Imagens nos ligam ao contexto presente assim como nos interligam a um passado remoto e as vezes, por meio de técnicas antigas, nos fazem refletir sobre suas sobrevivências. Não a sobrevivência da imagem em si, mas de técnicas que atravessam o tempo e se misturam a novas possibilidades expressivas de memória/ ficção.
Esses slides reúnem alguns artistas visuais e um mestre em fotografia e pintura para refletir sobre esses aspectos no contemporâneo: técnicas mortas e imagem no contemporâneo.
9. Cada tempo constrói seus rituais em torno da imagem, numa interação própria entre os desejos que
uma sociedade expressa e as tecnologias que estão disponíveis para acolhê-los. Se nos acomodamos
demais ao nosso próprio tempo, muitos desses rituais parecem sem sentido: soam artificiais, afetados
e desnecessários. Mas as imagens são por si mesmas impuras. Elas se encarregam de mostrar aos
olhares mais receptivos aquilo que de cada momento sobrevive nos novos rituais. Encarregam-se
também de encontrar em cada tecnologia uma porosidade que permita colocá-las em diálogo com
formas que parecem superadas. As poses e os trejeitos diante da câmera mudam, mas o esforço de
produzir relatos sobre nossa existência e nossas identidades permanecem. As tecnologias avançam
mas, com frequência, elas mesmas se tornam instrumentos de uma arqueologia que busca dar
respostas ao presente escavando as camadas de imaginário que foram se sobrepondo ao longo da
história.
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13. Os selfies das redes sociais e as fotopinturas são experiências que surgem em tempos e contextos distantes. Mas têm
em comum o esforço de abrir a imagem àquilo que um sujeito fantasia sobre si mesmo. Essas imagens são
carregadas de virtualidade, não porque porque sejam menos verdadeiras do que qualquer outro retrato, mas porque
são claramente o agenciamento de uma memória que se quer deixar. Em “Memória Involuntária”, esses rituais se
encontram modulando linguagens, técnicas e tempos diversos.
Cyro Almeida parte de selfies publicados nas redes, uma imagem própria de uma geração que não é a sua. Convida
seus autores a reencenar aquelas poses para uma câmera de médio formato, dispositivo estranho à agilidade das
câmeras de celular que geraram os selfies. Em seguida, mestre Julio dos Santos, que já havia incorporado o
photoshop à sua rotina de trabalho, retoma as técnicas tradicionais da fotopintura para adicionar uma nova dose de
fantasia à construção desses retratos. Não é o caso de buscar uma verdade sobre esses personagens. A imagem é um
lugar de encontro em que cada sujeito deixa um pouco de si para a construção de uma memória coletiva. [Ronaldo
Entler]
21. Como uma espécie de artista etnográfica, Virginia de Medeiros, no período de
um mês e meio, instalou um estúdio fotográfico em dois refeitórios destinados a
moradores de rua na cidade de Fortaleza. A artista retratou 21 moradores de
rua numa série fotográfica em preto-e-branco, colheu depoimentos em vídeo
sobre a história pessoal de cada um dos colaboradores e fez uma pergunta-
chave que direciona e identifica a natureza da obra: Como você gostaria de se
ver ou ser visto pela sociedade? Esta questão abre o campo de subjetividade
dos indivíduos retratado que, fabulando sua condição, se fazem personagem da
obra “Fábula do Olhar”. O momento da fabulação é esse, quando a diferença
entre aquilo que é real e aquilo que é imaginado se torna indiscernível, quando
por esse processo o indivíduo se constitui como um sujeito da cena e não como
um mero objeto que é observado: criar um mundo, nele crer e se projetar. A
artista convidou o fotopintor Mestre Júlio dos Santos que, através da técnica da
fotopintura digital, coloriu os retratos em preto-e-branco interferindo nas
imagens de acordo com as revelações dos moradores de rua. Como resultado
temos uma imagem-fabulosa que punha em ação este jogo inelutável entre o
real e a imaginação. Cada fotopintura é acompanha por um texto literário, no
qual o morador de rua se apresta, fala do que é viver em situação de rua e faz a
encomenda da fotopintura.
Regina de Medeiros
Fábula do olhar, 2012-13
22. Jéssica da série Fábula do Olhar 2013 fotopintura digital, texto em moldura, e audio. Digital photopainting, framed text, and audio.
ed 5 + 2 PAs – 120 x 90 cm | produzido em colaboração com o mestre Júlio Santos/made in collaboration with ‘master’ Júlio Santos
24. “Toda fotografia é uma ficção. As fotopinturas são ficções de segundo grau que escamoteiam verdades
E renovam os romances familiares.” (MELENDI, p. 115, 2017)