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POLÍTICA
E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 7 D E J U N H O D E 2 0 1 2
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ARTE:
JANEY
COSTA
O episódio da tortura de Dilma em Minas
permaneceu desconhecido até entre os pró-
priosmilitantesestudantisdeesquerdadeBe-
loHorizonte,acusadosdesubversãonaépoca
daditadurapós1964.“Nãosabiaqueelatinha
sido torturada em Juiz de Fora”, surpreende-
se Gilberto Vasconcelos, o Ivo, presidente do
DiretórioAcadêmicodaFaculdadedeDireito
de Uberaba e principal contato da organiza-
ção Colina na cidade do Triângulo Mineiro.
Emjaneirode1972,Gilbertofoitransferidode
São Paulo para Juiz de Fora com Dilma, no
mesmo camburão. "Não posso testemunhar
sobreatorturadeDilmaemJuizdeFora,por-
que chegando lá fomos separados e não tive
maiscontatocomela.Sóvoltariaavê-lanodia
dojulgamento",completa.
Gilberto é conterrâneo de Dilma. Na época,
ela tinha 22 anos e ele, 23; e ambos militavam
no setor estudantil da organização de luta ar-
mada Colina, batizada assim em homenagem
àsmontanhasdeMinas.Maistarde,naclandes-
tinidade,osdoissetornariam"amicíssimos"de
CarlosAlbertoSoaresdeFreitas,oBeto,decodi-
nomeBreno,quechegariaaserdirigentenacio-
naldaVAR-Palmares."Nãohámelhorlugarpa-
ra se esconder do que na praia. Ficávamos eu,
elaeoBetosentadosnapraia,cantandoasmú-
sicas da revolução. Um dia chegou o Beto can-
tando Aquele abraço, do (Gilberto) Gil, que eu
nunca tinha ouvido. Dilma cantou junto. Ela
gostadecantareissonosuniaalémdasconvic-
çõesideológicas",conta.
Em fevereiro de 1971, Beto seria assassi-
nado com três tiros na Casa da Morte de Pe-
trópolis, no Rio, segundo consta no livro A
vida quer é coragem, lançado em janeiro
por Ricardo Amaral, conhecido como Bata-
ta, ex-assessor de imprensa de Dilma e que
trabalhou em BH como repórter do antigo
Diário do Comércio. Em homenagem ao
amigo de lutas, Gilberto batizou seus filhos
de Beto e Breno, nome e codinome do mili-
tante morto em combate.
Como foi sua passagem por São
Paulo?
EujáestavanoPresídioTiradentes.
Uns seis meses depois, chegou o
Max,codinomedoCarlosFranklin
Paixão Araújo, pai da filha de Dil-
ma.Nósficamospresosnamesma
cela, no mesmo beliche, durante
umanoemeio.OMaxsecomuni-
cava com ela através de bilheti-
nhos escritos com caneta Bic de
ponta fina e enrolados no durex,
escondidosnaobturaçãododente.
O dentista era um preso político e
faziaatrocadospapeizinhosentre
a ala feminina e a masculina. Ele
eradefatoapaixonadopelaDilma
e os dois se gostavam mesmo.
E quanto à jovem militante Dilma?
Não estou cometendo nenhuma
inconfidência, pois os dois são
grandesamigosatéhoje,istoéno-
tório. Max sempre foi um cara ex-
traordinário, de raciocínio rápido.
Engraçado como as pessoas mu-
dam pouco com o tempo. Estive
com Max no casamento da Paula,
em Porto Alegre, e ele continua do
mesmo jeito. Dilma também. Ela
estava cercada de amigos e me ti-
rouparadançarnafesta.Apesarde
ter uma imagem que não reflete
isso, é uma pessoa sensível, cari-
nhosa, afável e uma das pessoas
maisgenerosasqueconheço.Mui-
to antes de ela se tornar ministra,
de ser presidente, sempre disse is-
so.
Por que o senhor diz isso com tan-
ta convicção? Algum fato do passa-
do marcou?
Basta dizer que ela havia sido pre-
sa em16 de janeiro de 1970 e tinha
ponto(encontro)marcadocomigo
nodia20enãomeentregou.Preci-
sadizermais?Elaestavasobtortu-
ra e não falou o meu nome para a
polícia. Ainda que ela tivesse con-
fessado,eunãoteriacomorecrimi-
ná-la, porque a tortura degrada o
ser humano, torna você um trapo,
você passa a preferir estar morto.
Por que os militantes históricos de
Minas resistem a reconhecer a im-
portância de Dilma em BH?
É uma questão de contextualizar
as coisas. No movimento estu-
dantil em BH, Dilma era uma mi-
litante estudantil como outra
qualquer, que nem chegou a ser
presidente de diretórios. Quem
era mais importante do que nós
era o Galeno (Cláudio Galeno), o
primeiro marido dela. Mas depois
ela foi para o Rio e passou a ga-
nhar relevância até chegar a coor-
denadora da VAR-Palmares em
São Paulo, com toda a organiza-
ção sob o comando dela. Naquela
época, Dilma já era uma pessoa
diferenciada, como aliás continua
sendo até hoje.
SANDRA KIEFER
ENERSON CLEITON/ESP. EM/D.A PRESS
ENTREVISTA
LEIA AMANHÃ
O QUE DIZIAM OS BILHETES QUE LEVARAM DILMA A SER TORTURADA

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A tortura de Dilma em Minas e os bilhetes que revelaram

  • 1. POLÍTICA E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 7 D E J U N H O D E 2 0 1 2 7 ARTE: JANEY COSTA O episódio da tortura de Dilma em Minas permaneceu desconhecido até entre os pró- priosmilitantesestudantisdeesquerdadeBe- loHorizonte,acusadosdesubversãonaépoca daditadurapós1964.“Nãosabiaqueelatinha sido torturada em Juiz de Fora”, surpreende- se Gilberto Vasconcelos, o Ivo, presidente do DiretórioAcadêmicodaFaculdadedeDireito de Uberaba e principal contato da organiza- ção Colina na cidade do Triângulo Mineiro. Emjaneirode1972,Gilbertofoitransferidode São Paulo para Juiz de Fora com Dilma, no mesmo camburão. "Não posso testemunhar sobreatorturadeDilmaemJuizdeFora,por- que chegando lá fomos separados e não tive maiscontatocomela.Sóvoltariaavê-lanodia dojulgamento",completa. Gilberto é conterrâneo de Dilma. Na época, ela tinha 22 anos e ele, 23; e ambos militavam no setor estudantil da organização de luta ar- mada Colina, batizada assim em homenagem àsmontanhasdeMinas.Maistarde,naclandes- tinidade,osdoissetornariam"amicíssimos"de CarlosAlbertoSoaresdeFreitas,oBeto,decodi- nomeBreno,quechegariaaserdirigentenacio- naldaVAR-Palmares."Nãohámelhorlugarpa- ra se esconder do que na praia. Ficávamos eu, elaeoBetosentadosnapraia,cantandoasmú- sicas da revolução. Um dia chegou o Beto can- tando Aquele abraço, do (Gilberto) Gil, que eu nunca tinha ouvido. Dilma cantou junto. Ela gostadecantareissonosuniaalémdasconvic- çõesideológicas",conta. Em fevereiro de 1971, Beto seria assassi- nado com três tiros na Casa da Morte de Pe- trópolis, no Rio, segundo consta no livro A vida quer é coragem, lançado em janeiro por Ricardo Amaral, conhecido como Bata- ta, ex-assessor de imprensa de Dilma e que trabalhou em BH como repórter do antigo Diário do Comércio. Em homenagem ao amigo de lutas, Gilberto batizou seus filhos de Beto e Breno, nome e codinome do mili- tante morto em combate. Como foi sua passagem por São Paulo? EujáestavanoPresídioTiradentes. Uns seis meses depois, chegou o Max,codinomedoCarlosFranklin Paixão Araújo, pai da filha de Dil- ma.Nósficamospresosnamesma cela, no mesmo beliche, durante umanoemeio.OMaxsecomuni- cava com ela através de bilheti- nhos escritos com caneta Bic de ponta fina e enrolados no durex, escondidosnaobturaçãododente. O dentista era um preso político e faziaatrocadospapeizinhosentre a ala feminina e a masculina. Ele eradefatoapaixonadopelaDilma e os dois se gostavam mesmo. E quanto à jovem militante Dilma? Não estou cometendo nenhuma inconfidência, pois os dois são grandesamigosatéhoje,istoéno- tório. Max sempre foi um cara ex- traordinário, de raciocínio rápido. Engraçado como as pessoas mu- dam pouco com o tempo. Estive com Max no casamento da Paula, em Porto Alegre, e ele continua do mesmo jeito. Dilma também. Ela estava cercada de amigos e me ti- rouparadançarnafesta.Apesarde ter uma imagem que não reflete isso, é uma pessoa sensível, cari- nhosa, afável e uma das pessoas maisgenerosasqueconheço.Mui- to antes de ela se tornar ministra, de ser presidente, sempre disse is- so. Por que o senhor diz isso com tan- ta convicção? Algum fato do passa- do marcou? Basta dizer que ela havia sido pre- sa em16 de janeiro de 1970 e tinha ponto(encontro)marcadocomigo nodia20enãomeentregou.Preci- sadizermais?Elaestavasobtortu- ra e não falou o meu nome para a polícia. Ainda que ela tivesse con- fessado,eunãoteriacomorecrimi- ná-la, porque a tortura degrada o ser humano, torna você um trapo, você passa a preferir estar morto. Por que os militantes históricos de Minas resistem a reconhecer a im- portância de Dilma em BH? É uma questão de contextualizar as coisas. No movimento estu- dantil em BH, Dilma era uma mi- litante estudantil como outra qualquer, que nem chegou a ser presidente de diretórios. Quem era mais importante do que nós era o Galeno (Cláudio Galeno), o primeiro marido dela. Mas depois ela foi para o Rio e passou a ga- nhar relevância até chegar a coor- denadora da VAR-Palmares em São Paulo, com toda a organiza- ção sob o comando dela. Naquela época, Dilma já era uma pessoa diferenciada, como aliás continua sendo até hoje. SANDRA KIEFER ENERSON CLEITON/ESP. EM/D.A PRESS ENTREVISTA LEIA AMANHÃ O QUE DIZIAM OS BILHETES QUE LEVARAM DILMA A SER TORTURADA