Com este trabalho pretendemos descrever estruturas lineares praticamente paralelas que se prolongam por 48 m, com uma interrupção intermédia devido a erosão.
Estas estruturas foram descobertas por nós e saltam bem à vista em maré baixa e em condições adequadas de altura de sol.
Comparamos estas estruturas com outras idênticas encontradas noutros locais.
A hipótese mais provável é ter sido produzida por um tronco de uma enorme árvore, eventualmente uma das grandes coníferas que se sabe terem existido durante o Cretácico, até em Portugal.
Serra de mangues ciencia viva estremoz 2013 completo
ESTRUTURAS PARALELAS LINEARES NO CRETÁCICO DA PRAIA DE SANTO AMARO – ORIGEM BIOGÉNICA?
1. ESTRUTURAS PARALELAS LINEARES
NO CRETÁCICO DA PRAIA DE SANTO
AMARO – ORIGEM BIOGÉNICA?
Daniela Tinoco
Eduardo Barros
João Caldeira
Jorge Ledesma
E.B.I. Dr. Joaquim de Barros
Quando o impossível foi excluído, "tudo o que resta,
por mais improvável que pareça, deve constituir a verdade".
Sherlock Holmes, detective de Arthur Conan Doyle
2. Com este trabalho
pretendemos descrever
estruturas lineares
praticamente paralelas que
se prolongam por 48 m, com
uma interrupção intermédia
devido a erosão.
Estas estruturas foram
descobertas por nós e
saltam bem à vista em maré
baixa e em condições
adequadas de altura de sol.
A sua visibilidade
tornou-se maior depois da
construção do passeio
marítimo entre Paço de
Arcos e Praia da Torre.
3. Estas estruturas prolongam-se por
cerca de 6 m, seguindo-se uma
interrupção de 7,5 m e depois retomam o
seu curso por mais de 34 m, sempre
continuamente. A distância entre estes
dois rebordos elevados pouco varia:
começa com cerca de 60 - 61 cm e depois
afila-se um pouco e muito
progressivamente, de forma a na parte
terminal ser de 46 – 47 cm. Entre estes
dois rebordos elevados observa-se uma
depressão de fundo quase plano, cujo
nível se situa no mesmo nível da camada
calcária em que ocorre. A largura dos
dois rebordos é praticamente sempre
constante – cerca de 7,5 cm e eles
elevam-se a cerca de 3 cm acima do nível.
Em alguns pontos, os rebordos laterais
apresentam pequenas incisões, ovais,
que parecem dirigirem-se para a parte
exterior. Noutros pontos, estes rebordos
quase desaparecem.
4. O material – estrutura física
de três dimensões - localiza-se
num nível calcário do
Cenomaniano (cerca de 90
milhões de anos) calcário
muito fino (micrítico), duro,
com bastantes minerais de
calcite.
Tanto o interior, como os
rebordos, como a zona
exterior à estrutura dupla, é
formada por calcário com
propriedades muito
semelhantes.
5. Interpretações
Podemos sugerir quatro tipos de
origem para estas estruturas:
• 1. por acção directa do homem
• 2. origem em processos de
diagénese, processos naturais
• 3. consequência da actividade
viva de organismos (os
chamados icnofósseis)
• 4. resultantes da acção de
organismos já mortos no acto
6. 1.Acção directa do homem
É indiscutível que várias
estruturas circulares, com
espaçamento muito regular,
e que ocorrem na mesma
superfície a pouca distância,
devem ter sido produzidas
por acção antropomórfica,
eventualmente para destruir
blocos de rochas e “tornar
mais plana a superfície e
aumentar a visibilidade”.
7. Mas estas estruturas
linerares, com a interrupção
de quase 7 metros onde a
erosão desgastou a rocha,
não devem ter origem na
acção do homem, já que
nenhum rolo compressor
produziria estruturas
semelhantes, nem se
consegue compreender qual
o objectivo da sua
produção.
8. Muitas vezes a acção dos processos
diagenéticos conduz a estruturas bizarras,
que se podem confundir com actividade
de seres vivos, mas que são apenas isso –
estruturas estranhas.
2.Diagénese
Várias características não sugerem uma
origem em processos diagenéticos (por
exemplo, pela acção de correntes,
ondulação, dentro de água):
• O facto dos dois rebordos apresentarem
forma e dimensões semelhantes;
• O facto destas estruturas apresentarem
várias incisões ovais, em ambos os lados;
• O facto de se prolongarem por mais de 40
m paralelamente, mantendo uma distância
quase constante (originalmente
aproximando-se dos 50 m de extensão)
• O facto do “fundo” ser sempre aplanado,
com ligeira concavidade
• Estes factos indiciam que as duas
estruturas lineares não devem ter sido
produzidas independentemente uma da
outra.
9. 3.Actividade viva de organismos –
icnofósseis
Um icnofóssil é o produto
de um organismo
interagindo com um meio
num ambiente que gera uma
estrutura física de três
dimensões, cujas
dimensões podem variar
entre milímetros e
quilómetros.
Pistas atribuídas a “lesmas” gigantescas,
com 510 M.a. (Estados Unidos)
(escala:45 cm).
10. Fotografia,esquema provável autor-escorpião-
de uma pista com 6m de
comprimento encontrada na Escócia.
A pista, foi produzida há 330 M.a.,
pelas 6 patas de um escorpião
enorme, com 1m de largura.
As características observadas
nas estruturas na praia de Santo
Amaro são muito diferentes
destas pistas atribuídas a
grandes invertebrados.
11. Continuando com invertebrados:
O autor poderia ser um caracol com uma longa e estreita concha
(atingindo os 60 cm). A porção impressa mais profundamente da dupla
estrutura teria sido deixada pelo pé do caracol. A extremidade da
concha inclinava-se para um lado, ligeiramente arrastada sobre o lodo
e atrás do resto do animal.
Mas estas estruturas lineares
seriam atravessadas por
inúmeros sulcos arqueados, de
pequenas dimensões, muito
juntos e paralelos uns aos outros
e perpendicularmente às
estruturas «principais”, como
anéis de uma traqueia.
Nada de comparável com as
estruturas da praia de Santo
Amaro.
12. Uma explicação para estas estruturas seria a
passagem de uma tartaruga, provavelmente marinha,
caminhando sobre lodo.
Deixariam rastos quando se deslocavam em terra
para porem ovos, com os grandes membros
anteriores produzindo os dois rastos paralelos mais
salientes.
A carapaça teria cerca de 60 cm de largura
(dimensões inferiores às grandes tartarugas
monstruosas do Cretácico final).
13. Mas, por dentro dessas
estruturas paralelas
deixadas pelos membros
anteriores, encontram-se
quase sempre as
impressões dos membros
anteriores, também com
influência no arrastar dos
animais, e até das caudas.
Por outro lado, os rastos
raramente são «direitos» em
extensão tão grande - os
animais fazem curvas.
Estas são algumas das
dificuldades com esta
hipótese e vamos colocá-la
de lado.
14. Ainda no campo de
vertebrados como
potenciais autores,
poderíamos sugerir a
ocorrência de tocas de
animais Mesozóicos.
De facto, recentemente
têm sido descobertas
estruturas alongadas,
algumas até com os ossos
dos potenciais autores,
atribuídas a dinossáurios
escavadores (embora
também se conheçam
tocas atribuídas a outros
répteis e a mamíferos
Mesozóicos).
Fotografias e esquema de tocas de
dinossáurios do Cretácico (Canadá e
Austrália).
15. Recentemente, Palmer fotografou 4 “canais” paralelos encontrados
em sedimentos do Jurássico médio de Madagáscar. As estruturas
ainda não foram descritas, nem os eventuais produtores identificados,
mas podemos colocar de lado a presença de tartarugas ou até de
plesiossaurios gigantescos deixando as impressões de grandes
membros / barbatanas – não há qualquer evidência de arrastamento do
abdómen sobre o substrato.
Estas estruturas são incisões / sulcos e muito distintas das
observadas na praia de Santo Amaro.
16. Mas outras estruturas, também do Jurássico
médio da Suiça, não estão agrupadas. Algumas
prolongam-se por cerca de 12 m. Umas são
direitas, outras sigmoidais. A largura máxima é de
60 cm, mas a maioria tem cerca de 15 cm de
largura. Foram atribuídas a grandes animais
marinhos, foçando sobre os fundos lodosos,
desenterrando presas.
17. As evidências dos
plesiossaurios serem
predadores de organismos
benticos (e não nécticos ou
planctónicos) (análise dos
conteúdos estomacais) e da
enorme flexibilidade e
morfologia global dos seus
pescoços, sugerem que estes
rastos tenham sido produzidos
por plesiossaurios.
Mais uma vez, essas
depressões não deveriam
apresentar este aspecto
tão rectilíneo.
E o fundo não seria tão
plano como ocorre em
Santo Amaro, já que o
arrastar e empurrar dos
sedimentos conduziria a
uma superfície com várias
pequenas ondulações.
18. Outra possibilidade –
poderiam estas estruturas
ter sido deixadas pelo
arrastamento do ventre de
grandes peixes nos fundos,
produzindo, aos lados, as
marcas das barbatanas
ventrais (pares)?
19. Friedman e colegas (2010) acabaram de mostrar que nos mares
Cretácicos existiam peixes de grandes dimensões, suficientemente
grandes para deixarem marcas destas dimensões. Mas geralmente
estas marcas de arrastamento de barbatanas são sinuosas, ao
contrário das estruturas de Santo Amaro. Por outro lado, as marcas
das barbatanas estão representadas por incisões/sulcos cravados nos
sedimentos e não por rebordos elevados.
20. Outra alternativa – passagem de uma cobra, tal como progridem as
víboras quando ondulam sobre as areias quentes de um deserto?
De facto e durante o Cretácico já temos evidências esqueléticas da
existência de cobras primitivas.
Mas as marcas destas cobras, apresentam um padrão repetido e
paralelo e cujo comprimento representa a dimensão do animal. Cobras
com 50 metros de comprimento não são conhecidas!!!
Cobra moderna
deixandando rastos
sobre areias
quentes e rastos
paralelos
sinusoidais do
Jurássico inferior da
África do Sul.
21. Continuando no campo da icnologia dos vertebrados Cretácicos.
Para os dinossáurios, em termos globais, o registo icnológico
conhecido mostra que só em raros casos estão bem documentadas
ocorrências de pistas associadas a marcas de arrastamento de
caudas.
Trata-se de sulcos relativamente estreitos, quase lineares,
ligeiramente sinuosos, sem rebordos elevados, totalmente distintos
das marcas em análise.
22. 4.Resultantes da acção de organismos
já mortos no acto
Provavelmente foram produzidas por
um objecto, inanimado, com dois lados
separados quase continuamente por
uma distância muito próxima da fixa.
A hipótese mais provável é que esse
objecto seria um tronco de uma enorme
árvore, eventualmente uma das grandes
coníferas que se sabe terem existido
durante o Cretácico, até em Portugal.
23. Na Cadriceira, perto de Torres
Vedras, em sedimentos do
Cretácico inferior, encontra-se
enterrado (para protecção) um
tronco de árvore petrificado com
cerca de 10 m de comprimento e 1
m de diâmetro.
Com um tal diâmetro, o seu
comprimento em vida seria
enorme. Este exemplar representa
uma nova espécie de conífera
extinta.
Também do Cretácico inferior se encontrou
(1986), em Espanha (Igea, La Rioja), um
espectacular tronco fóssil, com 11 m de
comprimento, conservado in situ e bem
identificado para os visitantes (40 cm de
largura na base, e cerca de 25 cm de
diâmetro no topo reconhecido).
24. Esta marca vai-se, muito lentamente,
adelgaçando, o que estaria de acordo
com a marca de um caule que se afunila
para a sua extremidade terminal. Ao
longo das “margens” e em
determinados locais, as depressões que
se observam poderiam representar o
ponto de partida de ramos laterais de
menores dimensões.
O tronco teria cerca de 60 cm de
diâmetro na parte maior e pelo menos
cerca de 45 m de comprimento total.
Tudo sugere que estes traços lineares
não representem portanto estruturas
biogénicas – característica produzida
por um organismo enquanto estava
vivo - mas sim a impressão de parte de
um organismo morto.
As suas características não indiciam
que o tronco tenha rolado, deslocado
ou eventualmente tenha sido arrastado
por acção de correntes ou de
ondulação, deixando preservado as
suas dimensões originais.
25. Assim, sugerimos que estas marcas lineares representem a impressão
deixada por um tronco de uma enorme árvore, confirmando o que o registo
fóssil directo tem mostrado.
Na Península Ibérica, e durante o Cretácico inicial, a flora arbórea estava
dominada por Coniferophyta. Estas coníferas caracterizam-se pela ausência
de anéis de crescimento, indicando que o clima na época não tinha estações
bem distintas.
Pelas grandes dimensões, é provável que o tronco não tenha sofrido
grande arrastamento e que coníferas dessas dimensões vivessem nas regiões
periféricas.