Em 3 frases ou menos:
O narrador pede a Leonardo para ser seu anjo no aniversário. Eles compartilham um momento íntimo, mas Leonardo revela que só pode oferecer amizade, não amor romântico. O narrador fica desapontado por ter se precipitado em suas expectativas outra vez.
1. FELIZ ANIVERSÁRIO
Por Thiago Augusto de Oliveira
- Feliz Aniversário! – disse uma voz muito familiar, atrás de mim, cobrindo meus
olhos como quem espera ser descoberto.
- Leonardo! – exclamei feliz, reconhecendo o dono da voz no mesmo instante -
Obrigado, meu amigo.
E desvencilhando-me de suas suaves mãos, me apertei no calor de seus braços, no mais
caloroso dos abraços.
- Desejo-lhe tudo de bom, moçoilo.
Não pude deixar de sorrir com o desejo dele.
- Obrigado mesmo, de coração, mas... – relutei um pouco antes de falar - Posso
pedir-lhe um presente?
- Qual? – perguntou ele, a curiosidade perfeitamente expressa em sua voz.
Cheguei bem perto dele, tanto que até podia contar quantos cílios ele tinha
naqueles belos olhos brilhantes, ou mesmo imaginar o gosto de seu hálito. O silêncio
dominou todo o ambiente por um segundo que durou toda a eternidade, mas foi forte o
bastante para sobreviver durante todo aquele instante.
- Seja meu anjo?
Perguntei na mais suave das expressões, dando ênfase a cada sílaba, e permaneci
olhando o nerd biólogo de boné na minha frente. Sorri pela surpresa em seu rosto.
Então tirei o boné de sua cabeça baguncei seus cabelos.
- Seja aquele que senta no peitoril da minha janela, apenas observando e rindo
das minhas bobagens. Alguém que fará chover estrelas quando eu insistir ver o
céu nublado.
E ainda cheio de inocência e anseio, ainda completamente dominado pela infantilidade
de um rapaz que mais parecia estar fazendo nove ao invés de dezenove anos, eu o
beijou na testa.
- Seja o meu amigo dos dias tempestuosos...
Surpreendentemente, o silêncio se fez em luz, e conjurou floreios ao redor nós dois.
De repente nossos corações eram de homens adultos e sonhadores. Homens estes que
brincavam com a poesia como quem escreve uma canção, sem se importar se ela terá
rima ou simétrica, já que o sentimento é tão intenso e puro que ela já o faz por si
mesma.
Léo então abriu os lábios e proferiu doces palavras, fazendo marejar meu coração de
jovem poeta sonhador. Escutava cada palavra com atenção, me vendo na mais alta
nuvem do céu e ele em meu encalço, nós dois deitados vendo as estrelas passando,
rindo das bobagens sérias um do outro e das irreverentes cordialidades.
2. Mas aquele vento foi o mais injusto de todos os temporais. Roubou o perfume dele e o
trouxe pra mim, aumentando ainda mais aquela pequena sintonia que nascia entre nós
dois - pequena sim, mas poderosa. As batidas de nossos corações pulsavam tocando
uma canção familiar. Os olhos de Léo se abriram, tal como o meu coração, fechado por
tanto tempo, mas agora aberto para gravar em entalhes as doces palavras daquele
jovem anjo.
Léo tomou minhas mãos nas suas e apertou-as com suavidade, por mais contraditório
que isso pudesse parecer. Aquele sorriso gentil e cauteloso, como quando uma criança
tem um desejo e quer pedir para os pais, embora não saiba como. Assim, tão de repente
quanto como começara, Léo me abraçou, um verdadeiro anjo verdadeiro, cobrindo
com suas asas, afastando seus medos e dando ênfase ao seu desejo.
- Posso sim ser seu anjo. Esticarei minhas asas e te envolverei com elas, quando
for preciso te proteger. Levarei-te em divertidos vôos por entre as nuvens, onde
poderá sentir o macio algodão do qual elas são feitas. Irei rir de suas bobagens tão
sérias, e escutarei com atenção tuas sérias brincadeiras.
O vento soprou por ali e eu pude sentir o perfume dele se espelhar pelo ar
novamente. O estudante de biologia fixava o olhar ao meu, como se estivesse
decorando meu resto. Seus olhos revelavam cores castanhas e escuras, brilhando por
detrás daquelas lentes estreitas e que lhe desenhavam bem o rosto.
Léo sorriu de forma gentil, um pouco acanhado e mantendo o silêncio. Olhou
para baixo, levemente corado e sem saber o que fazer. Então, num ato repentino, ele
me abraçou de maneira forte e carinhosamente.
- Sim, serei SEU anjo. Aquele que vai apenas quando dorme e que chega antes
de acordar.
O abraço dele era confortável, macio e quente. Encostei a cabeça no peito de
Léo, sentindo nitidamente seu coração bater suave e calmo, uma perfeita sintonia com
o meu próprio. Sorri ao perceber o quanto aquilo me deixava feliz.
- E se eu pedir pra não me deixar nunca? E se eu quiser que esteja comigo até
mesmo velando meu sono?
O vento que ainda soprava ao nosso redor enfim parara, deixando apenas a calmaria, já
antes existente no local. De repente tudo ficou mais acentuado e apaixonante. Léo se
afastou de mim lentamente, seus olhos castanhos escuros fitando meu rosto. A
respiração dele era como um sussurro, e Léo mantinha a mão esquerda entrelaçada à
minha, e eu sabia que ele podia sentir meu peito arfar e voltar ao normal, conforme o ar
entrava e saia de meu corpo, levando vida para dentro e devolvendo ao mundo - a
mesma vida que eu encontrava nos olhos dele.
- Então eu nunca te deixaria. Quando estiver dormindo, estarei contigo, e
mesmo quando entrar no mundo dos sonhos, eu estarei o seu lado, atento. Mesmo
que não me perceba, ali estarei pronto pra surgir quando preciso for. E até
mesmo quando for a minha vez de dormir, e deitar de forma eterna abraçando e
beijando o belo e convidativo sono da morte, a zelar por ti continuarei. Porque
somos algo que o tempo não desgasta e o vento não leva. Amizade consagrada,
bela e singela.
3. Suas palavras eram tão doces, tão tenras, exatamente aquilo que eu queria
escutar por tanto tempo, palavras que eu tinha deixado de acreditar que alguém
soubesse e, pior, que alguém pudesse dizê-las á mim no ápice de todo o sentimento.
Mas Léo era a verdadeira contradição, quebrando todas as correntes que me prendiam,
me suspendendo com suas asas e com a força de seu coração e me levando até o alto
céu azul.
Eu senti o chão aos meus pés começar a se desfazer. Logo, todo o cenário tinha
ganhado um branco ofuscante, e pétalas de flores aromatizadas caiam dos céus, como
uma chuva de flores de todas as cores e aromas. Eu apenas o abracei, encostando
minha cabeça em seu peito. Fechei meus olhos e deixei-me envolver. Se aquilo era um
sonho, eu não queria acordar nunca. Nossa inocência, nossa sintonia eram tão perfeitas
que me lembravam as teclas de um piano, tocadas suavemente e produzindo os mais
doces acordes de uma canção de ninar. Um Poeta e um Cientista, criando ali um
universo só deles.
Eu tive medo de estragar o momento. Medo de dizer ou fazer algo precipitado demais,
como eu sempre fazia. Ele estava sendo tão cuidadoso e atencioso comigo e eu, até
então, tinha sido egoísta o bastante para apenas desejá-lo, sem me oferecer a ele, como
queria meu coração.
- O meu coração é um vale, um rio, um oceano. Um lugar onde você pode deitar e
sentir, onde pode mergulhar e descansar tranqüilo de todos os teus medos e
aflições. Meu espírito vela teu sono, guarda tua segurança e canta para que você
durma. Porque nada até então foi mais especial na minha vida do que essa
inocência que você está me ensinando a viver agora. Talvez sejamos amigos,
talvez sejamos mais do que isso, talvez isso seja minha imaginação. Mas eu sou
bobo e apaixonado, e só sei que quero estar perto de você, sempre. Apenas isso.
Olhei-o com suplica de uma criança que deseja que o pai faça por ela aquilo que
ninguém mais pode fazer. Passei meus dedos suavemente por sua orelha, arrumando
seus cabelos por detrás das articulações, deixando meus dedos roçarem suavemente por
seu rosto bonito e jovial, agora o mais novo morador dos meus sonhos e da minha
mente.
- Quero te fazer meu segredo. Quero te fazer meu intento. – continuei, olhando no
fundo dos olhos dele - Quero te fazer meu.
E sem mais nada para dizer ou descrever, até porque eu jamais teria palavras ou
adjetivos para descrever o que passava pelo meu coração naquele momento, eu o
beijei, nos lábios, da forma mais doce que pude.
Meu coração começou a bater mais rápido, retumbando em meu interior
causando grande eco e agitação. Meus dedos se entrelaçaram ao dele e quando nossos
lábios selaram-se de forma doce e suave, pude sentir todo o seu mel percorrer meu
corpo, espalhando-se por mim. A começar pela minha boca, que bebia diretamente da
fonte tamanha doçura. Quando finalmente nos separamos, com o fim do beijo, e ainda
assim, próximos o suficiente para outra situação como aquela, a expressão dele mudou
como o céu do celeste ao nublado.
- O que foi? - perguntei.
- Queria eu também ser inteiramente seu, da forma como se ofereces a
mim. Posso te dar minha amizade, meu amor fraternal e minha companhia em
4. todas as horas. Mas apenas isso. Minha paixão já percorre por outros calorosos e
doces vales. Não vou te deixar, tampouco te jogarei ao leu e muito menos seria
contigo como um carrasco é com sua vítima. Serei seu anjo da guarda, enviado
para te olhar e guardar, porém um anjo e não o deus do amor em si, que embora
também alado, seja bem diferente. Desculpe-me se não pude ser o que quer ou
esperava, mas não controlo esse pequeno eu que bate dentro de meu peito e que a
outra pessoa pertence. Parte dele é tua. De tua amizade, inocência e gentileza.
Eu segurei a mão dele levemente, mantendo o segredo do momento entre nós
dois, como um elo que eu queria que jamais pudesse se partir. Mas uma corda quando
muito forçada, uma linha tênue quando tem sua resistência subestimada, todas essas
coisas se partem, pelo menos quando ainda não está forte o bastante para suportar o
rigor de um inverno.
Mais uma vez eu tinha sido precipitado demais. Eu havia ganhado um anjo e queria
mais do que isso. No fim das contas, eu ainda continuava a ser o poeta da cobiça, que
deseja sempre as estrelas que não podia alcançar. Alguém que ama tudo aquilo que não
lhe pertence, mas que espera, ainda assim, ser salvo quando todas as bombas
explodirem. Um poeta que jura amor eterno no primeiro segundo e que tem o tempo
seja ele curto ou longo, como duas facetas do mesmo tamanho. O POETA
ATEMPORAL.
Eu jamais aprenderia a dançar uma música lenta, porque nenhum parceiro de dança
seria paciente o suficiente para tirar minhas mãos da marcha e me fazer deixar o carro
estancar. Ninguém estava na mesma velocidade que eu, um garoto de dezenove anos
que atravessava a era medieval e o iluminismo, as revoluções francesas, inglesas e
industriais, as reformas protestantes e guerras mundiais, todas as explosões do mundo,
tudo isso em um único segundo. Só havia uma paisagem que eu gostava de admirar: os
meus próprios sonhos.
Mas eu não chorei, pelo menos não na frente de Leonardo. Eu tentei sorrir e parecer o
mais natural do mundo, mesmo que já estivesse sentindo meu nível ficar cada vez mais
distante do dele. A luz que brilhava ofuscante em meu peito aos poucos foi perdendo a
intensidade que outrora se comparava ao sol. Aquela era mais uma ocasião onde eu
ofertava meu coração em uma bandeja de prata e, para minha surpresa, eu o tinha
lançado ao vento, mas permanecia ali, com peito aberto e nada a receber.
Outra vez eu decidira falar, mesmo que não houvesse ninguém disposto a
ouvir. Outra vez eu chegara tarde demais na conquista por um espaço no peito de
alguém. Era a confirmação, a certeza de que tinha nascido para casar-me com a
solidão, a moradora dos corações empobrecidos e que não cobrava aluguel, reservando
ao dono da pensão uma vida de pesadelos: uma vida sem amor.
Eu passara por aquele momento tantas vezes, mas ainda assim me machucava
com tal intensidade que era forte demais para eu sorrir e dizer "tudo bem, isso
acontece, é normal". Calei minha alma para não abrir minha angustia na frente de
alguém que me queria ver sorrir, alguém que queria ser parte do sorriso sincero que eu
estampei segundos atrás.
- O sol vai nascer a qualquer minuto. Acho que não é bom que nenhum de
nós permaneça acordado.
Esbocei o sorriso mais amarelo de meu arsenal, como se eu realmente acreditasse que
aquela desculpa teria algum cabimento. De repente, todo o universo construído, as
flores, os cheiros, a intensidade, tudo se dissipou num turbilhão de emoções frustradas,
5. as minhas emoções, negativas o bastante para me desconectar da magia do momento.
Nem mesmo o vento soprava mais, e eu soube que campos como aqueles só eram
visíveis porque o destino não era tão impiedoso, pelo menos não no dia do meu
aniversário.
- Obrigado pelo presente. - e deixei minha mão acariciar o rosto dele mais
uma vez, antes de virar lentamente e voltar caminhando pela tortuosa estrada de barro,
sozinho.
A estrada levava à cabana de madeira, onde a porta dos fundos dava acesso a minha
realidade, totalmente diferente do que tinha vivido minutos antes. Eu tinha sonhado
alto demais, e consegui estragar tudo no último segundo, sendo precipitado o bastante
parar querer o mel no primeiro dia de busca. Eu apressei toda a magia, não a descrevi
como gostaria e agora, tinha perdido-a de vez. Eu não podia guardar em mim só
metade de um coração, não. Eu precisava de um coração inteiro, completo, vivo,
pulsante, cuja principal característica fosse a reciprocidade, e isso estava me sendo
negado, até mesmo em minhas próprias fantasias.
Eu tinha todas as razões do mundo para perder a esperança, mas alguém me
lembrara que não era esse o intuito de viver. O amor não deve vir como uma coisa que
se busca avidamente, mas como uma conseqüência de nosso merecimento, nosso
esforço em buscar as outras virtudes da vida.
“ Posso te dar minha amizade, meu amor fraternal e minha companhia em todas as
horas. Mas apenas isso.” Refleti sobre as palavras de Leonardo e descobri que, por
hora, era o que me basta.
“A pergunta é... até quando vai durar essa hora?", me perguntei em
pensamento, antes de sumir no último trem que embarcava rumo à realidade, que
chegaria com o sol daquela manhã.