O documento discute o lançamento de um livro e álbum pelo cantor e compositor cearense Ednardo para comemorar os 30 anos do movimento musical Massafeira, que reuniu diversos artistas nordestinos em 1979. O texto também aborda a carreira de Ednardo e sua contribuição para a MPB, assim como depoimentos sobre o período da Massafeira e seu significado para a música brasileira.
1. ESTADO DE MINAS ● Q U A R TA - F E I R A , 2 8 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 1 ● E D I T O R : J o ã o P a u l o C u n h a ● E D I T O R A - A S S I S T E N T E : Â n g e l a F a r i a ● E - M A I L : c u l t u r a . e m @ u a i . c o m . b r ● T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 1 2 6
EM
SEVERINO
RETIRANTE
★
Estreia amanhã no
Teatro da Cidade a
montagem Morte e
vida severina, com
direção de Pedro
Paulo Cava.
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GUTO MUNIZ/DIVULGAÇÃO
Outras
Ednardo lembra que projeto Massafeira contou com artistas de todo o
Brasil, abrindo nova fronteira artística fora do eixo Rio–São Paulo
DEPOIMENTO
esquinas
JAIR AMARAL/EM/D. A PRESS
TÚLIO MOURÃO
PIANISTA E COMPOSITOR
O compositor Ednardo lança livro e álbum Massafeira 30 anos, que recupera a “Nos anos 1970, o cenário da
história do movimento musical cearense que marcou a MPB nos anos 1970 música no Rio de Janeiro era
tão pequeno que durante um
FOTOS: AURA EDITORA/DIVULGAÇÃO certo tempo fui o único
MARIANA PEIXOTO mente fora dos pa- tecladista do Belchior,
râmetros daquele
“De 10 em 10 anos as pessoas ‘matam’ as que vie- PÁSSARO FORMOSO tempo, pois não Ednardo e Fagner. Gravei e fiz
ram antes e inventam outras para a próxima década.” havia nenhum tipo shows com eles. E naquela
Não há rancor em Ednardo quando faz essa afirmativa, A canção Pavão mysteriozo foi lançada no de controle dos ocasião, com a entrada do
mas o incômodo fica no ar, já que o cantor e composi- meios de comuni-
tor cearense, hoje com 66 anos, teve seu auge produti-
álbum O romance do pavão mysteriozo, estreia
cação, gravadora e
Fagner na CBS (o cantor e
em disco de Ednardo, de 1974. A música, no compositor se tornou um dos
vo entre os anos 1970 e 1980 e não lança um disco há nem sequer da cen-
entanto, só se tornou sucesso dois anos mais
uma década. Sempre referendado pela mesma canção
tarde, quando foi incluída na trilha sonora da
sura federal”, acres- executivos da gravadora, hoje
– Pavão mysteriozo, inspirada na literatura de cordel centa Ednardo. Para Sony Music), ela ganhou o
– ele, à sua própria maneira, relembra o passado olhan- novela Saramandaia, da Globo. “Atingiu um o livro, ele reuniu
do para o futuro. número de execução pública quase que também uma série apelido de Cearenses Bem-
Há muito sem qualquer vínculo com a indústria, insuportável. Era de manhã, de tarde, de noite, de pessoas. “Quan- Sucedidos. O Fagner era o
lançou, pela sua própria editora, Aura, livro e álbum em todas as rádios, durante quase um ano. Em do lançamos a porta-voz de um bando de
que buscam prestar contas não somente com sua pró- contrapartida, isso traz uma má vontade muito ideia, chegou uma
pria história, mas com toda uma geração de artistas. quantidade absur- criadores notáveis, como
grande, tanto que passei um bocado de tempo
Durante quatro dias de março de 1979, um grupo de sem tocá-la nos meus shows”, relembra da de propostas, Fausto Nilo, Petrúcio Maia,
100 músicos, instrumentistas, cantores e composito- Ednardo, que faz questão de recordar que não é que daria um livro Abel Silva. Fiquei encantado
res, a grande maioria cearenses, se reuniu no Theatro de 600 páginas.” A edição chegou à metade disso.
José de Alencar, em Fortaleza, para a chamada Massa-
somente essa canção pela qual ele é lembrado, com aquele universo de
feira. Quatro meses mais tarde, voltaram a se encon- como ainda por Terral e Berro. Hoje, a situação é CLUBE Ednardo fala do Massafeira comparando o mo- composição, pois o pessoal do
diferente. “O artista não pode, de maneira
trar, agora no Rio de Janeiro, para a gravação do álbum mento do fim dos anos 1970 com o que ocorreu em Nordeste tinha uma ligação
Massafeira livre, disco duplo que só veio a público um alguma, criar atrito com seu público. O que a Minas Gerais no início da mesma década, com o Clube
gente faz, às vezes, é tocar metade da música e clara com o pop, sem passar
ano mais tarde, pela extinta gravadora CBS. É esse ma- da Esquina. “O que a gente fez, naquele momento, foi
terial que Ednardo, um dos produtores do evento e do passar para outra. Porque nos shows que tenho abrigar tudo e todos, as diversas vertentes da música pela bossa nova. Isso criou um
disco, reuniu. feito, vejo uma quantidade grande de jovens que que havia.” Até 1979, o cearense Ednardo vivia em São diferencial. Quando fomos a
O livro, um calhamaço luxuoso de 2,5kg, leva o no- não tinham nem nascido naquela época. Então, Paulo. Depois, voltou a Fortaleza, onde ficou até 1985, Fortaleza para alguns shows,
me de Massafeira 30 anos. Na verdade, ficou pronto esse público vai ali para escutar algumas quando se radicou, definitivamente, no Rio de Janeiro.
em 2010, mas somente este ano Ednardo saiu a campo Ainda que seu nome seja pouco falado nos dias de ho- vi que a precariedade era
músicas. Se eu não fizer isso, fica meio estranho.”
para lançá-lo, em show. Já foi a Fortaleza, Rio e São Pau- je, afirma nunca ter parado. “Ando numa bicicleta. Se muito flagrante, mas, ao
lo e espera rodar ainda bastante com ele. O disco veio parar de pedalar, ela cai.” mesmo tempo, a vontade de
junto, depois de um processo curioso. “Fizemos um O álbum mais recente é também em conjunto, Pes-
projeto e financiamos a gravadora (no caso, a Sony soal do Ceará, com Amelinha e Belchior (2002). “Tenho
mostrar aquela música, de
Music, que detém o acervo da CBS). É surreal demais, e cio Maia, e mais uma série de outros. Túlio Mourão, na muitas coisas gravadas e a minha produção está deci- fazer e acontecer,
eles não sabiam que tinham essa preciosidade. O que época envolvido com o grupo Pessoal do Ceará, gravou dindo como lançar. Tenho feito trilha para cinema, dis- predominava. Fiquei
podemos fazer? Sempre que possível, temos que lem- alguns dos teclados do álbum (veja depoimento abai- cos em estúdio, mas não quero me preocupar com is- encantado com a índole do
brar a esses jovens diretores artísticos da importância xo). Uma delas ficou de fora, Frio da serra, em que Ed- so, delego para os produtores que trabalham comigo.
da música brasileira”, comenta Ednardo. nardo divide os vocais com Fagner. Pois gravar um disco, obviamente, tem gastos. E como povo do Ceará. Era um tempo
Entre os nomes que participaram do disco, cujas 24 “O fundamental para entender o que foi a Massa- as gravadoras tradicionais não estão mais investindo diferente em que as pessoas
faixas foram produzidas por Ednardo e Augusto Pon- feira é lembrar que não foi um produto de gravadora. nisso, cabe aos autores como disponibilizar. O que eram desarmadas, muito
tes, estão Belchior, Patativa do Assaré, Mona Gadelha, Foi um projeto feito fora do eixo Rio–São Paulo que ocorre hoje é o que você faz num dia, no outro está na
Teti, Rogério e Régis Soares. Há ainda participação de reuniu pessoas de vários lugares além do Ceará, como internet. Então, a gente tem que discutir o que signifi- gentis. Tanto que alimento
Robertinho do Recife, Tuti Moreno, Fausto Nilo, Petrú- Rio Grande do Sul, Piauí, Bahia e Minas. Foi feito total- ca a democracia na internet”, conclui. algumas amizades até hoje.”