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Acelino Pontes dos Santos Lima 
Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório 
- paradigmas axiológicos e jurídicos 
Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará - FAECE 
Curso de Graduação em Direito 
Fortaleza 
2013
Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará - 
FAECE 
Curso de Graduação em Direito 
Acelino Pontes dos Santos Lima 
Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório 
- paradigmas axiológicos e jurídicos 
Monografia apresentada ao Curso de Gradu-ação 
em Direito da Faculdade de Ensino e 
Cultura do Ceará - FAECE, como requisito 
parcial para obtenção do grau de Bacharel 
em Direito, sob a orientação do Prof. Ms. 
Marcel Moraes Mota. 
Fortaleza 
2013
Diretora-Geral: Prof.ªMs.ª Rita Maria Silveira da Silva 
Coordenador do Curso de Direito: Prof.Ms. Edenilo Baltazar Barreira Filho 
Bacharelando: Acelino Pontes dos Santos Lima 
Ficha Catalográfica 
P814f PONTES, Acelino 
Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório - 
paradigmas axiológicos e jurídicos / Acelino Pontes. - For-taleza, 
2013 
66 p. 
Monografia de Graduação em Direito (Bacharelado) - 
Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará – FAECE, Curso 
de Direito. Bibliografia 
Orientador: Prof.Ms. Marcel Moraes Mota. 
1. Direito de Defesa 2. Contraditório 3. Fenomenologia 
4. Paradigma 5. Axiologia. I. Faculdade de Ensino e Cultu-ra 
do Ceará – FAECE. II. Título. 
CDU: 34 
Para citar este documento: 
Pontes, Acelino: Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório - paradigmas 
axiológicos e jurídicos. Monografia de Graduação em Direito, Curso de Graduação 
em Direito. Fortaleza: Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará – FAECE, 2013. 
66 p. 
III
Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará - FAECE 
Curso de Bacharelado em Direito 
Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório 
- paradigmas axiológicos e jurídicos 
Bacharelando: Acelino Pontes dos Santos Lima 
Monografia aprovada em 26/11/2013 para obtenção do título de Bacharel em Di-reito. 
Nota: 9,5 
Banca Examinadora: 
_________________________________________ 
Prof.Ms. Marcel Moraes Mota 
Orientador 
_________________________________________ 
Prof.Ms. Luciano Carmelo de Mesquita Prado 
Examinador 
__________________________________________ 
Prof.Ms. Raimilan Seneterri da Silva Rodrigues 
Examinador 
_________________________________________ 
Prof.Ms. Edenilo Baltazar Barreira Filho 
Coordenador do Curso de Direito 
IV
Dedicatória 
À tia Delzira 
pelo carinho e apoio. 
V
Agradecimentos 
O meu reconhecimento ao ínclito Prof.Ms. Marcel Moraes Mota, que me 
iluminou nas trilhas do Direito Constitucional com muita competência e erudi-ção, 
como também me assistiu na elaboração deste trabalho. 
Gratias plena à Magistrada Dr.ª Adriana Aguiar Magalhães e Dr.ª Virgí-nia 
Maciel Pereira pelo apoio e pelas orientações, bem como a toda a equipe se 
serventuários e estagiários da 16.ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, 
bem como ao douto Promotor de Justiça Dr. Marcos William Leite de Oliveira e 
ao nobre Defensor Público, Dr. Leonardo Antônio de Moura Júnior. In memori-am, 
Dr. José Lima de Oliveira e Dr.ª Ana Célia Alves de Souza. 
Um agradecimento especial aos colegas Jardel Luís Costa Leite e Rui Bu-eno 
Ferraz pelo incentivo e constante debate nas disputationes. 
Também não devo esquecer o fenômeno, que me levou a estudar Direito. 
Dank und Anerkennung gelten meiner dritten alma mater, die Ludwig- 
Maximilians-Universität München. 
VI
Epígrafe 
Mãos Dadas 
Carlos Drummond de Andrade 
Não serei o poeta de um mundo caduco. 
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros. 
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, considero a enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos. 
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, 
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, 
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, 
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presen-tes, 
a vida presente. 
Não há como pensar e ser futuro sem a Fi-losofia. 
O autor 
VII 
Ilustração 1: Drummond de Andrade 
Fonte: Internet
Resumo 
Contexto: Entreprende-se a propositura de uma Fenomenologia da Ampla Defe-sa 
e do Contraditório, oferecendo novas perspectivas de pensar, em especial, 
na realidade nacional. Não obstante, as perspectivas históricas não corrobora-rem 
a imposição de um convívio social conforme o pensamento humanístico, 
delineia-se um rompimento com paradigmas e axiomas provectos. Na analise 
axiológica, acautela-se o fenômeno da Agressão Intencional-Teleológica, regida 
pela informalidade das relações intersubjetivas e transsubjetiva no âmbito co-munitário 
e da privacidade. 
M etodologia : Compele-se uma análise epistemológica, axiológica e ontológica 
da concepção do direito à Ampla Defesa e ao Contraditório, enceta-se vínculos 
de conteúdo e de método, na busca de conectar uma visão de congruência, que 
articule a formação de uma nova visão jurídico-ética. 
Resultados: O estudo do fato revelou a concepção de opinião, de objeto do co-nhecimento 
e de fé, adornadas com a qualidade do a priori, encontrando no 
existencialismo o ser-no-mundo (Dasein), a partir da noção de uma "tensão en-tre 
faticidade e validade", ou da entre o Em-si e o Para-si. Ao estudo da Axiolo-gia 
do devido processo legal a Legitimidade, o Desvio de Poder, a Inversão do 
Ônus da Prova, a Prova Diabólica e a Condenação Branca receberam atenção. 
Ao exame da Agressão Intencional-Teleológica apontou-se fenômenos das rela-ções 
intersubjetivas e transsubjetiva no âmbito comunitário e da privacidade, 
porquanto de extrema dificuldade para erigir uma formação da ampla defesa e 
do contraditório. 
Conclusão: Verificou-se que o estabelecimento de uma estética e ética da am-pla 
defesa e do contraditório, numa situação fenomenológica como descrita 
neste trabalho é de extrema dificuldade. Vislumbra-se a necessidade de mu-danças 
socioculturais, que viabilizem a implantação de direitos fundamentais, 
como no caso da ampla defesa e do contraditório, de forma linear, abrangente e 
horizontal, que assim permita a todos viverem humanamente. 
Palavras – Chaves: Direito de Defesa. Contraditório. Fenomenologia. Paradig-ma. 
Axiologia. 
VIII
Zusammenfassung 
Hintergrund: Es wird die Produktion einer umfassenden Phänomenologie der 
Rechtsverteidigung und des Rechtswiderspruches unternomen, mit der Absicht 
neue Perspektiven zum Denken zu verwirklichen, vor allem in der nationalen 
Realität. Dennoch, die historischen Perspektiven stärken keine Induktion von 
Regeln und Vorschriften, die ein soziales Beisammensein gemäß dem humanis-tischen 
Denken durchzusetzen versucht. Es zeichnet sich einen Bruch mit ab-getakelten 
Paradigmen und Axiome ab. In der axiologischen Analyse wird es 
vor dem Phänomen der intentional-teleologischen Aggression ermahnt, welche 
im Rahmen der Gemeinschaft und der Privatsphäre durch die Informalität der 
intersubjektiven und transsubjektiven Beziehungen regiert wird. 
Method ik : Es genötigt eine epistemologische, axiologische und ontologische 
Konzeptionsanalyse des Rechts auf Verteidigung und auf Widerspruch, auf der 
Suche eine Kongruenzvision anzuschließen, wird es Bindungen von Inhalt und 
Methode zu setzen initiiert, welche die Entstehung einer neuen rechtlich-ethis-chen 
Vision artikuliert. 
Ergebnisse: Der Weg von Tatsache bis zur Faktizität führte über Meinung, über 
Objekt des Wissens und über den Ausdruck des Glaubens, über Daten und 
Erkenntnisse, die mit der Qualität a priori ausgeschmückt werden, in Existen-zialismus 
der Sein-in-der-Welt (Dasein) findend, auf der Grundlage einer 
"Spannung zwischen Faktizität und Geltung" sowie in der Gespanntheit zwis-chen 
den In-sich und den Für-sich. Auf die axiologische Untersuchung des ord-nungsgemäßen 
Verfahrens wurden die Legitimität, den Machtmissbrauch, die 
Beweislastumkehr, der teuflische Beweis und die Weiße Verurteilung analysi-ert. 
Bei der Untersuchung der intentional-teleologischen Aggression wies auf 
Phänomene der intersubjektiven und transsubjektiven Beziehungen im Ge-meinschaftsbereich 
und in der Privatsphäre, insofern darauf eine breite Rech-tsverteidigung 
und den Rechtswiderspruch mit extremen Schwierigkeiten zu 
errichten sind. 
Schlussfolgerung: Es wurde festgestellt, dass die Errichtung einer ästhetischen 
und ethischen breiten Rechtsverteidigung und eines Rechtswiderspruches, wie 
in einer, in dieser Arbeit beschriebenen, phänomenologischen Situation extrem 
schwierig ist. Betrachtet es als notwendig sozio-kulturellen Veränderungen, die 
die Umsetzung der Grundrechte zu ermöglichen, wie im Falle der Rechtsvertei-digung 
und des Rechtswiderspruches in einer linearen umfassenden und hori-zontalen 
Form, sodass lässt jeder menschenwürdig leben. 
Stichwörter: Rechtsverteidigung. Rechtswiderspruch. Phänomenologie. 
Paradigma. Axiologie. 
IX
Lista de Figuras 
Figura 1: Drummond de Andrade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII 
Figura 2: Obra Dei Delitti e Delle Pene, de Cesare Beccaria . . . 2 
X
Sumário 
Dedicatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V 
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VI 
Epígrafe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII 
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VIII 
Zusammenfassung . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX 
Lista de Figuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . X 
Sumário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XI 
1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 
1a. Justificativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 
1b. Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 
1c. Metodologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 
2. Faticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 
2a. Do Fato à Faticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 
2b. Omnis determinatio est negatio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 
2c. Aufklärung e Mediação: filosofando no Direito . . . . . . . . . . . 15 
3. Axiologia do Processo Legal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 
3a. Legitimidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 
3b. Desvio de Poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 
3c. Inversão do Ônus da Prova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 
3d. Prova Diabólica & Condenação Branca . . . . . . . . . . . . . . . . 27 
4. Agressão intencional-teleológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 
4a. Bullying . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 
4b. Mobbing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 
4c. Síndrome do Pequeno Poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 
4d. Intriga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 
4e. Fenomenologia do Brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 
5. Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 
6. Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 
XI
1. Introdução 
“O justo é tranquilíssimo, o injus-to 
é sempre muito solícito.” 
Epicuro 
Na história da humanidade está sempre presente o anseio do homem por 
pacificar conflitos e manter a ordem social. Nesse intuito, já os pré-socráticos 
(SOUZA FILHO, 2011, p. 263), em especial, os socráticos (RIBEIRO, 2012, p. 
203) medram por uma preocupação com os valores éticos e morais do homem, 
em busca do 'dever ser' e o conflito entre o 'dever ser' e a realidade, que até 
hoje perdura. Resulta dessa evolução a formulação e imposição de regras e 
normas, que venham reger o convívio social. 
À vista disso, o Estado foi conjurado a impor sanções para inibir e coibir 
infrações às normas vigentes. Mas, nesse desígnio exsurgem a prática de arbi-trariedades, 
prejulgamentos, prevalecendo uma estética da condenação sem a 
devida apuração dos fatos ou sem a busca de justificativas para a conduta do 
agente infrator, bem mais ainda, sem a devida oferta do direito de defesa ou 
sem a presunção de inocência. 
Longo é o caminho para o encontro do Estado com o devido processo le-gal, 
perpassando a apuração de atos delituosos, por provas divinas1, bem 
como, pelo fenômeno da Inquisição, com o uso da tortura como meio de prova 
da inocência, até mesmo, pela compra da liberdade, diante de arbitrariedade 
imposta pelo Estado. 
Em 1764, com a prisão de Cesare Beccaria (jurista, filósofo, economista e 
literato italiano), esse escreve no cárcere a obra Dei delitti e delle pene2, onde, 
imbuido pelo espírito da Aufklärung3, do Iluminismo e da ética utilitarista, de-fende 
que o Estado só pode impor punição na medida necessária á manuten- 
1Ao criminado se obrigava o pisar em brasas, empós disso, se seus pés não externassem qualquer lesão 
por queimadura, era indício de que “deus” assinalava sua inocência e, por fim, era absolvido; caso con-trário, 
era condenado à morte. 
2Dos Delitos e das Penas. 
3Esclarecimento pelo acordamento. 
1
ção da ordem; exalta o princípio da proporcionalidade; que não é importante a 
severidade da punição, mas a coerente aplicação das leis penais; repugna a 
tortura e a pena de morte; sustenta o direito de defesa e a presunção de ino-cência, 
bem como a equivalência da pena em face ao delito cometido e, princi-palmente, 
o princípio da reserva legal (BECCARIA, [s.d.]; CALHAU, 2009). Com 
esse avanço, o direito de defesa trespassa uma nova dimensão, em especial, 
após a sua morte, quando resta comprovada a sua inocência. 
Ilustração 2: Obra Dei Delitti e Delle Pene, de Cesare 
Beccaria. 
Fonte: internet 
Entretanto, somente com o surgimento da Revolução Francesa, em 1789, 
o direito de defesa e o princípio da inocência auferem uma cumeeira na sua 
trajetória histórica, com a promulgação dos Direitos Universais do Homem, 
consagrando institutos como o devido processo legal, o direito ao contraditório 
e a ampla defesa. 
2
Na visão de Gilmar MENDES (et all, p. 592), a Carta Magna brasileira de 
1988 pontificou que quantos residam - inclusive estrangeiros - no território na-cional 
está assegurada a garantia do pleno exercício da ampla defesa e do con-traditório, 
com a qualidade de cláusula pétrea (BESTER, 2005, p. 87) e, em 
particular, ao bojo de seu art. 5.º, inciso LV4. E nesse entendimento, exaltamos 
não só a possibilidade das partes de marcar presença no leito de processos ad-ministrativos 
como judiciais, como também, ao nível de tutela jurídica. 
Com muita felicidade, sobeja José Afonso da Silva (2005, p. 189), en-quanto 
alicerça o devido processo legal em três colunas fundamentais: o acesso 
à justiça, o contraditório e a plenitude de defesa. 
Uma contingência especial se observa na esfera administrativa, onde es-ses 
dispositivos são aplicáveis em plenitude e completude. Entrementes, não 
raro, estatutos e regulamentos teimam em contraditar a prescrição da Carta 
Magna, “suprimindo ou cerceando a defesa” (ROZA, 2001, p.166). 
Em particular, há de se analisar a condicionalidade do processo adminis-trativo 
disciplinar, visto pelo conspícuo Hely Lopes Meirelles, como “meio de 
apuração de punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas 
sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administra-ção” 
(MEIRELLES, 1998, p. 567). E, à melhor leitura sobre a importância do 
processo administrativo disciplinar, encontramos na avaliação do abalizado 
mestre Cláudio Roza, que nos leciona dessa feição: 
o ilícito administrativo não apenas ofende a disciplina e a ordem hierárquica, 
mas sobretudo manifesta falta de lealdade para com o espírito público relativo à 
finalidade que inspirou a própria formação do Estado, e também falta de lealda-de 
para com a instituição a que, por seu cargo, estiver vinculado. (ROZA, p. 
166) 
Malgrado a circunstância que o servidor público, em se envolvendo com 
a prática de interdito administrativo, se expõe a uma penalidade pertinente e 
proporcional à conduta, a ser aplicada à via do poder discricionário da autori-dade 
administrativa, considerada a natureza e a gravidade da transgressão, 
como também os danos eventualmente acarretados ao serviço público e mais 
outros aspectos (BITTENCOURT, 2005. p. 107), não se presta para o enfrenta- 
4“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e 
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 
3
mento desse tipo de fenômeno, um processamento e um julgamento dessas 
ocorrências eivados de vícios e a inobservância do princípio da ampla defesa e 
do devido processo legal. 
Em considerando esses discernimentos, nos afeta o princípio in disputa-tione 
nascitur veritas erigido por Mariam Orkodashvili (2009), que “procura dis-cutir 
as principais questões sobre as características e funções da universidade” e 
“tenta identificar os desafios que a universidade do futuro terá de enfrentar” 
(Ibid., p. 1). E ela pontifica: 
O principal argumento que o [seu] ensaio faz é que, por meio da busca constan-te 
pela verdade, através de discussões contínuas e "disputas", a universidade 
deve manter a sua função principal que é a produção de conhecimento.5 (Ibid., 
p. 1) 
Seguindo esses mandamentos, estamos lançando a questão da Fenome-nologia 
da Ampla Defesa e do Contraditório no horizonte acadêmico, na tentati-va 
de oferecer novas perspectivas de pensar a defesa e o contraditório, talvez 
inciar um rompimento com paradigmas e axiomas provectos. 
1a. Justificativa 
A questão da ampla defesa e do contraditório, em especial, após a Carta 
Cidadã de 1988, vem preocupando operadores do direito e doutrinadores com 
muita frequência. A complexidade e a dificuldade do manejo desse significativo 
instrumento do exercício da cidadania, exige um estudo incessante e assíduo 
de sua fenomenologia. 
Não raro se observa o vilipêndio e abjeção dos direitos dos brasileiros. 
Embora a Nação Brasileira detenha o que se produziu de melhor tanto em rela-ção 
à Carta Magna, como em relação à legislação infraconstitucional, não se 
observa um proveito mínimo aceitável para o cidadão brasílio. 
A nação e seus poderes ainda se afeiçoam por posições obsoletas e de 
uma estética rígida. Grandes conflitos sociais e econômicos de extrema gravi-dade, 
que levam a uma disputa dizimante de uma boa parte dos desagregados 
5 “The main argument that the essay makes is that through constant search for the truth, through continuous discussions and „disputations‟, the 
university should retain its core function that is the production of knowledge.” 
4
nos grandes centros urbanos; fome e miséria imprimem na sociedade a estética 
do ódio e da segregação de qualquer tipo de acusado. 
Cabe à Sociedade manter e valorar os princípios básicos dos Direitos Hu-manos 
e não se deixar levar pela voluptuosidade do vingar o direito ferido, mui-to 
menos ainda, a suposição deste. É uma questão de humanitarismo, que a 
cada fato não esclarecido ou suspeita se tente destruir a legalidade, para entro-nizar 
uma nação sem razão, enquanto o momento exige que os interesses indi-viduais 
devam fluir nos fins da própria nação. 
Fundar uma Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório, à ex-pressão 
de paradigmas axiológicos e jurídicos, no ambiente acadêmico é de ex-trema 
relevância. Ao tempo em que nos esvaímos em conflitos comunitários, 
regionais, nacionais e internacionais de grandeza centenária, como a guerra 
urbana do tráfico de substâncias ilícitas, como também, em outras comunida-des 
e nações, se esbarra em crises e em inconciliações infindas que prejudicam 
e até depredam a vida comunitária e a sociedade como um todo. A presente 
evolução poderá promover uma nova qualidade de transindividualidade e de in-tersubjetividade, 
especialmente, de uma nova essência na distribuição de justi-ça. 
1b. Objetivos 
A partir da análise epistemológica e ontológica da concepção de direito à 
ampla defesa e ao contraditório, procura-se, sob abrangência teleológica, esta-belecer 
vínculos de conteúdo e de método, para conectar uma visão de congru-ência, 
que articule a formação de uma nova visão jurídico-ética nos seus con-tructos 
da teoretização da subjetividade, quando da aplicação prática, em espe-cial, 
enquanto produção estética e ética, sem menosprezar a legalidade. 
Ainda, a título de objetivo específico, se faz inevitável um estudo pontual 
da formulação de conceitos e axiomas soerguidos na doutrina, que se possa 
enfrentar no côngruo ético do particularismo e do universalismo, bem como em 
sua problemática. Dentro desse enigmatismo, se dará ênfase à avaliação crítica 
e ontológica do direito de defesa e do contraditório como instituto de articula-ção. 
5
Por fim, também a título de objetivo específico, se faz inevitável um estu-do 
pontual de fenômenos da ampla defesa e do contraditório, que retrate a rea-lidade 
judicial, judicante e conflitual comunitário, à luz dos princípios defendi-dos 
pelos Direitos Humanos, pela Constituição Federal, pela jurisprudência e 
pela doutrina. 
1c. Metodologia 
Neste estudo, se aplica método qualitativo com abordagem descritiva, in-terpretativa, 
observacional, analítica de dados por acesso ao respectivo ambi-ente 
físico ou via internet. Da revisão literária e da jurisprudência, aclara-se e 
ultima-se conceitos essenciais para o manejo do estudo, identificando embasa-mento 
para o desenvolvimento do trabalho. Daí, também se consubstancia as-pectos 
e perspectivas de reconhecida dessuetude no convencional do juízo. 
Na análise de conteúdo referente à bibliografia, à jurisprudência e à dou-trina, 
o uso da ferramenta ‘internet’ foi de importância prima, em especial, pela 
atualidade instantânea. 
Na extensão do procedere metodológico sequencial, será realizado o estu-do 
da Faticidade, quando se funda uma nova perspectiva epistemológica, de 
uma novel teorização do fato. No bojo do trabalho, entremostra-se com robusta 
compleição uma nova visão de uma metafísica do fato, quando dá expressão à 
verdade, ao juízo e a fatos reais, transcendentais e a priori, como importantes 
ferramentas conceptualis. 
6
2. Fat icidade 
“A nossa maior glória não reside no 
fato de nunca cairmos, mas sim em 
nos levantarmos sempre depois de 
cada queda.” 
Confúcio 
No amplo sentido ontológico e, até teleológico, a compreensão fatológica 
do emblema de fatos, que implica na observância da ampla defesa e do contra-ditório, 
exige ainda um tratamento metafísico próprio. Situações diversificadas 
e de uma amplitude quase sem finitude, podem levar o cidadão ao manejo des-ses 
princípios fundamentais - eivados de vincos pelo direito natural, enquanto 
momento fundante - sem a devida consciência do objeto da sua defesa ou até 
da possibilidade em si. 
Na propriedade analítica e metafísica vai-se encontrar um marco na ima-nência 
fatológica, outro na transcendência ontológica e outro na metafísica. As-sim, 
o toldar do direito do cidadão ou lhe impor penalidade em consequência a 
um simples furto - na imanência do objeto subtraído – bem como, no resultado 
de um cenário de intriga - na transcendência da trama estruturada de uma 
bisbilhotice ou cizânia – exige um esclarecimento, no âmbito do devido proces-so 
legal, que promova o restabelecimento de direito ferido. 
2a. Do Fato à Faticidade 
A primeira utilização do termo fato (Tatsache6) advém de Gotthold Eph-raim 
Lessing (1778) no seu opúsculo Über das Wörtlein Tatsache7 (GABRIEL, 
1996, p. 209). Lessing formula um conteúdo teológico para o verbete, notada-mente, 
inaugura uma discussão sobre a possibilidade de o cristianismo poder 
encontrar fundamento em fatos reais. 
6Fato 
7Sobre a palavrinha fato 
7
Já em Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), vamos encontrar uma dife-renciação 
no conceito fato: as Tatsachenwahrheiten8 e as Vernunftwahrheiten9. 
Porquanto, Leibniz, assim como também David Hume (1711-1776), entendem 
fato como resultado da experiência empírica, excluindo as verdades matemáti-cas, 
justo pois especulativas. (STREMINGER, 2011) 
Com o advento do criticismo em Immanuel Kant (1724-1804), encontra-mos 
na sua obra Kritik der Urteilskraft10 uma inovação metafísica, quando cote-ja 
a concepção de fato com as Sachen der Meinung11 (opinabile), com as Thatsa-chen12 
(scibile) e com as Glaubenssachen13(mere credibile) (KANT, 1977). Assim, 
imagina o pensador alemão 'fato' com a qualidade no ramo dos objetos do co-nhecimento, 
forjado por três instâncias: opinião (subjetivo-geral), conhecimento 
(objetivo-geral) e fé (subjetivo-particular). E Kant avança bem mais, para ele, 
'fato', enquanto res facti, cinge todos os dados e achados a priori, inclusive 
abrangendo também o espaço especulativo; ou seja, lhe aufere uma dimensão 
transcendental. Decididamente, nessa via de pensamento, Kant rompe com to-das 
as conjunturas metafísicas aplicadas, até então, ao estudo do 'fato'. 
Mais adiante no tempo, Gottlob Frege (1848-1925) se empenha em distin-guir 
fatos e circunstâncias no mundo da mente, de tal modo, que os pensa-mentos 
estão relacionados com a intenção, que por sua vez, se expressam por 
certos sinais lógico-linguísticos, que ele chama de frases e lhe dá a qualidade 
de coisa-em-si. Essas, são as portadoras de valores de verdade. Em sentido 
contrário, postula Bertrand Russell (1872-1970) os fatos como extensão das 
frases. Com esses autores a noção de fato vai se relacionar intimamente com a 
linguagem. 
Martin Heidegger (1889-1976) numa apreciação hermenêutica da razão 
filosófica, reconfigura sua ontologia, tributando ao existir não mais a qualidade 
de objetualidade, “mas como algo aberto à faticidade do existir”. Seguindo a tri-lha 
heideggeriana de uma “hermenêutica da faticidade”, de cujo momento fun- 
8Verdades de fato 
9Verdades de razão 
10Crítica do Juízo 
11Matérias de opinião 
12Fatos reais 
13Questões de fé 
8
dante é a percepção básica do Dasein14, enquanto ser-no-mundo, daí conclui 
SANTOS, que: 
a hermenêutica torna-se uma característica essencial do existir humano, à medi-da 
que o fato de ser-no-mundo significa e é captado pelo ser em seu velar e des-velar- 
se. [2012, p. 73] 
Essa concepção só se bem entende, afastando-se da tradicional tradução 
de hermenêutica como interpretação e partindo para uma nova vereda estética 
do conceito 'hermenêutica', que a liga à vida e ao existir, “desenvolvida por Sch-leiermacher 
e Dilthey” [SANTOS, 2012, p. 74]. 
Seguindo essa circunspecção, ao tratarmos de hermenêutica de fatos, es-tamos 
buscando diretamente um discernimento ligado à vida e ao existir. 
Mas, ainda temos por enfrentar o niilismo nietzschiano e o seu entendi-mento 
de que o homem é incapaz de apropriar-se da verdade ou do ser-em-si 
do objeto de conhecimento; em contrário, segundo Nietzsch, ele forma tão so-mente 
metáforas remetentes à coisa. Isso nos confronta com uma percepção do 
fato, totalmente adversa daquela que deseja ver o senso jurídico, senão veja-mos 
na seguinte citação de SANTOS: 
“Contra o positivismo, que permanece junto ao fenômeno afirmando ‘só há fa-tos’, 
eu diria: não, justamente fatos não há, há apenas interpretações” (NIETZS-CHE 
apud CASA NOVA, 2001, p. 3115). [2012, p. 75] 
Retomando o pensamento de Heidegger, lemos em SANTOS o seguinte: 
A verdadeira ontologia, ao contrário, deve estar aberta à faticidade do ser, eis 
que a determinação do objeto da hermenêutica - o fático - está, agora, à base da 
interpretação e não mais suspensa e limitada à linguagem, metáfora ou concei-tos 
que o homem cria para apreendê-lo. 
Por facticidade, o autor entende “a designação para o caráter ontológico de ‘nosso’ 
ser-aí ‘próprio’ […]. Esse ser-aí em cada ocasião” (HEIDEGGER, 2012, p. 13). Note-mos 
que o ponto de partida não é mais a linguagem, em sentido estrito, mas o ‘fático’ 
enquanto constituído pela sua abertura, pela sua capacidade de estabelecer relação com o 
ontológico: “fático chama-se algo que ‘é’ articulando-se por si mesmo sobre um caráter 
ontológico, o qual é ‘desse modo’” (HEIDEGGER, 2012, p. 13). [2012, p. 77] 
Aqui encontramos um momento importante nessa evolução, que estabe-lecerá 
a diferença no pensamento de Nietzsche: a faticidade. Esse conceito liga 
o 'ser-aí' próprio com a ocasião e, até ao acaso, como vamos ver mais a frente 
14 Ser aqui 
15CASA NOVA, M. A. Interpretação enquanto princípio de constituição do mundo. Cadernos Nietzsche, 
n. 10, 2001, p. 27-47. 
9
com Konrad Utz. Heidegger arquiteta, assim, uma exígua ponte entre o niilismo 
nietzschiano e o positivismo. 
Mas, é com Habermas que faticidade toma compleição. Inicialmente, ele 
vislumbra uma relação no binômio direito e moral pela racionalidade comuni-cativa. 
Explicita que as teses kantianas, expoente do Idealismo Alemão, carece 
de uma renovação. Daí, parte Habermas para a construção dos conceitos Ética 
Discursiva e Razão Comunicativa, faceando assim a ética kantiana com os en-genhos 
da razão comunicativa e com escora numa Ética da Responsabilidade 
(veja Princípio da Responsabilidade16 em JONAS [1979, p. 36]). 
HECK reporta sobre a visão habermasiana de relação entre o direito e a 
moral nos seguintes termos (HECK, 2006, p. 19). 
Habermas entende, à ocasião, que direito e moral se complementam. “Mais do 
que essa relação complementar”, escreve, “nos interessa, porém, o entrelaça-mento 
simultâneo de moral e direito”.17 O interesse é discretamente crítico em 
relação a Kant, quando constata que a moral não mais está suspensa sobre o di-reito, 
como ocorre no direito racional, mas “desloca-se para dentro do direito 
positivo sem, contudo, nele desaparecer”.18 
Naturalmente, para Habermas, como nos ensina com grande proprieda-de 
o renomado Manfredo de OLIVEIRA (2010, p.17), a moral tem uma funda-mentação 
pós-metafísica. Posto isso, há de se melhor entender esse “entrelaça-mento 
simultâneo de moral e direito” proposto por Habermas. Mesmo assim, é 
esse o entendimento habermasiano de então, que oferta à moral o propósito de 
legitimar o direito, porquanto a situando num universo superior ao direito. 
Essa posição de complementariedade, Habermas vai emendar posterior-mente 
para uma “relação de complementação recíproca” (apud HECK, 2006, p. 
20). E assim, encerramos a exposição desses aspectos preliminares sobre a 
postura habermasiana acerca da relação moral – direito. 
16 Das Prinzip Verantwortung: “Handle so, daß die Wirkungen deiner Handlungen verträglich sind mit der Per-manenz 
echten menschlichen Lebens auf Erden”. [Aja de modo que os efeitos da sua ação sejam compatíveis 
com a permanência de autêntica vida humana sobre a Terra.] 
17HABERMAS, Jürgen. Recht und Moral (Tanner Lectures 1986). In: Faktizität und Geltung. Beiträge zur 
Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. 3. Aufl. Frankfurt a. Main: Suhrkamp, 
1993, p. 568. “Mehr als dieses komplementäre Verhältnis interessiert uns jedoch die gleichzeitige Versch-ränkung 
von Moral und Recht”(apud HECK, 2006, p. 19) 
18Ibidem. (S)ie [die Moral] wandert ins positive Recht ein, ohne darin aufzugehen”. (apud HECK, 2006, p. 19) 
10
Emporisso, Habermas contribui fundamentalmente para a teoria do con-ceito 
faticidade, pelo que continuamos na leitura de HECK com o seguinte tex-to: 
As alterações na trajetória habermasiana que envolvem o modo de conceber as 
relações entre moral e direito refletem a substituição do facto da razão kantiano 
por um discurso neutro sob ponto de vista deontológico. Segundo Kant, é em 
virtude do poder vinculante da lei moral que o homem tem simultaneamente 
consciência de sua liberdade e a certeza de pertencer a um mundo não submeti-do 
à causalidade das leis naturais. “A garantia da realidade objetiva do princí-pio 
superior da razão pura prática”, escreve W. Kersting, “está na facticidade da 
razão de determinar sem rodeios a vontade na pretensão de ser, ela própria, 
vontade”.19 Tal facticidade, Habermas não a percebe – como Kant – no conceito 
do respeito pela lei moral, mas a toma exemplarmente, já na segunda edição 
(1973) de Conhecimento e interesse (1968), como inserção da comunidade ideal 
de comunicação na práxis da vida de sistemas sociais20 e, mais recentemente, 
como escopo imanente à linguagem.21 À luz das substituições feitas, a facticida-de 
da razão pura prática corre o risco, na última década do século XX, de não 
ser mais ou não ser outra coisa do que uma charada de mau gosto. Habermas 
escreve: “Tão somente uma fundamentação do princípio moral, que não se dá 
por satisfeito em apontar para um facto da razão, pode esvaziar a suspeita de 
um sofisma etnocêntrico”.22 (HECK, 2006, p. 20-21) 
Daí anota HECK: 
Descredenciada como lei moral, a facticidade kantiana da autonomia da vonta-de 
dá lugar em Habermas à “figura de pensamento da autolegislação” que, des-codificada 
teórica e discursivamente, revela que “os destinatários de direito são, 
ao mesmo tempo, os seus autores”, ao mostrar a origem simultânea da autono-mia 
privada, em acepção kantiana, e da autonomia pública, de estirpe rousseau-niana. 
23 A troca da razão pura kantiana qua vontade (facto da razão) pelo exercí- 
19KERSTING, Wolfgang. Wohlgeordnete Freiheit. Immanuel Kants Rechts- und Staatsphilosophie. Frank-furt 
a/Main: Suhrkamp, 1993, p. 123. “Die Garantie der objektiven Realität des obersten Grundsatzes der reinen 
prak-tischen Vernunft liegt in der Faktizität des Anspruchs der Vernunft, den Willen unmittelbar zu bestimmen, in 
dem Anspruch, selbst Wille zu sein […]”. (apud HECK, 2006, p. 20) 
20HABERMAS. Erkenntnis und Interesse. 6. Aufl. Frankfurt a/Main: Suhrkamp, 1973, p. 416-417. “Weil 
die em-pirische Rede allein durch die Grundnormen vernünftiger Rede möglich ist, ist die Diskrepanz zwischen ei-ner 
realen und einer unvermeidlich idealisierten (wenn auch als ideal unterstellten) Kommunikationsgemeinschaft 
nicht nur in Argumentation, sondern bereits in die Lebenspraxis gesellschaftlicher Systeme eingebaut – vielleicht 
lässt sich in dieser Form die kantische Lehre vom Faktum der Vernunft erneuern” (frase conclusiva do posfácio à 
segunda edição). (apud HECK, 2006, p. 20) 
21Idem. Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie des kommunikativen Handelns. 3. Aufl. Frankfurt a. 
Main: Suhrkamp, 1989, p. 498. “(U)nd wenn es sinnvoll ist, den philosophischen Begriff von Vernunft anhand 
der Rolle zu rekonstruieren, die diese Geltungsansprüche in Verständigungsprozessen alttäglicher oder argumenta-tiver 
Art spielen; dann lässt sich das der Sprache innewohnende Telos der Verständigung, in Analogie zum Kantis-chen 
Sprachgebrauch, eine ‘Vernunfttatsache’ nennen”. (apud HECK, 2006, p. 20) 
22Idem. Treffen Hegels Einwände gegen Kant auch auf die Diskursethik zu? In: Erläuterungen zur 
Diskursethik. Frankfurt a. Main: Surhkamp, 1991, p. 12. “Nur eine Begründung des Moralprinzips, die ja ni-cht 
schon durch den Hinweis auf ein Faktum der Vernunft geleistet wird, kann den Verdacht auf einen ethnozen-trischen 
Fehlschluss entkräften”. (apud HECK, 2006, p. 21) 
23Idem. Zur Rekonstruktion des Rechts (I): Das System der Rechte. In: Op. cit., p. 135. “Die Gleichursprün-glichkeit 
von privater und öffentlicher Autonomie zeigt sich erst, wenn wir die Denkfigur der Selbstgesetzgebung, 
wonach die Adressaten zugleich die Urheber ihrer Rechte sind, diskurstheoretisch entschlüsseln”. (apud HECK, 
11
cio da autolegislação (figura de pensamento) equivale a um translado semântico 
da moral, quer dizer, essa abandona a razão prática e passa a integrar os domí-nios 
da razão teórica. Com isso, a ética do discurso assume as feições cognitivas 
da ação comunicativa habermasiana.24 (HECK, 2006, p. 21) 
Resolutamente, retoma Habermas as concepções hegelianas ao formular 
a sua Ética do Discurso. A estafante exposição em volta de justiça e solidarie-dade, 
para desenvolver um conceito de ética demonstrada pela obtenção dos 
processos do agir comunicativo, dentro de uma lógica hegeliana, não inova, 
mais confunde. Já a troca da autonomia da vontade em Kant, pela autolegisla-ção 
dialética em Habermas, dificilmente trará um avanço na questão. 
Ultimando em Habermas, constata-se na sua doutrina que o direito só 
pode ser entendido a partir da noção de uma "tensão entre faticidade e valida-de". 
Nesse contexto, Faticidade, ao entendimento habermasiano, situar-se-ia 
na esfera dos fatos, das coisas como elas são e funcionam, na perspectiva do 
êxito real, insensível às demandas do certo ou do errado. (HABERMAS, 1993) 
No afinco de fundar uma Filosofia do Acaso (Philosophie des Zufalls), es-boça 
Konrad UTZ (2005) pertinentes questionamentos, que ajuda a se colher 
um melhor entendimento da questão da faticidade, mesmo enquanto acaso. 
Sua análise, se inicia com a abordagem metafísica, que logo abandona, pois ca-racteriza 
o esforço metafísico como uma redução e isso não serviria ao esclare-cimento 
do progresso científico. Enfoca a seguir, a questão do paradigma do 
Gründewissen25, quando reluta em aceitar, sob o argumento de que a humani-dade 
desde tempos imemoriáveis investiga o paradigma das razões ou do co-nhecimento 
das razões, buscando enfim a razão final ou absoluta, mas dada, a 
antes referida redução, não se pode alcançar um pleno conhecimento das ra-zões. 
Ainda observa o autor alemão, uma troca de paradigmas (Paradigmenwe-chsel), 
implementada preferencialmente por Kant e pelas ciências naturais, que 
nos revela consistir o ser como ele próprio se constitui e que é independente de 
qualquer razão de ser. Finalizando, apura o preclaro filósofo alemão, que o 
Princípio da Redução na sua essência é uma composição (Konstruktion), um 
2006, p. 21) 
24DUTRA, Delamar V. Kant e Habermas. A reformulação discursiva da moral kantiana. Porto Alegre: Edi-pucrs, 
2002, p. 103-107. (apud HECK, 2006, p. 21) 
25Conhecimento das razões 
12
simples conceito formal (Formalbegriff), porquanto não pode conter qualquer 
substância (Gehalt). (UTZ, 2005, p. 16-37) 
2b. Omnis determinatio est negatio26 
Essa assertiva atribui Hegel a Spinoza. Na realidade, Spinoza escreve na 
Carta 50 a Jarig Jelles literalmente: determinatio negatio est (determinação é 
negação), casualmente, ao discutir o princípio da relação geométrica. Já para 
Hegel, numa palestra sobre a História da Filosofia, esse princípio é a ideia-cha-ve 
de Spinoza, que fala de como cada determinação, que eu dou a um objeto, 
outras disposições são excluídas, portanto, qualquer determinação positiva é 
cotejada com uma negativa. (WALTHER,1992) 
Determinação é a negação posta como afirmativa e é a proposição de Spi-noza. 
Esta proposição é extremamente importante; unicamente a negação, 
como tal, é uma abstração sem forma, no entanto, a filosofia especulativa não 
deve ser acusada de fazer negação ou de colocar o nada como finalidade: a ne-gação 
é tão pouco um final, em si, para a filosofia, tanto quanto a realidade 
lhe é posta como verdade. Nesse nada, incidi a negação geral, ou de uma forma 
mais concreta, a limitação, o finito, a restrição; determinatio est negatio é o 
grande enunciado de Spinoza. (HEGEL, 1831) 
WALTER (1992. p. 4) relata, na espécie, sobre o seguinte escrito da lavra 
de Spinoza: 
No que diz respeito à afirmação de que esta figura é uma negação e não algo 
positivo, é óbvio que o assunto em sua totalidade, considerada sem limitação 
[indefinido consideratam], não pode ter figura, e essa figura só se aplica aos cor-pos 
finitos e determinados. Para quem diz que ele percebe uma figura, significa, 
assim, o indicativo, simplesmente, de que apreende uma coisa determinada e as 
modalidades de sua determinação. Esta determinação, portanto, não pertence à 
coisa em relação a sua existência [ESSE], pelo contrário, é a sua não-ser [não 
ESSE]. Então, figura não é nada, mas determinação, e determinação é negação 
26Toda determinação é negação. 
13
[Quia ergo figura non aliud, quam determinatio, et determinatio negatio est], a figura 
pode ser nada mais do que a negação, como já foi dito. 
Já para Sartre, na sua visão existencialista, o nada vai se apropriar de 
outra idealização, como podemos ler em SANTANA (2006, p. 4): 
Diante do Em-si está o Para-si, que para Sartre é a consciência. Dito de outra for-ma, 
o ser do ser humano antes de ser designado com o Para-si, era plena positi-vidade, 
plena identificação consigo mesmo, um Em-si, que por ventura decaiu 
em processo de nadificação27, que rumou ao Para-si. Contudo, esta nadificação é 
a própria interrogação de si sobre si, que resulta que a descompreensão do ser 
Em-si ao Para-si é dado pelo ato da interrogação do Em-si diante de si próprio. 
Esse desgarramento do ser em relação a si, esta separação é proporcionada pelo 
nada. Sartre descreve: (…) “o nada é esse buraco no ser, essa queda do Em-si a si, pela 
qual se constitui o Para-si. Mas essa queda não pode ‘ser tendo sido’ salvo se a sua exis-tência 
emprestada for correlata a um ato nadificador do ser. Esse ato perpétuo pelo qual 
o em si se degenera em presença a si é o que denominaremos de ato ontológico. O nada é 
o ato pelo qual o ser coloca em questão seu ser ou seja, precisamente a consciência ou 
Para-si”. (SARTRE. 2002, p. 127-128) 
Para Sartre “o nada da realidade humana advém pela interrogação que ao 
buscar um ser na consciência constata o nada”. E essa interrogação sartreana 
é essencialmente metafísica, mas só se desenvolve no ambiente da condição 
humana, fundada em “algo que faz parte da estrutura do ser humano, o que 
está no âmago do ser, que é (o) nada”. O dualismo gerado por Sartre rompe com 
a metafísica tradicional. Enquanto, a metafísica tradicional busca pela causa, 
pelo fundamento, Sartre busca pelo que denomina de “princípio possibilitador”, 
“isto é, o que possibilita a constituição da consciência, a possibilidade de ser”. 
(apud SANTANA, 2006, p. 6.) 
Ao analisar a questão do omnis determatio est negatio, Konrad Utz (2005) 
se envolve inicialmente com o quesito da Bestimmung [determinação], que lhe 
dá as qualidades de simplesmente existir, e, em certa medida, de existente a 
forma vigorosa e original. Aponta ainda a divergência reinante, se sobre essa 
existencialidade da determinação tem o caráter de existencialidade no mundo 
(Vorhandenheiten in der Welt) ou de existencialidade na consciência (Vorhande-nheit 
im Bewuβtsein); ou ainda, se as duas formas são possíveis. Informa-nos 
então, que Aristóteles antecedeu Spinoza na análise do fenômeno. 
27Nadificação (néantisation) que deriva de nadificar, cuja tradução mais aproximada de néantiser, neolo-gismo 
francês criado por Sartre, que significa “‘secretar’ o nada nas partes do mundo estranhas à situação do 
sujeito, ‘esvaziá-las’ e ‘eliminá-las’, de alguma “maneira” "(cf. RUSS, 1994, p. 194). A nadificação, para Sartre, 
tem dois sentidos: a realidade humana surge emergindo dela o não-ser e por ela é que o mundo se acha 
suspenso no nada, ou seja, a consciência não é o mundo tal como não é uma identidade como se apresen-ta 
o mundo. (apud SANTANA, 2006, p. 4) 
14
Em seguida, acudindo-se de Kant aquele autor alemão insere na discus-são 
do acima aludido fenômeno, a faticidade (no sentido de Gegebenheit28) em 
relação a possibilidade, que não obrigatoriamente necessitam ocorrer simulta-neamente, 
mas sensíveis ao empírico. 
Daí conclui o ínclito autor alemão, como a seguir se mostra: 
Mas, se não existe a possibilidade de assumir o regresso como completado em 
"algum lugar", em qualquer esfera, sendo que, aquilo que deve constituir a de-terminação 
além da negação, em parte alguma de fato existe, então existe nada, 
assim nada factual pode existir, o que a determinação é além da negação – e isso 
é, como já visto, impossível.29 (UTZ, 2005, p. 45) 
Dada essas implicações, se faz necessário o apuro ontológico da questão 
sub examine dentro de uma análise profícua e cientificamente fundada com o 
desiderato de agenciar uma reengenharia metafísica da faticidade no âmbito do 
Direito, posto que urge eleger a necessidade de uma compreensão aberta e es-peculativa, 
como fundamental, para a abordagem desse conceito. 
Também encontramos nos escritos de Russell (1912, p.122) que não é o 
encontrar a verdade o grande fruto da contemplação filosófica (perfeitamente 
também aplicável ao Direito), mais ainda, é intentar a busca da verdade, e isso, 
por causa dos próprios problemas, porque esses problemas ampliam as concep-ções 
que temos acerca do que é possível, enriquecem a nossa imaginação inte-lectual 
e diminuem a arrogância dogmática que impede a especulação mental; 
mas sobretudo porque, graças à grandeza do universo que a filosofia contem-pla, 
a mente também engrandece e se torna capaz daquela união com o univer-so 
que constitui seu bem supremo”. 
2c. Aufklärung30 e Mediação: filosofando no Direito 
O filosofar no Direito é de fundamental importância para um bom desem-penho 
do manejo da Justiça como um todo. Uma dimensão importantíssima 
neste cenário é a contribuição de Kant no que afeta a questão da Aufklärung. 
Nesse conceito soerguido por Kant (1977; 1985) se vislumbra algumas impor-tantes 
concepções, em relação à faticidade, que se pode contemplar a atividade 
28Situação 
29“Wenn aber nicht mehr die Möglichkeit besteht, den Regress “irgendwo', in irgendeiner Sphäre als abgeschlossen 
anzunehmen, i.e. wenn es nirgendwo dasjenige, was die Bestimmung über die Negation hinaus ausmachen soll, 
tatsächlich gibt, dann gibt es nichts, dann kann nichts Tatsächliches gegeben sein, was die Bestimmung über die 
Negation hinaus ist – und das ist, wie gesehen, unmöglich.” 
30Iluminação, esclarecimento, acordamento. 
15
do operador do direito. De início, ele anota que a „Aufklãrung é a emergência do 
homem de sua própria autoinfligida imaturidade”31. Kant explica com precisão o 
termo Unmündlichkeit [imaturidade]: “Imaturidade é a incapacidade de uso de 
seu entendimento sem a orientação de um outro”32. 
E Kant (Ibd.) continua: 
Assim é difícil individualmente para cada pessoa se livrar da imaturidade, que 
quase se tornou a sua natureza. 33 
[...] 
Consequentemente, existem só poucos que conseguiram se desvendar da ima-turidade 
pela transformação do próprio espírito, e ainda empreender um andar 
seguro. 34 
Como observado, Kant implica na necessidade da ‘orientação de um ou-tro’ 
para que as pessoas comuns consigam encontrar a Aufklärung, que mais 
ainda se faz imprescindível no momento em que Kant (1783) discorre sobre o 
juízo sintético e o analítico. 
Uma das mais importantes obras de Hegel (2005), Fenomenologia do Es-pírito35 
trata essencialmente da consciência, da autoconsciência e da razão. Em 
outra obra, “Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito”36 (HEGEL, 1997), 
esse autor alemão oferece grandes ensinamentos filosóficos na área do Direito, 
o que naturalmente qualifica o filósofo a uma atividade de ‘orientação de um 
outro’ nesses dois ambientes profissionais. Ainda, Gelamo (2008, p. 156) e No-velli, 
(2005) discorrem em referência a Hegel37 sobre sua atividade como peda-gogo, 
quando o primeiro inclui ensinar Hegel “que os alunos podem aprender o 
exercício da abstração, a qual se configura como essencial para o pensamento fi-losófico.” 
Dessa acepção, se pode concluir que Hegel vislumbra na lógica a ci- 
31“Aufklärung ist der Ausgang des Menschen aus seiner selbst verschuldeten Unmündigkeit.“ 
32„Unmündigkeit ist das Unvermögen, sich seines Verstandes ohne Leitung eines anderen zu bedienen.“ 
33„Es ist also für jeden einzelnen Menschen schwer, sich aus der ihm beinahe zur Natur gewordenen Unmündigkeit 
herauszuarbeiten.“ 
34„Daher gibt es nur wenige, denen es gelungen ist, durch eigene Bearbeitung ihres Geistes sich aus der 
Unmündigkeit her aus zu wickeln, und dennoch einen sicheren Gang zu tun.“ 
35 Phänomenologie des Geiste. 
36 Grundlinien der Philosophie des Rechts. 
37 HEGEL, F. (1809-1822): Escritos pedagógicos. México: Fondo de Cultura Econômica, 1991 (Apud: Gelamo, 
Rodrigo Pelloso: O Ensino da Filosofia e o Papel do Professor-Filósofo em Hegel. Trans/Form/Ação, São 
Paulo, 31(2): 153-166 2008). 
16
ência que contribui para esse fenômeno, fundamentando no caráter abstrato e 
num conteúdo que se distancia da realidade imediata, pois 
[...] para Hegel, a filosofia exige empenho reflexivo e analítico, o que não se ob-tém 
preso à avalanche dos interesses materiais. Desta forma, a filosofia não 
deve sofrer uma popularização, mas o povo deveria ser elevado ao nível da filo-sofia. 
Hegel não é favorável às concessões e facilitações, mas ao mesmo tempo 
não desconhece o contexto dentro do qual a filosofia é praticada. Nem todos 
têm os requisitos necessários para o exercício filosófico, porém é possível tê-los 
na medida em que se submeterem à empreitada que se deve assumir para ad-quirir 
o exigido. A filosofia, como tal, possui um conteúdo específico na medida 
em que se interessa por certos temas e de um modo todo particular, do qual o 
indivíduo, interessado no exercício do filosofar, deve se apropriar. A apropria-ção 
do conteúdo da filosofia implica a concomitante e necessária apropriação da 
também perspectiva filosófica. Hegel insiste nesse aspecto ao sustentar a prima-zia 
do conteúdo em relação àquele que o apreende. (NOVELLI, 2005, p. 136) 
A antes abordada ‘orientação de um outro’ kantiano, exsurge também em 
Hegel como ‘mediação mediada’, quando ele analisa a aprendizagem da filosofia 
com também a do filosofar, ao que relata com muita propriedade Novelli (2005, 
p. 147): 
A aprendizagem da filosofia ou do filosofar através de sua história também in-dica 
que, para Hegel, ninguém aprende sozinho, mas sempre através da media-ção 
de um outro. O professor, os colegas, os textos são mediações pelas quais a 
aprendizagem se realiza. A mediação é o momento pelo qual o real se efetiva ou 
obtém status do ser como existente. Entre os textos e os colegas destaca-se a me-diação 
do professor, pois este pode atuar como uma mediação mediada, isto é, 
que já assumiu para si a história da filosofia. Mais do que um facilitador o pro-fessor 
se põe como um paradigma para os alunos, uma vez que ele mesmo não 
chega à história da filosofia senão através da experiência pessoal com ela. O 
professor também não é um reprodutor, pois sua mediação não determinará 
como a história da filosofia deverá ser compreendida, visto que o processo do 
filosofar produz o filósofo e este, como tal, poderá continuar indagando. Além 
disso, a mediação situa sempre a perspectiva do todo ou da superação da singu-laridade 
pela relação com algo mais. 
Em todo esse complexo e amplo percurso ontológico e metafísico, sobeja 
a esplendorosa importância da Filosofia como apoio fundamental do Direito, 
que em sendo fruto de seu estudo e, embora esse conteúdo espelhe contradi-ções, 
dela se torna, sem qualquer perda de sua essência, robusta substância 
para o seu diversificado ofício de operar o Direito. 
À guisa de complemento, se tomarmos a Filosofia do Direito a título de 
arquétipo, verificamos que todo o arcabouço teórico da Ética, desde Aristóteles, 
encontra uma aplicação prática súbita, que se torna assim a base fundamental 
das ciências jurídicas. Enquanto se avalia as ações sob o prisma de 'bom' e 
17
'ruim', em consequência se analisa os aspectos de Direito e de Justiça, como 
também assim, se adjetiva conformações violadoras de regras morais e éticas. 
Ao filosofar no Direito, estamos questionando qualidades aferentes à ontologia 
e à metafísica, ao instituir e ao legitimar, ao resguardar direito natural e direito 
positivo; fazer aforar a sequência de importâncias, preferências legais e legíti-mas 
das normas legais, bem como as revogações. Tudo isso é transunto crista-lino 
da prática da Filosofia no âmbito do Direito. 
Dos Filósofos, que se dedicaram ao estudo dos fundamentos do Direito, 
apontamos entre os mais proficientes: Hugo Grotius, Niccolò Machiavelli, Tho-mas 
Hobbes, G. W. F. Hegel, Hans Kelsen, Gustav Radbruch, H. L. A. Hart, Nik-las 
Luhmann, Jürgen Habermas, John Rawls, Ronald Dworkin e Robert Alexy; 
no Ceará, especificamente, destacamos Raimundo de Farias Brito, Clóvis Bevi-láqua, 
Quintino Cunha, Paulo Bonavides, Manfredo A. de Oliveira, Oscar 
d'Alva, Raimundo B. Falcão e Arnaldo Vasconcelos. 
18
3. Axiologia do Processo Legal 
“Não é a chancela da autoridade 
que valida o ato e o torna respeitá-vel 
e obrigatório. É a legalidade a 
pedra de toque de todo ato adminis-trativo.” 
Hely Lopes Meirelles. 
Nas mais diversas esferas e dissimílimos processos é corrente não ofere-cer 
aos acusados o amplo e irrestrito direito de defesa e ao contraditório, que é 
constitucional e indiscutível, previsto no art. 5º, inciso LV da Carta Magna. Na 
grande maioria dos casos, os membros da comissão processante não detêm, 
sequer, uma percepção básica na linhagem. Seguem uma 'receita de bolo' ela-borado 
por uma pessoa sem a qualificação, o que, indubitavelmente, leva a 
todo tipo de vícios. Decididamente, qualquer tipo de 'receita de bolo' se mostra 
totalmente imprestável para a complexa atividade processual, mesmo em sim-ples 
conflitos comunitários, com menor propriedade ainda, no âmbito adminis-trativo 
ou no trabalhista, ou ainda em qualquer esfera formal. 
De outra forma, o acusado muitas vezes preencheu todas as formalida-des 
e cumpriu, na íntegra, as normas legais regulamentadoras dos atos objeto 
do processo, mesmo assim são expostos ao constrangimento do processamen-to, 
não raro por motivos ímprobos. 
Ademais, o documento inicial da denúncia deve preencher as exigências 
da legislação vigente para receber validade como prova, pois em não sendo 
apresentado em seu original (ou cópia autenticada) e nem vindo a denúncia 
acompanhada de comprovante para as alegações feitas resta vazia a incrimina-ção. 
Finalmente é válido evocar aqui o artigo 5º, incisos LIII (ninguém será 
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;), LV (aos litigi-antes, 
em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são as-segurados 
o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela ineren-tes;), 
XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou amea- 
19
ça a direito;), XXXVI (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico per-feito 
e a coisa julgada;) e art. 166 do CC/2002 (É nulo o negócio jurídico quan-do: 
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou 
indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as par-tes, 
for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma 
solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por obje-tivo 
fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proi-bir- 
lhe a prática, sem cominar sanção.) e 167 do mesmo diploma legal (É nulo o 
negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na 
substância e na forma.) 
Dada a circunstância física de impossibilidade da abordagem de todo o 
arrabalde axiológico da defesa e do contraditório, passamos a abordar especifi-camente 
alguns poucos componentes dessa esfera jurídica, para não sobrepu-jar 
o ambiente monográfico. 
3a. Legitimidade 
Não só nas ciências jurídicas, o conceito de Legitimidade recebe impor-tância. 
A palavra advém do termo latino legitimus e também é objeto de estudo 
da Sociologia e das Ciências Políticas. Daí resulta o Princípio da Legitimidade, 
que após a fundação da ONU, tomou um lugar fundante nas relações interna-cionais 
em geral e, em especial, no Direito Internacional. 
Ao estudo da teoria da Legitimidade no recinto do Estado e do domínio, 
destacou-se o filósofo alemão Franz Oppenheimer (médico, sociólogo, economis-ta 
e sionista), que na leitura do ilustrado sociólogo (muitas vezes também to-mado 
como filósofo) Karl Marx, aquele define legitimidade como o conteúdo e a 
vida do poder do Estado. Daí, se toma que o filósofo alemão sustenta o caráter 
ideário, enquanto que o jurista, geralmente, se apega a uma descrição formal 
jurídica. 
Já na sociológica o conceito de legitimidade só pode encontrar embasa-mento 
na realidade. O povo confere a norma ao Estado pelo 'entusiasmo' ou 
'renúncia', fato esse, que é compreendido como legitimação. Pelo fato de que, a 
maioria da população sustenta o sistema político com o uso desse dualismo, a 
20
estabilidade é realizada e o poder se impõe. Se essa 'compreensão' se torna fra-ca, 
então a estabilidade do domínio estatal é fraca. Dessa forma, a legitimidade 
sociológica e o poder de domínio (do Estado) seguem de mãos dadas, mesmo no 
sentido da louva do magnânimo Carlos Drummond de Andrade. 
Seguindo a trilha de Max Weber (1864-1920) vamos atinar o conceito de 
dominação, através do qual Weber vai diferenciar a dominação legítima em três 
categorias: a tradicional, a carismática e a racional. A tradicional expressa-se 
pela fé ou crença nas boas intenções dos dominadores ou autoridade patriar-cal; 
a carismática manifesta-se pelo poder carismático pessoal do dominador, 
que Weber deseja ver como uma força revolucionária de romper as forças políti-cas 
reinantes; já a racional toma como alicerce a crença da legalidade da or-dem 
institucional e o direito de determinar daqueles, que foram designados por 
aquela para exercerem o domínio (domínio legal). Isso dado, lembra Weber, que 
a base para a validade de todo domínio legítimo é a pretensão de legitimidade 
dos dominadores e a crença dos dominados na legitimidade. Dessarte, na do-minação 
tradicional, a suposta "santidade" da ordem tradicional, com suas res-pectivas 
instituições, procedimentos e normas de ação (por exemplo, por man-do 
dos céus) é a base vigente; na dominação carismática essa base se expressa 
na devoção emocional a uma pessoa por força de suas atribuídas propriedades 
extraordinárias e na dominação racional, seria a crença na legalidade das insti-tuições 
constituídas com suas normas e regras. (WEBER, 1964. p. 159) 
A partir desses pressupostos, se pode depreender, que a legitimidade so-ciológica 
do domínio estatal não pode derivar de outro princípio senão do domí-nio 
estatal (ou da violência estatal, como diria Walter Benjamin), qual seja a o 
poder factual do próprio Estado. Todavia, ela não é formal-jurídica, mas sujeita 
ao poder concreto do Estado. A Legitimidade conhece da sua concretude de si 
própria, ou melhor, através do estabelecer o poder, o direito e a (nova) ordem, 
como também, por intermédio da solidificação de uma legalidade e legitimidade 
formal-jurídicas próprias. 
Na doutrina pátria, encontra-se na lição de Cretella Júnior uma precisa 
definição de legitimidade, in verbis: 
Legítimo é o ato administrativo, se editado de acordo com as normas jurídicas 
vigentes; ilegítimo, em caso contrário. (CRETELLA Júnior, 1964, p. 38) 
21
Enquanto isso, o grande mestre Hely Lopes Meirelles clama pela confor-mação, 
formal e ideológica, com a lei, conforme se toma abaixo: 
A ilegitimidade, como toda fraude à lei, vem quase sempre dissimulada sob as 
vestes da legalidade. Em tais casos é preciso que a Administração ou o Judiciá-rio 
desçam ao exame dos motivos, destaquem os fatos e vasculhem as provas 
que deram origem à prática do ato inquinado de nulidade. Não vai nessa atitu-de 
qualquer exame do mérito administrativo, porque não se aprecia a conveni-ência, 
a oportunidade ou a justiça do ato impugnado, mas unicamente a sua 
conformação, formal e ideológica, com a lei em sentido amplo, isto com todos 
os preceitos normativos que condicionam a atividade pública. (LOPES MEIREL-LES, 
1998, pag. 164). 
Ainda, seguindo os ensinamentos do ínclito mestre Hely Lopes Meirelles, 
apontamos o que segue: 
O Conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação do ato admi-nistrativo, 
não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange, não só a 
clara infringência do texto legal, como também o abuso, por excesso ou desvio 
de poder, ou por relegação dos princípios gerais do direito. Em qualquer dessas 
hipóteses, quer ocorra atentado flagrante à norma jurídica, quer ocorra inob-servância 
velada aos princípios do direito, o ato administrativo padece de vício 
de ilegitimidade e se torna passível de invalidação pela própria Administração 
ou pelo Judiciário, por meio de anulação." (Ibd.) 
Também é extremamente importante a obediência literal e ao espírito da 
lei, como nos ensina a seguir e com as melhores das propriedades a professora 
Carolina Zockun: 
É certo que a obediência à lei não somente se restringe à sua literalidade, mas, 
principalmente, a seu espírito, à sua consagração como instrumento de agrega-ção 
de valores e princípios de uma sociedade em dado espaço e tempo. 
J.J. FERREIRO LAPATZA acrescenta que a força da lei advém do fato de ser a 
mais genuína forma de representação da vontade popular. Assim, continua o 
mestre, o princípio da legalidade adverte que só a lei pode regular determina-das 
matérias, precisamente aquelas que garantem uma organização social base-ada 
na liberdade individual38. (ZOCKUN, [s.d.], p. 2) 
38Apud LAPATZA, J. J. FERREIRO. (“El Princípio de Legalidad y La Reserva de Ley”. Revista de Direito 
Tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº 50, página 7). Na íntegra e no original o autor 
averba: “El rango de la Ley, la fuerza de la Ley, en nuestro ordenamiento, como en todos aquellos que 
tratan de organizar una democracia pluralista de acuerdo con el principio de la división de poderes, deri-va, 
insistimos de que ella es la expresión más genuina y representativa de la voluntad popular. La Ley re-presenta 
la vonluntad de autoformación de una colectividad que no reconoce otros poderes que los que 
emanan del conjunto de los ciudadanos que forman parte de ella. Refleja las normas que la comunidad se 
da a si misma a través de sus representantes y debe contener, por tanto, el entramado básico del sistema 
jurídico, aquel en que se basa y encuentra apoyo el resto de la normativa que configura el ordenamiento. 
Pues sólo reservando a la ley tal entramado básico el sistema garantiza la primacia de la voluntad popu-lar. 
El principio de legalidad, según el cual la Ley y sólo la Ley ha de regular ciertas maetrias [sic], precisa-mente 
aquellas que garantizan una organización social basada en la libertad individual, incorpora, esen- 
22
3b. Desvio de Poder 
Também conhecido como 'Desvio de Finalidade' é um conceito muito co-nhecido 
nos feitos em face de autoridades. Ele se encontra inserido logo no art. 
2.º da Lei N.º 4.717/1965, que rege a Ação Popular. Mas, essencialmente, o 
Desvio de Poder ou de Finalidade constitui um ato de improbidade administra-tiva, 
que está previsto, de forma larga, na Lei N.º 8.429/1992. 
Decididamente, é um ilícito com uma enorme dificuldade probatória, 
posto ter em seu cerne a intenção de simular, de mascarar. Resta patente, que 
o gestor, ao praticar a antijuricidade, se arvora em simulação, em mascaração, 
em atender à 'necessidade do serviço' ou até no 'interesse público'. 
CRETELLA Jr. reputa esse fenômeno a título de sintomas, à leitura da 
doutrina francesa, ad litteram: 
Entre os índices ou sintomas denunciadores do desvio de poder a doutrina 
francesa, baseada em decisões do Conselho de Estado, aponta os seguintes: (a) 
pressa com que o ato foi editado, (b) inexistência dos motivos apresentados pelo 
administrador para justificar a decisão tomada, (c) desigualdade de tratamento 
dos interessados, (d) caráter sistemático de certas interdições, (e) caráter geral 
atribuído à média que deveria permanecer particular, (f) circunstâncias locais 
que antecederam a edição do ato. CRETELLA JUNIOR, 1980, pag. 311). 
O ambiente é extremamente vasto e abrange todas as áreas do Direito, 
admitindo três principais espécies: o excesso de poder, o desvio de poder e o 
desvio de finalidade, ainda, conforme o caso, pode acarretar nulidade absoluta 
ou relativa. 
In casu, trata-se de “poder exercido em sentido diferente daquele em vista 
do qual fora estabelecido” (CRETELLA JUNIOR, 2000, p. 291) De modo definiti-vo, 
o gestor, que se excede nesse tipo de delito, está revestido da necessária 
competência para tal fim. Entrementes, no exercício de suas funções legais se 
afasta do fim legal (ou do espírito da lei) para perseguir finalidade desseme-lhante 
ao visado pelo instrumento legal. Além de tudo, sua natureza e seu dis-cernimento 
de justeza, no mínimo intrincada, revestem-se duma acepção, na 
qual o elemento fim é instalado em ênfase, para mascarar o afastamento da fi-nalidade 
ou do interesse público. Na prática do desvio de poder, o gestor “usa 
de sua competência, de acordo com as formas prescritas em lei”, (...) “para exer-cialmente, 
la idea de que en una sociedad libre sólo la comunidade puede darse a sí misma, a través de 
sus representantes, normas sobre tales materias.” 
23
cer o poder que lhe é posto nas mãos”, não, entretanto, “para perseguir” o fim le-gítimo, 
não obstante persegue “fim diverso daquele que a lei lhe conferira”. (Ibd., 
p. 292) 
Um outro momento importante nessa controvérsia é o instituo do poder 
de discricionariedade da administração, que grandemente e não raro leva ao 
abuso de poder. Todavia, a discricionariedade, em sua propositura ontológica e 
teleológica, essencialmente a título de liberdade de eleição, deve transitar entre 
alternativas igualmente justas, ou entre indiferentes jurídicos, pois a decisão 
da administração encontra fundamento em parâmetros extrajurídicos, remeti-dos 
ao juízo subjetivo da Administração, pela impossibilidade de inserção no 
texto normativo. (ZOCKUN, [s.d.], p. 7; apud ENTERRÍA39) 
Suplanta ainda Zockun, apud Celso Antônio Bandeira de Mello40, que 
esse 
corretamente, rechaça a ideia de que a eleição é sempre entre indiferentes jurídi-cos. 
Na verdade, diz o autor, consoante demonstrar-se-á a breve tempo, que ao 
administrador cabe fazer, não qualquer escolha, mas a melhor opção possível 
para o caso concreto. (ZOCKUN, [s.d.], p. 7) 
A abalizada lente desvenda que “a margem de liberdade só existe quando 
a lei a conferir ao administrador”, para em seguir constatar que “existência de 
prévia lei, não há que se falar em competência discricionária, posto que a lei é o 
único instrumento jurídico que validamente atribui competências”. Em vista disso 
complementa que “o princípio da legalidade fundamento e limite da atuação dis-cricionária”. 
(ZOCKUN, [s.d.], p. 7) 
Utilizando-se de Eduardo Garcia de Enterría leciona a autora antes refe-rida: 
Não há, pois, discricionariedade à margem da lei, senão justamente somente em 
virtude da lei e na medida em que a lei haja disposto.41 
39ENTERRÍA, EDUARDO GARCÍA DE E FERNÁNDEZ, TOMÁS-RAMÓN. Curso de Derecho Adminis-trativo. 
Madrid: Editora Thomson Civitas, 12ª Ed. P. 466-467. 
40BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio: Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo: Editora 
Malheiros, 2ª Ed., 2003. 
41ENTERRÍA, EDUARDO GARCÍA DE E FERNÁNDEZ, TOMÁS-RAMÓN. Curso de Derecho Adminis-trativo. 
Madrid: Editora Thomson Civitas, 12ª Ed., página 462. No original: “No hay, pues, discrecionali-dad 
al margen de la Ley, sino justamente solo en virtud de la Ley y em la medida en que la Ley haya dis - 
puesto”. (apud ZOCKUN, [s.d.], p. 7) 
24
Com maior relevância temos a inquirição sobre hipótese da matéria dis-cricionariedade 
adunar-se com a liberdade de escolha. Nesse sentido, assim se 
pronuncia Afonso Rodrigues Queiró: 
o poder discricionário da Administração nunca é uma ‘livre’ escolha ou livre 
atividade. É, pelo menos, sempre limitado, dirigido, regulado, ligado, pelo ‘fim’ 
da lei, pela ‘ratio legis’, fim que jamais falta (...)42 
Mas, quem melhor traça um landmark entre a discricionariedade e a ar-bitrariedade 
é o conspícuo Hely Lopes Meirelles, quando assim se expressa: 
Discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade 
é ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder.43 
3c. Inversão do ônus de prova 
O notório adagium popular alemão “Was mir nützen soll, muss ich auch 
behaupten und beweisen”44 traduz com naturalidade a quem cabe o ônus da 
prova. É o equivalente alemão do nosso “quem alega, deve provar” e traduz o 
espírito do art. 333 do Códex processual civil brasileiro: 
Art. 333 - O ônus da prova incumbe: 
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; 
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do 
direito do autor. 
Perpassando a problemática da prova e suas constituições vislumbramos 
a ostentação de três características fáticas: a controvertida, a relevante para a 
causa e a determinada, mas que, 
nos termos do artigo 333 do Código de Processo Civil, cabe ao autor o ônus de 
provar o fato constitutivo de seu direito, e ao réu o de provar os fatos extintivos, 
impeditivos e modificativos do direito do autor. Ainda, ao réu cabe assumir 
dois ônus, sendo eles: o de provar a inexistência do fato colocado ou de provar 
os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor. [RIBEIRO 
JUNIOR, 2010] 
42QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. A Teoria do “Desvio de Poder” em Direito Administrativo. Revista de Di-reito 
Administrativo. Vol. VII, páginas 52-80, Editora Renovar, páginas 73-74. (apud ZOCKUN, [s.d.], p. 7) 
43MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 24ª Ed., 1999, 
página 120. (apud ZOCKUN, [s.d.], p. 8) 
44O que me traz proveito, tenho que defender e provar. 
25
Entretanto, como vamos ver mais adiante, há casos em que a prova se 
mostra extremamente difícil - ou até impossível – de ser constituída e há casos 
de prova negativa, que não se pacificam nessas alternativas e conceituações 
dispostas no Códex processual. Essas situações são indigitadas pela doutrina e 
pela jurisprudência como Probatio diabolica, entendidas sob a égide de teoria 
dinâmica da distribuição do onus probandi. 
Esse fenômeno já perpassa todo o ambiente jurídico e encontra na inver-são 
do ônus da prova uma âncora, que nem sempre saneia as questões envol-vidas 
na erupção prática da problemática. Aqui, se ressalte, com ênfase, a pro-va 
negativa de fato indeterminado, que deixa transparecer toda a complexidade 
do evento. 
Preferencialmente, a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova 
é sempre a favor do hipossuficiente. 
O embasamento do ônus da prova à luz do Códex processual pátrio ado-ta 
duas teorias: a estática e a dinâmica. Enquanto a estática amarra o onus 
probandi a quem alega, a dinâmica onera quem puder suportar. Em geral, a te-oria 
estática domina no nosso ordenamento jurídico (AZÁRIO, 2006), mas há 
várias exceções, onde o emprego da teoria dinâmica se reveste de grande re-levância, 
isso sem desprezo da visão solidarista45, apontada por Azário (op. cit., 
p. 119) e defendida pelo jurista argentino Augusto Mario Morello46. 
Notadamente a teoria dinâmica é aplicada nas relações consumeristas 
(GUILHERME, 2010), eximindo assim, o consumidor da produção da prova dia-bólica. 
Nesse sentindo, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela aplica-ção 
da teoria dinâmica, com o fundamento de que 
a prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em caso dessa 
espécie. Impor ao autor que a faça significa, em verdade, impor-lhe a chamada 
prova diabólica, de produção impossível, porque os afastamentos dos cargos, à 
época, eram disfarçados; assim, por exemplo, quando militar o servidor, afas-tava- 
se por indisciplina ou insubordinação; quando civil, por ato de abandono e 
outras alegações com a mesma finalidade e do mesmo teor. Destarte, compete à 
45 “bien entendida funcionalidad del principio de cooperación (o de efectiva colaboración) que a su vez radica en el 
más comprensivo y de mayor furza operativa que es el de solidaridad. Y ambos en el de buena fé” 
46 MORELLO, Augusto Mario. La prueba: tendencias modernas. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1991. 
(apud AZÁRIO, 2006) 
26
Instituição que promoveu o ato demissionário demonstrar a inexistência de mo-tivação 
política.47 
O Código de Defesa do Consumidor aponta como situação de prova dia-bólica 
dois momentos no bojo de seu texto, conforme tomamos abaixo: 
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: 
[...] 
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus 
da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil 
a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de 
experiências; 
[…] 
Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunica-ção 
publicitária cabe a quem as patrocina. 
Sem qualquer dubiedade, o instituto da inversão do ônus da prova é um 
elemento imprescindível na composição da ampla defesa e do contraditório, em 
caso de patente hipossuficiência do acusado no que concerne à produção de 
prova. 
3d. Prova Diabólica & Condenação Branca 
Na área criminal esse fenômeno fulmina a chamada presunção de ino-cência, 
consagrada pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, produ-zindo 
uma verdadeira Condenação Branca com o embasamento da absolvição 
por falta de prova. 
A complexidade do Direito trás aos seus operadores novos desafios, que 
urgem por soluções atuais e que exigem a formulação de uma metafísica jurídi-ca, 
que atenda à finalidade última do direito. A complexidade da hodiernidade 
exige do Direito uma adequação e formulação de soluções, que ofereçam à soci-edade 
a plenitude na garantia dos direitos do jurisdicionado. 
Dentre esses desafios se encontra o repto da acima referida prova diabó-lica, 
que insta por uma solução e adequação doutrinária, viabilizada por uma 
análise profunda e transcendente, sem que, ao entendimento de Spinoza, se 
afaste da imanência jurídica. 
A probatio diabolica tem suas raízes no processo inquisitório medieval e 
não pode prevalecer no nosso ordenamento jurídico com os efeitos, que apre- 
47 STJ, Resp 823.122 DF, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 18/fev/2008. 
27
sentava nessa época de trevas. Em sobrepujando, que se faz, sem causar detri-mento 
a um processo dialético e formal, a favor do hipossuficiente. 
O fenômeno da prova diabólica é conhecido no Direito Internacional pela 
denominação latina de Probatio diabolica, sempre no sentido da exigência da 
apresentação de uma prova impossível ou da negativa indeterminada [CARPES, 
2008]. Em alguns países essa prova recebe também alguma característica es-pecífica: 
• Devil’s proof (2012) [em inglês]: com o significado genérico de prova im-possível, 
mas com estreita ligação com a ferramenta da inversão do ônus 
da prova. 
• Teuflischer Beweis (2011) [em alemão]: mormente aplicada na relação 
patrimonial. 
• Prueba inquisitorial (2011) [em espanhol): como no título já se aplica, 
se vislumbra uma intimidade com os processos da Inquisição e com o 
antigo Regime espanhol, onde a presunção da inocência, “muitas vezes 
incorriam em absurdos lógicos dos quais os acusados não podiam se li-vrar 
(por exemplo, se você confessar, você é culpado, se você não confes-sar, 
nem mesmo sob tortura, é porque o diabo lhe deu força para su-portá- 
la e, portanto, também é culpado)”. 
• Prova del diavolo (2011) [em italiano]: esse instituto é utilizado no direi-to 
italiano no âmbito do direito patrimonial, especificamente, nas ques-tões 
de usucapião. 
No direito brasileiro a 
Prova diabólica é a chamada prova impossível ou excessivamente difícil de ser 
produzida, como a prova de fato negativo, sendo que tal problema reside na 
prova do fato negativo indeterminado, pois, salvo melhor juízo, não há como 
provar, por exemplo, que alguém nunca trabalhou para determinado emprega-dor. 
[D'Andrea et alia, 2008] 
Entrementes, há grande divergência na abordagem doutrinária da aplica-ção 
desse instrumento, já por demais recorrente nos nossos tribunais. Re-vela- 
se daí uma corrente expressiva, que ver na teoria dinâmica um obstáculo 
ao direito fundamental e ao processo justo (CARPES, 2008). 
28
Além de exsurgir no âmbito do Direito do Consumidor, como visto no tó-pico 
anterior, a Prova Diabólica encontra-se presente noutras áreas do direito: 
a. Direito Econômico 
A literatura aponta uma “situação anacrônica atual em relação à fraude 
de execução” (FREITAS, 2010). Esse fato se dá pelo seguinte: 
O Superior Tribunal de Justiça, em 20/03/2009, editou a Súmula 375 que prevê: 
“o reconhecimento da fraude de execução depende de registro da penhora do 
bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” (Ibid.) 
Com a exigência de prova de má-fé entende Freitas, que está substancia-da 
a produção da Prova Diabólica, dificultando assim o reconhecimento da 
fraude de execução. Mas, como o próprio autor indica, essa súmula surgiu no 
trato com julgados específicos em casos de fraude contra credores, que, a seu 
ver, embora semelhantes, são institutos díspares. Daí, conclui Freitas, que 
tal mescla acabou por desvirtuar a realidade do reconhecimento judicial da fraude. 
(Ibid.) 
b. Direito Penal 
Nesse âmbito, se apresenta um exemplo de Prova Diabólica encontrado 
em apaixonada crítica formulada por um procurador de Justiça no Rio Grande 
do Sul, que embora seja favorável ao hipossuficiente, certamente será difícil de 
o enquadrar em ambiente ético. Antes, de entrarmos no objeto, tenta-se revelar 
uma ideia do animus do autor ao formular a citada crítica, através da citação 
de um trecho de seu texto: 
Temos de construir as bases para um pensamento crítico que denuncie equívo-cos 
como o voto que abordarei na sequência, da lavra do ministro Luiz Fux. A 
crítica que exporei não tem a pretensão de ser algo do tipo J’accuse, de Emile 
Zola, em que este fazia contundente manifesto contra a injustiça cometida con-tra 
o capitão Dreyfus. Posso, no máximo, estar indignado como Zola. (STRECK, 
2011) 
A partir daí, Streck aponta uma série de supostos equívocos praticados 
pelo Ministro Lux (STF). Em determinado momento, ele aponta o uso da teoria 
da actio libera in causa, na concessão de um Habeas corpus. Segundo a teoria 
da actio libera in causa (ação livre na causa) “considera-se imputável quem se 
29
põe em estado de inconsciência ou de incapacidade de autocontrole, seja dolosa 
ou culposamente, e nessa situação comete o crime” (RAMOS, 2005). Essa teoria 
é fundada na expressão da responsabilidade penal objetiva, que foi abolida 
com o advento da Lei 7.209, de 11.7.1984, que produziu a reforma da Parte 
Geral do Código Penal. 
Pelo relato do procurador, o Ministro concedeu o Habeas Corpus 
invocando algo que não consta no Código Penal: a teoria da actio libera in causa. 
Ou seja, tivesse o STF coerência nas decisões, portanto, respeitasse o STF a ori-gem 
do direito fruto de suas decisões, teríamos, a partir de agora, algo inu-sitado: 
nunca mais se conseguirá acusar alguém por dolo eventual na hipótese 
em que o autor dirija embriagado e atropele (e mate). A tese do voto: somente 
se pode acusar alguém por dolo eventual se ficar demonstrado que o agente “se 
embriagou com o propósito de cometer um crime”. Prova, pois, diabólica. Im-possível 
de se fazer. Aliás, nunca houve no mundo um processo julgado nesse 
sentido. A velha actio libera in causa não é um princípio. E tampouco é uma re-gra. 
Nem mais se estuda essa tese nas salas de aula. Porém, o ministro Fux pro-feriu 
um belo voto. Pergunto: e os efeitos colaterais dessa decisão? (STRECK, 
2011) 
c. Direito do Trânsito 
Em ação agravo de instrumento (nº 83474/2011) e afirmando “que cabe 
aos órgãos de trânsito e não ao motorista a demonstração das notificações de in-frações 
de trânsito”, a 4.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso 
concedeu tutela por unanimidade ao autor. A decisão foi fundamentada nas 
Súmulas nº 12748 e 31249 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme 
consta abaixo: 
O relator da ação, desembargador Mariano Alonso Ribeiro Travassos, concordou 
com a argumentação da empresa de que há margem para aplicação, em caráter 
cautelar, da Súmula 127 do STJ quando a autoridade de trânsito propositalmente 
não discrimina, ao expedir o extrato do veículo solicitado pelo condutor via inter-net, 
se as infrações apuradas foram na condição de flagrância ou não, e se houve 
ou não a notificação do condutor. Até porque não é ônus do Impetrante/Agravan-te 
colacionar prova negativa (probatio diabólica) de suas alegações nos autos do 
processo, arguiu. Destarte, devem ser aplicadas as Súmulas n.º 312 e 127, ambas 
do Superior Tribunal de Justiça. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO, 
2012) 
48 É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não 
foi notificado. 
49 No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da au-tuação 
e da aplicação da pena decorrente da infração. 
30
d. Direito Ambiental 
O meio ambiente está no foco das preocupações de toda a sociedade 
mundial. Os países com grandes riquezas ambientais assumem assim uma 
responsabilidade ímpar ante as demais, pelo ônus da preservação e da susten-tabilidade. 
Na defesa do meio ambiente os STJ inaugurou com a teoria dinâmica, ao 
REsp 1.049.822-RS, reconhecendo a hipossuficiência da sociedade nas ques-tões 
ambientais, que ao relato de BRAGA (2009, p. 2) o aresto assim restou 
substanciado: 
Resumidamente, o Superior Tribunal de Justiça se dividiu. A tese vencedora foi a 
encabeçada pelo relator, Min. Francisco Falcão, acompanhado pelos Mins. Luiz 
Fux e Benedito Gonçalves, que votaram pelo não provimento do recurso, alegan-do 
que não pode haver óbices à propositura de ações que visem a defesa de direi-tos 
fundamentais, pois a responsabilidade ambiental é de interesse público e a so-ciedade 
é hipossuficiente, motivo pelo qual deve ser transferido ao empreendedor 
o ônus da prova de que sua conduta não gerou riscos ambientais, em atenção aos 
princípios da precaução e da prevenção. 
e. Anistia Política 
Outra situação em que o Direito pátrio aplica a teoria dinâmica se refere 
às demandas no âmbito da Anistia Política conforme pontifica o artigo 8º do 
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ad litteram: 
Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a 
data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de mo-tivação 
exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou comple-mentares, 
aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de de-zembro 
de 1961, e aos atingidos pelo Decreto - Le i nº 864, de 12 de setembro de 1969 , 
asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou gradua-ção 
a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de 
permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, res-peitadas 
as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos 
civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos: 
(Omitto) 
§ 5º - A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores pú-blicos 
civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas funda-ções, 
empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos 
Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades 
profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem 
como em decorrência do Decreto - Le i nº 1.632, de 4 de agosto de 1978 , ou por 
motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atin-gidos 
a partir de 1979, observado o disposto no § 1º. (Destaquei) 
31
A regulamentação dessas disposições constitucionais 
acima citadas foi efetivada através da Lei nº 10.559/02, que assim se expressa: 
Art. 1.º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos: 
I - declaração da condição de anistiado político; 
(omitto) 
Art. 2o São declarados anistiados políticos aqueles que, no período de 18 de se-tembro 
de 1946 até 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente políti-ca, 
foram: 
(omitto) 
VI - punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remune-radas 
que exerciam, bem como impedidos de exercer atividades profissionais 
em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos, sendo tra-balhadores 
do setor privado ou dirigentes e representantes sindicais, nos ter-mos 
do § 2 o do art . 8 o do Ato das Dispos i ções Constitucionais Transitórias ; 
(omitto) 
IX - demitidos, sendo servidores públicos civis e empregados em todos os ní-veis 
de governo ou em suas fundações públicas, empresas públicas ou em-presas 
mistas ou sob controle estatal, exceto nos Comandos militares no que se 
refere ao disposto no § 5o do art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais 
Transitórias; 
(omitto) 
XI - desligados, licenciados, expulsos ou de qualquer forma compelidos ao 
afastamento de suas atividades remuneradas, ainda que com fundamento na 
legislação comum, ou decorrentes de expedientes oficiais sigilosos.” (Desta-quei) 
Pelo exposto, com fundamento nos dispositivos acima 
referidos, assiste ao hipossuficiente o direito personalíssimo ao reconhecimento 
e declaração da condição de anistiado, desde que apresente a relação de causa-lidade. 
Nesse sentido, vejamos o seguinte acórdão: 
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. 
ANISTIA. DEMISSÃO POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA. PROVA DIRETA OU 
MATERIAL. IMPOSSÍVEL. ATO DEMISSÓRIO DISSIMULADO. CONTEXTO 
DEMONSTRATIVO DA NOTA POLÍTICA DA DEMISSÃO DO RECORREN-TE. 
PROVA EM CONTRÁRIO QUE COMPETE À ADMINISTRAÇÃO. INA-PLICABILIDADE 
DA SÚMULA 7/STJ. VALORAÇÃO DA PROVA. RECURSO 
CONHECIDO E PROVIDO. 
1. A prova, nos casos de concessão de anistia para fins de reintegração ao servi-ço 
público, é sempre indireta e deve decorrer da interpretação do contexto e 
das circunstâncias do ato apontado como de motivação política. 
2. A prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em caso 
dessa espécie. Impor ao autor que a faça significa, em verdade, impor-lhe a cha-mada 
prova diabólica, de produção impossível, porque os afastamentos dos 
cargos, à época, eram disfarçados; assim, por exemplo, quando militar o servi-dor, 
afastava-se por indisciplina ou insubordinação; quando civil, por ato de 
abandono e outras alegações com a mesma finalidade e do mesmo teor. 
Dest'arte, compete à Instituição que promoveu o ato demissionário demons-trar 
a inexistência de motivação política. 
3. Na presente hipótese, o contexto da demissão do recorrente, revelado pela (I) 
sua participação ativa em movimentos então denominados esquerdistas ou sub- 
32
versivos, (II) a perseguição e a Jurisprudência/STJ - Decisões Monocráticas de-missão 
de pessoas próximas, inclusive familiares, (III) o forte conceito que man-tinha 
na Universidade, sem qualquer mácula em sua conduta profissional e aca-dêmica, 
bem como (IV) o fato de ter sido anistiado pelo Ministério do Trabalho 
em face de sua demissão da Petrobras, demonstram a motivação política do seu 
afastamento dos quadros da UNB. 
4. Não se cuida, aqui, de mero reexame de matéria fático-probatória, realmente 
incabível em sede recursal especial, mas de valoração da prova, abstratamente 
considerada, passível de realização nesta instância. 
5. A questão da prova direta não é a nuclear no processo de anistia e nem mes-mo 
constitui o fulcro do pedido, porque em hipótese que tal a avaliação do plei-to 
há de seguir a trilha do art. 8o. Do ADCT e da Lei 10.559/02 (Lei de Anistia), 
elaborada com o ânimo de pacificar o espírito nacional, aproximar os contrários 
e instalar o clima de recíprocas confianças entre grupos d'antes desentendidos. 
6. Recurso Especial conhecido e provido." (REsp 823122/DF, 5.ª Turma, Rel. Mi-nistro 
ARNALDO ESTEVES LIMA, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NU-NES 
MAIA FILHO, DJ de 18/02/2008.) (Destaquei) 
f. Direito do Trabalho 
No direito trabalhista o ônus da prova está sempre a cargo do emprega-dor, 
pela sua reconhecida hipersuficiência ante o contratado. Nesse ambiente, 
a inversão do ônus probatório é por demais relevante em se tratando de aci-dente 
do trabalho. 
Como cediço, em casos de descumprimento de normas de segurança por 
parte do empregado, eximirá o empregador do ônus indenizatório. Com o ad-vento 
da lei n.º 11.430/2006 não mais estará o trabalhador com o ônus de 
provar o nexo causal para acidentes e incapacitações, mas sim na incumbência 
do empregador comprovar que eventuais acidentes ou incapacidades não são 
decorrentes das atividades, indevidamente, desenvolvidas pelo empregado no 
ambiente de trabalho (PONTES, 1990). 
Ainda no âmbito trabalhista, deve-se realçar o Princípio da Não Discrimi-nação 
ancorado na “Constituição Federal, em especial os arts. 3º, IV, 5º, caput, 
XLI e XLII, e 7º, XX, XXX, XXXI e XXXII; e em vários diplomas legais brasileiros, 
como na Lei nº 9.029/95, que se aplicam, em especial, às relações de emprego” 
(CHEHAB, 2010, p. 53). O mesmo autor, amparado no texto da Convenção nº 
111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, define discriminação 
como “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, reli-gião, 
opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular 
ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profis-são” 
(Ibid.). 
33
Para o trabalhador discriminado é impossível provar 'distinção', 'exclu-são' 
ou 'preferência', motivo pelo qual se mostra obrigatório a inversão do ônus 
probatório diabólico, “sob pena de sua omissão ser inconstitucional, por deixar 
de tutelar o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, efetiva e célere 
prevista no art. 5º, XXXV e LXXVIII, da CF.” (Ibid., p. 59 apud CAMBI50). 
g. Direito Securitário 
Na matéria de cobertura de seguro de vida em casos de suicídio, o Supe-rior 
Tribunal de Justiça, ao julgar o Agravo de Instrumento de n.º 
1.244.022/RS, inovou com recente interpretação do caput do art. 79851, mo-mento 
em que 
prevaleceu o entendimento apresentada pelo ministro Luis Felipe Salomão, no 
sentido de que o suicídio cometido durante os dois primeiros anos de vigência 
do contrato de seguro de vida, período de carência, a seguradora só estará isen-ta 
do pagamento da indenização securitária, se comprovar que o ato do segura-do 
foi premeditado. (MARENSI, 2011) 
Conquanto, seja o setor securitário também atingido pela legislação con-sumerista, 
é de grande validade tratar essa matéria motu proprio, pelo fato de a 
questão de mérito ser de grande proeminência, pois toca direito fundamental e 
natural, qual seja, o direito à vida. Demais, o fato da seguradora ficar obriga a 
provar se “o segurado teria premeditado, ou não, o suicídio quando da contrata-ção 
do seguro de vida” (ibid.), certamente vai gerar grande polêmica na juris-prudência, 
com maior propriedade ainda, na doutrina. 
Se nos enveredarmos na jurisprudência, pelo que se toma da ementa a 
seguir exposta, está de permeio o princípio da presunção da boa-fé e resta cla-ra 
a aplicação da teoria dinâmica no presente caso, senão vejamos: 
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CO-BRANÇA. 
SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO COMETIDO DENTRO DO PRAZO 
DE 2 (DOIS) ANOS DE INÍCIO DE VIGÊNCIA DA APÓLICE DE SEGURO. 
NEGATIVA DE PAGAMENTO DO SEGURO. ART. 798 DO CC/2002. INTER-PRETAÇÃO 
LÓGICO-SISTEMÁTICA. BOA-FÉ. PRINCÍPIO NORTEADOR DO 
DIPLOMA CIVIL. PRESUNÇÃO. NECESSIDADE DE PROVA DA PREMEDI- 
50 CAMBI, Eduardo: Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e prota-gonismo 
judiciário. São Paulo: RT, 2009. P. 361. 
51 Art. 798 – O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primei-ros 
2 (dois) anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o 
disposto no parágrafo único do artigo antecedente. 
34
TAÇÃO PARA AFASTAR-SE A COBERTURA SECURITÁRIA. PRECEDENTE. 
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL. ANÁLISE DE PROVAS. AFASTADA A PREME-DITAÇÃO. 
REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE 
NEGA PROVIMENTO. 
1. Nas razões do recurso especial, não foi evidenciada de que forma o acórdão 
recorrido teria vulnerado os arts. 130, 330, 331 e 332 do CPC. Incidência da Sú-mula 
284/STF. 
2. A interpretação do art. 798, do Código Civil de 2002, deve ser feita de modo a 
compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma 
legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da redação 
da nova codificação civil. 
3. Nessa linha, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos 
de vigência do contrato de seguro, por sí só, não autoriza a companhia segura-dora 
a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequí-voca 
da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à Seguradora, con-forme 
as Súmulas 105/STF e 61/STJ expressam em relação ao suicídio ocorrido 
durante o período de carência. 
4. "O artigo 798 do Código Civil de 2002, não alterou o entendimento de que a 
prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indeni-zação 
securitária." (REsp 1077342/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Ter-ceira 
Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 03/09/2010). 
5. Não há de se falar em violação ao art. 333, I, do CPC, uma vez que, nos ter-mos 
do precedente citado, compete à Companhia Seguradora a prova da ocor-rência 
de premeditação no suicídio ocorrido nos primeiros dois anos de vigên-cia 
do contrato, para se eximir do pagamento da cobertura securitária contrata-da. 
6. Na hipótese, a Corte Estadual expressamente consignou que os elementos de 
convicção dos autos evidenciam que o suicídio não foi premeditado. Enten-der- 
se de forma diversa demandaria necessária incursão nos elementos fá-tico- 
probatórios dos autos, com o consequente reexame de provas, conduta ve-dada 
em sede de recurso especial, ante o óbice previsto na Súmula 7/STJ, con-soante 
afirmado na decisão ora agravada. 
7. Agravo regimental a que se nega provimento. 
Com essa decisão, entendeu o STJ que a má-fé, in casu, deve ser com-provada, 
em contrário, se aplicará o que pontificam as súmulas 10552 do STF e 
6153 do STJ. 
No tocante à aplicação do aqui analisado instituto em desfavor do hipos-suficiente, 
veremos exemplos de casos, em que a carga probatória dinâmica 
onera o hipossuficiente. 
h. Direito Eleitoral 
Recentemente, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fixou o prazo de 180 
dias, após a diplomação do candidato, para os procuradores eleitorais ingres- 
52 Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exi-me 
o segurador do pagamento do seguro. 
53 O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado. 
35
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Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório

  • 1. Acelino Pontes dos Santos Lima Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório - paradigmas axiológicos e jurídicos Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará - FAECE Curso de Graduação em Direito Fortaleza 2013
  • 2. Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará - FAECE Curso de Graduação em Direito Acelino Pontes dos Santos Lima Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório - paradigmas axiológicos e jurídicos Monografia apresentada ao Curso de Gradu-ação em Direito da Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará - FAECE, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Ms. Marcel Moraes Mota. Fortaleza 2013
  • 3. Diretora-Geral: Prof.ªMs.ª Rita Maria Silveira da Silva Coordenador do Curso de Direito: Prof.Ms. Edenilo Baltazar Barreira Filho Bacharelando: Acelino Pontes dos Santos Lima Ficha Catalográfica P814f PONTES, Acelino Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório - paradigmas axiológicos e jurídicos / Acelino Pontes. - For-taleza, 2013 66 p. Monografia de Graduação em Direito (Bacharelado) - Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará – FAECE, Curso de Direito. Bibliografia Orientador: Prof.Ms. Marcel Moraes Mota. 1. Direito de Defesa 2. Contraditório 3. Fenomenologia 4. Paradigma 5. Axiologia. I. Faculdade de Ensino e Cultu-ra do Ceará – FAECE. II. Título. CDU: 34 Para citar este documento: Pontes, Acelino: Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório - paradigmas axiológicos e jurídicos. Monografia de Graduação em Direito, Curso de Graduação em Direito. Fortaleza: Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará – FAECE, 2013. 66 p. III
  • 4. Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará - FAECE Curso de Bacharelado em Direito Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório - paradigmas axiológicos e jurídicos Bacharelando: Acelino Pontes dos Santos Lima Monografia aprovada em 26/11/2013 para obtenção do título de Bacharel em Di-reito. Nota: 9,5 Banca Examinadora: _________________________________________ Prof.Ms. Marcel Moraes Mota Orientador _________________________________________ Prof.Ms. Luciano Carmelo de Mesquita Prado Examinador __________________________________________ Prof.Ms. Raimilan Seneterri da Silva Rodrigues Examinador _________________________________________ Prof.Ms. Edenilo Baltazar Barreira Filho Coordenador do Curso de Direito IV
  • 5. Dedicatória À tia Delzira pelo carinho e apoio. V
  • 6. Agradecimentos O meu reconhecimento ao ínclito Prof.Ms. Marcel Moraes Mota, que me iluminou nas trilhas do Direito Constitucional com muita competência e erudi-ção, como também me assistiu na elaboração deste trabalho. Gratias plena à Magistrada Dr.ª Adriana Aguiar Magalhães e Dr.ª Virgí-nia Maciel Pereira pelo apoio e pelas orientações, bem como a toda a equipe se serventuários e estagiários da 16.ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, bem como ao douto Promotor de Justiça Dr. Marcos William Leite de Oliveira e ao nobre Defensor Público, Dr. Leonardo Antônio de Moura Júnior. In memori-am, Dr. José Lima de Oliveira e Dr.ª Ana Célia Alves de Souza. Um agradecimento especial aos colegas Jardel Luís Costa Leite e Rui Bu-eno Ferraz pelo incentivo e constante debate nas disputationes. Também não devo esquecer o fenômeno, que me levou a estudar Direito. Dank und Anerkennung gelten meiner dritten alma mater, die Ludwig- Maximilians-Universität München. VI
  • 7. Epígrafe Mãos Dadas Carlos Drummond de Andrade Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presen-tes, a vida presente. Não há como pensar e ser futuro sem a Fi-losofia. O autor VII Ilustração 1: Drummond de Andrade Fonte: Internet
  • 8. Resumo Contexto: Entreprende-se a propositura de uma Fenomenologia da Ampla Defe-sa e do Contraditório, oferecendo novas perspectivas de pensar, em especial, na realidade nacional. Não obstante, as perspectivas históricas não corrobora-rem a imposição de um convívio social conforme o pensamento humanístico, delineia-se um rompimento com paradigmas e axiomas provectos. Na analise axiológica, acautela-se o fenômeno da Agressão Intencional-Teleológica, regida pela informalidade das relações intersubjetivas e transsubjetiva no âmbito co-munitário e da privacidade. M etodologia : Compele-se uma análise epistemológica, axiológica e ontológica da concepção do direito à Ampla Defesa e ao Contraditório, enceta-se vínculos de conteúdo e de método, na busca de conectar uma visão de congruência, que articule a formação de uma nova visão jurídico-ética. Resultados: O estudo do fato revelou a concepção de opinião, de objeto do co-nhecimento e de fé, adornadas com a qualidade do a priori, encontrando no existencialismo o ser-no-mundo (Dasein), a partir da noção de uma "tensão en-tre faticidade e validade", ou da entre o Em-si e o Para-si. Ao estudo da Axiolo-gia do devido processo legal a Legitimidade, o Desvio de Poder, a Inversão do Ônus da Prova, a Prova Diabólica e a Condenação Branca receberam atenção. Ao exame da Agressão Intencional-Teleológica apontou-se fenômenos das rela-ções intersubjetivas e transsubjetiva no âmbito comunitário e da privacidade, porquanto de extrema dificuldade para erigir uma formação da ampla defesa e do contraditório. Conclusão: Verificou-se que o estabelecimento de uma estética e ética da am-pla defesa e do contraditório, numa situação fenomenológica como descrita neste trabalho é de extrema dificuldade. Vislumbra-se a necessidade de mu-danças socioculturais, que viabilizem a implantação de direitos fundamentais, como no caso da ampla defesa e do contraditório, de forma linear, abrangente e horizontal, que assim permita a todos viverem humanamente. Palavras – Chaves: Direito de Defesa. Contraditório. Fenomenologia. Paradig-ma. Axiologia. VIII
  • 9. Zusammenfassung Hintergrund: Es wird die Produktion einer umfassenden Phänomenologie der Rechtsverteidigung und des Rechtswiderspruches unternomen, mit der Absicht neue Perspektiven zum Denken zu verwirklichen, vor allem in der nationalen Realität. Dennoch, die historischen Perspektiven stärken keine Induktion von Regeln und Vorschriften, die ein soziales Beisammensein gemäß dem humanis-tischen Denken durchzusetzen versucht. Es zeichnet sich einen Bruch mit ab-getakelten Paradigmen und Axiome ab. In der axiologischen Analyse wird es vor dem Phänomen der intentional-teleologischen Aggression ermahnt, welche im Rahmen der Gemeinschaft und der Privatsphäre durch die Informalität der intersubjektiven und transsubjektiven Beziehungen regiert wird. Method ik : Es genötigt eine epistemologische, axiologische und ontologische Konzeptionsanalyse des Rechts auf Verteidigung und auf Widerspruch, auf der Suche eine Kongruenzvision anzuschließen, wird es Bindungen von Inhalt und Methode zu setzen initiiert, welche die Entstehung einer neuen rechtlich-ethis-chen Vision artikuliert. Ergebnisse: Der Weg von Tatsache bis zur Faktizität führte über Meinung, über Objekt des Wissens und über den Ausdruck des Glaubens, über Daten und Erkenntnisse, die mit der Qualität a priori ausgeschmückt werden, in Existen-zialismus der Sein-in-der-Welt (Dasein) findend, auf der Grundlage einer "Spannung zwischen Faktizität und Geltung" sowie in der Gespanntheit zwis-chen den In-sich und den Für-sich. Auf die axiologische Untersuchung des ord-nungsgemäßen Verfahrens wurden die Legitimität, den Machtmissbrauch, die Beweislastumkehr, der teuflische Beweis und die Weiße Verurteilung analysi-ert. Bei der Untersuchung der intentional-teleologischen Aggression wies auf Phänomene der intersubjektiven und transsubjektiven Beziehungen im Ge-meinschaftsbereich und in der Privatsphäre, insofern darauf eine breite Rech-tsverteidigung und den Rechtswiderspruch mit extremen Schwierigkeiten zu errichten sind. Schlussfolgerung: Es wurde festgestellt, dass die Errichtung einer ästhetischen und ethischen breiten Rechtsverteidigung und eines Rechtswiderspruches, wie in einer, in dieser Arbeit beschriebenen, phänomenologischen Situation extrem schwierig ist. Betrachtet es als notwendig sozio-kulturellen Veränderungen, die die Umsetzung der Grundrechte zu ermöglichen, wie im Falle der Rechtsvertei-digung und des Rechtswiderspruches in einer linearen umfassenden und hori-zontalen Form, sodass lässt jeder menschenwürdig leben. Stichwörter: Rechtsverteidigung. Rechtswiderspruch. Phänomenologie. Paradigma. Axiologie. IX
  • 10. Lista de Figuras Figura 1: Drummond de Andrade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII Figura 2: Obra Dei Delitti e Delle Pene, de Cesare Beccaria . . . 2 X
  • 11. Sumário Dedicatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VI Epígrafe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VIII Zusammenfassung . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX Lista de Figuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . X Sumário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XI 1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1a. Justificativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 1b. Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1c. Metodologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2. Faticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2a. Do Fato à Faticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2b. Omnis determinatio est negatio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2c. Aufklärung e Mediação: filosofando no Direito . . . . . . . . . . . 15 3. Axiologia do Processo Legal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 3a. Legitimidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 3b. Desvio de Poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 3c. Inversão do Ônus da Prova . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 3d. Prova Diabólica & Condenação Branca . . . . . . . . . . . . . . . . 27 4. Agressão intencional-teleológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 4a. Bullying . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 4b. Mobbing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 4c. Síndrome do Pequeno Poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4d. Intriga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 4e. Fenomenologia do Brasileiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 5. Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 6. Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 XI
  • 12.
  • 13. 1. Introdução “O justo é tranquilíssimo, o injus-to é sempre muito solícito.” Epicuro Na história da humanidade está sempre presente o anseio do homem por pacificar conflitos e manter a ordem social. Nesse intuito, já os pré-socráticos (SOUZA FILHO, 2011, p. 263), em especial, os socráticos (RIBEIRO, 2012, p. 203) medram por uma preocupação com os valores éticos e morais do homem, em busca do 'dever ser' e o conflito entre o 'dever ser' e a realidade, que até hoje perdura. Resulta dessa evolução a formulação e imposição de regras e normas, que venham reger o convívio social. À vista disso, o Estado foi conjurado a impor sanções para inibir e coibir infrações às normas vigentes. Mas, nesse desígnio exsurgem a prática de arbi-trariedades, prejulgamentos, prevalecendo uma estética da condenação sem a devida apuração dos fatos ou sem a busca de justificativas para a conduta do agente infrator, bem mais ainda, sem a devida oferta do direito de defesa ou sem a presunção de inocência. Longo é o caminho para o encontro do Estado com o devido processo le-gal, perpassando a apuração de atos delituosos, por provas divinas1, bem como, pelo fenômeno da Inquisição, com o uso da tortura como meio de prova da inocência, até mesmo, pela compra da liberdade, diante de arbitrariedade imposta pelo Estado. Em 1764, com a prisão de Cesare Beccaria (jurista, filósofo, economista e literato italiano), esse escreve no cárcere a obra Dei delitti e delle pene2, onde, imbuido pelo espírito da Aufklärung3, do Iluminismo e da ética utilitarista, de-fende que o Estado só pode impor punição na medida necessária á manuten- 1Ao criminado se obrigava o pisar em brasas, empós disso, se seus pés não externassem qualquer lesão por queimadura, era indício de que “deus” assinalava sua inocência e, por fim, era absolvido; caso con-trário, era condenado à morte. 2Dos Delitos e das Penas. 3Esclarecimento pelo acordamento. 1
  • 14. ção da ordem; exalta o princípio da proporcionalidade; que não é importante a severidade da punição, mas a coerente aplicação das leis penais; repugna a tortura e a pena de morte; sustenta o direito de defesa e a presunção de ino-cência, bem como a equivalência da pena em face ao delito cometido e, princi-palmente, o princípio da reserva legal (BECCARIA, [s.d.]; CALHAU, 2009). Com esse avanço, o direito de defesa trespassa uma nova dimensão, em especial, após a sua morte, quando resta comprovada a sua inocência. Ilustração 2: Obra Dei Delitti e Delle Pene, de Cesare Beccaria. Fonte: internet Entretanto, somente com o surgimento da Revolução Francesa, em 1789, o direito de defesa e o princípio da inocência auferem uma cumeeira na sua trajetória histórica, com a promulgação dos Direitos Universais do Homem, consagrando institutos como o devido processo legal, o direito ao contraditório e a ampla defesa. 2
  • 15. Na visão de Gilmar MENDES (et all, p. 592), a Carta Magna brasileira de 1988 pontificou que quantos residam - inclusive estrangeiros - no território na-cional está assegurada a garantia do pleno exercício da ampla defesa e do con-traditório, com a qualidade de cláusula pétrea (BESTER, 2005, p. 87) e, em particular, ao bojo de seu art. 5.º, inciso LV4. E nesse entendimento, exaltamos não só a possibilidade das partes de marcar presença no leito de processos ad-ministrativos como judiciais, como também, ao nível de tutela jurídica. Com muita felicidade, sobeja José Afonso da Silva (2005, p. 189), en-quanto alicerça o devido processo legal em três colunas fundamentais: o acesso à justiça, o contraditório e a plenitude de defesa. Uma contingência especial se observa na esfera administrativa, onde es-ses dispositivos são aplicáveis em plenitude e completude. Entrementes, não raro, estatutos e regulamentos teimam em contraditar a prescrição da Carta Magna, “suprimindo ou cerceando a defesa” (ROZA, 2001, p.166). Em particular, há de se analisar a condicionalidade do processo adminis-trativo disciplinar, visto pelo conspícuo Hely Lopes Meirelles, como “meio de apuração de punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administra-ção” (MEIRELLES, 1998, p. 567). E, à melhor leitura sobre a importância do processo administrativo disciplinar, encontramos na avaliação do abalizado mestre Cláudio Roza, que nos leciona dessa feição: o ilícito administrativo não apenas ofende a disciplina e a ordem hierárquica, mas sobretudo manifesta falta de lealdade para com o espírito público relativo à finalidade que inspirou a própria formação do Estado, e também falta de lealda-de para com a instituição a que, por seu cargo, estiver vinculado. (ROZA, p. 166) Malgrado a circunstância que o servidor público, em se envolvendo com a prática de interdito administrativo, se expõe a uma penalidade pertinente e proporcional à conduta, a ser aplicada à via do poder discricionário da autori-dade administrativa, considerada a natureza e a gravidade da transgressão, como também os danos eventualmente acarretados ao serviço público e mais outros aspectos (BITTENCOURT, 2005. p. 107), não se presta para o enfrenta- 4“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 3
  • 16. mento desse tipo de fenômeno, um processamento e um julgamento dessas ocorrências eivados de vícios e a inobservância do princípio da ampla defesa e do devido processo legal. Em considerando esses discernimentos, nos afeta o princípio in disputa-tione nascitur veritas erigido por Mariam Orkodashvili (2009), que “procura dis-cutir as principais questões sobre as características e funções da universidade” e “tenta identificar os desafios que a universidade do futuro terá de enfrentar” (Ibid., p. 1). E ela pontifica: O principal argumento que o [seu] ensaio faz é que, por meio da busca constan-te pela verdade, através de discussões contínuas e "disputas", a universidade deve manter a sua função principal que é a produção de conhecimento.5 (Ibid., p. 1) Seguindo esses mandamentos, estamos lançando a questão da Fenome-nologia da Ampla Defesa e do Contraditório no horizonte acadêmico, na tentati-va de oferecer novas perspectivas de pensar a defesa e o contraditório, talvez inciar um rompimento com paradigmas e axiomas provectos. 1a. Justificativa A questão da ampla defesa e do contraditório, em especial, após a Carta Cidadã de 1988, vem preocupando operadores do direito e doutrinadores com muita frequência. A complexidade e a dificuldade do manejo desse significativo instrumento do exercício da cidadania, exige um estudo incessante e assíduo de sua fenomenologia. Não raro se observa o vilipêndio e abjeção dos direitos dos brasileiros. Embora a Nação Brasileira detenha o que se produziu de melhor tanto em rela-ção à Carta Magna, como em relação à legislação infraconstitucional, não se observa um proveito mínimo aceitável para o cidadão brasílio. A nação e seus poderes ainda se afeiçoam por posições obsoletas e de uma estética rígida. Grandes conflitos sociais e econômicos de extrema gravi-dade, que levam a uma disputa dizimante de uma boa parte dos desagregados 5 “The main argument that the essay makes is that through constant search for the truth, through continuous discussions and „disputations‟, the university should retain its core function that is the production of knowledge.” 4
  • 17. nos grandes centros urbanos; fome e miséria imprimem na sociedade a estética do ódio e da segregação de qualquer tipo de acusado. Cabe à Sociedade manter e valorar os princípios básicos dos Direitos Hu-manos e não se deixar levar pela voluptuosidade do vingar o direito ferido, mui-to menos ainda, a suposição deste. É uma questão de humanitarismo, que a cada fato não esclarecido ou suspeita se tente destruir a legalidade, para entro-nizar uma nação sem razão, enquanto o momento exige que os interesses indi-viduais devam fluir nos fins da própria nação. Fundar uma Fenomenologia da Ampla Defesa e do Contraditório, à ex-pressão de paradigmas axiológicos e jurídicos, no ambiente acadêmico é de ex-trema relevância. Ao tempo em que nos esvaímos em conflitos comunitários, regionais, nacionais e internacionais de grandeza centenária, como a guerra urbana do tráfico de substâncias ilícitas, como também, em outras comunida-des e nações, se esbarra em crises e em inconciliações infindas que prejudicam e até depredam a vida comunitária e a sociedade como um todo. A presente evolução poderá promover uma nova qualidade de transindividualidade e de in-tersubjetividade, especialmente, de uma nova essência na distribuição de justi-ça. 1b. Objetivos A partir da análise epistemológica e ontológica da concepção de direito à ampla defesa e ao contraditório, procura-se, sob abrangência teleológica, esta-belecer vínculos de conteúdo e de método, para conectar uma visão de congru-ência, que articule a formação de uma nova visão jurídico-ética nos seus con-tructos da teoretização da subjetividade, quando da aplicação prática, em espe-cial, enquanto produção estética e ética, sem menosprezar a legalidade. Ainda, a título de objetivo específico, se faz inevitável um estudo pontual da formulação de conceitos e axiomas soerguidos na doutrina, que se possa enfrentar no côngruo ético do particularismo e do universalismo, bem como em sua problemática. Dentro desse enigmatismo, se dará ênfase à avaliação crítica e ontológica do direito de defesa e do contraditório como instituto de articula-ção. 5
  • 18. Por fim, também a título de objetivo específico, se faz inevitável um estu-do pontual de fenômenos da ampla defesa e do contraditório, que retrate a rea-lidade judicial, judicante e conflitual comunitário, à luz dos princípios defendi-dos pelos Direitos Humanos, pela Constituição Federal, pela jurisprudência e pela doutrina. 1c. Metodologia Neste estudo, se aplica método qualitativo com abordagem descritiva, in-terpretativa, observacional, analítica de dados por acesso ao respectivo ambi-ente físico ou via internet. Da revisão literária e da jurisprudência, aclara-se e ultima-se conceitos essenciais para o manejo do estudo, identificando embasa-mento para o desenvolvimento do trabalho. Daí, também se consubstancia as-pectos e perspectivas de reconhecida dessuetude no convencional do juízo. Na análise de conteúdo referente à bibliografia, à jurisprudência e à dou-trina, o uso da ferramenta ‘internet’ foi de importância prima, em especial, pela atualidade instantânea. Na extensão do procedere metodológico sequencial, será realizado o estu-do da Faticidade, quando se funda uma nova perspectiva epistemológica, de uma novel teorização do fato. No bojo do trabalho, entremostra-se com robusta compleição uma nova visão de uma metafísica do fato, quando dá expressão à verdade, ao juízo e a fatos reais, transcendentais e a priori, como importantes ferramentas conceptualis. 6
  • 19. 2. Fat icidade “A nossa maior glória não reside no fato de nunca cairmos, mas sim em nos levantarmos sempre depois de cada queda.” Confúcio No amplo sentido ontológico e, até teleológico, a compreensão fatológica do emblema de fatos, que implica na observância da ampla defesa e do contra-ditório, exige ainda um tratamento metafísico próprio. Situações diversificadas e de uma amplitude quase sem finitude, podem levar o cidadão ao manejo des-ses princípios fundamentais - eivados de vincos pelo direito natural, enquanto momento fundante - sem a devida consciência do objeto da sua defesa ou até da possibilidade em si. Na propriedade analítica e metafísica vai-se encontrar um marco na ima-nência fatológica, outro na transcendência ontológica e outro na metafísica. As-sim, o toldar do direito do cidadão ou lhe impor penalidade em consequência a um simples furto - na imanência do objeto subtraído – bem como, no resultado de um cenário de intriga - na transcendência da trama estruturada de uma bisbilhotice ou cizânia – exige um esclarecimento, no âmbito do devido proces-so legal, que promova o restabelecimento de direito ferido. 2a. Do Fato à Faticidade A primeira utilização do termo fato (Tatsache6) advém de Gotthold Eph-raim Lessing (1778) no seu opúsculo Über das Wörtlein Tatsache7 (GABRIEL, 1996, p. 209). Lessing formula um conteúdo teológico para o verbete, notada-mente, inaugura uma discussão sobre a possibilidade de o cristianismo poder encontrar fundamento em fatos reais. 6Fato 7Sobre a palavrinha fato 7
  • 20. Já em Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), vamos encontrar uma dife-renciação no conceito fato: as Tatsachenwahrheiten8 e as Vernunftwahrheiten9. Porquanto, Leibniz, assim como também David Hume (1711-1776), entendem fato como resultado da experiência empírica, excluindo as verdades matemáti-cas, justo pois especulativas. (STREMINGER, 2011) Com o advento do criticismo em Immanuel Kant (1724-1804), encontra-mos na sua obra Kritik der Urteilskraft10 uma inovação metafísica, quando cote-ja a concepção de fato com as Sachen der Meinung11 (opinabile), com as Thatsa-chen12 (scibile) e com as Glaubenssachen13(mere credibile) (KANT, 1977). Assim, imagina o pensador alemão 'fato' com a qualidade no ramo dos objetos do co-nhecimento, forjado por três instâncias: opinião (subjetivo-geral), conhecimento (objetivo-geral) e fé (subjetivo-particular). E Kant avança bem mais, para ele, 'fato', enquanto res facti, cinge todos os dados e achados a priori, inclusive abrangendo também o espaço especulativo; ou seja, lhe aufere uma dimensão transcendental. Decididamente, nessa via de pensamento, Kant rompe com to-das as conjunturas metafísicas aplicadas, até então, ao estudo do 'fato'. Mais adiante no tempo, Gottlob Frege (1848-1925) se empenha em distin-guir fatos e circunstâncias no mundo da mente, de tal modo, que os pensa-mentos estão relacionados com a intenção, que por sua vez, se expressam por certos sinais lógico-linguísticos, que ele chama de frases e lhe dá a qualidade de coisa-em-si. Essas, são as portadoras de valores de verdade. Em sentido contrário, postula Bertrand Russell (1872-1970) os fatos como extensão das frases. Com esses autores a noção de fato vai se relacionar intimamente com a linguagem. Martin Heidegger (1889-1976) numa apreciação hermenêutica da razão filosófica, reconfigura sua ontologia, tributando ao existir não mais a qualidade de objetualidade, “mas como algo aberto à faticidade do existir”. Seguindo a tri-lha heideggeriana de uma “hermenêutica da faticidade”, de cujo momento fun- 8Verdades de fato 9Verdades de razão 10Crítica do Juízo 11Matérias de opinião 12Fatos reais 13Questões de fé 8
  • 21. dante é a percepção básica do Dasein14, enquanto ser-no-mundo, daí conclui SANTOS, que: a hermenêutica torna-se uma característica essencial do existir humano, à medi-da que o fato de ser-no-mundo significa e é captado pelo ser em seu velar e des-velar- se. [2012, p. 73] Essa concepção só se bem entende, afastando-se da tradicional tradução de hermenêutica como interpretação e partindo para uma nova vereda estética do conceito 'hermenêutica', que a liga à vida e ao existir, “desenvolvida por Sch-leiermacher e Dilthey” [SANTOS, 2012, p. 74]. Seguindo essa circunspecção, ao tratarmos de hermenêutica de fatos, es-tamos buscando diretamente um discernimento ligado à vida e ao existir. Mas, ainda temos por enfrentar o niilismo nietzschiano e o seu entendi-mento de que o homem é incapaz de apropriar-se da verdade ou do ser-em-si do objeto de conhecimento; em contrário, segundo Nietzsch, ele forma tão so-mente metáforas remetentes à coisa. Isso nos confronta com uma percepção do fato, totalmente adversa daquela que deseja ver o senso jurídico, senão veja-mos na seguinte citação de SANTOS: “Contra o positivismo, que permanece junto ao fenômeno afirmando ‘só há fa-tos’, eu diria: não, justamente fatos não há, há apenas interpretações” (NIETZS-CHE apud CASA NOVA, 2001, p. 3115). [2012, p. 75] Retomando o pensamento de Heidegger, lemos em SANTOS o seguinte: A verdadeira ontologia, ao contrário, deve estar aberta à faticidade do ser, eis que a determinação do objeto da hermenêutica - o fático - está, agora, à base da interpretação e não mais suspensa e limitada à linguagem, metáfora ou concei-tos que o homem cria para apreendê-lo. Por facticidade, o autor entende “a designação para o caráter ontológico de ‘nosso’ ser-aí ‘próprio’ […]. Esse ser-aí em cada ocasião” (HEIDEGGER, 2012, p. 13). Note-mos que o ponto de partida não é mais a linguagem, em sentido estrito, mas o ‘fático’ enquanto constituído pela sua abertura, pela sua capacidade de estabelecer relação com o ontológico: “fático chama-se algo que ‘é’ articulando-se por si mesmo sobre um caráter ontológico, o qual é ‘desse modo’” (HEIDEGGER, 2012, p. 13). [2012, p. 77] Aqui encontramos um momento importante nessa evolução, que estabe-lecerá a diferença no pensamento de Nietzsche: a faticidade. Esse conceito liga o 'ser-aí' próprio com a ocasião e, até ao acaso, como vamos ver mais a frente 14 Ser aqui 15CASA NOVA, M. A. Interpretação enquanto princípio de constituição do mundo. Cadernos Nietzsche, n. 10, 2001, p. 27-47. 9
  • 22. com Konrad Utz. Heidegger arquiteta, assim, uma exígua ponte entre o niilismo nietzschiano e o positivismo. Mas, é com Habermas que faticidade toma compleição. Inicialmente, ele vislumbra uma relação no binômio direito e moral pela racionalidade comuni-cativa. Explicita que as teses kantianas, expoente do Idealismo Alemão, carece de uma renovação. Daí, parte Habermas para a construção dos conceitos Ética Discursiva e Razão Comunicativa, faceando assim a ética kantiana com os en-genhos da razão comunicativa e com escora numa Ética da Responsabilidade (veja Princípio da Responsabilidade16 em JONAS [1979, p. 36]). HECK reporta sobre a visão habermasiana de relação entre o direito e a moral nos seguintes termos (HECK, 2006, p. 19). Habermas entende, à ocasião, que direito e moral se complementam. “Mais do que essa relação complementar”, escreve, “nos interessa, porém, o entrelaça-mento simultâneo de moral e direito”.17 O interesse é discretamente crítico em relação a Kant, quando constata que a moral não mais está suspensa sobre o di-reito, como ocorre no direito racional, mas “desloca-se para dentro do direito positivo sem, contudo, nele desaparecer”.18 Naturalmente, para Habermas, como nos ensina com grande proprieda-de o renomado Manfredo de OLIVEIRA (2010, p.17), a moral tem uma funda-mentação pós-metafísica. Posto isso, há de se melhor entender esse “entrelaça-mento simultâneo de moral e direito” proposto por Habermas. Mesmo assim, é esse o entendimento habermasiano de então, que oferta à moral o propósito de legitimar o direito, porquanto a situando num universo superior ao direito. Essa posição de complementariedade, Habermas vai emendar posterior-mente para uma “relação de complementação recíproca” (apud HECK, 2006, p. 20). E assim, encerramos a exposição desses aspectos preliminares sobre a postura habermasiana acerca da relação moral – direito. 16 Das Prinzip Verantwortung: “Handle so, daß die Wirkungen deiner Handlungen verträglich sind mit der Per-manenz echten menschlichen Lebens auf Erden”. [Aja de modo que os efeitos da sua ação sejam compatíveis com a permanência de autêntica vida humana sobre a Terra.] 17HABERMAS, Jürgen. Recht und Moral (Tanner Lectures 1986). In: Faktizität und Geltung. Beiträge zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats. 3. Aufl. Frankfurt a. Main: Suhrkamp, 1993, p. 568. “Mehr als dieses komplementäre Verhältnis interessiert uns jedoch die gleichzeitige Versch-ränkung von Moral und Recht”(apud HECK, 2006, p. 19) 18Ibidem. (S)ie [die Moral] wandert ins positive Recht ein, ohne darin aufzugehen”. (apud HECK, 2006, p. 19) 10
  • 23. Emporisso, Habermas contribui fundamentalmente para a teoria do con-ceito faticidade, pelo que continuamos na leitura de HECK com o seguinte tex-to: As alterações na trajetória habermasiana que envolvem o modo de conceber as relações entre moral e direito refletem a substituição do facto da razão kantiano por um discurso neutro sob ponto de vista deontológico. Segundo Kant, é em virtude do poder vinculante da lei moral que o homem tem simultaneamente consciência de sua liberdade e a certeza de pertencer a um mundo não submeti-do à causalidade das leis naturais. “A garantia da realidade objetiva do princí-pio superior da razão pura prática”, escreve W. Kersting, “está na facticidade da razão de determinar sem rodeios a vontade na pretensão de ser, ela própria, vontade”.19 Tal facticidade, Habermas não a percebe – como Kant – no conceito do respeito pela lei moral, mas a toma exemplarmente, já na segunda edição (1973) de Conhecimento e interesse (1968), como inserção da comunidade ideal de comunicação na práxis da vida de sistemas sociais20 e, mais recentemente, como escopo imanente à linguagem.21 À luz das substituições feitas, a facticida-de da razão pura prática corre o risco, na última década do século XX, de não ser mais ou não ser outra coisa do que uma charada de mau gosto. Habermas escreve: “Tão somente uma fundamentação do princípio moral, que não se dá por satisfeito em apontar para um facto da razão, pode esvaziar a suspeita de um sofisma etnocêntrico”.22 (HECK, 2006, p. 20-21) Daí anota HECK: Descredenciada como lei moral, a facticidade kantiana da autonomia da vonta-de dá lugar em Habermas à “figura de pensamento da autolegislação” que, des-codificada teórica e discursivamente, revela que “os destinatários de direito são, ao mesmo tempo, os seus autores”, ao mostrar a origem simultânea da autono-mia privada, em acepção kantiana, e da autonomia pública, de estirpe rousseau-niana. 23 A troca da razão pura kantiana qua vontade (facto da razão) pelo exercí- 19KERSTING, Wolfgang. Wohlgeordnete Freiheit. Immanuel Kants Rechts- und Staatsphilosophie. Frank-furt a/Main: Suhrkamp, 1993, p. 123. “Die Garantie der objektiven Realität des obersten Grundsatzes der reinen prak-tischen Vernunft liegt in der Faktizität des Anspruchs der Vernunft, den Willen unmittelbar zu bestimmen, in dem Anspruch, selbst Wille zu sein […]”. (apud HECK, 2006, p. 20) 20HABERMAS. Erkenntnis und Interesse. 6. Aufl. Frankfurt a/Main: Suhrkamp, 1973, p. 416-417. “Weil die em-pirische Rede allein durch die Grundnormen vernünftiger Rede möglich ist, ist die Diskrepanz zwischen ei-ner realen und einer unvermeidlich idealisierten (wenn auch als ideal unterstellten) Kommunikationsgemeinschaft nicht nur in Argumentation, sondern bereits in die Lebenspraxis gesellschaftlicher Systeme eingebaut – vielleicht lässt sich in dieser Form die kantische Lehre vom Faktum der Vernunft erneuern” (frase conclusiva do posfácio à segunda edição). (apud HECK, 2006, p. 20) 21Idem. Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie des kommunikativen Handelns. 3. Aufl. Frankfurt a. Main: Suhrkamp, 1989, p. 498. “(U)nd wenn es sinnvoll ist, den philosophischen Begriff von Vernunft anhand der Rolle zu rekonstruieren, die diese Geltungsansprüche in Verständigungsprozessen alttäglicher oder argumenta-tiver Art spielen; dann lässt sich das der Sprache innewohnende Telos der Verständigung, in Analogie zum Kantis-chen Sprachgebrauch, eine ‘Vernunfttatsache’ nennen”. (apud HECK, 2006, p. 20) 22Idem. Treffen Hegels Einwände gegen Kant auch auf die Diskursethik zu? In: Erläuterungen zur Diskursethik. Frankfurt a. Main: Surhkamp, 1991, p. 12. “Nur eine Begründung des Moralprinzips, die ja ni-cht schon durch den Hinweis auf ein Faktum der Vernunft geleistet wird, kann den Verdacht auf einen ethnozen-trischen Fehlschluss entkräften”. (apud HECK, 2006, p. 21) 23Idem. Zur Rekonstruktion des Rechts (I): Das System der Rechte. In: Op. cit., p. 135. “Die Gleichursprün-glichkeit von privater und öffentlicher Autonomie zeigt sich erst, wenn wir die Denkfigur der Selbstgesetzgebung, wonach die Adressaten zugleich die Urheber ihrer Rechte sind, diskurstheoretisch entschlüsseln”. (apud HECK, 11
  • 24. cio da autolegislação (figura de pensamento) equivale a um translado semântico da moral, quer dizer, essa abandona a razão prática e passa a integrar os domí-nios da razão teórica. Com isso, a ética do discurso assume as feições cognitivas da ação comunicativa habermasiana.24 (HECK, 2006, p. 21) Resolutamente, retoma Habermas as concepções hegelianas ao formular a sua Ética do Discurso. A estafante exposição em volta de justiça e solidarie-dade, para desenvolver um conceito de ética demonstrada pela obtenção dos processos do agir comunicativo, dentro de uma lógica hegeliana, não inova, mais confunde. Já a troca da autonomia da vontade em Kant, pela autolegisla-ção dialética em Habermas, dificilmente trará um avanço na questão. Ultimando em Habermas, constata-se na sua doutrina que o direito só pode ser entendido a partir da noção de uma "tensão entre faticidade e valida-de". Nesse contexto, Faticidade, ao entendimento habermasiano, situar-se-ia na esfera dos fatos, das coisas como elas são e funcionam, na perspectiva do êxito real, insensível às demandas do certo ou do errado. (HABERMAS, 1993) No afinco de fundar uma Filosofia do Acaso (Philosophie des Zufalls), es-boça Konrad UTZ (2005) pertinentes questionamentos, que ajuda a se colher um melhor entendimento da questão da faticidade, mesmo enquanto acaso. Sua análise, se inicia com a abordagem metafísica, que logo abandona, pois ca-racteriza o esforço metafísico como uma redução e isso não serviria ao esclare-cimento do progresso científico. Enfoca a seguir, a questão do paradigma do Gründewissen25, quando reluta em aceitar, sob o argumento de que a humani-dade desde tempos imemoriáveis investiga o paradigma das razões ou do co-nhecimento das razões, buscando enfim a razão final ou absoluta, mas dada, a antes referida redução, não se pode alcançar um pleno conhecimento das ra-zões. Ainda observa o autor alemão, uma troca de paradigmas (Paradigmenwe-chsel), implementada preferencialmente por Kant e pelas ciências naturais, que nos revela consistir o ser como ele próprio se constitui e que é independente de qualquer razão de ser. Finalizando, apura o preclaro filósofo alemão, que o Princípio da Redução na sua essência é uma composição (Konstruktion), um 2006, p. 21) 24DUTRA, Delamar V. Kant e Habermas. A reformulação discursiva da moral kantiana. Porto Alegre: Edi-pucrs, 2002, p. 103-107. (apud HECK, 2006, p. 21) 25Conhecimento das razões 12
  • 25. simples conceito formal (Formalbegriff), porquanto não pode conter qualquer substância (Gehalt). (UTZ, 2005, p. 16-37) 2b. Omnis determinatio est negatio26 Essa assertiva atribui Hegel a Spinoza. Na realidade, Spinoza escreve na Carta 50 a Jarig Jelles literalmente: determinatio negatio est (determinação é negação), casualmente, ao discutir o princípio da relação geométrica. Já para Hegel, numa palestra sobre a História da Filosofia, esse princípio é a ideia-cha-ve de Spinoza, que fala de como cada determinação, que eu dou a um objeto, outras disposições são excluídas, portanto, qualquer determinação positiva é cotejada com uma negativa. (WALTHER,1992) Determinação é a negação posta como afirmativa e é a proposição de Spi-noza. Esta proposição é extremamente importante; unicamente a negação, como tal, é uma abstração sem forma, no entanto, a filosofia especulativa não deve ser acusada de fazer negação ou de colocar o nada como finalidade: a ne-gação é tão pouco um final, em si, para a filosofia, tanto quanto a realidade lhe é posta como verdade. Nesse nada, incidi a negação geral, ou de uma forma mais concreta, a limitação, o finito, a restrição; determinatio est negatio é o grande enunciado de Spinoza. (HEGEL, 1831) WALTER (1992. p. 4) relata, na espécie, sobre o seguinte escrito da lavra de Spinoza: No que diz respeito à afirmação de que esta figura é uma negação e não algo positivo, é óbvio que o assunto em sua totalidade, considerada sem limitação [indefinido consideratam], não pode ter figura, e essa figura só se aplica aos cor-pos finitos e determinados. Para quem diz que ele percebe uma figura, significa, assim, o indicativo, simplesmente, de que apreende uma coisa determinada e as modalidades de sua determinação. Esta determinação, portanto, não pertence à coisa em relação a sua existência [ESSE], pelo contrário, é a sua não-ser [não ESSE]. Então, figura não é nada, mas determinação, e determinação é negação 26Toda determinação é negação. 13
  • 26. [Quia ergo figura non aliud, quam determinatio, et determinatio negatio est], a figura pode ser nada mais do que a negação, como já foi dito. Já para Sartre, na sua visão existencialista, o nada vai se apropriar de outra idealização, como podemos ler em SANTANA (2006, p. 4): Diante do Em-si está o Para-si, que para Sartre é a consciência. Dito de outra for-ma, o ser do ser humano antes de ser designado com o Para-si, era plena positi-vidade, plena identificação consigo mesmo, um Em-si, que por ventura decaiu em processo de nadificação27, que rumou ao Para-si. Contudo, esta nadificação é a própria interrogação de si sobre si, que resulta que a descompreensão do ser Em-si ao Para-si é dado pelo ato da interrogação do Em-si diante de si próprio. Esse desgarramento do ser em relação a si, esta separação é proporcionada pelo nada. Sartre descreve: (…) “o nada é esse buraco no ser, essa queda do Em-si a si, pela qual se constitui o Para-si. Mas essa queda não pode ‘ser tendo sido’ salvo se a sua exis-tência emprestada for correlata a um ato nadificador do ser. Esse ato perpétuo pelo qual o em si se degenera em presença a si é o que denominaremos de ato ontológico. O nada é o ato pelo qual o ser coloca em questão seu ser ou seja, precisamente a consciência ou Para-si”. (SARTRE. 2002, p. 127-128) Para Sartre “o nada da realidade humana advém pela interrogação que ao buscar um ser na consciência constata o nada”. E essa interrogação sartreana é essencialmente metafísica, mas só se desenvolve no ambiente da condição humana, fundada em “algo que faz parte da estrutura do ser humano, o que está no âmago do ser, que é (o) nada”. O dualismo gerado por Sartre rompe com a metafísica tradicional. Enquanto, a metafísica tradicional busca pela causa, pelo fundamento, Sartre busca pelo que denomina de “princípio possibilitador”, “isto é, o que possibilita a constituição da consciência, a possibilidade de ser”. (apud SANTANA, 2006, p. 6.) Ao analisar a questão do omnis determatio est negatio, Konrad Utz (2005) se envolve inicialmente com o quesito da Bestimmung [determinação], que lhe dá as qualidades de simplesmente existir, e, em certa medida, de existente a forma vigorosa e original. Aponta ainda a divergência reinante, se sobre essa existencialidade da determinação tem o caráter de existencialidade no mundo (Vorhandenheiten in der Welt) ou de existencialidade na consciência (Vorhande-nheit im Bewuβtsein); ou ainda, se as duas formas são possíveis. Informa-nos então, que Aristóteles antecedeu Spinoza na análise do fenômeno. 27Nadificação (néantisation) que deriva de nadificar, cuja tradução mais aproximada de néantiser, neolo-gismo francês criado por Sartre, que significa “‘secretar’ o nada nas partes do mundo estranhas à situação do sujeito, ‘esvaziá-las’ e ‘eliminá-las’, de alguma “maneira” "(cf. RUSS, 1994, p. 194). A nadificação, para Sartre, tem dois sentidos: a realidade humana surge emergindo dela o não-ser e por ela é que o mundo se acha suspenso no nada, ou seja, a consciência não é o mundo tal como não é uma identidade como se apresen-ta o mundo. (apud SANTANA, 2006, p. 4) 14
  • 27. Em seguida, acudindo-se de Kant aquele autor alemão insere na discus-são do acima aludido fenômeno, a faticidade (no sentido de Gegebenheit28) em relação a possibilidade, que não obrigatoriamente necessitam ocorrer simulta-neamente, mas sensíveis ao empírico. Daí conclui o ínclito autor alemão, como a seguir se mostra: Mas, se não existe a possibilidade de assumir o regresso como completado em "algum lugar", em qualquer esfera, sendo que, aquilo que deve constituir a de-terminação além da negação, em parte alguma de fato existe, então existe nada, assim nada factual pode existir, o que a determinação é além da negação – e isso é, como já visto, impossível.29 (UTZ, 2005, p. 45) Dada essas implicações, se faz necessário o apuro ontológico da questão sub examine dentro de uma análise profícua e cientificamente fundada com o desiderato de agenciar uma reengenharia metafísica da faticidade no âmbito do Direito, posto que urge eleger a necessidade de uma compreensão aberta e es-peculativa, como fundamental, para a abordagem desse conceito. Também encontramos nos escritos de Russell (1912, p.122) que não é o encontrar a verdade o grande fruto da contemplação filosófica (perfeitamente também aplicável ao Direito), mais ainda, é intentar a busca da verdade, e isso, por causa dos próprios problemas, porque esses problemas ampliam as concep-ções que temos acerca do que é possível, enriquecem a nossa imaginação inte-lectual e diminuem a arrogância dogmática que impede a especulação mental; mas sobretudo porque, graças à grandeza do universo que a filosofia contem-pla, a mente também engrandece e se torna capaz daquela união com o univer-so que constitui seu bem supremo”. 2c. Aufklärung30 e Mediação: filosofando no Direito O filosofar no Direito é de fundamental importância para um bom desem-penho do manejo da Justiça como um todo. Uma dimensão importantíssima neste cenário é a contribuição de Kant no que afeta a questão da Aufklärung. Nesse conceito soerguido por Kant (1977; 1985) se vislumbra algumas impor-tantes concepções, em relação à faticidade, que se pode contemplar a atividade 28Situação 29“Wenn aber nicht mehr die Möglichkeit besteht, den Regress “irgendwo', in irgendeiner Sphäre als abgeschlossen anzunehmen, i.e. wenn es nirgendwo dasjenige, was die Bestimmung über die Negation hinaus ausmachen soll, tatsächlich gibt, dann gibt es nichts, dann kann nichts Tatsächliches gegeben sein, was die Bestimmung über die Negation hinaus ist – und das ist, wie gesehen, unmöglich.” 30Iluminação, esclarecimento, acordamento. 15
  • 28. do operador do direito. De início, ele anota que a „Aufklãrung é a emergência do homem de sua própria autoinfligida imaturidade”31. Kant explica com precisão o termo Unmündlichkeit [imaturidade]: “Imaturidade é a incapacidade de uso de seu entendimento sem a orientação de um outro”32. E Kant (Ibd.) continua: Assim é difícil individualmente para cada pessoa se livrar da imaturidade, que quase se tornou a sua natureza. 33 [...] Consequentemente, existem só poucos que conseguiram se desvendar da ima-turidade pela transformação do próprio espírito, e ainda empreender um andar seguro. 34 Como observado, Kant implica na necessidade da ‘orientação de um ou-tro’ para que as pessoas comuns consigam encontrar a Aufklärung, que mais ainda se faz imprescindível no momento em que Kant (1783) discorre sobre o juízo sintético e o analítico. Uma das mais importantes obras de Hegel (2005), Fenomenologia do Es-pírito35 trata essencialmente da consciência, da autoconsciência e da razão. Em outra obra, “Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito”36 (HEGEL, 1997), esse autor alemão oferece grandes ensinamentos filosóficos na área do Direito, o que naturalmente qualifica o filósofo a uma atividade de ‘orientação de um outro’ nesses dois ambientes profissionais. Ainda, Gelamo (2008, p. 156) e No-velli, (2005) discorrem em referência a Hegel37 sobre sua atividade como peda-gogo, quando o primeiro inclui ensinar Hegel “que os alunos podem aprender o exercício da abstração, a qual se configura como essencial para o pensamento fi-losófico.” Dessa acepção, se pode concluir que Hegel vislumbra na lógica a ci- 31“Aufklärung ist der Ausgang des Menschen aus seiner selbst verschuldeten Unmündigkeit.“ 32„Unmündigkeit ist das Unvermögen, sich seines Verstandes ohne Leitung eines anderen zu bedienen.“ 33„Es ist also für jeden einzelnen Menschen schwer, sich aus der ihm beinahe zur Natur gewordenen Unmündigkeit herauszuarbeiten.“ 34„Daher gibt es nur wenige, denen es gelungen ist, durch eigene Bearbeitung ihres Geistes sich aus der Unmündigkeit her aus zu wickeln, und dennoch einen sicheren Gang zu tun.“ 35 Phänomenologie des Geiste. 36 Grundlinien der Philosophie des Rechts. 37 HEGEL, F. (1809-1822): Escritos pedagógicos. México: Fondo de Cultura Econômica, 1991 (Apud: Gelamo, Rodrigo Pelloso: O Ensino da Filosofia e o Papel do Professor-Filósofo em Hegel. Trans/Form/Ação, São Paulo, 31(2): 153-166 2008). 16
  • 29. ência que contribui para esse fenômeno, fundamentando no caráter abstrato e num conteúdo que se distancia da realidade imediata, pois [...] para Hegel, a filosofia exige empenho reflexivo e analítico, o que não se ob-tém preso à avalanche dos interesses materiais. Desta forma, a filosofia não deve sofrer uma popularização, mas o povo deveria ser elevado ao nível da filo-sofia. Hegel não é favorável às concessões e facilitações, mas ao mesmo tempo não desconhece o contexto dentro do qual a filosofia é praticada. Nem todos têm os requisitos necessários para o exercício filosófico, porém é possível tê-los na medida em que se submeterem à empreitada que se deve assumir para ad-quirir o exigido. A filosofia, como tal, possui um conteúdo específico na medida em que se interessa por certos temas e de um modo todo particular, do qual o indivíduo, interessado no exercício do filosofar, deve se apropriar. A apropria-ção do conteúdo da filosofia implica a concomitante e necessária apropriação da também perspectiva filosófica. Hegel insiste nesse aspecto ao sustentar a prima-zia do conteúdo em relação àquele que o apreende. (NOVELLI, 2005, p. 136) A antes abordada ‘orientação de um outro’ kantiano, exsurge também em Hegel como ‘mediação mediada’, quando ele analisa a aprendizagem da filosofia com também a do filosofar, ao que relata com muita propriedade Novelli (2005, p. 147): A aprendizagem da filosofia ou do filosofar através de sua história também in-dica que, para Hegel, ninguém aprende sozinho, mas sempre através da media-ção de um outro. O professor, os colegas, os textos são mediações pelas quais a aprendizagem se realiza. A mediação é o momento pelo qual o real se efetiva ou obtém status do ser como existente. Entre os textos e os colegas destaca-se a me-diação do professor, pois este pode atuar como uma mediação mediada, isto é, que já assumiu para si a história da filosofia. Mais do que um facilitador o pro-fessor se põe como um paradigma para os alunos, uma vez que ele mesmo não chega à história da filosofia senão através da experiência pessoal com ela. O professor também não é um reprodutor, pois sua mediação não determinará como a história da filosofia deverá ser compreendida, visto que o processo do filosofar produz o filósofo e este, como tal, poderá continuar indagando. Além disso, a mediação situa sempre a perspectiva do todo ou da superação da singu-laridade pela relação com algo mais. Em todo esse complexo e amplo percurso ontológico e metafísico, sobeja a esplendorosa importância da Filosofia como apoio fundamental do Direito, que em sendo fruto de seu estudo e, embora esse conteúdo espelhe contradi-ções, dela se torna, sem qualquer perda de sua essência, robusta substância para o seu diversificado ofício de operar o Direito. À guisa de complemento, se tomarmos a Filosofia do Direito a título de arquétipo, verificamos que todo o arcabouço teórico da Ética, desde Aristóteles, encontra uma aplicação prática súbita, que se torna assim a base fundamental das ciências jurídicas. Enquanto se avalia as ações sob o prisma de 'bom' e 17
  • 30. 'ruim', em consequência se analisa os aspectos de Direito e de Justiça, como também assim, se adjetiva conformações violadoras de regras morais e éticas. Ao filosofar no Direito, estamos questionando qualidades aferentes à ontologia e à metafísica, ao instituir e ao legitimar, ao resguardar direito natural e direito positivo; fazer aforar a sequência de importâncias, preferências legais e legíti-mas das normas legais, bem como as revogações. Tudo isso é transunto crista-lino da prática da Filosofia no âmbito do Direito. Dos Filósofos, que se dedicaram ao estudo dos fundamentos do Direito, apontamos entre os mais proficientes: Hugo Grotius, Niccolò Machiavelli, Tho-mas Hobbes, G. W. F. Hegel, Hans Kelsen, Gustav Radbruch, H. L. A. Hart, Nik-las Luhmann, Jürgen Habermas, John Rawls, Ronald Dworkin e Robert Alexy; no Ceará, especificamente, destacamos Raimundo de Farias Brito, Clóvis Bevi-láqua, Quintino Cunha, Paulo Bonavides, Manfredo A. de Oliveira, Oscar d'Alva, Raimundo B. Falcão e Arnaldo Vasconcelos. 18
  • 31. 3. Axiologia do Processo Legal “Não é a chancela da autoridade que valida o ato e o torna respeitá-vel e obrigatório. É a legalidade a pedra de toque de todo ato adminis-trativo.” Hely Lopes Meirelles. Nas mais diversas esferas e dissimílimos processos é corrente não ofere-cer aos acusados o amplo e irrestrito direito de defesa e ao contraditório, que é constitucional e indiscutível, previsto no art. 5º, inciso LV da Carta Magna. Na grande maioria dos casos, os membros da comissão processante não detêm, sequer, uma percepção básica na linhagem. Seguem uma 'receita de bolo' ela-borado por uma pessoa sem a qualificação, o que, indubitavelmente, leva a todo tipo de vícios. Decididamente, qualquer tipo de 'receita de bolo' se mostra totalmente imprestável para a complexa atividade processual, mesmo em sim-ples conflitos comunitários, com menor propriedade ainda, no âmbito adminis-trativo ou no trabalhista, ou ainda em qualquer esfera formal. De outra forma, o acusado muitas vezes preencheu todas as formalida-des e cumpriu, na íntegra, as normas legais regulamentadoras dos atos objeto do processo, mesmo assim são expostos ao constrangimento do processamen-to, não raro por motivos ímprobos. Ademais, o documento inicial da denúncia deve preencher as exigências da legislação vigente para receber validade como prova, pois em não sendo apresentado em seu original (ou cópia autenticada) e nem vindo a denúncia acompanhada de comprovante para as alegações feitas resta vazia a incrimina-ção. Finalmente é válido evocar aqui o artigo 5º, incisos LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;), LV (aos litigi-antes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são as-segurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela ineren-tes;), XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou amea- 19
  • 32. ça a direito;), XXXVI (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico per-feito e a coisa julgada;) e art. 166 do CC/2002 (É nulo o negócio jurídico quan-do: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as par-tes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por obje-tivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proi-bir- lhe a prática, sem cominar sanção.) e 167 do mesmo diploma legal (É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.) Dada a circunstância física de impossibilidade da abordagem de todo o arrabalde axiológico da defesa e do contraditório, passamos a abordar especifi-camente alguns poucos componentes dessa esfera jurídica, para não sobrepu-jar o ambiente monográfico. 3a. Legitimidade Não só nas ciências jurídicas, o conceito de Legitimidade recebe impor-tância. A palavra advém do termo latino legitimus e também é objeto de estudo da Sociologia e das Ciências Políticas. Daí resulta o Princípio da Legitimidade, que após a fundação da ONU, tomou um lugar fundante nas relações interna-cionais em geral e, em especial, no Direito Internacional. Ao estudo da teoria da Legitimidade no recinto do Estado e do domínio, destacou-se o filósofo alemão Franz Oppenheimer (médico, sociólogo, economis-ta e sionista), que na leitura do ilustrado sociólogo (muitas vezes também to-mado como filósofo) Karl Marx, aquele define legitimidade como o conteúdo e a vida do poder do Estado. Daí, se toma que o filósofo alemão sustenta o caráter ideário, enquanto que o jurista, geralmente, se apega a uma descrição formal jurídica. Já na sociológica o conceito de legitimidade só pode encontrar embasa-mento na realidade. O povo confere a norma ao Estado pelo 'entusiasmo' ou 'renúncia', fato esse, que é compreendido como legitimação. Pelo fato de que, a maioria da população sustenta o sistema político com o uso desse dualismo, a 20
  • 33. estabilidade é realizada e o poder se impõe. Se essa 'compreensão' se torna fra-ca, então a estabilidade do domínio estatal é fraca. Dessa forma, a legitimidade sociológica e o poder de domínio (do Estado) seguem de mãos dadas, mesmo no sentido da louva do magnânimo Carlos Drummond de Andrade. Seguindo a trilha de Max Weber (1864-1920) vamos atinar o conceito de dominação, através do qual Weber vai diferenciar a dominação legítima em três categorias: a tradicional, a carismática e a racional. A tradicional expressa-se pela fé ou crença nas boas intenções dos dominadores ou autoridade patriar-cal; a carismática manifesta-se pelo poder carismático pessoal do dominador, que Weber deseja ver como uma força revolucionária de romper as forças políti-cas reinantes; já a racional toma como alicerce a crença da legalidade da or-dem institucional e o direito de determinar daqueles, que foram designados por aquela para exercerem o domínio (domínio legal). Isso dado, lembra Weber, que a base para a validade de todo domínio legítimo é a pretensão de legitimidade dos dominadores e a crença dos dominados na legitimidade. Dessarte, na do-minação tradicional, a suposta "santidade" da ordem tradicional, com suas res-pectivas instituições, procedimentos e normas de ação (por exemplo, por man-do dos céus) é a base vigente; na dominação carismática essa base se expressa na devoção emocional a uma pessoa por força de suas atribuídas propriedades extraordinárias e na dominação racional, seria a crença na legalidade das insti-tuições constituídas com suas normas e regras. (WEBER, 1964. p. 159) A partir desses pressupostos, se pode depreender, que a legitimidade so-ciológica do domínio estatal não pode derivar de outro princípio senão do domí-nio estatal (ou da violência estatal, como diria Walter Benjamin), qual seja a o poder factual do próprio Estado. Todavia, ela não é formal-jurídica, mas sujeita ao poder concreto do Estado. A Legitimidade conhece da sua concretude de si própria, ou melhor, através do estabelecer o poder, o direito e a (nova) ordem, como também, por intermédio da solidificação de uma legalidade e legitimidade formal-jurídicas próprias. Na doutrina pátria, encontra-se na lição de Cretella Júnior uma precisa definição de legitimidade, in verbis: Legítimo é o ato administrativo, se editado de acordo com as normas jurídicas vigentes; ilegítimo, em caso contrário. (CRETELLA Júnior, 1964, p. 38) 21
  • 34. Enquanto isso, o grande mestre Hely Lopes Meirelles clama pela confor-mação, formal e ideológica, com a lei, conforme se toma abaixo: A ilegitimidade, como toda fraude à lei, vem quase sempre dissimulada sob as vestes da legalidade. Em tais casos é preciso que a Administração ou o Judiciá-rio desçam ao exame dos motivos, destaquem os fatos e vasculhem as provas que deram origem à prática do ato inquinado de nulidade. Não vai nessa atitu-de qualquer exame do mérito administrativo, porque não se aprecia a conveni-ência, a oportunidade ou a justiça do ato impugnado, mas unicamente a sua conformação, formal e ideológica, com a lei em sentido amplo, isto com todos os preceitos normativos que condicionam a atividade pública. (LOPES MEIREL-LES, 1998, pag. 164). Ainda, seguindo os ensinamentos do ínclito mestre Hely Lopes Meirelles, apontamos o que segue: O Conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação do ato admi-nistrativo, não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange, não só a clara infringência do texto legal, como também o abuso, por excesso ou desvio de poder, ou por relegação dos princípios gerais do direito. Em qualquer dessas hipóteses, quer ocorra atentado flagrante à norma jurídica, quer ocorra inob-servância velada aos princípios do direito, o ato administrativo padece de vício de ilegitimidade e se torna passível de invalidação pela própria Administração ou pelo Judiciário, por meio de anulação." (Ibd.) Também é extremamente importante a obediência literal e ao espírito da lei, como nos ensina a seguir e com as melhores das propriedades a professora Carolina Zockun: É certo que a obediência à lei não somente se restringe à sua literalidade, mas, principalmente, a seu espírito, à sua consagração como instrumento de agrega-ção de valores e princípios de uma sociedade em dado espaço e tempo. J.J. FERREIRO LAPATZA acrescenta que a força da lei advém do fato de ser a mais genuína forma de representação da vontade popular. Assim, continua o mestre, o princípio da legalidade adverte que só a lei pode regular determina-das matérias, precisamente aquelas que garantem uma organização social base-ada na liberdade individual38. (ZOCKUN, [s.d.], p. 2) 38Apud LAPATZA, J. J. FERREIRO. (“El Princípio de Legalidad y La Reserva de Ley”. Revista de Direito Tributário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº 50, página 7). Na íntegra e no original o autor averba: “El rango de la Ley, la fuerza de la Ley, en nuestro ordenamiento, como en todos aquellos que tratan de organizar una democracia pluralista de acuerdo con el principio de la división de poderes, deri-va, insistimos de que ella es la expresión más genuina y representativa de la voluntad popular. La Ley re-presenta la vonluntad de autoformación de una colectividad que no reconoce otros poderes que los que emanan del conjunto de los ciudadanos que forman parte de ella. Refleja las normas que la comunidad se da a si misma a través de sus representantes y debe contener, por tanto, el entramado básico del sistema jurídico, aquel en que se basa y encuentra apoyo el resto de la normativa que configura el ordenamiento. Pues sólo reservando a la ley tal entramado básico el sistema garantiza la primacia de la voluntad popu-lar. El principio de legalidad, según el cual la Ley y sólo la Ley ha de regular ciertas maetrias [sic], precisa-mente aquellas que garantizan una organización social basada en la libertad individual, incorpora, esen- 22
  • 35. 3b. Desvio de Poder Também conhecido como 'Desvio de Finalidade' é um conceito muito co-nhecido nos feitos em face de autoridades. Ele se encontra inserido logo no art. 2.º da Lei N.º 4.717/1965, que rege a Ação Popular. Mas, essencialmente, o Desvio de Poder ou de Finalidade constitui um ato de improbidade administra-tiva, que está previsto, de forma larga, na Lei N.º 8.429/1992. Decididamente, é um ilícito com uma enorme dificuldade probatória, posto ter em seu cerne a intenção de simular, de mascarar. Resta patente, que o gestor, ao praticar a antijuricidade, se arvora em simulação, em mascaração, em atender à 'necessidade do serviço' ou até no 'interesse público'. CRETELLA Jr. reputa esse fenômeno a título de sintomas, à leitura da doutrina francesa, ad litteram: Entre os índices ou sintomas denunciadores do desvio de poder a doutrina francesa, baseada em decisões do Conselho de Estado, aponta os seguintes: (a) pressa com que o ato foi editado, (b) inexistência dos motivos apresentados pelo administrador para justificar a decisão tomada, (c) desigualdade de tratamento dos interessados, (d) caráter sistemático de certas interdições, (e) caráter geral atribuído à média que deveria permanecer particular, (f) circunstâncias locais que antecederam a edição do ato. CRETELLA JUNIOR, 1980, pag. 311). O ambiente é extremamente vasto e abrange todas as áreas do Direito, admitindo três principais espécies: o excesso de poder, o desvio de poder e o desvio de finalidade, ainda, conforme o caso, pode acarretar nulidade absoluta ou relativa. In casu, trata-se de “poder exercido em sentido diferente daquele em vista do qual fora estabelecido” (CRETELLA JUNIOR, 2000, p. 291) De modo definiti-vo, o gestor, que se excede nesse tipo de delito, está revestido da necessária competência para tal fim. Entrementes, no exercício de suas funções legais se afasta do fim legal (ou do espírito da lei) para perseguir finalidade desseme-lhante ao visado pelo instrumento legal. Além de tudo, sua natureza e seu dis-cernimento de justeza, no mínimo intrincada, revestem-se duma acepção, na qual o elemento fim é instalado em ênfase, para mascarar o afastamento da fi-nalidade ou do interesse público. Na prática do desvio de poder, o gestor “usa de sua competência, de acordo com as formas prescritas em lei”, (...) “para exer-cialmente, la idea de que en una sociedad libre sólo la comunidade puede darse a sí misma, a través de sus representantes, normas sobre tales materias.” 23
  • 36. cer o poder que lhe é posto nas mãos”, não, entretanto, “para perseguir” o fim le-gítimo, não obstante persegue “fim diverso daquele que a lei lhe conferira”. (Ibd., p. 292) Um outro momento importante nessa controvérsia é o instituo do poder de discricionariedade da administração, que grandemente e não raro leva ao abuso de poder. Todavia, a discricionariedade, em sua propositura ontológica e teleológica, essencialmente a título de liberdade de eleição, deve transitar entre alternativas igualmente justas, ou entre indiferentes jurídicos, pois a decisão da administração encontra fundamento em parâmetros extrajurídicos, remeti-dos ao juízo subjetivo da Administração, pela impossibilidade de inserção no texto normativo. (ZOCKUN, [s.d.], p. 7; apud ENTERRÍA39) Suplanta ainda Zockun, apud Celso Antônio Bandeira de Mello40, que esse corretamente, rechaça a ideia de que a eleição é sempre entre indiferentes jurídi-cos. Na verdade, diz o autor, consoante demonstrar-se-á a breve tempo, que ao administrador cabe fazer, não qualquer escolha, mas a melhor opção possível para o caso concreto. (ZOCKUN, [s.d.], p. 7) A abalizada lente desvenda que “a margem de liberdade só existe quando a lei a conferir ao administrador”, para em seguir constatar que “existência de prévia lei, não há que se falar em competência discricionária, posto que a lei é o único instrumento jurídico que validamente atribui competências”. Em vista disso complementa que “o princípio da legalidade fundamento e limite da atuação dis-cricionária”. (ZOCKUN, [s.d.], p. 7) Utilizando-se de Eduardo Garcia de Enterría leciona a autora antes refe-rida: Não há, pois, discricionariedade à margem da lei, senão justamente somente em virtude da lei e na medida em que a lei haja disposto.41 39ENTERRÍA, EDUARDO GARCÍA DE E FERNÁNDEZ, TOMÁS-RAMÓN. Curso de Derecho Adminis-trativo. Madrid: Editora Thomson Civitas, 12ª Ed. P. 466-467. 40BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio: Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo: Editora Malheiros, 2ª Ed., 2003. 41ENTERRÍA, EDUARDO GARCÍA DE E FERNÁNDEZ, TOMÁS-RAMÓN. Curso de Derecho Adminis-trativo. Madrid: Editora Thomson Civitas, 12ª Ed., página 462. No original: “No hay, pues, discrecionali-dad al margen de la Ley, sino justamente solo en virtud de la Ley y em la medida en que la Ley haya dis - puesto”. (apud ZOCKUN, [s.d.], p. 7) 24
  • 37. Com maior relevância temos a inquirição sobre hipótese da matéria dis-cricionariedade adunar-se com a liberdade de escolha. Nesse sentido, assim se pronuncia Afonso Rodrigues Queiró: o poder discricionário da Administração nunca é uma ‘livre’ escolha ou livre atividade. É, pelo menos, sempre limitado, dirigido, regulado, ligado, pelo ‘fim’ da lei, pela ‘ratio legis’, fim que jamais falta (...)42 Mas, quem melhor traça um landmark entre a discricionariedade e a ar-bitrariedade é o conspícuo Hely Lopes Meirelles, quando assim se expressa: Discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade é ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder.43 3c. Inversão do ônus de prova O notório adagium popular alemão “Was mir nützen soll, muss ich auch behaupten und beweisen”44 traduz com naturalidade a quem cabe o ônus da prova. É o equivalente alemão do nosso “quem alega, deve provar” e traduz o espírito do art. 333 do Códex processual civil brasileiro: Art. 333 - O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Perpassando a problemática da prova e suas constituições vislumbramos a ostentação de três características fáticas: a controvertida, a relevante para a causa e a determinada, mas que, nos termos do artigo 333 do Código de Processo Civil, cabe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito, e ao réu o de provar os fatos extintivos, impeditivos e modificativos do direito do autor. Ainda, ao réu cabe assumir dois ônus, sendo eles: o de provar a inexistência do fato colocado ou de provar os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do autor. [RIBEIRO JUNIOR, 2010] 42QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. A Teoria do “Desvio de Poder” em Direito Administrativo. Revista de Di-reito Administrativo. Vol. VII, páginas 52-80, Editora Renovar, páginas 73-74. (apud ZOCKUN, [s.d.], p. 7) 43MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 24ª Ed., 1999, página 120. (apud ZOCKUN, [s.d.], p. 8) 44O que me traz proveito, tenho que defender e provar. 25
  • 38. Entretanto, como vamos ver mais adiante, há casos em que a prova se mostra extremamente difícil - ou até impossível – de ser constituída e há casos de prova negativa, que não se pacificam nessas alternativas e conceituações dispostas no Códex processual. Essas situações são indigitadas pela doutrina e pela jurisprudência como Probatio diabolica, entendidas sob a égide de teoria dinâmica da distribuição do onus probandi. Esse fenômeno já perpassa todo o ambiente jurídico e encontra na inver-são do ônus da prova uma âncora, que nem sempre saneia as questões envol-vidas na erupção prática da problemática. Aqui, se ressalte, com ênfase, a pro-va negativa de fato indeterminado, que deixa transparecer toda a complexidade do evento. Preferencialmente, a aplicação do instituto da inversão do ônus da prova é sempre a favor do hipossuficiente. O embasamento do ônus da prova à luz do Códex processual pátrio ado-ta duas teorias: a estática e a dinâmica. Enquanto a estática amarra o onus probandi a quem alega, a dinâmica onera quem puder suportar. Em geral, a te-oria estática domina no nosso ordenamento jurídico (AZÁRIO, 2006), mas há várias exceções, onde o emprego da teoria dinâmica se reveste de grande re-levância, isso sem desprezo da visão solidarista45, apontada por Azário (op. cit., p. 119) e defendida pelo jurista argentino Augusto Mario Morello46. Notadamente a teoria dinâmica é aplicada nas relações consumeristas (GUILHERME, 2010), eximindo assim, o consumidor da produção da prova dia-bólica. Nesse sentindo, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela aplica-ção da teoria dinâmica, com o fundamento de que a prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em caso dessa espécie. Impor ao autor que a faça significa, em verdade, impor-lhe a chamada prova diabólica, de produção impossível, porque os afastamentos dos cargos, à época, eram disfarçados; assim, por exemplo, quando militar o servidor, afas-tava- se por indisciplina ou insubordinação; quando civil, por ato de abandono e outras alegações com a mesma finalidade e do mesmo teor. Destarte, compete à 45 “bien entendida funcionalidad del principio de cooperación (o de efectiva colaboración) que a su vez radica en el más comprensivo y de mayor furza operativa que es el de solidaridad. Y ambos en el de buena fé” 46 MORELLO, Augusto Mario. La prueba: tendencias modernas. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1991. (apud AZÁRIO, 2006) 26
  • 39. Instituição que promoveu o ato demissionário demonstrar a inexistência de mo-tivação política.47 O Código de Defesa do Consumidor aponta como situação de prova dia-bólica dois momentos no bojo de seu texto, conforme tomamos abaixo: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; […] Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunica-ção publicitária cabe a quem as patrocina. Sem qualquer dubiedade, o instituto da inversão do ônus da prova é um elemento imprescindível na composição da ampla defesa e do contraditório, em caso de patente hipossuficiência do acusado no que concerne à produção de prova. 3d. Prova Diabólica & Condenação Branca Na área criminal esse fenômeno fulmina a chamada presunção de ino-cência, consagrada pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, produ-zindo uma verdadeira Condenação Branca com o embasamento da absolvição por falta de prova. A complexidade do Direito trás aos seus operadores novos desafios, que urgem por soluções atuais e que exigem a formulação de uma metafísica jurídi-ca, que atenda à finalidade última do direito. A complexidade da hodiernidade exige do Direito uma adequação e formulação de soluções, que ofereçam à soci-edade a plenitude na garantia dos direitos do jurisdicionado. Dentre esses desafios se encontra o repto da acima referida prova diabó-lica, que insta por uma solução e adequação doutrinária, viabilizada por uma análise profunda e transcendente, sem que, ao entendimento de Spinoza, se afaste da imanência jurídica. A probatio diabolica tem suas raízes no processo inquisitório medieval e não pode prevalecer no nosso ordenamento jurídico com os efeitos, que apre- 47 STJ, Resp 823.122 DF, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 18/fev/2008. 27
  • 40. sentava nessa época de trevas. Em sobrepujando, que se faz, sem causar detri-mento a um processo dialético e formal, a favor do hipossuficiente. O fenômeno da prova diabólica é conhecido no Direito Internacional pela denominação latina de Probatio diabolica, sempre no sentido da exigência da apresentação de uma prova impossível ou da negativa indeterminada [CARPES, 2008]. Em alguns países essa prova recebe também alguma característica es-pecífica: • Devil’s proof (2012) [em inglês]: com o significado genérico de prova im-possível, mas com estreita ligação com a ferramenta da inversão do ônus da prova. • Teuflischer Beweis (2011) [em alemão]: mormente aplicada na relação patrimonial. • Prueba inquisitorial (2011) [em espanhol): como no título já se aplica, se vislumbra uma intimidade com os processos da Inquisição e com o antigo Regime espanhol, onde a presunção da inocência, “muitas vezes incorriam em absurdos lógicos dos quais os acusados não podiam se li-vrar (por exemplo, se você confessar, você é culpado, se você não confes-sar, nem mesmo sob tortura, é porque o diabo lhe deu força para su-portá- la e, portanto, também é culpado)”. • Prova del diavolo (2011) [em italiano]: esse instituto é utilizado no direi-to italiano no âmbito do direito patrimonial, especificamente, nas ques-tões de usucapião. No direito brasileiro a Prova diabólica é a chamada prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida, como a prova de fato negativo, sendo que tal problema reside na prova do fato negativo indeterminado, pois, salvo melhor juízo, não há como provar, por exemplo, que alguém nunca trabalhou para determinado emprega-dor. [D'Andrea et alia, 2008] Entrementes, há grande divergência na abordagem doutrinária da aplica-ção desse instrumento, já por demais recorrente nos nossos tribunais. Re-vela- se daí uma corrente expressiva, que ver na teoria dinâmica um obstáculo ao direito fundamental e ao processo justo (CARPES, 2008). 28
  • 41. Além de exsurgir no âmbito do Direito do Consumidor, como visto no tó-pico anterior, a Prova Diabólica encontra-se presente noutras áreas do direito: a. Direito Econômico A literatura aponta uma “situação anacrônica atual em relação à fraude de execução” (FREITAS, 2010). Esse fato se dá pelo seguinte: O Superior Tribunal de Justiça, em 20/03/2009, editou a Súmula 375 que prevê: “o reconhecimento da fraude de execução depende de registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” (Ibid.) Com a exigência de prova de má-fé entende Freitas, que está substancia-da a produção da Prova Diabólica, dificultando assim o reconhecimento da fraude de execução. Mas, como o próprio autor indica, essa súmula surgiu no trato com julgados específicos em casos de fraude contra credores, que, a seu ver, embora semelhantes, são institutos díspares. Daí, conclui Freitas, que tal mescla acabou por desvirtuar a realidade do reconhecimento judicial da fraude. (Ibid.) b. Direito Penal Nesse âmbito, se apresenta um exemplo de Prova Diabólica encontrado em apaixonada crítica formulada por um procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, que embora seja favorável ao hipossuficiente, certamente será difícil de o enquadrar em ambiente ético. Antes, de entrarmos no objeto, tenta-se revelar uma ideia do animus do autor ao formular a citada crítica, através da citação de um trecho de seu texto: Temos de construir as bases para um pensamento crítico que denuncie equívo-cos como o voto que abordarei na sequência, da lavra do ministro Luiz Fux. A crítica que exporei não tem a pretensão de ser algo do tipo J’accuse, de Emile Zola, em que este fazia contundente manifesto contra a injustiça cometida con-tra o capitão Dreyfus. Posso, no máximo, estar indignado como Zola. (STRECK, 2011) A partir daí, Streck aponta uma série de supostos equívocos praticados pelo Ministro Lux (STF). Em determinado momento, ele aponta o uso da teoria da actio libera in causa, na concessão de um Habeas corpus. Segundo a teoria da actio libera in causa (ação livre na causa) “considera-se imputável quem se 29
  • 42. põe em estado de inconsciência ou de incapacidade de autocontrole, seja dolosa ou culposamente, e nessa situação comete o crime” (RAMOS, 2005). Essa teoria é fundada na expressão da responsabilidade penal objetiva, que foi abolida com o advento da Lei 7.209, de 11.7.1984, que produziu a reforma da Parte Geral do Código Penal. Pelo relato do procurador, o Ministro concedeu o Habeas Corpus invocando algo que não consta no Código Penal: a teoria da actio libera in causa. Ou seja, tivesse o STF coerência nas decisões, portanto, respeitasse o STF a ori-gem do direito fruto de suas decisões, teríamos, a partir de agora, algo inu-sitado: nunca mais se conseguirá acusar alguém por dolo eventual na hipótese em que o autor dirija embriagado e atropele (e mate). A tese do voto: somente se pode acusar alguém por dolo eventual se ficar demonstrado que o agente “se embriagou com o propósito de cometer um crime”. Prova, pois, diabólica. Im-possível de se fazer. Aliás, nunca houve no mundo um processo julgado nesse sentido. A velha actio libera in causa não é um princípio. E tampouco é uma re-gra. Nem mais se estuda essa tese nas salas de aula. Porém, o ministro Fux pro-feriu um belo voto. Pergunto: e os efeitos colaterais dessa decisão? (STRECK, 2011) c. Direito do Trânsito Em ação agravo de instrumento (nº 83474/2011) e afirmando “que cabe aos órgãos de trânsito e não ao motorista a demonstração das notificações de in-frações de trânsito”, a 4.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso concedeu tutela por unanimidade ao autor. A decisão foi fundamentada nas Súmulas nº 12748 e 31249 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme consta abaixo: O relator da ação, desembargador Mariano Alonso Ribeiro Travassos, concordou com a argumentação da empresa de que há margem para aplicação, em caráter cautelar, da Súmula 127 do STJ quando a autoridade de trânsito propositalmente não discrimina, ao expedir o extrato do veículo solicitado pelo condutor via inter-net, se as infrações apuradas foram na condição de flagrância ou não, e se houve ou não a notificação do condutor. Até porque não é ônus do Impetrante/Agravan-te colacionar prova negativa (probatio diabólica) de suas alegações nos autos do processo, arguiu. Destarte, devem ser aplicadas as Súmulas n.º 312 e 127, ambas do Superior Tribunal de Justiça. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO, 2012) 48 É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado. 49 No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da au-tuação e da aplicação da pena decorrente da infração. 30
  • 43. d. Direito Ambiental O meio ambiente está no foco das preocupações de toda a sociedade mundial. Os países com grandes riquezas ambientais assumem assim uma responsabilidade ímpar ante as demais, pelo ônus da preservação e da susten-tabilidade. Na defesa do meio ambiente os STJ inaugurou com a teoria dinâmica, ao REsp 1.049.822-RS, reconhecendo a hipossuficiência da sociedade nas ques-tões ambientais, que ao relato de BRAGA (2009, p. 2) o aresto assim restou substanciado: Resumidamente, o Superior Tribunal de Justiça se dividiu. A tese vencedora foi a encabeçada pelo relator, Min. Francisco Falcão, acompanhado pelos Mins. Luiz Fux e Benedito Gonçalves, que votaram pelo não provimento do recurso, alegan-do que não pode haver óbices à propositura de ações que visem a defesa de direi-tos fundamentais, pois a responsabilidade ambiental é de interesse público e a so-ciedade é hipossuficiente, motivo pelo qual deve ser transferido ao empreendedor o ônus da prova de que sua conduta não gerou riscos ambientais, em atenção aos princípios da precaução e da prevenção. e. Anistia Política Outra situação em que o Direito pátrio aplica a teoria dinâmica se refere às demandas no âmbito da Anistia Política conforme pontifica o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ad litteram: Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de mo-tivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou comple-mentares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de de-zembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto - Le i nº 864, de 12 de setembro de 1969 , asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou gradua-ção a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, res-peitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos: (Omitto) § 5º - A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores pú-blicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas funda-ções, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto - Le i nº 1.632, de 4 de agosto de 1978 , ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atin-gidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º. (Destaquei) 31
  • 44. A regulamentação dessas disposições constitucionais acima citadas foi efetivada através da Lei nº 10.559/02, que assim se expressa: Art. 1.º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos: I - declaração da condição de anistiado político; (omitto) Art. 2o São declarados anistiados políticos aqueles que, no período de 18 de se-tembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente políti-ca, foram: (omitto) VI - punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remune-radas que exerciam, bem como impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos, sendo tra-balhadores do setor privado ou dirigentes e representantes sindicais, nos ter-mos do § 2 o do art . 8 o do Ato das Dispos i ções Constitucionais Transitórias ; (omitto) IX - demitidos, sendo servidores públicos civis e empregados em todos os ní-veis de governo ou em suas fundações públicas, empresas públicas ou em-presas mistas ou sob controle estatal, exceto nos Comandos militares no que se refere ao disposto no § 5o do art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; (omitto) XI - desligados, licenciados, expulsos ou de qualquer forma compelidos ao afastamento de suas atividades remuneradas, ainda que com fundamento na legislação comum, ou decorrentes de expedientes oficiais sigilosos.” (Desta-quei) Pelo exposto, com fundamento nos dispositivos acima referidos, assiste ao hipossuficiente o direito personalíssimo ao reconhecimento e declaração da condição de anistiado, desde que apresente a relação de causa-lidade. Nesse sentido, vejamos o seguinte acórdão: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ANISTIA. DEMISSÃO POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA. PROVA DIRETA OU MATERIAL. IMPOSSÍVEL. ATO DEMISSÓRIO DISSIMULADO. CONTEXTO DEMONSTRATIVO DA NOTA POLÍTICA DA DEMISSÃO DO RECORREN-TE. PROVA EM CONTRÁRIO QUE COMPETE À ADMINISTRAÇÃO. INA-PLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. VALORAÇÃO DA PROVA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A prova, nos casos de concessão de anistia para fins de reintegração ao servi-ço público, é sempre indireta e deve decorrer da interpretação do contexto e das circunstâncias do ato apontado como de motivação política. 2. A prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em caso dessa espécie. Impor ao autor que a faça significa, em verdade, impor-lhe a cha-mada prova diabólica, de produção impossível, porque os afastamentos dos cargos, à época, eram disfarçados; assim, por exemplo, quando militar o servi-dor, afastava-se por indisciplina ou insubordinação; quando civil, por ato de abandono e outras alegações com a mesma finalidade e do mesmo teor. Dest'arte, compete à Instituição que promoveu o ato demissionário demons-trar a inexistência de motivação política. 3. Na presente hipótese, o contexto da demissão do recorrente, revelado pela (I) sua participação ativa em movimentos então denominados esquerdistas ou sub- 32
  • 45. versivos, (II) a perseguição e a Jurisprudência/STJ - Decisões Monocráticas de-missão de pessoas próximas, inclusive familiares, (III) o forte conceito que man-tinha na Universidade, sem qualquer mácula em sua conduta profissional e aca-dêmica, bem como (IV) o fato de ter sido anistiado pelo Ministério do Trabalho em face de sua demissão da Petrobras, demonstram a motivação política do seu afastamento dos quadros da UNB. 4. Não se cuida, aqui, de mero reexame de matéria fático-probatória, realmente incabível em sede recursal especial, mas de valoração da prova, abstratamente considerada, passível de realização nesta instância. 5. A questão da prova direta não é a nuclear no processo de anistia e nem mes-mo constitui o fulcro do pedido, porque em hipótese que tal a avaliação do plei-to há de seguir a trilha do art. 8o. Do ADCT e da Lei 10.559/02 (Lei de Anistia), elaborada com o ânimo de pacificar o espírito nacional, aproximar os contrários e instalar o clima de recíprocas confianças entre grupos d'antes desentendidos. 6. Recurso Especial conhecido e provido." (REsp 823122/DF, 5.ª Turma, Rel. Mi-nistro ARNALDO ESTEVES LIMA, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NU-NES MAIA FILHO, DJ de 18/02/2008.) (Destaquei) f. Direito do Trabalho No direito trabalhista o ônus da prova está sempre a cargo do emprega-dor, pela sua reconhecida hipersuficiência ante o contratado. Nesse ambiente, a inversão do ônus probatório é por demais relevante em se tratando de aci-dente do trabalho. Como cediço, em casos de descumprimento de normas de segurança por parte do empregado, eximirá o empregador do ônus indenizatório. Com o ad-vento da lei n.º 11.430/2006 não mais estará o trabalhador com o ônus de provar o nexo causal para acidentes e incapacitações, mas sim na incumbência do empregador comprovar que eventuais acidentes ou incapacidades não são decorrentes das atividades, indevidamente, desenvolvidas pelo empregado no ambiente de trabalho (PONTES, 1990). Ainda no âmbito trabalhista, deve-se realçar o Princípio da Não Discrimi-nação ancorado na “Constituição Federal, em especial os arts. 3º, IV, 5º, caput, XLI e XLII, e 7º, XX, XXX, XXXI e XXXII; e em vários diplomas legais brasileiros, como na Lei nº 9.029/95, que se aplicam, em especial, às relações de emprego” (CHEHAB, 2010, p. 53). O mesmo autor, amparado no texto da Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, define discriminação como “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, reli-gião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profis-são” (Ibid.). 33
  • 46. Para o trabalhador discriminado é impossível provar 'distinção', 'exclu-são' ou 'preferência', motivo pelo qual se mostra obrigatório a inversão do ônus probatório diabólico, “sob pena de sua omissão ser inconstitucional, por deixar de tutelar o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, efetiva e célere prevista no art. 5º, XXXV e LXXVIII, da CF.” (Ibid., p. 59 apud CAMBI50). g. Direito Securitário Na matéria de cobertura de seguro de vida em casos de suicídio, o Supe-rior Tribunal de Justiça, ao julgar o Agravo de Instrumento de n.º 1.244.022/RS, inovou com recente interpretação do caput do art. 79851, mo-mento em que prevaleceu o entendimento apresentada pelo ministro Luis Felipe Salomão, no sentido de que o suicídio cometido durante os dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, período de carência, a seguradora só estará isen-ta do pagamento da indenização securitária, se comprovar que o ato do segura-do foi premeditado. (MARENSI, 2011) Conquanto, seja o setor securitário também atingido pela legislação con-sumerista, é de grande validade tratar essa matéria motu proprio, pelo fato de a questão de mérito ser de grande proeminência, pois toca direito fundamental e natural, qual seja, o direito à vida. Demais, o fato da seguradora ficar obriga a provar se “o segurado teria premeditado, ou não, o suicídio quando da contrata-ção do seguro de vida” (ibid.), certamente vai gerar grande polêmica na juris-prudência, com maior propriedade ainda, na doutrina. Se nos enveredarmos na jurisprudência, pelo que se toma da ementa a seguir exposta, está de permeio o princípio da presunção da boa-fé e resta cla-ra a aplicação da teoria dinâmica no presente caso, senão vejamos: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CO-BRANÇA. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO COMETIDO DENTRO DO PRAZO DE 2 (DOIS) ANOS DE INÍCIO DE VIGÊNCIA DA APÓLICE DE SEGURO. NEGATIVA DE PAGAMENTO DO SEGURO. ART. 798 DO CC/2002. INTER-PRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA. BOA-FÉ. PRINCÍPIO NORTEADOR DO DIPLOMA CIVIL. PRESUNÇÃO. NECESSIDADE DE PROVA DA PREMEDI- 50 CAMBI, Eduardo: Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e prota-gonismo judiciário. São Paulo: RT, 2009. P. 361. 51 Art. 798 – O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primei-ros 2 (dois) anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. 34
  • 47. TAÇÃO PARA AFASTAR-SE A COBERTURA SECURITÁRIA. PRECEDENTE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL. ANÁLISE DE PROVAS. AFASTADA A PREME-DITAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nas razões do recurso especial, não foi evidenciada de que forma o acórdão recorrido teria vulnerado os arts. 130, 330, 331 e 332 do CPC. Incidência da Sú-mula 284/STF. 2. A interpretação do art. 798, do Código Civil de 2002, deve ser feita de modo a compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da redação da nova codificação civil. 3. Nessa linha, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por sí só, não autoriza a companhia segura-dora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequí-voca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à Seguradora, con-forme as Súmulas 105/STF e 61/STJ expressam em relação ao suicídio ocorrido durante o período de carência. 4. "O artigo 798 do Código Civil de 2002, não alterou o entendimento de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indeni-zação securitária." (REsp 1077342/MG, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Ter-ceira Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 03/09/2010). 5. Não há de se falar em violação ao art. 333, I, do CPC, uma vez que, nos ter-mos do precedente citado, compete à Companhia Seguradora a prova da ocor-rência de premeditação no suicídio ocorrido nos primeiros dois anos de vigên-cia do contrato, para se eximir do pagamento da cobertura securitária contrata-da. 6. Na hipótese, a Corte Estadual expressamente consignou que os elementos de convicção dos autos evidenciam que o suicídio não foi premeditado. Enten-der- se de forma diversa demandaria necessária incursão nos elementos fá-tico- probatórios dos autos, com o consequente reexame de provas, conduta ve-dada em sede de recurso especial, ante o óbice previsto na Súmula 7/STJ, con-soante afirmado na decisão ora agravada. 7. Agravo regimental a que se nega provimento. Com essa decisão, entendeu o STJ que a má-fé, in casu, deve ser com-provada, em contrário, se aplicará o que pontificam as súmulas 10552 do STF e 6153 do STJ. No tocante à aplicação do aqui analisado instituto em desfavor do hipos-suficiente, veremos exemplos de casos, em que a carga probatória dinâmica onera o hipossuficiente. h. Direito Eleitoral Recentemente, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fixou o prazo de 180 dias, após a diplomação do candidato, para os procuradores eleitorais ingres- 52 Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exi-me o segurador do pagamento do seguro. 53 O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado. 35