Representações sociais do Parque Municipal da Boa Esperança
1. Universidade Estadual de Santa Cruz
Programa Regional de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente
Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PARQUE
MUNICIPAL DA BOA ESPERANÇA, EM ILHÉUS, BAHIA,
PELA COMUNIDADE DO SEU ENTORNO
REGINA LEITE DE FARIAS
ILHÉUS, BAHIA
2007
2. REGINA LEITE DE FARIAS
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PARQUE MUNICIPAL
DA BOA ESPERANÇA, EM ILHÉUS, BAHIA, PELA
COMUNIDADE DO SEU ENTORNO
Dissertação apresentada ao Programa Regional de
Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e
Meio Ambiente, Sub-programa Universidade
Estadual de Santa Cruz, como parte para obtenção
do título de Mestre em Desenvolvimento Regional e
Meio Ambiente.
Orientador: Professor Doutor Max de Menezes
ii
3. REGINA LEITE DE FARIAS
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO PARQUE MUNICIPAL DA BOA
ESPERANÇA, EM ILHÉUS, BAHIA, PELA COMUNIDADE DO SEU ENTORNO
Ilhéus, Bahia, 09 de agosto de 2007
________________________________________
Max de Menezes – DS
UESC – (Orientador)
________________________________________
Eliana Nogueira – DS
FAPESB
________________________________________
Neylor Calasans do Rego (Ph. D.)
UESC - PRODEMA
iii
4. “A memória olha para o passado. A nova consciência
olha para o futuro. O espaço é um dado fundamental
nesta descoberta.”
Milton Santos
iv
6. Ao vovô Fábio e vovó Regina (em
memória), o meu carinho e eterno
agradecimento.
vi
7. À amiga, Maria Helena Gramacho, pelo
seu desprendimento.
vii
8. AGRADECIMENTOS
A minha família, sempre presente, e que nos momentos mais difíceis me amparou
sem restrições.
Ao meu orientador e amigo, Dr. Max de Menezes, pela sua dedicação,
ensinamentos e paciência.
A comunidade alvo dessa pesquisa, aos usuários do Parque Municipal da Boa
Esperança e aos Presidentes de Associações de Moradores, pelo seu inestimável
auxílio, sem o qual, essa pesquisa seria inviabilizada.
Aos professores, amigos e colaboradores nessa pesquisa, Ms. Maria Helena
Gramacho e Dra. Eliana Nogueira, Dr. Natanael Reis Bonfim, Dr. Salvador Trevisan,
Dr. Adolfo Lamar, Dr. Jaenes Miranda Alves e ao Economista Lindolfo Pereira dos
Santos Filho.
Aos professores e funcionários da UESC, aqui representados pelo amigo e
Coordenador do Mestrado, Dr. Neylor Calasans do Rego.
Ao Dr. Raúl René Valle, Dr. João Louis Pereira, Dr. Paulo e Simone Alvim, Suzana
Patury, Odete do Carmo, Nadine Genot, Maria Inês Carvalho, Neyde Alice Marques,
amigos irmãos, que, ao me darem as mãos, me estimularam no caminho da
perseverança e do crescimento.
viii
9. Ao Dr. Jabes Sousa Ribeiro, pela oportunidade de conhecer e trabalhar no Parque
Municipal da Boa Esperança.
A Marilene Oliveira Lapa, Mônica Suely do Vale Melo, Demósthenes Lordelo de
Carvalho, Carlos da Silva Mascarenhas, Roberto Rabat e José Correa Lavigne de
Lemos.
Ao meu Sol, que me faz brilhar, como Lua.
Aos meus vizinhos.
Aos meus amigos virtuais.
Ao Plano Espiritual, sempre presente, iluminando meus sentidos e me inspirando
bons pensamentos e calma.
ix
10. LISTA DE FIGURAS
1. Mapa geopolítico americano datado do início do século XIX 8
2. Representação Gráfica dos três pilares para o Desenvolvimento
Sustentável 24
3. Vista a jusante da barragem da Esperança, no ano de 1999 36
4. Imagem aerofotogramétrica de Ilhéus, mostrando a Av. Roberto Santos,
Rua Esperanto, parte do Parque da Esperança e o rio Fundão,
locais de estudo 41
5. Reprodução parcial do mapa de João Teixeira Albernaz (1631). Retrata
os quatro engenhos mais antigos da Capitania de São Jorge 54
6. Visita a construção da antiga ponte sobre o rio Fundão, no ano de 1926 56
7. Inauguração da antiga ponte sobre o rio Fundão, no ano de 1926 57
8. Imagem aerofotogramétrica da Cidade de Ilhéus, mostrando a Av. Roberto
Santos, Rua Esperanto, parte do Parque Municipal da Boa Esperança
e o rio Fundão 59
9. Localização da antiga Represa da Rua do Carneiro, ano de 2006 64
10. Vista do tratamento e da Represa da Esperança, ano de 1942 66
11. Vista da lamina d’água da Represa da Esperança, ano de 1942 69
12. Melhoramento do Acesso Principal a Barragem, ano de 1999 74
x
11. LISTA DE TABELAS
1. População do Município de Ilhéus nos anos de 1920,1930 e 1935 65
xi
12. LISTA DE QUADROS
1. Sumário estatístico de área protegida para cada região no mundo 20
2. Quadro Estrutural da Pesquisa 49
3. Relação de RPPNs inseridas na região cacaueira 70
xii
13. LISTA DE GRÁFICOS
1. Qualidade de vida no bairro 84
2. Tempo de moradia no bairro – moradores 86
3. Tempo de moradia no bairro – usuários 86
4. Estado civil dos moradores 86
5. Estado civil dos usuários 86
6. Renda média familiar per capita, referente aos moradores 87
7. Renda familiar da população 88
8. Renda familiar dos usuários 88
9. Grau de instrução da população 88
10. Grau de instrução dos usuários 89
11. Idade da população 89
12. Idade dos usuários 89
13. Gênero dos usuários do Parque 91
14. Gênero dos moradores 91
15. Tipo de construção das residências 92
16. Tipo de cobertura das residências 92
17. Tipo de piso das residências 92
18. Número de janelas nas residências 92
19. Número de quartos 93
xiii
14. 20. Número de pessoas nos domicílios 93
21. Naturalidade dos moradores 94
22. Procedência dos usuários 95
23. Tempo de freqüentação de moradores 96
24. Freqüentação de familiares de moradores 96
25. Tempo de freqüentação de usuários ao Parque da Esperança 98
26. Freqüentação de familiares de usuários ao Parque da Esperança 98
27. Captação e tratamento de esgoto sanitário 100
28. Conhecimento sobre Unidade de Conservação – moradores 102
29. Conhecimento sobre Unidade de Conservação – usuários 102
30. Freqüência de moradores ao Parque da Esperança 103
31. Freqüência de familiares ao Parque da Esperança 103
32. Atitudes dos moradores, no interior da UC 105
33. Atitudes dos usuários, no interior da UC 105
34. Atitudes de terceiros no interior da UC, percebidas pelos moradores 106
35. Atitudes de terceiros no interior da UC, percebidas pelos usuários 106
36. Relações de Afeto com o Parque da Esperança sentida por moradores 110
37. Relações de Afeto com o Parque da Esperança sentida por usuários 110
38. Sentimento de fora para dentro para com a mata dos moradores 112
39. Sentimento de fora para dentro para com a mata dos usuários 112
40. Sentimento no interior da mata referente aos moradores 113
41. Sentimento no interior da mata referente aos usuários 114
42. Sentimento de topofilia com o Parque – moradores 115
43. Sentimento de topofilia com o Parque – usuários 116
44. Valores Ambientais atribuídos ao Parque da Esperança – moradores 117
xiv
16. LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS
APA Área de Proteção Ambiental
CEDURB Companhia Estadual de Desenvolvimento Urbano (Estado da Bahia)
CEPEC Centro de Pesquisas do Cacau
CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira
COMAE Companhia Metropolitana de Água e Esgoto (Estado da Bahia)
CNUMAD Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento
COELBA Companhia de Eletricidade da Bahia (Estado da Bahia)
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
CRA Centro de Recursos Ambientais (Estado da Bahia)
COSEB Companhia de Saneamento do Estado da Bahia
DAP Disposição a Pagar
ECOMAN Decision Support System for Sustainable Ecosystem Management in
Atlantic Rain Forest Rural Areas
xvi
17. EMBASA Empresa Baiana de Saneamento (Estado da Bahia)
FSESP Fundação Serviço Especial de Saúde Pública
FUNPAB Fundação Pau Brasil
FNMA Fundo Nacional do Meio Ambiente
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
IBDF Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IESB Instituto de Estudos Sócio-Ambientais do Sul da Bahia
IUCN União Internacional para a Proteção da Natureza e dos seus Recursos
LOMI Lei Orgânica do Município de Ilhéus
MMA Ministério do Meio Ambiente
MINAE Ministério do Ambiente e Energia (da Costa Rica)
MS Ministério da Saúde
NEA Núcleo de Educação Ambiental (do IESB)
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG Organização Não Governamental
xvii
18. PDU Plano Diretor Participativo para o Município de Ilhéus
PLAMI Plano de Desenvolvimento Integrado do Município de Ilhéus
PMI Prefeitura Municipal de Ilhéus
PPG7 Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
PUB Plano Urbanístico Básico para o Município de Ilhéus
REBIO-Una Reserva Biológica de Una
RPPNs Reservas Particulares do Patrimônio Nacional
SAAE Serviço Autônomo de Água e Esgotos
SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente
SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SESEB Superintendência de Engenharia Sanitária do Estado da Bahia
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SINAC Sistema Nacional de Áreas de Conservação (da Costa Rica)
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
SUDEPE Superintendência de Desenvolvimento da Pesca
SUDHEVEA Superintendência da Borracha
xviii
19. TRS Teoria das Representações Sociais
UC Unidade de Conservação
UESC Universidade Estadual de Santa Cruz
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
xix
20. RESUMO
A Unidade de Conservação de Proteção Integral “Parque Municipal da Boa
Esperança”, situada no perímetro urbano de Ilhéus, Bahia, Brasil, possui área de
437 ha. Desde o ano de 1927, essa área foi protegida por abrigar uma represa com
equipamentos para tratamento e adução de água potável para abastecimento de
Ilhéus. Atualmente, segundo dados científicos, esse Parque se constitui em uma
área protegida urbana por conter um fragmento de Mata Atlântica. Entretanto, pela
sua própria localização, o Parque abriga no seu entorno, diversos bairros
característicos de classes sociais de baixa renda, nos quais os vários problemas
sócio-ambientais se manifestam. Essa situação torna o Parque vulnerável a
intervenções que se contrapõem às iniciativas inadiáveis de conservação. Em vista
disso, o problema que se busca questionar é: Qual a percepção dessas
comunidades com referência ao seu espaço habitado? O sentimento de pertença
proporciona que tipo de atitude com o Parque da Esperança? À partir dessas
questões, temos como objetivo investigar as representações sociais que pautam as
relações entre o Parque Municipal da Boa Esperança e a comunidade que habita o
seu entorno. Para atingirmos nosso objetivo, foram utilizados os métodos científicos
da observação, aplicamos formulário, realizamos entrevistas e analisamos diversos
documentos. Os resultados dessa pesquisa apontaram para uma relação afetiva
muito forte entre a população, usuários e a UC e, dentre os valores ambientais,
podemos ressaltar o seu Valor de Existência. Esses resultados poderão subsidiar
projetos futuros de planejamento e gestão sócio-ambientais para a referida UC e
para a população.
Palavras-chave: Unidade de Conservação, Representações Sociais,
Desenvolvimento.
xx
21. ABSTRACT
The Integrated Unit of Protective Conservation “Municipal Park of Boa Esperança”,
located in the urban perimeter of Ilhéus, Bahia, Brazil, comprises of an area of 437
hectares. Since 1927 this area was protected, as within it is situated a dam, that
served as a reservoir, equipped to treat water supplied to the city of Ilhéus.
Presently, supported by scientific data, this Park is part of a urban protected area as
it embodies a fragment of the Atlantic Forest. However, due to its very location, the
Park is surrounded by districts characteristic of social classes of low income, in which
various socio-environmental problems are manifested. This situation causes the
Park to be extremely vulnerable to influences that oppose impertinent initiatives
towards conservation. In view of this, the problem begs the question: what is the
perception of these communities with reference to their space of occupation? Their
feeling of belonging would propose their kind of attitude with respect to the Park of
Boa Esperança? These questions leading to the objective of a need to investigate
the social representations that relate to the relationship between the Municipal Park
Boa Esperança and the community that lives in the surroundings. To reach this
objective, scientific methods of observation were used, applying a questionnaire,
undertaking interviews and analysis of diverse documents. The results of this
research pointed to a very strong effective relation between the population, users of
the Conservative Unit and, within environmental values, emphasized their Value of
Existence. These results can support future projects in planning and social-
environmental management for the referred Conservative Unit and for the population.
Key Words: Unit of Conservation, Social Representations, Development.
xxi
22. SUMÁRIO
Página
LISTA DE FIGURAS x
LISTA DE TABELAS xi
LISTA DE QUADROS xii
LISTA DE GRÁFICOS xiii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS xvi
RESUMO xx
ABSTRACT xxi
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I
1. Revisão Bibliográfica 6
1.1 Áreas Protegidas 7
1.2 A Teoria das Representações Sociais 27
CAPÍTULO II
2. Metodologia 37
2.1 Caracterização 37
2.2 Procedimentos Metodológicos 41
xxii
23. 2.3 Definição da Amostra 43
2.4 Plano amostral para categoria moradores 44
2.5 Pré-Teste do Instrumento de Coleta de Dados 46
2.6 Análise Estatística 46
2.7 Instrumento Definitivo de Coleta de Dados 46
2.8 Aplicação do Instrumento de Coleta de Dados 47
CAPÍTULO III
3. A Organização Espacial e Temporal da Área de Estudo 50
3.1 O Desenvolvimento Urbano 51
3.2 O serviço de abastecimento de água de Ilhéus 63
3.3 A criação da UC Parque Municipal da Boa Esperança 70
CAPÍTULO IV
4. A relação entre moradores, os usuários e o Parque da Esperança 78
4.1 O processo de transformação do lugar, o Bairro, e o Parque
da Esperança 79
4.2 Atitudes, sentimentos, topofilia e valores ambientais 104
4.3 O Rio Fundão 118
4.4 Identidade Cultural 120
5. Considerações Finais 123
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICE
xxiii
24. 1
Introdução
Este trabalho, como toda obra, tem uma gênese e, à semelhança também de
toda gênese, nasceu de instigações e preocupações que, ao longo do seu
desenvolvimento, vontade, objetivos e expectativas deram-lhe forma e resultados. A
par disso, sua história remonta ao trabalho de gerenciamento realizado por essa
autora a partir do ano de 1997 até 2004, na Unidade de Conservação (UC) Parque
Municipal da Boa Esperança, situado em Ilhéus, Bahia, Brasil.
Atendendo solicitação do Dr. Max de Menezes, a Prefeitura Municipal de
Ilhéus disponibilizou meus serviços técnicos para a Fundação Pau Brasil – FUNPAB,
a qual tinha, por força de convênio firmado desde 1996, a administração do Parque
da Esperança, tendo como principais objetivos a administração e o desenvolvimento
de projetos voltados para a proteção desse fragmento florestal. Inicialmente, com as
nossas preocupações voltadas para a preservação dos recursos naturais no Parque
tomamos medidas emergenciais como construção de cerca, melhoramento de trilhas
e elaboração de projetos para atendimento às suas necessidades prementes.
Paulatinamente nosso trabalho foi ganhando notoriedade nas comunidades
que habitam o entorno do Parque da Esperança e novos desafios foram se abrindo.
25. 2
O enfrentamento dos conflitos verificados e provocados pelo comportamento dos
seus usuários e da comunidade que habita o seu entorno, tanto no bairro, quanto no
interior do Parque, tornou-se inevitável e, por essa razão, outras preocupações
foram sendo agregadas. Dentre esses conflitos podemos citar, no interior do
Parque, as práticas de caça, pesca, retirada de madeira (principalmente para lenha),
uso e comercialização de drogas, utilização da área para esconderijo para ladrões,
dentre outros e, nos bairros do entorno do Parque, a observação da paisagem já nos
possibilitou entrever indícios referentes à má qualidade de vida dessa população.
A legislação brasileira, nos últimos anos, definiu como áreas protegidas
aquelas destinadas a proteger a diversidade biológica e os recursos naturais e
culturais a ela associados, tanto da terra quanto do mar. Seguindo o modelo
americano de estabelecimento de áreas protegidas, o poder público instituiu essa
legislação própria visando dar proteção e definir o manejo adequado para cada área
específica. Dessa forma são criadas as UCs, as Reservas Legais, as áreas
destinadas como Reservas da Biosfera, bem como estabelecidas as áreas de
preservação permanente.
Dentre essas, as UCs ganham destaque, por permitirem a preservação (UCs
de Proteção Integral) e a conservação (UCs de Uso Sustentável) de áreas,
aumentando assim a eficácia no aspecto de concentração de esforços para
manutenção da integridade dos fragmentos, ou seja, seu manejo e fiscalização. Na
categoria das UCs de Proteção Integral está prevista a criação dos Parques
Nacionais, Estaduais e Municipais, instituídos a partir da sanção da Lei nº
9.985/2000 que estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza (SNUC), permitindo assim a criação do Parque da Esperança como
26. 3
Unidade de Conservação incluída na categoria de Proteção Integral, embora
encravada na zona urbana de Ilhéus.
Esses pressupostos nos motivaram a fazer uma pesquisa enfocando esse
Parque Municipal, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral com área total
de 437 ha, onde está contido um fragmento de Mata Atlântica, tornando-o um
importante patrimônio genético. O fato da barragem existente naquele local ter sido
o principal manancial de abastecimento de água da Cidade de Ilhéus ao longo de 45
anos e, por ainda manter a boa qualidade dessa água, dá-lhe um status de
importância histórica e de preservação de manancial hídrico, tão valioso nos tempos
atuais. Porém, esse Parque está incrustado em uma área urbana que apresenta
sérios problemas de uso e ocupação do solo.
Dessa forma, o problema de pesquisa que se apresenta, é o da relação entre
as relações sociais de uma comunidade urbana exercidas sobre uma UC de
Proteção Integral. Inicialmente, observações não sistematizadas nos levaram a
fazer os seguintes questionamentos: Qual a percepção dessas comunidades com
referência ao seu espaço habitado? O sentimento de pertencimento proporciona
que tipo de atitude com o Parque da Esperança?
Assim, esse trabalho tem como objetivo geral compreender como as
representações sociais da UC Parque Municipal da Boa Esperança, construídas
pelos atores sociais que compõem as comunidades do seu entorno, podem
contribuir para o planejamento e gestão ambiental da UC, bem como dessa zona
perimetral urbana da Cidade.
27. 4
Essa investigação poderá abrir um novo caminho para uma próxima pesquisa
sobre as possibilidades de dar sustentabilidade econômica e social a essa
população, abrindo perspectivas de subsidiar projetos de planejamento e gestão
sócio-ambientais no entorno do Parque Municipal da Boa Esperança. Por outro
lado, há esperanças de que possamos então servir como modelo para outras
realidades semelhantes.
Para atingir a esse objetivo maior, dividimos a pesquisa em etapas que
correspondem respectivamente aos seguintes objetivos específicos:
1. Identificar as representações sociais dos sujeitos sobre o Parque
Municipal da Boa Esperança;
2. Interpretar as representações sociais dos sujeitos sobre o Parque
Municipal da Boa Esperança;
3. Observar e caracterizar a área em estudo no tocante à paisagem
geográfica: aspectos do bairro, das residências, das casas comerciais,
limpeza pública, condições sanitárias, condições do rio Fundão, o lazer da
comunidade, pessoas em seu locais de trabalho e as pessoas em locais
de cultos religiosos, dentre outros.
Revisando a literatura, verificamos que são poucos os estudos na área das
ciências ambientais que tratam da relação entre comunidades que habitam o
entorno das UCs e preservação de recursos naturais, dentro de uma abordagem
sócio-ambiental. Isso significa dizer, a partir das práticas sociais e das experiências
dos atores sociais no seu ambiente de vida, utilizar-se das suas representações
sociais aí construídas como forma de subsidiar projetos para o planejamento e
gestão ambiental.
28. 5
Dessa forma, estuda-se uma comunidade em seu modus vivendi, ou seja, em
um contexto onde, segundo o Inventário Florístico realizado no interior da UC
Esperança por botânicos do Centro de Pesquisa do Cacau (CEPEC), Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC) e do New York Botanical Garden, está inserido um
fragmento remanescente de Mata Atlântica, situado no perímetro urbano, a oeste da
Cidade de Ilhéus, Bahia.
Para sistematização desse estudo, no primeiro capítulo buscamos
caracterizar os procedimentos metodológicos fundamentais para o alcance dos
objetivos da pesquisa. No segundo capítulo, investigamos os processos históricos
referentes ao uso e ocupação do solo urbano e finalidades referentes ao Parque da
Boa Esperança.
Na terceira parte, realizamos o levantamento de campo e a coleta de dados
junto aos sujeitos, ou seja, investigamos os moradores da Rua Esperanto Perolato
(antiga Rua do Cano) e da Avenida Governador Roberto Santos (antiga Avenida
Esperança), situadas no entorno, vizinhanças e imediações do Parque Municipal da
Boa Esperança, bem como os usuários da UC e os Presidentes das Associações de
Moradores que atuam nessa área. Na quarta parte, descrevemos os resultados das
análises, interpretamos os depoimentos e a relação entre as representações sociais
construídas pelos atores sociais.
29. 6
Capítulo I
Revisão Bibliográfica
No século XIV, após a celebração entre si do Tratado de Tordesilhas,
Espanha e Portugal iniciaram seus preparativos para as grandes navegações,
objetivando a conquista de novas terras e de um novo mercado que saciasse a fome
de sua população. Viu-se então a derrubada do feudalismo e o surgimento de uma
nova classe social, a burguesia mercantil que financiou as grandes viagens,
resultando, na descoberta das Américas. A Europa experimentava a transição da
Idade Média para a Idade Moderna (GUSMÃO JR., 2006).
Se, de um lado, a descoberta de um novo continente fez com que emergisse
na Europa uma nova cultura, de outro, nas novas colônias, deu-se o início ao
processo de destruição dos recursos naturais e das diversas culturas encontradas.
Porém, aliado a esses fatos, novos horizontes foram abertos para cientistas e
exploradores, que adentraram a essas terras com o intuito de perpetuar os
conhecimentos científicos ali contidos, dando lugar ao surgimento de uma nova
visão acerca da natureza e das diversas culturas humanas (BRITO, 2000). Assim,
30. 7
nesse capítulo, trataremos das teorias que envolvem as áreas protegidas e as
representações sociais.
2.1 As Áreas Protegidas
2.1.1 Surgimento das Áreas Protegidas nas Américas do Norte e do Sul
A chegada dos espanhóis ao mar do Caribe foi o marco oficial da colonização
do Novo Mundo, as Américas. Em 1565 os espanhóis fundam o primeiro povoado
na Flórida e, apenas em 1607, os ingleses fundam sua primeira colônia na Virgínia,
Estados Unidos. Na América do Norte viviam aproximadamente 240 grupos tribais
diferentes. A paisagem, a partir dessas civilizações torna-se sua marca e sua
matriz, visto que à medida que a ciência e a tecnologia se inserem na cultura, o meio
ambiente também as absorve, formando os tons na natureza, tanto do teor de
destruição quanto do de conservação dos recursos naturais (RUNTE, 2004).
Colonizados pela Inglaterra, pagando altos impostos e sem perspectivas de
representatividade no parlamento britânico, as colônias americanas iniciaram, em
1776, a sua primeira Revolução. Por outro lado, nesse mesmo ano, uma comissão
liderada por Thomas Jefferson, redige a Declaração de Independência que defende
a liberdade individual e o respeito aos direitos fundamentais do ser humano. Esses
foram os marcos que romperam com o sistema colonial inglês. Os americanos
ganharam a guerra e surgiram os Estados, unidos em uma Confederação
(SCHILLING, 2006).
Assim foi o início de uma nova era política, onde os desentendimentos entre
os Estados não poderiam deixar de existir, até porque estavam estabelecidos de
uma forma geográfica e política, independentes entre si. Para solucionar esses
31. 8
problemas, foi elaborada a Constituição Federal (1789) criando os Estados Unidos
da América (op.cit., 2006).
Na verdade, os colonos americanos conseguiram a sua libertação através do
esforço e do trabalho. Nesse clima de desbravamento, trabalho e enriquecimento,
Napoleão Bonaparte vende as terras da Louisiana (1803) aos americanos,
permitindo que houvesse um avanço em direção ao oeste através do rio Missouri
(Figura 1). A conquista dessas novas terras trouxe mais notícias sobre
enriquecimento, doação de grandes extensões de terras pelo governo, exploração
de minas de ouro, construção de ferrovias, dentre outras. Com essas notícias, os
imigrantes europeus vieram para a América (SCHILLING, 2006).
Figura 1: Mapa geopolítico americano datado do início do século XIX.
Fonte: Wikipedia (2006)
32. 9
A América fervilhava com a expansão territorial quando, em 1832, o artista
George Catlin dedicou-se a pintar e a escrever sobre os índios e seus costumes,
criando, para posteridade, um acervo artístico e garantindo o conhecimento
antropológico referente aos ameríndios. Em sua marcha, Catlin descobre as
belezas das paisagens selvagens e propõe ao Congresso Americano a criação dos
Parques Nacionais, nascendo assim a idéia de preservação, proteção e
administração pública de áreas a serem protegidas (RUNTE, 2004).
Nesse clima de deslumbramento e sensibilidade, motivados pela proteção da
paisagem espetacular, no século XIX, Catlin propõe ao Congresso Americano a
criação do Primeiro Parque Nacional do mundo, Yellowstone, no Wyoming (1872).
No mesmo ano foi criado o Yosemite, na Califórnia. Como ambos foram
estabelecidos em terras indígenas, inevitavelmente vieram os confrontos, seguidos
da expulsão dos índios sobreviventes de suas terras. Esse é o modelo de
estabelecimento de áreas protegidas que os americanos do norte exportaram para o
mundo. Em seguida, é defendida a aquisição pública da região montanhosa de
Adirondacks, e em 1885 o Canadá cria o seu primeiro Parque Nacional, em Alberta
(op. cit, 2004).
Se na América a idéia é de preservação dos recursos naturais ainda
intocados e garantidos por Lei, na Europa, preocupados com o avanço do
desenvolvimento estabelecido pela Primeira Revolução Industrial (1760 a 1850), os
ingleses criaram o National Trust (1895), Grã-Bretanha, porém com objetivos
diferentes dos americanos. Pensavam os ingleses em adquirir terrenos urbanos
com significado cultural e histórico, objetivando a preservação do seu valor. Daí a
criação de pequenos parques locais no interior de algumas cidades (op. cit, 2004).
33. 10
Por força do Tratado de Tordesilhas, o leste da América do Sul foi colonizado
pelos portugueses e o oeste pelos espanhóis que se igualaram na forma rude de se
estabelecerem em terras por eles conquistadas. No Brasil, um paraíso com
abundância de riquezas naturais e culturais, os portugueses encontraram as tribos
indígenas nativas. Deu-se início a exploração da colônia (SILVA CAMPOS, 1981).
Baseado na grande propriedade rural, a colonização portuguesa voltou-se
para exportação investindo em três produtos: o pau-brasil, o açúcar e a mineração.
Como era um país muito grande e havia necessidade de agradar a muitos na corte
portuguesa, o Brasil foi dividido em Capitanias Hereditárias. Ali, os colonos
fundaram as vilas, construíram os engenhos e eram os responsáveis pela aplicação
das leis que eles mesmos faziam (SILVA CAMPOS, 1981). Os portugueses
iniciaram de imediato a exploração extrativista da madeira de lei, sendo a mais
cobiçada o pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam.). Esse ciclo foi seguido pelo
plantio da cana-de-açúcar e pela exploração dos recursos minerais (NOGUEIRA,
2000, p. 18, 19).
Em 1605, o rei de Portugal Filipe I sanciona a primeira lei conservacionista
brasileira, o Regimento do Pau-Brasil, que proibia, entre outros, o corte do pau-brasil
em todo país sem o devido licenciamento. Esse foi o cenário que a família real e
corte portuguesa encontraram ao chegar ao Brasil no ano de 1808.
A colônia brasileira recebeu muitos benefícios com a transferência de reinado.
Além de D.João VI ter decretado a abertura dos portos brasileiros às nações amigas,
criou o Banco do Brasil, Casa da Moeda, estabeleceu uma fábrica de pólvora,
organizou fundições de ferro, reurbanizou a cidade, fundou o ensino superior,
biblioteca, teatro lírico e o museu nacional. Criou o Jardim de Aclimação, que
34. 11
passou a chamar-se Real Horto, objetivando a aclimatação das especiarias vindas
das Índias Orientais. Atualmente é conhecido por Instituto de Pesquisas Jardim
Botânico do Rio de Janeiro, tornando-se um dos principais laboratórios para
experiências em botânica no país (NOGUEIRA, 2000, p. 27-35).
O século XVIII, marco das transformações tecnológicas, também conduziu a
sociedade a se organizar, norteada pelo princípio da busca da felicidade cabendo ao
governo a garantia dos direitos naturais: liberdade individual, direito de posse,
tolerância, igualdade perante a lei, dentre outras. É o período que marca o fim da
transição entre o feudalismo e o capitalismo e a doutrina do liberalismo político
substitui a noção de poder divino pela concepção do Estado. Essas transformações
políticas, econômicas e sociais, culminaram com o desenvolvimento das ciências no
século XIX, favorecendo o surgimento de vários jardins botânicos no Brasil
(NOGUEIRA, 2000, p. 34).
Motivado pelo movimento científico internacional e entusiasmado com a
criação do Parque de Yellowstone, André Rebouças (1876), propôs o
“estabelecimento de parques nacionais no Brasil (PÁDUA, 2004). Porém, só em
1912, Luis Felipe Gonzaga de Campos preparou o primeiro mapa sobre os
ecossistemas brasileiros, resultando “na criação da Reserva Florestal do Território
do Acre” (RYLANDS e BRANDON, 2005).
Muitas plantas foram coletadas, identificadas e estudadas com o objetivo de
trazer novos recursos para a ciência. No Brasil, mesmo com a partida de D. João VI
para Portugal, D. Pedro II manteve uma relação com especialistas botânicos
estrangeiros e, com a participação de iminentes estudiosos brasileiros, da Áustria e
35. 12
da Baviera, foi concluído um tratado botânico referente às plantas brasileiras: a
Flora Brasiliensis (NOGUEIRA, 2000, p. 53).
Com a descoberta desse laboratório natural para os estudos da botânica no
Brasil, as autoridades passaram a preocupar-se com os resultados dessas
pesquisas, uma vez que os herbários estrangeiros continham informações sobre
essa megadiversidade e os resultados não eram divididos com os pesquisadores
brasileiros (NOGUEIRA, 2000). Somente a partir do Governo Provisório de Getúlio
Vargas (1930/1934) é que a coleta de material botânico por pesquisadores
estrangeiros passou a ser regulamentada, tendo sido instituída pelo Decreto nº
22.698/1933.
A partir da década de 1930 houve uma reformulação das leis trabalhistas
brasileiras e, a indústria brasileira tomou um grande impulso com a criação da
Companhia Siderúrgica Nacional (1940), da Empresa Vale do Rio Doce (1942), da
Hidrelétrica do Vale do São Francisco (1945) e do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (1938), foi instaurada uma nova mentalidade em relação ao meio
ambiente, visto que a industrialização também se fez nos moldes da européia, ou
seja, não preservacionista e predatória. Outros importantes instrumentos jurídicos
foram decretados naquela época, a saber, o Código Florestal brasileiro (Decreto nº
23.793/1934) – propiciando a implantação do Parque Nacional do Itatiaia, o primeiro
do Brasil –, e o Código de Águas (Decreto n° 24.643/1934).
O Código Florestal brasileiro de 1934 fez as primeiras conceituações sobre
Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Florestas
Protetoras e, estabelece as Áreas de Preservação em propriedades privadas. Em
consonância com a Constituição Brasileira de 1934, estabelecem essas áreas como
36. 13
monumentos públicos naturais com a finalidade de manter a sua composição
florística primitiva (Decreto nº 23.793/1934).
As terras que abrigam o Parque Nacional do Itatiaia desde 1914 haviam sido
incorporadas ao patrimônio do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, local da coleta e
de estudo técnico-científico dos materiais botânicos. Os estudos realizados no
território nacional e em particular, nos jardins botânicos, deram a essas áreas uma
importância histórica para a ciência, favorecendo a decretação dos Parques
Nacionais da Serra dos Órgãos, das Sete Quedas e do Iguaçu (1939), do Araguaia,
Ubajara e Aparados da Serra (1959); criadas as florestas nacionais, Araripe-Apodi
(1946) e Caxiuanã (1961). Com a revisão do Código Florestal no ano de 1965 (Lei
4.771/1965), foram incluídas ao sistema novas categorias de conservação dos
recursos naturais.
Desde a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), durante os 322 anos
como colônia de Portugal, os recursos naturais brasileiros estiveram disponíveis
para decorar as igrejas, museus e casas européias, entre outros. Mesmo com a
implementação de Tratados e Leis que visavam a proteção ao patrimônio natural,
por sua grande dimensão territorial, foi quase impossível manter uma legislação e
vigilância eficazes. E é sobre as Políticas Públicas ambientais que agora
explanaremos.
37. 14
2.1.2 Desenvolvimento e Políticas Públicas Ambientais voltadas para as áreas
protegidas1 no Brasil
O Brasil seguiu o modelo americano de criação de áreas protegidas. A
criação do Parque de Yellowstone, além de ter sido um importante movimento
preservacionista, com a participação de naturalistas, a exemplo de John Muir, foi o
principal marco para o estabelecimento de áreas protegidas em todo mundo. O fato
da criação do Parque ter sido decretado pelo Congresso Americano levou o assunto
para a orbe política (RUNTE, 2004).
Após o término da Segunda Grande Guerra Mundial (1939/1945), foi realizada
a Conferencia para a Proteção Internacional da Natureza, promovida por iniciativa
da Liga Suíça para Proteção da Natureza, na Basiléia, Suíça (1946), a União
Internacional para a Proteção da Natureza e dos seus Recursos – IUCN (1948), com
a missão de “[...] influenciar, encorajar e ajudar sociedades ao redor do mundo,
conservar a integridade e diversidade da natureza e assegurar que qualquer uso dos
recursos naturais é eqüitativo e ecologicamente sustentável” (WIKIPEDIA, 2006).
O Brasil também participa dessa importante união e colabora com o esforço
de manter 18,3% do seu território disponível para a preservação da
megadiversidade nele encontrada, através do estabelecimento de Unidades de
Conservação e legislação pertinentes. Atualmente a IUCN congrega 82 Estados,
111 agências governamentais, mais de 800 organizações não-governamentais,
aproximadamente 10.000 cientistas e peritos de 181 países (IUCN e UNEP, 2003).
1
Áreas Protegidas são áreas de terra e/ou mar especialmente dedicadas à proteção e manutenção
da diversidade biológica, e de seus recursos naturais e culturais associados, manejadas por meio
de instrumentos legais ou outros meios efetivos. (Ministério do Meio Ambiente, 2006)
38. 15
Dentre as muitas áreas protegidas decretadas em todo mundo, merece
ênfase aquelas situadas nas Américas do Sul e Central, por possuírem um papel de
destaque na conservação de seus recursos naturais através das políticas
relacionadas às áreas protegidas, resguardando parte dos territórios e guardando a
biodiversidade em suas florestas tropicais. Ainda assim, essas iniciativas são
tímidas diante das taxas de extinção de espécies apresentadas no mundo (IUCN e
UNEP, 2003).
No Brasil, desde a criação do Parque Nacional de Itatiaia em 1934, os
esforços de técnicos, ambientalistas, naturalistas e dos governos, têm sido enviados
para a criação e manutenção das áreas protegidas nacionais: esse reconhecimento
levou a elaboração e implementação das políticas públicas voltadas para a
manutenção dessas áreas, cabendo inicialmente, por força das políticas
estabelecidas por Getulio Vargas na década de 1930 (NOGUEIRA, 2000, p. 86).
Com a decretação do Código Florestal em 1965, o poder público além de se
responsabilizar pela criação dos Parques Nacionais, Estaduais, Municipais,
Reservas Biológicas, Florestas Nacionais, Estaduais, Municipais e Parques de Caça,
ampliou a categorização legal das Unidades de Conservação (UCs) no Brasil,
reforçado pela sanção da Lei de Proteção à Fauna (1967), criação do Instituto
Brasileiro do Desenvolvimento Florestal – IBDF (1967) e da Secretaria Especial do
Meio Ambiente – SEMA (1973)2.
O IBDF foi criado e vinculado ao Ministério da Agricultura com o objetivo de
formular a política florestal. Segundo Brito (2000, p. 58), foi a partir da criação desse
órgão que se estabeleceu uma “estratégia nacional global para selecionar e planejar
2
www.senado.gov.br, 2006
39. 16
as unidades de conservação [...], até então, justificavam-se pelas belezas cênicas
que possuíam”. Nessa época, a concepção das UCs3, parecem seguir os mesmos
conceitos estabelecidos pelos americanos, onde a relação sociedade-natureza não é
considerada. Os técnicos ofuscados pelo regime militar vigente no Brasil, talvez
ainda não tivessem a dimensão das sérias ameaças aos vários ecossistemas
nacionais, às comunidades tradicionais e ao inicio do surgimento de uma classe
social miserável.
Enquanto o IBDF estava vinculado ao Ministério da Agricultura, foi criada a
Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, vinculada ao Ministério do Interior, e
teve a missão de “conservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos
naturais” (BRITO, 2000, p. 59, apud USP, 1991). Um grande contra-senso, vez que
o Ministério do Interior era o responsável pelas políticas relacionadas ao crescimento
econômico acelerado no interior do Brasil (op. cit. 2000, p. 59).
O ordenamento da Política Nacional de Meio Ambiente foi estabelecido pela
Lei nº 6.938/1981, que inseriu os mecanismos de formulação e aplicação da política
nacional em todas as esferas de poder público e privado criando o Sistema Nacional
do Meio Ambiente – SISNAMA e o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA). Estava assim estabelecida uma rede nacional de comunicação, tendo o
ambiente como referência.
Durante as décadas de 1970 e 1980, foram criadas mais de 30 UCs em todo
território nacional, a partir dos esforços de Paulo Nogueira-Neto, Magnanini e Jorge
Pádua. Essa organização legal nacional teve seqüência, em seguida, através da
3
São espaços territoriais (incluindo seus recursos ambientais e as águas jurisdicionais) com
características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e com limites definidos, sob regime especial de administração, às quais se aplicam
com garantias adequadas de proteção (Lei nº 9.985/2000, art. 2, I).
40. 17
decretação das Reservas Ecológicas, Áreas de Relevante Interesse Ecológico,
Reservas Extrativistas e regulamentação das Florestas Nacionais. Foram décadas
importantes, culminadas com a promulgação da nova Constituição Federal brasileira
(1988), onde o Capítulo VI, Art. 225, foi destinado ao Meio Ambiente.
Ainda na década de 1980, importantes fatos políticos aconteceram,
culminando na promulgação da Constituição. O governo militar que comandava o
país desde 1964, começou a perder a força e sob um forte movimento popular de
oposição, que reivindicava a volta da democracia, da anistia política, convocou uma
Assembléia Constituinte. Esse processo, denominado de “Abertura”, culminou com
o movimento organizado popular e com a eleição indireta do Presidente da
República, restabelecendo a democracia na nação.
Insistimos neste devir histórico, porque, a partir da promulgação da
Constituição Federal, o governo dividiu com a sociedade as responsabilidades com
a gestão do ambiente. Foram criados: o programa Nossa Natureza, estabelecendo
as diretrizes para a execução de uma política de proteção ambiental, e o Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA,
composto pela fusão da Secretaria do Meio Ambiente – SEMA, Superintendência da
Borracha – SUDHEVEA, Superintendência da Pesca – SUDEPE e Instituto Brasileiro
de Desenvolvimento Florestal - IBDF. Em 1990 o Ministério do Interior foi extinto.
Porém, foi a partir da realização da Conferência das Nações Unidas para o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), promovida pela ONU e também
conhecida como Cúpula, ou Cimeira da Terra, ou Rio-92, que houve um clamor
social objetivando uma maior proteção aos recursos naturais. Esse foi o passo
decisivo para criação do Ministério do Meio Ambiente – MMA (1992), que nasceu
41. 18
como objetivo de estruturar a política do meio ambiente no Brasil e tornou o IBAMA
subalterno ao MMA, perdendo a prerrogativa de formulador e coordenador das
políticas públicas nacionais.
2.1.2.1 A instituição das Unidades de Conservação
Todos esses procedimentos jurídicos nacionais e internacionais, a exemplo
da Convenção da Diversidade Biológica, culminaram na sanção da Lei nº
9.985/2000, que regulamenta o Art. 225, §1º, incisos I, II, III, e VII da Constituição
Federal (1988), e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza – SNUC: instrumento norteador para o estabelecimento e gestão das UCs
brasileiras.
O SNUC se constituiu em um documento que norteou a implantação do
conjunto das unidades de conservação, federais, estaduais e municipais, e as dividiu
em duas categorias: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável.
Estabeleceu também a obrigatoriedade de elaboração do Plano de Manejo e a
constituição do Conselho Consultivo para cada Unidade criada. Aliado ao SNUC,
para sua sustentação legal, foi sancionada a Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998)
e o Decreto nº 4.340/2002, que regulamentou artigos da Lei nº 9.985/2000.
O SNUC traça no bojo das suas diretrizes, além de outras, as condições para
o envolvimento da sociedade na criação, implantação, planejamento e gestão das
UCs, ou seja, permite a intervenção social e científica em todas as etapas da
decisão político-administrativa para manter a relação sustentável entre natureza e
sociedade e mais, permite que as UCs se transformem em centro de decisões para
42. 19
o planejamento e ordenamento do solo rural e urbano da sua zona de
amortecimento.
2.2 Experiências em gestão de áreas protegidas no mundo
O aumento dos problemas relativos à relação sociedade-natureza tem sido
alvo de preocupações dentro de todas as esferas da sociedade, em níveis nacional
e internacional. Para o enfrentamento dos diversos problemas globais atuais como
efeito estufa, desflorestamentos, fome, miséria, etc., estímulos legais e financeiros
têm sido envidados para sua solução, dentre eles, o estabelecimento de áreas
protegidas em todo mundo.
Para ilustrar esse esforço, sabe-se que algumas iniciativas de diversos países
adotam essa forma para preservar e conservar seus recursos naturais, buscando a
conciliação entre seu desenvolvimento socioeconômico e a proteção dos recursos
naturais. O resultado da união mundial para conservação da natureza é mostrado
nos dados de Chape (2003), que apresentou as porcentagens atuais de áreas,
territoriais e marinhas, protegidas no mundo (Quadro 1):
43. 20
Quadro 1: Sumário estatístico de área protegida para cada região no mundo
Região % Região %
Antártica 0,0% Norte da África e Oriente Médio 9,7%
Austrália/NZ 9,6% Norte da América (incluindo 18,2%
Groenlândia e Havaí)
Brasil 18,3% Norte Eurásia 7,2%
Caribe 11,7% Pacífico 2,1%
América Central 24,8% América do Sul (Hispânica) 24,9%
Leste da Ásia 8,5% Sul da Ásia 6,8%
África Oriental e Sul 14,6% Sul Oriental da Ásia 14,8%
Europa 13,1% Ocidente da África Central 8,7%
Fonte: United Nations. List of Protected Areas. 2003.
Dentre as muitas áreas protegidas, podemos citar: Lobéké y Boumba
(Camarões), Parque Nacional y Patrimonio Natural Banc d’Arguin (Mauritânia),
Kahuzi-Biega (Congo), Áreas protegidas Gamba y Rabi (Gabão), Parque Nacional
Rajive Gandhi (Índia), Reserva Natural de Phong Nhá (Vietnam), Parque Nacional
Khirthar (Paquistão), Parque Nacional Tunkinsky (Rússia) e as áreas protegidas
localizadas em Bangladesh, Filipinas, Indonésia, Malásia, Tailândia, dentre outros.
Na América do Norte, além de Yellowstone e Yosemite National Park,
podemos citar, Salinas Pueblo Missions National Monument, Sequoia & Kings
Canyon National Parks, National Capital Parks-East, National Mall & Memorial Parks,
National Park of American Samoa, National Parks of New York Harbor, Niagara
Falls, Kluane National Park, Kootenay National Park, Pacific Rim National Park
Reserve, Wood Buffalo National Park, Yoho National Park, Aniakchak National
Monument and Preserve, Bering Land Bridge National Preserve, Gates Of The Arctic
44. 21
National Park and Preserve, Glacier Bay National Park and Preserve, Kenai Fjords
National Park, Western Arctic National Parklands, etc.
Na América Central, as experiências em áreas protegidas foram bem
sucedidas, em especial na Costa Rica. Segundo dados do Projeto “Establecimiento
de un Programa para la Consolidación del Corredor Biológico Mesoamericano”
(1999), elaborado para o Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo y el
Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente, é nesse Corredor que se
encontra, 8% da biodiversidade do planeta e alto grau de endemismo. Dentro desse
Programa foram criados três eixos temáticos: a conservação da biodiversidade, a
reconversão produtiva e a valorização dos bens e serviços da biodiversidade.
Enquanto Belize se destaca na conservação de seus recursos marinhos, a
Costa Rica se destaca por ter 100% do seu território protegido por UCs, tornando-se
exemplo para o mundo, no que se refere a gestão de seus recursos naturais. Essa
gestão das áreas naturais a serem protegidas na Costa Rica compõe o Sistema
Nacional de Áreas de Conservação (SINAC). Segundo Induni (2005), o SINAC é
composto por 11 unidades administrativas regionais, 10 continentais e 1
correspondente a Ilha do Coco, situada no Oceano Pacífico.
As ações políticas governamentais relativas ao meio ambiente, na Costa Rica,
estão sob a responsabilidade do Ministério do Ambiente e Energia (MINAE), que
estabeleceu o SINAC e, juntos, têm a competência de gerir o modelo
descentralizador e participativo de sustentabilidade no manejo de todos os recursos
naturais do país. As políticas gerais para gestão das Áreas Silvestres Protegidas de
Costa Rica (SINAC-MINAE, 1997) contemplam, entre outras a participação da
sociedade civil na gestão do SINAC, melhoria de condições de trabalho,
45. 22
oportunidades de capacitação, envolvimento da sociedade civil para o desfrute dos
benefícios gerados pelas áreas silvestres protegidas.
Através desse sistema de proteção de áreas, do turismo rural e do
ecoturismo, a Costa Rica conseguiu estabelecer seu desenvolvimento econômico.
O país então foi zoneado de acordo com suas características, ou seja, segundo
Induni (2003), 46% da superfície do país foram declaradas como parques nacionais,
18% como refúgios nacionais de vida silvestre e 17% reservas florestais. As demais
áreas pertencem às categorias de zonas protetoras (12%), reservas biológicas (2%),
florestas úmidas (5%), Monumento Nacional e Monumento Natural (menos de 1%).
Por outro lado, estabelecimento de políticas públicas que contemplaram em
conjunto a legislação, a governabilidade e a participação da sociedade civil na
gestão das Áreas Protegidas definiu quatro formas de atuação sobre as distintas
áreas de manejo: a gestão governamental, a gestão conjunta (onde participam os
interessados diretos), a gestão privada e a gestão comunitária (áreas conservadas
por comunidades) (INDUNI, 2003).
Embora o modelo de gestão dos recursos naturais na Costa Rica seja
baseado na descentralização, alguns problemas socioeconômicos e políticos ainda
precisam ser trabalhados para que o sistema implantado tenha efetivo sucesso: a
população, em especial a indígena, ainda necessita de assistência para mitigar seus
problemas de subsistência. Um grande número de nicaragüenses migra de seu país
em busca de qualidade de vida e os camponeses, proprietários de suas terras,
necessitam de capacitação para que sua participação no processo de consolidação
da conservação ambiental se torne efetivo (op. cit., 2003).
46. 23
Quanto a América do Sul, possui papel de destaque na preservação/
conservação de seus recursos naturais através das políticas relacionadas às áreas
protegidas, resguardando parte do seu território para tal e guardando maior
biodiversidade mundial em suas florestas tropicais. Essas iniciativas, embora
louváveis, são tímidas diante das taxas de extinção de espécies apresentadas no
mundo. Terborgh (2002, p. 25) assinala que “se as atuais tendências continuarem
por mais cinqüenta anos, nós poderemos, queiramos ou não, habitar um mundo de
ervas daninhas.”
É na América do Sul que se encontra a maior biodiversidade terrestre e de
água doce, tendo o Brasil como principal colaborador para isso, representando
aproximadamente 40% das florestas tropicais remanescentes no mundo. A região
Andes-Amazônia, com 815 milhões de hectares, engloba o Brasil, Bolívia, Peru,
Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa, onde se
encontra armazenada um quinto da água doce do planeta. No Brasil, esforços são
envidados para conservação dos biomas Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado,
Caatinga, Pantanal e Campos Sulinos, porém, todos se encontram degradados
(TERBORGH, 2002).
No Brasil, após diagnóstico da situação ambiental, foram indicados dois hot
spots, o Cerrado e a Mata Atlântica, essa, explorada desde o início da colonização
brasileira, que na atualidade está reduzida a 8% de sua mata original (MMA, 2006).
Esforços relativos à gestão pública vêm sendo envidados no sentido de integrar os
diversos aspectos de conservação, incluindo a promoção do desenvolvimento
sustentável, partindo de sua essência: sustentabilidade ambiental, social e
econômica, como mostra a Figura 2:
47. 24
Desenvolvimento Sustentável
Ambiental
Crescimento
Econômico
Proteção
Progresso
Social
Figura 2: Representação Gráfica dos três pilares para o Desenvolvimento
Sustentável
Fonte: ADAMS, W. M. (2006, p. 3)
Na busca do desenvolvimento sustentável, são elaborados e implementados
projetos que visam à promoção social e econômica das populações e busca de uma
convivência harmônica com a natureza, principalmente dentro de um hot spot.
Vários exemplos bem sucedidos podem relatados sobre esses projetos em todo
mundo, mas aqui daremos ênfase ao Projeto do Instituto de Estudos
Socioambientais do Sul da Bahia – IESB, uma organização não-governamental que
tem como Missão a “conservação da biodiversidade, promovendo o uso sustentável
dos recursos naturais e a melhoria de vida das comunidades inseridas no Corredor
Central da Mata Atlântica”4.
Com o objetivo de consolidar a Reserva Biológica de Una (REBIO-Una),
situada no Município de Una, Brasil, nos últimos 5 anos o Núcleo de Educação
Ambiental (NEA) do IESB desenvolve na Zona de Amortecimento da REBIO os
projetos “Formação de Educadores Ambientais do entorno da REBIO-Una” visando
a elaboração de Agendas Ambientais, em parceria com o Fundo Nacional do Meio
4
www.iesb.org.br (2006)
48. 25
Ambiente – FNMA e WWF-Brasil e a Campanha de mobilização social “Corredor
Ecológico: um caminho de vida na mata” em parceria com as ONG Conservação
Internacional – CI e RARE Center for Tropical Conservation (FANDI e GOMES, em
entrevista a autora).
O projeto de formação de educadores envolve diretamente a formação de 200
educadores da rede municipal de Una abrangendo tanto escolas do campo como
urbanas elaboração de Agendas 21 para as escolas situadas no entorno da REBIO.
“Esse trabalho envolve resgate da auto-estima, valores, questões relativas ao
pertencimento, criticidade, resgate histórico, trabalho em equipe”, afirmam as
coordenadoras do Projeto, Ana Cláudia Fandi e Ana Roberta Gomes.
Quanto à campanha de mobilização social, esta consistiu na disseminação de
informações sobre a REBIO, corredores ecológicos, ecologia de espécies
ameaçadas e endêmicas e práticas de conservação ambiental para diferentes
públicos, incluindo educadores e educandos, proprietários, agricultores e outros que,
de alguma forma, interferem naquele local (FANDI e GOMES, em entrevista a
autora).
Ações compartilhadas de mobilização e integração com organizações
governamentais, a exemplo o IBAMA, auxiliaram na implantação do Conselho
Gestor da REBIO, que há um ano e meio vem cumprindo suas funções legais para
gestão da UC. Esse Conselho é composto por 26 Instituições governamentais e
não-governamentais e seus conselheiros estão em processo de formação
continuada através de Oficinas e acompanhamento das reuniões ordinárias (FANDI
e GOMES, em entrevista a autora).
49. 26
A integração desse Programa com os outros núcleos temáticos do IESB
permitiu que fossem disseminadas, entre os produtores rurais da região, práticas de
cultivo orgânico. Em função da implantação do Corredor Ecológico REBIO-Una e
Serra das Lontras, essas práticas estão sendo viabilizadas para produtores de
outras áreas. O resultado efetivo desse trabalho já pose ser verificado na
implantação de barracas de feira para venda do produto final em Una e Ilhéus.
Importante observar que esse trabalho envolve mulheres que auxiliam no aumento
da renda familiar e no resgate da sua auto-estima (FANDI e GOMES, em entrevista
a autora).
Na atualidade, existem trabalhos sendo apresentados em Congressos,
Seminários, etc. que versam sobre o tema e se referem ao planejamento da UC e
seu entorno, a partir de assuntos relacionados à administração, manejo, política e
legislação. Esse planejamento ambiental não se dá sobre um espaço vazio, um
receptáculo puro e simples das nossas ações, ao contrário, ele parte e se exerce
sobre um espaço concreto, híbrido culturalmente, herdado e construído socialmente
e historicamente: “o homem se relaciona com uma sociedade cheia de espaços,
mas não com a natureza. Porque não há dialética do homem com algo que não tem
finalidade como a natureza. A natureza não tem finalidade, ela não busca nada”
(SANTOS, 1998).
Faz-se necessário que sejam consideradas as práticas sociais dos atores, em
especial os habitantes do entorno da UC, seus hábitos, crenças, valores, costumes,
etc. e, porque não dizer, seu modo de vida: esses são alguns elementos em que se
constitui como aqueles que compõem a Teoria das Representações Sociais.
50. 27
2.2 A Teoria das Representações Sociais
O início do século XX chegou trazendo as grandes mudanças em todo
mundo, motivadas pelas inovações inseridas na sociedade pelos dois períodos da
Revolução Industrial. Além da teoria socioeconômica estabelecida por Marx, trouxe
também o pensamento de Émile Durkheim (1858-1917), considerado o fundador da
sociologia moderna. Várias foram as contribuições de Durkheim através da sua
obra, onde merece destaque o desenvolvimento da teoria das Representações
Coletivas (1817), que ganhou destaque embasado “na reflexão e no reconhecimento
da existência de uma Consciência Coletiva”. Durkheim partiu do princípio de que
[...] o homem seria apenas um animal selvagem que só se tornou
Humano porque se tornou sociável, ou seja, foi capaz de aprender
hábitos e costumes característicos de seu grupo social para poder
conviver no meio deste (ABRANCHES, 2004)
Essas significativas mudanças no fim do século XIX embasaram o arcabouço
ideológico da época, e o alemão Max Weber enriqueceu esse quadro com seus
estudos sobre as ciências sociais. Foi Weber, que a partir do rigor científico
elaborou os fundamentos da sociologia compreensiva ou interpretativa,
estabelecendo um paralelo entre as investigações nas ciências sociais e naturais.
Segundo Silva (2006),
As ciências naturais procuram explicar as relações causais entre os
fenômenos, enquanto que as ciências humanas precisam
compreender processos da experiência humana que são vivos,
mutáveis, que precisam ser interpretados para que se extraia deles
o seu sentido. Ao aplicar o método da compreensão aos fatos
humanos sociais, M. Weber elabora os fundamentos de uma
sociologia compreensiva ou interpretativa”.
Muitos foram os pensadores que na época tiveram preocupações com as
investigações acerca do pensamento sociopsicológico tendo como base a teoria das
representações coletivas de Durkheim: nos Estados Unidos, Wilhelm Wundt (1832-
51. 28
1920), George Herbert Mead (1863-1931), na França, Lucien Lévy-Bruhl (1857-
1939) e, na Rússia, Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934). E também a
contribuição de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, e a de Carl Jung (REY, 2004).
Na década de 1930, emigraram para os Estados Unidos os psicólogos e
cientistas sociais Lazarsfeld, Adorno, Marcuse e Fromm, que muito contribuíram
para os estudos das ciências sociais em todo mundo (op.cit., 2004) e, em seguida,
após a Segunda Guerra Mundial, pode-se citar como contribuintes para os estudos
dessas ciências, G. W. Allport, Kurt Lewin e Serge Moscovici (França).
Moscovici por sua vez, apropriou-se do conceito das representações coletivas
criado por Durkheim e, ao longo de mais de 40 anos, em conjunto com seu grupo de
estudos da École dês Hautes Études em Sciences Sociales, França, Paris, avançou
e desenvolveu o estudo das Representações Sociais, difundido pela publicação
intitulada La Psychanalyse: Son Image et Son Public em 1961 (GUARESCHI e
JOVCHELOVITCH, 1997).
Nessa obra, inicialmente Moscovici estabelece a diferença entre as duas
Teorias: partindo da afirmação de Durkheim que dizia que o estudo das
representações individuais pertencia à área de estudos da psicologia e o estudo das
representações coletivas pertencia à área de estudos da sociologia, Moscovici
propôs que se tratasse essa teoria dentro da área psicológica, uma vez que se
tratava do conhecimento produzido e individual:
[...] o que nós percebemos e imaginamos, essas criaturas do
pensamento, que são as representações, terminam por se constituir
em um ambiente real, concreto. Através de sua autonomia e das
pressões que elas exercem (mesmo que nós estejamos
perfeitamente conscientes que elas não são ‘nada mais que
idéias’), elas são, contudo, como se fossem realidades
inquestionáveis [...] (MOSCOVICI, 2005, p. 40, grifo nosso).
52. 29
Realmente, as diferenças entre as representações coletivas e sociais não são
fáceis de serem compreendidas, como reconhece Farr (MOSCOVICI, 2005, p. 14)
quando explana que o individualismo também é uma representação coletiva da
sociedade moderna. Ao longo de mais 50 anos, essa teoria ainda caminha nas
discussões dos estudos científicos e na turbulência da transição paradigmática
(KUHN, 1998, p. 13) e só passou a ser difundida no meio acadêmico a partir do
início dos anos de 1980.
O leitor deve estar se perguntando: mas afinal o que são as representações
sociais? Farr (1995, p. 31) clareia o conceito da TRS como “uma forma sociológica
de Psicologia Social”, que Sá (2002) acrescenta:
[...] conjunto de conceitos, proposições e explicações originado [ou
seja] na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais.
Elas são o equivalente, em nossa sociedade, dos mitos e sistemas
de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser vistas
como a versão contemporânea do senso comum. (SÁ, 2002, apud
Moscovici, 1981, p. 181)
Essa afirmação sofreu a influência de Mead, ele afirmava que a linguagem
possuía uma grande importância “como forma de interação simbólica” (op.cit., 2004,
p. 75). “As palavras receberam a tarefa e o poder de ‘representar pensamento’ [...] a
linguagem representa o pensamento como o pensamento representa a si mesmo”
afirma Foucault (1992, p. 93), ou seja, o representar a si mesmo, dentro da visão
psicológica, vem carregado de um conhecimento individual, do centro da
personalidade, que expresso através linguagem, na visão sociológica, demonstra a
cultura, o senso comum, o saber popular e o conhecimento do cotidiano.
Para que Moscovici criasse o novo conceito das representações sociais,
diferente daquele proposto por Durkheim, ele propôs que a teoria fosse situada entre
o social e o psicológico, inseriu uma consistência cognitiva, delimitou o seu campo
53. 30
de ação no cotidiano, relacionou com o senso comum, com a interação social e com
a socialização (XAVIER, 2002, apud PERRUSI, 1995).
Para Oliveira & Werba (2003), Moscovici desenvolveu os estudos da TRS
dentro de um trabalho científico que partiu “das suas críticas aos pressupostos
positivistas e funcionalistas das demais teorias que não davam conta de explicar a
realidade em outras dimensões...”. Essas afirmam também que, um dos elementos
fundamentais da TRS é a interligação possível entre cognição, afeto e ação no
processo de representação. Para Jodelet é “(...) uma forma de conhecimento,
socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a
construção de uma realidade comum a um conjunto social” (OLIVEIRA & WERBA,
2003, p. 106, apud JODELET, 1989).
As representações sociais são encontradas nos universos consensuais, onde
cada grupo carrega sua própria cultura, a conversação, o compartilhar, a exposição
de suas idéias, opiniões, experiência pessoal e boatos. “As representações [...]
restauram a consciência coletiva e lhe dão a forma, explicando os objetos e
acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis a qualquer um e
coincidem com os nossos interesses imediatos” (MOSCOVICI, 2005, p. 52). Por
outro lado, as representações também fazem parte do universo reificado, pela sua
necessidade das ciências e pelo fato do senso comum ter-se tornado também,
ciência.
Porém, para compreender melhor as representações sociais, é necessário
saber a respeito do paralelo entre o “familiar” e o “não familiar”, uma vez que a
“finalidade de todas as representações é tornar familiar algo não familiar, ou a
própria não-familiaridade” (MOSCOVICI, 2005, p. 54). É simples e compreensível o
54. 31
fato de algo ser familiar, comum; o não-familiar intriga, desperta a curiosidade,
incomoda e ameaça. No universo reificado equivale dizer que seu objetivo é tornar
familiar o não-familiar. No universo consensual, Moscovici (2005, p. 58) nos ensina
que as representações que criamos são sempre um esforço para tornar familiar o
que não é, dando assim, sentido a não-familiaridade.
Assim, para que o não-familiar seja assimilado, evitando as sensações e
percepções que trazem desconforto, são gerados dois processos básicos: a
ancoragem e a objetivação. Como exemplo disso, nessa pesquisa a ancoragem
está na compreensão da idéia, na visão que a comunidade tem do Parque da
Esperança e a objetivação está na forma como tentamos tornar visível essa
realidade, ou seja, compreender as relações construídas pelos sujeitos que habitam
o entorno do Parque da Esperança, e os que o utilizam para variados fins, através
da TRS.
É necessário esclarecer aqui, que as representações sociais possuem um
caráter dinâmico e integra a dimensão histórica com o momento atual, com o aqui e
agora. Por isso, questões sociais podem ser identificadas através da TRS, assim
como o conteúdo dessas representações pode qualificar o grau de identidade que
esses sujeitos têm com o objeto.
Para a Teoria das Representações Sociais, o social é coletivamente edificado
e o ser humano é construído através do social (BONFIM, em entrevista a autora em
07/12/2005, na UESC). Seu estudo requer interdisciplinaridade, tanto nos métodos
de pesquisa, quanto no sentido de compartilhar saberes. Sua compreensão se dá a
partir do enfoque do conhecimento como processo e não apenas como produto.
55. 32
A literatura científica ainda é escassa no que tange aos estudos das relações
entre comunidades e Unidades de Conservação (SNUC), utilizando as
Representações Sociais dos atores construídas a partir de suas percepções com o
seu ambiente de vida. Porém, alguns estudos podem ser encontrados sobre as
percepções ambientais e pode-se citar: FERNANDES, PELISSARI, et al. (2003),
OKAMOTO (s/d), LARANJA, FERNANDES, et al. (2003). Vale registrar artigos
publicados que apresentam trabalhos científicos: ARRUDA (2002); OLIVEIRA
(2003); RAMOS & NOVO (2002); CARBONE & MENIN (2004).
Se de um lado, a Teoria das Representações Sociais nos dá o enfoque
humano, de outro, Yi-Fu Tuan (1997) nos dá a dimensão da transformação do
espaço em lugar: se de um lado, o espaço é abstrato, de outro, o lugar vem
carregado de valores agregados pela experiência de cada um. Para Milton Santos,
o espaço deve ser considerado no todo, enquanto o lugar vem com um componente
que se refere a existência, ou seja, um conjunto de objetos que trazem a “história
das relações, dos objetos sobre os quais se dão as ações humanas” (SANTOS,
1966, p. 57).
No futuro, a Teoria das Representações Sociais tende a ser mais utilizada
para atendimento ao artigo 5º do SNUC, uma vez que ela permite o conhecimento
referente ao conjunto de idéias das comunidades que vivem no entorno das UCs,
trazendo novos instrumentos para subsidiar interferências que possam promover o
desenvolvimento sustentável dessas comunidades. Faz-se necessário incorporar o
diálogo entre saberes técnicos e científicos e os saberes das práticas dos atores
sociais.
56. 33
Ao longo dos últimos 30 anos, as Unidades de Conservação vêm assumindo
o seu papel como referenciais de planejamento ambiental para suas zonas de
amortecimento, quer estejam situadas em zona rural, quer em zona urbana. Os
Planos de Manejo, instrumentos norteadores de ações no interior das UCs,
estabelecidos pelo Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC), são
elaborados com essa finalidade, ou seja, visando a promoção do desenvolvimento
sustentável tanto dessas Unidades, quanto das comunidades que habitam o seu
entorno, no caso das de categoria de Proteção Integral e das comunidades inseridas
nas áreas de conservação referentes às categorias de Uso Sustentável.
Porém, quando o SNUC define as zonas de amortecimento das UCs,
enfatizando e estabelecendo comportamentos, atitudes, para que as atividades
humanas no interior dessas Unidades sejam normatizadas, não nos deixa dúvidas
quanto ao direcionamento das políticas públicas, ou seja, a não contemplação do
homem no meio natural, e à reflexão sobre o comprometimento da sociedade para
com a natureza, diante da pobreza e miséria a que os sistemas de manutenção do
poder submetem os seres humanos que não tem oportunidades em sua vida.
Seguindo o modelo americano do norte, a gestão das áreas que compõem as
categorias do SNUC, no Brasil, está diretamente subordinada aos serviços públicos,
federal, estadual ou municipal. Esforços são envidados no sentido de inserir as
populações nessa gestão e isso torna essa estratégia de administração uma tarefa
complexa. Como exemplo, podemos citar a criação de UCs em zonas urbanas e
suas zonas de amortecimento jamais poderão ser abordadas como rurais, como é
estabelecido no SNUC, a exemplo do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro
e do Parque Municipal da Boa Esperança, em Ilhéus. O apelo para preservação da
57. 34
natureza e seus recursos precisa ter a mesma ênfase que o apelo para preservação
do homem na utilização dos recursos naturais, na sua cultura, na educação, no seu
modus vivendi.
Essa é uma discussão internacional, a busca de uma gestão de áreas
protegidas descentralizadas dos governos foi, inclusive, discutida e emanada do V
Congresso Mundial de Áreas Protegidas realizado pela UICN em 2003. A Costa
Rica, um país da América Central com 100% de suas áreas protegidas, criou
condições políticas, legais e gerenciais voltadas para o interesse social com a
participação de Organizações não-governamentais (ONGs), comunidades indígenas
e campesinas, universidades, governos locais e o Estado, visando a
descentralização da gestão de suas áreas protegidas. Esse novo modelo criado pela
Costa Rica tem sido exemplo para todo mundo, em especial para o Brasil.
Se de um lado a natureza exige condições para a sua preservação, de outro,
a sociedade exige que suas necessidades humanas sejam atendidas. Preocupada
com isso a ONU, no ano 2000, elaborou um documento para traçar as diretrizes
para o desenvolvimento sustentável no mundo a partir do Século XXI, a Declaração
do Milênio das Nações Unidas (ONU, 2000) e trouxe, entre as propostas de
medidas, a reversão da perda das florestas e a redução pela metade da extrema
pobreza e da fome. Para o cumprimento dessas metas, faz-se mister visualizar os
mecanismos que regem cada grupo social e sua inter-dependência com a natureza.
Enquanto os poderes públicos de todas as esferas trabalharem as suas
políticas tendo apenas a natureza como meta e o homem como agente degradador
a ser submetido a “normas e restrições específicas” (SNUC, 2000), não haverá
possibilidade de acordo: “O homem se relaciona com uma sociedade cheia de
58. 35
espaços, mas não com a natureza”, afirma Milton Santos (1998). Isso nos leva a
refletir que o homem apesar de depender da natureza, com ela não dialoga e, por
sua vez, a natureza detém uma relativa capacidade de regeneração, ao tempo que
independe completamente do homem. O homem se utiliza dos recursos naturais,
dos espaços que a natureza lhe proporciona: o homem não basta a si próprio.
Sob a égide das experiências de cada grupo social, para o cumprimento de
metas inerentes à relação sociedade-natureza na busca do desenvolvimento
sustentável, faz-se necessária a investigação dessa dinâmica, dessa troca de
energia. Acredita-se que a Teoria das Representações Sociais reúna os elementos
básicos para o estudo dessas experiências a fim de compor objetivos para cada
projeto a ser implantado em UCs e que poderão ser definidos no seu Plano de
Manejo.
O estabelecimento de Unidades de Conservação tem sido um movimento
crescente em todo mundo. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (2006),
no Brasil existem 278 unidades de conservação na esfera federal e 424 na estadual,
perfazendo um total de 97.608.850,00 ha, sem contar as UCs criadas pelos diversos
municípios brasileiros (MMA, 2006). No âmbito desse arcabouço técnico, político,
jurídico e humanístico, se insere o Parque Municipal da Boa Esperança (Figura 3), o
qual se constitui objeto de análise desse trabalho.
59. 36
Figura 3: Vista a jusante da barragem da Esperança, no ano de 1999
Fonte: Fotos cedidas pelo CEPEC/CEPLAC, 1999
60. 37
Capítulo II
METODOLOGIA
A partir da compreensão sobre as ciências sociais, o estabelecimento de
áreas protegidas adquire um aspecto particular e é sob a égide dessa teoria
humanística do conhecimento científico, que buscamos delinear abaixo o nosso
caminho para realização da pesquisa.
2.1 Caracterização
2.1.1 Objeto de estudo
Para atingir as metas do projeto, elencamos os seguintes objetos de estudo:
a) Moradores
Moradores da Rua Esperanto Perolato (antiga Rua do Cano) e da Avenida
Governador Roberto Santos (antiga Avenida Esperança), ambas situadas no
entorno, vizinhas e imediatas ao Parque Municipal da Boa Esperança.
61. 38
b) Usuários da UC
Aqui entendidos como as pessoas que utilizam o Parque como área
alternativa de lazer, não se levando em conta a sua procedência.
c) Presidentes das Associações de Moradores
Através da Federação de Associações São Jorge dos Ilhéus, situada no bairro
Malhado, Ilhéus, foram identificadas e contactadas as duas associações de
moradores que atuam na área de estudos. São elas: Associação Desportiva e
Comunitária dos Amigos e Moradores da Vila Freitas e Esperança e a Associação
de Moradores da Rua Esperanto. Vale ressaltar que o Presidente da Associação de
Moradores do bairro do Basílio, vizinho ao bairro do Fundão, ao tomar conhecimento
dessa pesquisa, voluntariamente, disponibilizou-se para prestar informações sobre
as questões aqui formuladas.
d) Área de abrangência
Tomamos como área de abrangência a Rua Esperanto Perolato (antiga Rua
do Cano) e Avenida Governador Roberto Santos (antiga Avenida Esperança) (Figura
4), por além de conterem os principais acessos ao Parque, se constituem em uma
área contígua com uma inter-influência mútua.
Excluímos do campo dessa pesquisa a Rodovia Ilhéus / Vitória da Conquista,
os bairros do Banco da Vitória, Vila Nazaré, Jardim Savóia, Distrito Industrial e
fazendas vizinhas, por possuírem realidades muito diferenciadas entre si, o que
dificultaria uma generalização no âmbito de apenas um trabalho. Essa dificuldade
poderá ser sanada, a posteriori, com uma proposta de maior envergadura.
62. 39
Barragem da Esperança
Esperança
Parque da
R. Esperanto Perolato
Rio Fundão
Av. Gov. Roberto Santos
Antiga ponte
Antiga rodovia Ilhéus/V. Conquista
Rodoviária
Figura 4: Imagem aerofotogramétrica de Ilhéus, mostrando a Av. Roberto Santos,
Rua Esperanto, parte do Parque da Esperança e o rio Fundão, locais de
estudo dessa pesquisa.
Fonte: CAR/CONDER/Governo do Estado da Bahia. Época de vôo: janeiro de 1999
63. 40
e) O Município
O Município de Ilhéus possui área total de 1.847,7 km², localizada entre as
coordenadas geográficas 14° 47’ S e 39° 03’ W, temperatura que varia entre 16°C e
33°C, índice pluviométrico anual acima de 1.300 mm, apresentando fauna e flora,
típicas de Mata Atlântica. São três as importantes bacias hidrográficas que banham
a região: a dos rios Cachoeira, Almada e Santana. Na foz do rio Cachoeira há um
grande delta formado pelos rios Santana, Cachoeira e Fundão. A população total é
de 222.127 habitantes, densidade demográfica de 120,1 hab/km² e o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) do Município de Ilhéus é 0,703 (ATLAS IDH, 2000).
O principal cultivo regional é o cacau. Porém, a partir do ano de 1989 esse
cultivo teve a sua produção reduzida em função do ataque do fungo denominado
Crinipellis perniciosa, causador da doença “vassoura-de-bruxa”, que ataca aos
cacauais. Segundo técnicos da Comissão Executiva do Plano da Lavoura
Cacaueira (CEPLAC), a região desde então passa por uma crise sem precedentes.
O efeito dessa doença, ao longo desse tempo foi devastador, ocasionando diversos
problemas socioeconômicos e ambientais (PEREIRA, 1989).
A título de fazermos apenas algumas pontuações a respeito, podemos, dentre
os inúmeros problemas, relacionar as condições financeiras dos fazendeiros em
manterem suas propriedades, gerando o desemprego e a exclusão educacional e
econômica agravadas pela desterritorialização de camadas da população rural, que,
sem terra para trabalhar, emigraram com suas famílias em grandes levas para as
cidades. Esse processo migratório no sentido campo-cidade(s) redundou na
ocupação desordenada das cidades de médio porte regionais, por apresentarem
melhores condições de oferta de bens e serviços públicos.
64. 41
Os alvos do processo ocupacional, via de regra, eram as áreas de
manguezais, as áreas de proteção ambiental, as matas e os morros, onde os
terrenos íngremes impediam a moradia. Foi a partir de então que, segundo relato de
moradores, a população iniciou a invasão de terrenos na área de estudo.
2.2 Procedimentos metodológicos
Utilizamos para consolidação do nosso caminho, os seguintes instrumentos:
2.2.1 Pesquisa Documental
Inicialmente, na investigação dos processos históricos que contribuíram para
a manutenção da floresta, uso e ocupação da área de estudo, e implantação do
sistema de abastecimento de água de Ilhéus e para a criação da Unidade de
Conservação, utilizamos como instrumento a análise de documentos públicos, quais
sejam:
Diários Oficiais Municipais – foram consultados 10 jornais.
Planos Diretores Urbanísticos do Município de Ilhéus – utilizamos os
quatro Planos Diretores elaborados e decretados nas seguintes datas:
1933, 1937, 1969 e 1979. O atual Plano Diretor, decretado em 2006, não
foi analisado, uma vez que ainda está em fase de regulamentação de seus
itens.
Plano de Manejo do Parque Municipal da Boa Esperança.
Legislação – consultamos toda a base de dados em nível Federal e
Municipal referente à legislação ambiental, inerente à pesquisa,
perfazendo um montante de 40 leis.
65. 42
Outros documentos subsidiaram a pesquisa a exemplo do Censo
Demográfico (IBGE, 2000), e material iconográfico como, fotografias aéreas, mapas
e plantas da cidade.
2.2.2 Pesquisa de levantamento em campo
Buscamos um levantamento de dados junto aos atores sociais e aplicamos
formulário e entrevistas. Na oportunidade aplicamos o método da observação não
participante, individual, na vida real, para compreensão do comportamento dos
entrevistados e com vistas a descrever fenômenos ocorridos na comunidade que,
porventura pudessem acontecer, bem como para interpretar a paisagem, à luz da
teoria de Tuan (1980).
Concomitante à observação, aplicamos o formulário sócio-demográfico para
recrutamento dos participantes potenciais, moradores e usuários do Parque da
Esperança, visando responder às questões efetivas de pesquisa (vide Anexo I).
Em seguida, a partir do universo estabelecido pelo formulário sócio-
demográfico, aplicamos a entrevista semi-estruturada, composta de questões
abertas e fechadas aos participantes, moradores e usuários do Parque da
Esperança, para apreensão dos conteúdos das representações sociais (vide Anexo
II).
Para os moradores, realizamos uma amostra sistemática feitas de 5 em 5
casas. Para os usuários, a amostra foi ocasional e a entrevista foi realizada no
portão principal de acesso à UC, situado na Av. Roberto Santos e no local onde
66. 43
antes havia o “cano” de adução de água bruta, que deu origem ao nome popular da
Rua Esperanto.
Identificamos os lideres comunitários e em seguida propusemos um encontro
com a participação deles, visando definir os indicadores dos conflitos sociais,
econômicos e ambientais, bem como os elementos que envolvem os conteúdos de
suas representações sociais e identificar as potencialidades sociais e econômicas da
comunidade do entorno.
Vale salientar que todas as entrevistas foram feitas por essa autora, com
período de duração de aproximadamente 50 minutos, cada uma, em local
devidamente apropriado a fim de evitar interferências externas que possivelmente
viessem causar constrangimentos aos participantes.
2.3 Definição da amostra
Buscou-se selecionar os participantes de acordo com os seguintes critérios:
1) Para categoria moradores:
a. Morar e viver na Rua Esperanto e Av. Roberto Santos;
b. Ser capaz de se exprimir oralmente, de aceitar responder as
entrevistas e participar da pesquisa.
2) Para a categoria usuários do Parque:
A partir da solicitação de participação individual, não se levando em
conta a procedência do participante.
67. 44
3) Para a categoria representantes das Associações de Moradores:
Identificamos dois presidentes de Associações de Moradores, que
colaboraram espontaneamente com o trabalho.
Entregamos ao entrevistado um documento para que ele assinasse e
tomasse conhecimento dos objetivos do Projeto ora proposto. O entrevistado teve
liberdade de autorizar a citação de seu nome nessa Dissertação.
2.4 Plano amostral para categoria moradores
Para dimensionamento da amostra probabilística referente a população,
considerando um nível de confiança de 90%, erro de 4,3%, e uma informação de
proporção obtida da amostra piloto referente à freqüentação de familiares de
moradores ao Parque Municipal da Boa Esperança.
A expressão matemática para esse dimensionamento, considerando o
tamanho do universo desconhecido, foi a seguinte (COSTA NETO, 2000):
2
Z α/2 ^ ^
n= . p 1 - p
e0
onde:
n = representa o tamanho da amostra necessária
Z α / 2 = variável de distribuição normal para nível de confiança de 90%
68. 45
^
p = proporção da amostra piloto
e0 = erro ou precisão
No nosso trabalho, aplicando a formula acima temos:
2
Z α/2 ^ ^
n= . p 1 - p = 265
e0
onde:
Z α / 2 = 1,645
^
p = 0,23
e0 = 0,043
Quanto aos usuários, tendo em vista a abertura de vários acessos ao Parque
por esses, não há como termos referência numérica quanto ao número de pessoas
que freqüentam aquela UC. Por essa razão a entrevista foi realizada com as 21
pessoas que se dispuseram a participar, de livre e espontânea vontade, dessa
pesquisa. As opiniões aqui contidas referentes aos usuários refletem a opinião
desse universo (21 pessoas) pesquisado.
A minha inferência é sobre aquele público de usuários que se predispôs a
dar-me a entrevista naquele período.
69. 46
2.5 Pré-teste do instrumento de coleta de dados
Para a elaboração do modelo definitivo das entrevistas, utilizamos como base
um pré-teste em um total de cinco entrevistas, objetivando validar as alternativas
mais relevantes para cada pergunta os quais corrigimos e adaptamos para a
entrevista final.
2.6 Análise Estatística
Para análise estatística, foi utilizado o programa estatístico SPSS para
Windows 10.0.1.
Para análise não paramétrica dos dados, ou seja, para avaliar a relação de
dependência entre as variáveis qualitativas utilizou-se o teste chi-quadrado de
Pearson, ao nível de 10% de significância.
2.7 Instrumento Definitivo de Coleta de Dados
O formulário sócio-demográfico é composto por 12 perguntas abertas e
fechadas.
O guia de entrevista semi-esturuturada com um formulário, com questões
abertas e fechadas, aplicado junto aos moradores e usuários do Parque da
Esperança foi dividido em 2 blocos: o primeiro é composto por 10 perguntas
apresentando elementos de caracterização socioeconômica dos entrevistados; e o
segundo por 15 perguntas contendo elementos das representações sociais
70. 47
referentes ao objeto de estudo: o Parque da Esperança. Ainda, efetivamos a
entrevista semi-estruturada aberta junto aos participantes lideres comunitários
composta por 7 perguntas.
A “observação” foi realizada:
no interior das casas, atentando para a possibilidade da utilização de
produtos extraídos do parque, para as condições de vida da população e
também no intuito de captar as representações sociais dos sujeitos;
nas ruas do bairro, observando a paisagem (tipo de edificações,
pavimentação das ruas, Iluminação publica, outdoors, urbanização das
praças, arborização de ruas, diversão (bares, salão de danças),
pichações, sobre grupos marginalizados (prostitutas, gays, usuários de
drogas), sobre lendas e boatos, criação de animais (cavalos porcos,
galinhas, etc.), outras.
As informações coletadas foram registradas em fichas adequadas partindo
das categorias apresentadas.
2.8 Aplicação do instrumento de coleta de dados
Nas residências, as entrevistas foram aplicadas individualmente durante os
meses de julho e novembro de 2006.
Para os usuários do Parque, realizamos a pesquisa na entrada principal da
UC, ao lado da ponte antiga do Fundão, e na Rua Esperanto, nos fins de semana,
quando há um fluxo maior de pessoas nessas localidades, para acesso ao Parque.
71. 48
Entrevistamos os Presidentes das Associações de Moradores, na sede da
Federação de Associações São Jorge dos Ilhéus, Malhado.
A coleta de dados se deu de forma voluntária.
Para melhor compreensão dos procedimentos metodológicos realizados,
estruturamos o Quadro 2, onde estão resumidos e delineados os instrumentos, os
tipos de pesquisa, área de abrangência, população e número de pessoas
entrevistadas, a seguir: