de garante para o êxito deste processo? NN -De facto, é um elemento fundamental. Mas quanto é que ganha umcrítico por es- crever um texto de crítica? Deixa de fazer as suas coisas e escreve um texto crítico... e não recebe nada por isso. Não será, este, um grande problema? Porque as restantes profissões são pagas parafazeroqueestãoafazer.Queméque paga a crítica? Quem respeita a crítica? Quem dá valor à crítica? As pessoas pe- dem sempre para fazer um prefácio, uma apresentação dos seus livros; quanto se ganha por isso? Imaginam quanto se despende para fa- zer isso? A sociedade valoriza a crítica? Até que ponto? Estas coisas devem ser vistas também de uma outra forma. Já houve tempos em que se vestia a camiso- la porque se gostava; basta ver como se fazem as transacções dos futebolistas. A dinâmica é outra, não vamos pensar num trabalho de crítica literária hoje, nos anos dois mil - em que as pessoas lutam para sobreviver - com a crítica que se fazia nos
  • 14. Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015 14 LITERATURA anos idos. Talvez seja necessário repensar um pouco nisso, porque temos, de facto, bons crí- ticos. Em Moçambique, falar de um Lou- renço de Rosário, um Gilberto Matusse, Teresa Manjate, Francisco Noa, é falar de bons críticos. Estes dão aulas de literatura, prefaciam e apresentam livros. E isso está aí... É público. P – Qual é o papel que às Faculdades de Letras podem jogar para o garante do desenvolvimento dos estudos literá- rios de crítica em si? NN -Esse é o papel geral, ou global, de uma Universidade: conferir qualidade aos seus cursos. No caso da literatura, é evi- dente que queremos o melhor para os nossos estudantes. Queremos que eles conheçam os textos, conheçam os meca- nismosparaasuacompreensãoeanálise, sejam capazes de os interpretar de forma adequada, vendo neles representações simbólicas das dinâmicas socioculturais e históricas. É papel dessas faculdades oferecer um ensino de qualidade, oferecer instrumen- tos de qualidade que possibilitem análi- ses e pesquisas e, inclusive, processos de ensino e aprendizagem baseados na leitura de textos literários. Creio que é fun- damentalmenteoquedevemosoferecer,e é o que temos estado a tentar, de alguma forma. P-Faloudeensinodequalidade.Recordo- me que alguns nostálgicos dizem que, nos anos 80, havia textos de melhor qualidade, porquemuitosdosescritoresedosquetra- balhavam nos textos literários tinham uma base de formação colonial... NN -É uma leitura parcial. Absolutamente parcial. Há outros elementos e factores que não têm nada a ver com o facto de se vir, ou não, de uma escola colonial; há questões mais conjunturais, por exemplo, o facto de a maior parte dos docentes – pelo menos na minha Universidade é as- sim – serem assistentes estagiários, ou assistentes apenas; isto já é um elemento que coloca em cheque a própria qualidade do ensino Universitário. Sabemos que a norma geral é que o do- cente Universitário tenha o título de Doutor, porque este título, de alguma forma, im- plica uma experiência, implica uma leitura dosfenómenosdeformadiferente.Agente cai um pouco no absurdo, quando um su- jeito que termina hoje o nível secundário, amanhã está a dar aulas ao mesmo nível. Não há, aí, nenhuma diferença; é lógico que aí se descubram, depois, zonas de fraqueza. O mesmo acontece no ensino Universitá- rio; ou seja, há outros elementos, outros factores de ordem social, e até, de ordem económica e cultural, que interferem, não apenas a questão da qualidade, como um elemento isolado, um elemento que pos- sa ser visto a parte; há vários outros que devem ser levados em conta na avaliação desta qualidade. Por outro lado, não é só a nível da literatura que esta qualidade baixou; posso dar-me a liberdade de dizer que há uma “inflação” de formações;aqualidadequetemalicenciatu- radehojenãoéamesmacomadezanos,e issonãotemavercomofactodevirdeuma escoladoperíodocolonialounão. O valor que se atribui, hoje, a um mestrado não é o mesmo que se atribuía há dez ou vinte anos atrás; e estou a falar dos anos noventa, e não dos anos oitenta. Portanto, é toda uma dinâmica social que não pode ser ignorada quando vamos fazer uma análise profunda dos fenómenos sociais; há toda uma série de elementos compro- metidos com a dinâmica social de hoje, que é uma outra dinâmica. Estamos numa fase de mudanças de paradigmas e, se calhar, ainda não per- cebemos que o que está a acontecer são mudanças de paradigmas, e não falta de qualidade como tal; essas mudanças podem ter implicações não apenas no desempenho de certas áreas como na capacidade de visão de certas pessoas, relativamente a certas coisas, pessoas, se calhar, guiadas por um certo conservado- rismo bastante fixo, onde o valor de uma licenciatura de hoje não é, seguramente, o valor de uma licenciatura de há dez anos. O valor de uma quarta classe de hoje não é o valor da quarta classe de há dez anos, assim como não é o mesmo valor que tem o ensino médio hoje. Quais são os argu- mentos em relação a isto? É porque a li- cenciatura de hoje, o nível médio de hoje ou a quarta classe de hoje não vêm da escola colonial? De vez em quando, tam- bém gosto de colocar veneno em algumas coisas; mas envenenar desse jeito não funciona. É uma mudança paradigmática: a Univer- sidade de hoje é diferente da Universidade de algum tempo atrás; o processo de Bo- lonha tem a ver com quê? Tem a ver com o ancoramento de um processo colonial? Claro que não! há toda uma mudança glo- bal. A crise mundial tem a ver com o quê? É preciso perceber esta mudança num pro- cesso dialéctico global e tentar encaixar todos estes elementos, que são bastante vulneráveis a esta dinâmica de hoje. Vejo as coisas desta forma. Há sectores mais vulneráveis e outros me- nos, relativamente às dinâmicas de hoje. Nãocreioquetalvulnerabilidade,necessa- riamente, tenha a ver com a mudança de um período colonial para um período não colonial, e que o período não colonial seja mais fraco... P - Qual é o papel que as editoras nos nossos países devem jogar, na publica- ção de autores e obras literárias? NN - Não percebo nada de editoras, logo, não estou em condições de responder a essa pergunta. Penso que essa pergunta deve ser feita às editoras ou às instituições que ditam as políticas do livro. P - Existem casos, no mundo, em que as Universidades têm as suas próprias editoras. As regras dessas editoras de- vem ser, necessariamente, as mesmas que as das editoras independentes? NN -Penso que não: a obrigação de uma editora Universitária é editar trabalhos uni- versitários, fundamentalmente. Se tiverem espaço para editar outras coisas, podem editar; mas, fundamentalmente, a sua mis- são é editar trabalhos científicos produzi- dos na Universidade. Entendo as coisas dessa forma, embora nem sempre seja assim. No caso da UEM, temos uma imprensa Universitária, que po- deria editar os nossos trabalhos universitá- rios; mas ainda não há uma política que per- mitaisso,queessaimprensapubliquetextos produzidospelaprópriaUniversidade. Digamos que esta seria a primeira obriga- ção desta imprensa Universitária, editar os textos Universitários: as teses de dou- toramento, de mestrado e de licenciatura; artigos diversos, resultados de diversos estudos e pesquisas, que deviam ser pu- blicados. Várias imprensas universitárias – prefiro o termo imprensa universitária a editoras – noutras partes do mundo, publicam traba- lhos universitários.Algumas, como a da Uni- versidadedeSãoPaulo,oudaUniversidade Federal de Minas Gerais, e várias outras, têm como primeira prioridade a publicação detrabalhosuniversitários,numaperspectiva dedivulgaçãodostrabalhoscientíficos. Acho que esta é a obrigação das imprensas universitárias, que nós deveríamos abraçar commuitaforça,tendoemvistaadivulgação dos trabalhos que temos, mesmo, até, para estimular a produção de mais conhecimen- tosdentrodasnossasUniversidades. P - Moçambique já tem um estudo da História da Literatura Moçambicana? NN - Depende do que isso possa signi- ficar. Há textos que fazem referência a isso. A Professora Fátima Mendonça tem textos sobre isso, e tem-se dedicado bas- tante ao processo de ensino da literatura numa perspectiva histórica; tem uma série de textos que nos têm servido de suporte para o ensino da história da literatura Mo- çambicana. Os programas de ensino têm enfocado esta perspectiva histórica. Não temos uma história da literatura mo- çambicana como temos, por exemplo, os volumes da história de Moçambique. Não temosisso,oquetambémtemaverumpou- co com o facto de a nossa literatura ser uma literatura nova, o facto de termos, ainda, de alguma maneira, um grupo de docentes de literatura ainda muito escasso e haver várias outras prioridades, que vêm concorrendo os espaçosaseremtrilhados.Talveznãotenha chegado, ainda, o momento de uma história da Literatura Moçambicana com essa di- mensão de um manual, de facto, de História daLiteraturaMoçambicana. P - Fizemos esta pergunta porque, em 2005, o Governo angolano criou uma comissão multidisciplinar de especia- listas nacionais e estrangeiros para tra- balharem na Historia da Literatura An- golana,quetinhamcomometaentregar o primeiro draft em 2009. Estamos em 2011, e ainda não se apresentou esse draft. Será que é uma tarefa muito com- plexa fazer um estudo exaustivo da lite- ratura angolana? NN - Não há tarefas fáceis. Você está aqui a fazer esta entrevista; não vai dizer que esta tarefa é fácil. Conduzir um carro na rua não é uma tarefa fácil; ir à escola com cinco ou sete anos não é uma tarefa fácil; não existem tarefas fáceis. Por outro lado, acredito que não será uma má vontade da equipe que foi indicada a fazer este estudo que faz com que não haja respostas; acredito que existam ra- zões, para uma ideia desta dimensão; existem razões bastante profundas, que seria interessante a gente saber, ao invés de especularmos. Quer dizer, se eu quero falar de um deter- minado grupo social, de um determinado povo,deumdeterminadogrupodepessoas, convémquemesituenaperspectivadessas pessoas, que esteja dentro destas pessoas parapoderfalar,defacto,comconhecimento decausa,sobreestaspessoas. E como não conheço, efectivamente, nin- guém desta equipa, e não sei quais são as razões que estão por detrás do atraso desse processo, se são razões de ordem profissional, económica, cultural, ou se são razões de ordem ideológica, não sei; mas várias razões podem estar na peneira, re- lativamente ao atraso desta resposta. Por essa razão, prefiro não me pronunciar, sob o risco de cometer barbaridades. Prefiro ficar quieto e não emitir nenhuma opinião. P - Professor, gostaria de ouvir os seus argumentos de razão em torno dos ter- mos angolanidade, moçambicanidade ou cabo verdeaneidade. Podem-se abordar as nossas literaturas nestes termos? NN -Acredito que sim, que é possível falar- se de uma moçambicanidade literária, da mesma maneira que falamos da nacionali- dade moçambicana, que digo que sou um moçambicano e você é angolano. A mesma perspectiva permite que a gen- te fale de uma literatura moçambicana, de uma canção moçambicana, de uma obra moçambicana, de uma pintura moçam- bicana, de uma escultura moçambicana, de um teatro moçambicano. É possível, sim. Claro que isso não se faz da mesma maneira que a gente fala de uma madeira moçambicana, que é um objecto concre- to, não é?... Como um tipo de árvore que nasce em Moçambique e que só lá é que nasce; não é nesta perspectiva. Mas numa perspectiva mais ampla, numa perspectiva daquilo que nós, em literatura, chamamos conceito aberto. E o que é um conceito aberto? É um conceito que está sempre pronto a receber qualificações e pronto a perder qualificações. Porque a ideia de moçambicanidade, angolanidade, portugalidade, brasileiridade... É uma ideia que está em permanente construção. Enquanto a gente estiver viva, está a construir isso, de acordo com a nos- sa visão do mundo, a nossa maneira de ser, a nossa maneira de falar, o jeito como a gente usa as palavras, o reaproveita- mento que a gente faz das palavras. Talvez isso torne Mia Couto mais moçam- bicano do que outra coisa, embora escreva de forma similar a João Guimarães Rosa e Luandino Vieira; Virgínia Wuollf, Joyce, Proust,Faulkner...Mascadaumdestescon- segue ser aquilo que é: o Luandino, angola- no; o Couto, moçambicano; o Guimarães, brasileiro; o Faulkner, americano; o Joyce, ir- landês.Mastodostrabalhamdaquelaforma. Oquefazcomquefaçamisso? Há um toque especial e bastante específi- co que os torna diferentes uns dos outros. Isso é que faz a moçambicanidade. Mas não é uma coisa permanente e fixa, nem é concreta; é algo abstracto, algo presente no nosso imaginário e que nos acompa- nha, conferindo-nos esta diferença, per- mitindo-nos dizer: eu não sou sul-africano, swázi, zimbabweano, malawiano nem tan- zaniano, que fazem parte da minha região. Não sou nenhuma dessas coisas, sou mo- çambicano. E quando saímos para o ex- terior e vemos um grupo de pessoas que tem a ver connosco, rapidamente identi- ficamos esse grupo: olhamos e dizemos logo, aqueles são moçambicanos. Há alguma coisa que conseguimos atin- gi-la e capturá-la na abstracção do nosso imaginário e que permite isso. Portanto, não vejo nenhuma dificuldade de se falar de uma portugalidade, uma moçambica- nidade. Essa coisa existe, mas de uma forma sublime, que só é possível aferi-la a partir do nosso imaginário, da nossa capa- cidade de olhar, ver e interpretar as coisas. P - Até que ponto à língua portuguesa falada hoje em Angola, Cabo verde, Guiné, Moçambique e São Tomé terá galvanizado o enriquecimento da lín- gua portuguesa em geral?
  • 15. Debate Online - www.debate.co.mz 15LITERATURA NN - Não se sabe exactamente. Fala-se muito desta ideia do enriquecimento da língua portuguesa de uma maneira geral; não sei se, de facto, estamos a enriquecer a língua portuguesa de forma geral, ou se estamos a enriquecer as nossas próprias culturas, individualmente, enquanto Mo- çambique, enquanto Cabo Verde. É só olharmos para o Brasil: damo-nos conta de que o Brasil realizou certas trans- formações na língua portuguesa, naquilo que podíamos chamar de base da língua portuguesa, a norma europeia. Hoje, há várias modificações introduzidas pelos brasileiros e que não foram, necessaria- mente,absorvidaspelanormaportuguesa, ou europeia. Então, em que medida é que significa en- riquecer à língua portuguesa? Talvez se pudesse falar do enriquecimento da língua portuguesa se essas transformações, ope- radaspelobrasileiro,entrassem,defacto,no sistemalinguísticodalínguaportuguesa. Penso que há aqui uma mudança no sen- tido de perspectivar a existência de uma língua portuguesa brasileira, uma língua portuguesa moçambicana, uma língua portuguesa cabo-verdiana. Tenho a im- pressão de que, por vezes, temos medo de falar disso. Qual é o problema? Os americanos têm uma língua inglesa que não é aquela dos ingleses. Qual é o pro- blema? Cada espaço de língua inglesa tem o seu próprio espaço de língua: os ingleses têm uma série de dificuldades de entenderem e discutirem com os americanos, nessa perspectiva de Língua, porque estes in- ventaram uma outra forma de falar inglês. Por que nós não podemos abordar mais profundamente esta questão? Em Moçambique, temos uma linguista, a Perpétua Gonçalves, que tem estado a trabalhar na perspectiva ideal, em termos de leituras das regras sintácticas, das re- gras morfológicas, na perspectiva de uma língua portuguesa de Moçambique, a que ela chama de Português de Moçambique. Trata-se de uma variável que está a ganhar contornos que mostram que se está a sedi- mentarláumalínguaque,tendonascidoda- queletronco,temestadoaganharasuapró- pria autonomia. Com as literaturas, deu-se a mesma coisa: as nossas literaturas, como diz muito bem António Cândido, nasceram daliteraturaportuguesa,constituindoassuas ramificações. Mas foram ganhando a sua autonomia,atésecortarocordãoumbilical. Não será isto que está a suceder à língua? Deixo para os linguistas, a resposta para essa questão. Esta coisa de enriquecer a língua, o que é? Parece haver, aqui, uma tendência a um espírito agregacionista. A ideia da liberdade, da independência e da diversidade é fundamental e enrique- ce, se olhamos para o enriquecimento da língua nesta perspectiva, em que ela vai autonomizando os seus filhotes, para eles crescerem e se autonomizarem relativa- mente à língua mãe, como ocorreu com a língua inglesa nos Estados Unidos. Mas, se formos a pensar, o enriquecimen- to da língua como reenvio, realimentação de uma língua mãe, acho que esta reali- mentação não existe. Exemplo disso é que aquela forma de falar que os brasilei- ros usam não é recuperada na Europa; e a forma de falar dos angolanos... Há uma e outra palavra que a gente encontra, uma espécie de modismo, não é? Uma palavra que se usa, por exemplo, é bué, que é tipicamente angolana, usada em Portugal; mas olho para este fenóme- no como um modismo, não propriamente como uma absorção da palavra. Manin- gue, uma palavra Moçambicana, também se usa; mas também como um certo mo- dismo, não havendo um uso generalizado. Se houvesse esta tendência de uso ge- ral... Há toda uma infinidade de palavras, milhões de expressões, milhões de for- mações sintácticas, que são produzidas pelo povo brasileiro, e que teriam entrado na norma europeia, e não entraram nem estão a entrar. Aliás, aproveito a ocasião para dizer que acho absurda a ideia dos novos acordos ortográficos, um absurdo autêntico, por- que há questões mais candentes em cada umadasnações,paraseremresolvidasdo que tentar uniformizar uma coisa que não se uniformiza. Por que não vamos optar, tranquilamente, pela forma, como optaram os ingleses? Os americanos criaram a sua língua, têm lá a sua língua, há dificuldades de comuni- cação, mas entendem-se. Porque se tem de uniformizar? Isto não é possível; temos questões mais candentes internamente, relativamente a esta língua. Seja em Por- tugal, seja em Angola, seja em Moçam- bique, em Cabo Verde ou na Guiné, são questões que devem ser sistematizadas e estudadas. Agora, vamos uniformizar uma coisa que não conhecemos? Quem propõe este acordo ortográfico conhece muito bem as tendências, as perspectivas e manifesta- ções da escrita em Moçambique? Da es- crita em Angola? Isto entrou na balança? Acho um absurdo. Sou pela liberdade absoluta do falante, por- que quem produz a fala é o falante, e não uma meia dúzia de linguistas, que vão pro- duzirumaleidecomoéquesevaifalar;acho que o falante é que faz a língua, e o gramá- tico tem, apenas, a obrigação de descrever como o falante fala, como o falante a usa, e nãocriarregrasdeuniformização. Deveríamos repensar, por exemplo, por- quê, havendo uma tendência cada vez mais galopante de se usar uma variante do português de Moçambique, ou de An- gola, continuamos a submeter as crianças a avaliações com base numa norma que não usam e que desconhecem. Acho que este seria um grande problema a ser debatido e a ser colocado na balança nestemomento,enãotentarcriarumacor- do com algo que muita gente até desco- nhece. Há muitos absurdos nesta história do acordo ortográfico. Têmaparecidotextosquemostramalguns desses absurdos, na queda das consoan- tes disto e daquilo, quer dizer, há absurdos que acho que não foram pensados, cria- ram-se leis de generalizações em situa- ções que deveriam ser olhadas de forma bastante excepcional, que acabam trazen- do absurdos ilógicos. P - Que importância a literatura oral deve jogar nos nossos países, até em funçãodaoralidadequeécaracterística do nosso continente? NN -Todas as sociedades partem de uma situação de oralidade, para chegar a uma situação de escrita. Todas as sociedades têm, de alguma forma, uma componente de literatura oral; e esta, tal como a orali- dade, é a parte fundamental da cultura de qualquer sociedade, devendo-se tirar o máximo proveito dos seus sistemas na construção da nação, dos novos sistemas culturais. Mesmo porque a literatura escrita, a mú- sica, o cântico, o teatro, têm tirado provei- to do sistema da oralidade, inclusive, do próprio sistema da literatura oral. As lin- guagens diversas que existem, não só na literatura oral, como também na oralidade, são fontes fundamentais para a produção de sistemas estéticos, nossas representa- ções culturais - seja ao nível da música, da literatura, do teatro, do cinema ou da dan- ça. Há todo um manancial dos nossos siste- mas de oralidade, com as suas diversas linguagens, que deve ser reaproveitado para produzir novas realidades culturais, novas realidades sociais, novas realida- des didácticas, enfim, novas realidades de tudo mais alguma coisa. Nesse sentido, acho que vale a pena pres- tar atenção a estes sistemas literários e tirar proveito do que existe de bom para produzir novas coisas, um pouco na senda daquela máxima da física: no mundo nada se perde, nada se cria; tudo se transforma. P - Gostaria de ouvir a sua virtude de razão, relativamente à defesa da ideia de que as nossas literaturas deviam ser escritasnasnossaslínguasnacionais... NN - É um tópico bastante polémico, e não é uma polémica de agora, é uma polémica antiga, dividindo uma série de estudiosos. Wole Soyinka, por exemplo, defende que cada um deve escrever na língua em que se sente melhor. Concordo com ele e com as pessoas que assim fazem. Lembro-me que Fernando Pessoa escre- veu uma série de textos em inglês. E de- via sentir-se bem, escrevendo em inglês. Vários outros autores escolheram uma lín- gua para escrever. Lembro-me do caso de Ngungi WaT’hiongo, um escritor queniano que optou por escrever em kikuyo. Ngugi defende, categoricamente, que o africano deve escrever nas suas próprias línguas. Só que é a tal coisa... como a gen- te encaixa isto, numa situação em que in- tervêm vários e diversos outros factores? Ngugi escreve em kikuio, mas quer ser lido por gente que não lê kikuio, quer ser lido em Moçambique, por exemplo. Qualquerescritorquerserlidoeomeiokikuio é reduzido; ele escreve em kikuio e, depois, tem de traduzir as obras para Inglês. Não sei se isto é tão confortável. Há vários outros factores que impedem que esta ideia, que é umaideianatural,secumpracabalmente. Uma literatura deve falar a sua própria lín- gua, mas os ventos da história mudaram essa lógica. Porquê não estamos aqui a fazer esta entrevista na minha língua ma- terna? Seria interessante! Mas como é que você, que é Mucuvale ou Umbundu ou kimbundu, como é que você, que não fala xithswa, a minha língua materna, vai entender-se comigo? A lógica da apropriação da língua portu- guesa pelos movimentos de libertação afri- canos, a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC, foi uma apropriação não só lógica, mas estratégica,deacordocomarealidadehis- tórica, numa situação em que cada um de nós fala uma língua diferente. Seria natural que cada um de nós tivesse uma estratégica que nos permitisse comu- nicar completamente; essa estratégia foi a apropriação da língua portuguesa, que foi uma ideia fantástica! Posso ler Mia Couto da maneira como o meu irmão angolano lê Mia Couto, o meu irmão cabo-verdiano. Se eu escrevesse em xithswa ou em ronga, talvez houvesse problemas para ser entendido; só se tives- se de investir, como faz Ngungi, numa tra- dução. Teria dificuldades em ser lido. É uma questão bastante polémica; mas faz sentido pensar que deveríamos escre- ver nas nossas próprias línguas, como a literatura inglesa fala em inglês, a francesa fala em francês; é preciso reparar que as literaturas americanas não falam as lín- guas ameríndias, a literatura brasileira não fala tupi, não fala tupinambá, e por aí fora; têm uma realidade histórica que é, mais ou menos, similar às nossas, com a diferença fundamental de que nós não fomos dizi- mados como o foram os índios; mas existe esta lógica de usar esta língua da qual nós nos apropriamos ou, como diria Luandino Vieira, este troféu de guerra. Nós temos este troféu de guerra, a língua portuguesa. E, como diz o meu conterrâ- neo, Luís Bernardo Honwana, esta língua já não é pertença absoluta e exclusiva dos portugueses; a língua portuguesa também é nossa; então, nós podemos escrever li- vremente em língua portuguesa. P – Vem, agora, à questão da tradução. Ou seja, se o autor domina uma deter- minada língua nacional, mas tem de es- crever em português, não há o risco de se perder alguma originalidade? NN – Existe essa possibilidade. Mas acon- tecequeamaiorpartedosescritores,mes- mo aqueles que escrevem na sua língua materna, sendo esta uma língua bantu, tem um domínio perfeito da língua portu- guesa. É o caso de Ngungi, que tem um domínio perfeito da língua inglesa. Aliás, o grande paradoxo de Ngungi é es- crever em kikuyo – porque faz questão de escrever em kikuyo –, e estar radicado na Inglaterra. Quem defende que deve escre- ver na sua própria língua devia estar na sua própria terra; ou não? Isso é um para- doxo, que tem a ver com estas dinâmicas de hoje, tem a ver com o contexto de hoje. É um pouco aquele jogo do Velho e o mar, no célebre romance de Hemingway: quando é para dar corda, você tem de dar a corda; quando é para puxar a corda, a gente tem de puxar a corda. É um negócio de tolerância, diálogo. Dialogamos perma- nentemente com os ambientes, com os momentos históricos. E esta coisa do diálogo não é, apenas, uma questão de comunicação entre pes- soas; o diálogo é uma questão também de comunicação com o meio que nos cerca, com a cultura, com as circunstâncias, com as situações. Dialogar sempre com elas. Deve haver, sempre, um espaço de nego- ciação permanentemente, sem “fixismos”; um espaço de diálogo permanente, exac- tamente, para não entrar neste tipo de pa- radoxo: vou escrever em ronga, mas vou morar na “metrópole”. Não tem uma coisa a ver com a outra. P - A terminar, professor, gostaria que deixasse um conselho para as pessoas que gostam de navegar no mundo da escrita, dos estudos literários e, sobre- tudo, da crítica? NN-Muitaleitura.Muitaleitura,muitaleitura, muita leitura. É preciso ler muito. Para fazer um texto de crítica literária, é preciso ler; é preciso conhecer muito bem o texto que a gente vai analisar, e é preciso, também, co- nhecer muito bem os textos que nos forne- cem e os instrumentos para analisar e ou- tros textos que nos fornecem instrumentos, outros para projectar outras possibilidades; e os textos que fornecem elementos para darmos os pontos de saída. Por isso, é pre- ciso ler, ler e ler muito! É o grande conselho que se dá para se fazer crítica.
  • 16. Sexta-Feira, 64ª Edição - 18 de Dezembro 2015 16 PETIÇÃO Exmo Senhor Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Maputo Pela presente, e ao abrigo da Lei n.º 26/2014, de 23 de Setembro (Lei que regulamenta o exercício do direito de petição, queixa e reclamação), o grupo de munícipes abaixo-assinados, Amigos da Praia da Cidade de Maputo, pretende trazer até a si um conjunto de preocupações sobre a praia de Maputo e a avenida da Marginal e solicitar o seu apoio para a introdução de medidas severas que impeçam tal realidade, que se está a perpetuar no nosso quotidiano. 1. É um facto que a nossa praia é um ponto de lazer para todos os citadi- nos, mas é, igualmente, inconcebível que a mesma se torne num verda- deiro inferno durante os fins-de-semana e feriados; consubstanciando-se em um verdadeiro atentado à saúde e ao ambiente equilibrado, bem como ao pudor e decência - um desacato completo à autoridade e às leis exis- tentes no nosso País. 2. Nos últimos anos, temos assistido a tudo e a mais alguma coisa na nossa marginal, nos dias de maior afluência à praia: a. As estradas ficam completamente bloqueadas, impedindo a circulação de veículos, incluindo de carros da polícia, ambulâncias e de bombeiros. Os veículos estacionam em duas e três faixas, sem qualquer respeito pe- las normas. Os tão esperados passeios para os utentes da praia tornaram- se, também, zonas de estacionamento. Vários incidentes - em que foi necessária a intervenção do corpo de bom- beiros e de ambulâncias - resultaram em catástrofe e morte, pois as viatu- ras não conseguem chegar, sequer, ao local do incidente. Com a ligação da Marginal à circular, esta situação piorou, pois o trafego de viaturas aumentou consideravelmente, desde que a estrada ficou tran- sitável. Esta questão está legislada, sendo necessária a implementação das medidas específicas de fiscalização e de penalização. b. A violência descontrolada, vandalismo generalizado, esfaqueamentos, as- saltos, apedrejamento e outros tipos de agressão deixam a nossa polícia sem meios de intervenção perante massas desordeiras e embriagadas. É necessário um policiamento forte e regulador ao longo da Marginal, e não, apenas, quando o caos se instala. Esta questão, também, está le- gislada, sendo necessária a implementação das medidas específicas de fiscalização e de penalização. c. O lixo e os vidros partidos na praia, nos passeios e na estrada, a urina e fezes, ao longo da Marginal, tornam este local num cenário desolador, num atentado à saúde pública, num perigo para todos os citadinos que tomam a praia como um refúgio de lazer e que, infelizmente, não podem usufruir da mesma. Esta questão, também, está legislada, sendo neces- sária a implementação das medidas específicas de fiscalização e de pe- nalização. d.Acomida confeccionada de forma irregular, ao ar livre, sem quaisquer con- dições de higiene, torna-se um verdadeiro atentado à saúde pública e uma violação das leis e normas de restauração vigentes no País, para além de se tornarem numa concorrência desleal e ilegal dos operadores turísticos da praia. Esta questão, também, está legislada, sendo necessária a implementa- ção das medidas específicas de fiscalização e de penalização. e. A venda de bebidas alcoólicas ao longo da praia, sancionada por lei, transforma a praia num local de bebedeiras incontroláveis, aumenta o al- coolismo nos jovens, aumenta o risco de doenças de transmissão sexual, situações de verdadeiros atentados à moral e decência, com cenas de sexo ao ar livre à frente de tudo e de todos. Esta questão, também, está legislada, sendo necessária a implementação das medidas específicas de fiscalização e de penalização. f. A realização de espectáculos musicais, com sistemas de som podero- sos, virados para terra, impedem o descanso tão merecido dos moradores que utilizam o fim-de-semana para recuperar as forças para mais uma semana de trabalho. O mesmo aplica-se às viaturas com sistemas. Esta questão, também, está legislada, sendo necessária a implementação das medidas específicas de fiscalização e de penalização. g. O impedimento de funcionamento das empresas formais que operam na marginal, como os centros comerciais, centros de conferência, restau- rantes e hotéis, trazem um risco enorme à falência destas, com a perda de inúmeros postos de trabalho e consequente redução da colecta de im- postos que estes empreendimentos geram. A força motriz para o desen- volvimento económico assenta nas pequenas e médias empresas que, neste momento, estão sendo sufocadas pelos mercados informais que se instalam ao longo da marginal. 3. Excelência, esta agudização dos problemas de circulação que os cita- dinos experimentam no quotidiano, quer para acesso à praia, quer para acesso às zonas residenciais, centros comerciais, centros de conferências e estabelecimentos turísticos implantados ao longo da nossa linha de cos- ta, requer uma intervenção urgente e maior impacto por parte do Conselho Municipal, da Polícia Municipal, bem como da Polícia de Transito e outras forças da lei e ordem. A situação, tal como está, permite que, apenas, os indisciplinados e desordeiros sejam os “donos da nossa praia”. As nossas famílias, no verdadeiro sentido da palavra, ficam privadas de usufruir deste bem comum. O nosso postal da cidade é transformado numa imagem de bebedeiras e desordem. 4. Tomamos a liberdade de sugerir medidas apropriadas para cada um dos problemas apresentados, de acordo com o que está preconizado na lei, e com base em medidas que achamos serem viáveis para resolver o problema. São meras sugestões, depois de vários dias de reflexão sobre o problema que a todos toca. Leis vigentes e que devem ser aplicadas: a) Código de Estrada, incluindo maior policiamento e aplicação de multas por in- cumprimento, bem como controlo de alcoolemia eficaz.Tolerância zero. b) Lei do Ambiente (Lei 20/97, de 1 de Outubro) e respectivos Regulamentos, com destaque para o Regulamento da Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro (Decreto 45/2006, de 30 de Novembro); c) Regulamento sobre Controlo e Comercialização e Consumo de Bebidas Alcoólicas (Decreto n.º 54/2013, de 7 de Outubro); Medidas que podem ser aplicadas: a) Realizar campanhas de sensibilização dos utentes da praia abrangendo escolas, Outdoors, TV, Rádio, Jornais: i. utilização de recipientes próprios para depositar o lixo; ii. preservação do ambiente; iii. promoção de “trazer de casa o seu próprio saco de depósito do lixo”; iv. evitar consumo excessivo de bebidas alcoólicas. b) Acesso à praia i. Criar parques de estacionamento para utentes da praia, remunerados a favor do CMCM, mas que não transformem a nossa marginal em uma sequência de parques de estacionamento; ii. Proibir o estacionamento em locais que degradem a vegetação da praia, que periguem o acesso de emergência de veículos de apoio (po- lícia, bombeiros, ambulâncias, …), que periguem os utentes da praia, principalmente, os desportistas e quem faz exercício físico. iii. Criar via de acesso e escoamento alternativos à marginal (já existe uma rua que inicia na Rua Alice e vai até ao Bairro do Triunfo… é necessário colocar a rua de trás do triunfo com acesso à Escola Portuguesa e Julius Nyerere, sem passar pela Marginal); iv. Colocar semáforos em zonas de maior acesso de veículos a partir de vias perpendiculares;
  • 17. Debate Online - www.debate.co.mz 17PETIÇÃO c) Saúde Pública, Lixo e Alcoolismo i. Criar espaços apropriados para venda de bebidas e comidas, devida- mente licenciados e com condições de higiene como impostas a estabe- lecimentos do mesmo tipo; ii. Obrigatoriedade de restaurantes e bares licenciados de procederem à limpeza do seu espaço e espaço circundante; iii. Proibir a venda ambulante de bebidas e comidas na praia fora dos locais devidamente licenciados para o efeito; iv. Aumentar a quantidade de caixotes e recipientes do lixo; v. Garantir que o CMCM procede à limpeza diária da praia nos fins-de- semana e feriados; vi. Concessionar a empresas espaços da marginal, ficando estas respon- sáveis pela sua limpeza; vii. Criar parcerias com empresas de recolha de lixo, promovendo o paga- mento de taxas por quilo de latas, vidros, plásticos recolhidos; viii. Cobrar taxas específicas de lixo a empresas de produção de bebidas, taxas essas que poderiam ser encaminhadas para as campanhas de limpeza da praia e da cidade; ix. Criar instrumentos legais que obriguem estas empresas produtoras de bebidas a proceder à recolha de vasilhame para reciclagem; x. Colocar WC públicas, garantindo a sua limpeza regular e eficaz. Con- cessionar este serviço; xi. Aplicar multas severas para quem foi encontrado a fazer lixo. d) Poluição Sonora: i. Proibir a poluição sonora de acordo com o regulamento vigente. Aplicar Multas a quem as transgredir; ii. Garantir que a realização de espetáculos seja realizada sem comprometer: iii. acessos e mobilidade de moradores e não só; iv. respeito pelas horas previstas na legislação para produção de ruído; v. respeito pelas normas de valores máximos de ruídos produzidos; vi. limpeza do espaço após realização do espetáculo; vii. impedimento de venda de álcool, por se tratar de local público. 5. Como representantes que somos, de associações domiciliadas ou operando na linha de costa da cidade e instituições ligadas ao turis- mo, como moradores da cidade de Maputo, que querem desfrutar da Praia de Maputo, como amigos da Praia de Maputo, solicitamos uma maior intervenção de Vossa Excelência. Temos a esperança de que Vossa Excelência concordará com a necessidade de intro- duzir acções correctivas severas desta situação caótica, desespe- rante e ilegal. As nossas cordiais saudações, Amigos da Praia da Cidade de Maputo CC: Governadora da Cidade de Maputo; Ministério da Saúde; Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural; Comando Geral da Polícia de Moçambique; Comando da Cidade. Lista de associações, instituições e indivíduos que submetem esta petição: 1. Associação de moradores do bairro do triunfo 2. Associação de moradores do condomínio mares 3. Associação de moradores do condomínio Apartamentos Marés 4. Associação de moradores do condomínio 5ª avenida 5. Associação de moradores do condomínio Ayesha Garden 6. Associação de Kite Surf de Moçambique 7. Associação das Comissões de Moradores da Cidade de Maputo 8. Condomínio Casa Jovem 9. Condomínio Golden Sands 10. Associação dos Amigos de Futebol da praia 11. Clube Marítimo de Desportos 12. Centro Comercial Marés 13. Lojistas do Centro Comercial Mares 14. Sociedade Marés 15. Condomínio Joss Village 16. Condomínio Casa Própria 17. Citadinos dos vários bairros de Maputo, quer através das assinaturas aqui anexadas, quer através da petição online que circula pela internet. http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PraiaMaputo