O autor argumenta que a democracia depende da opinião pública e hipocrisia, levando políticos e outros a adular as massas para obter sucesso. Ele também afirma que a democracia se baseia na quantidade de votos, não na qualidade dos argumentos, e que os idiotas são maioria.
1. Luiz Felipe Pondé (capítulo 17)1
Não tenho muita paciência para a política. Como sempre digo, trato dela
assim como quem cuida de uma ferida para que não infeccione. A necessidade
da política é a prova de que a humanidade tem dificuldade em sobreviver: não
pode viver sem bando; para viver em bando alguém tem de mandar e alguém
tem de obedecer. Ainda que mentirosos de todos os tipos digam o contrário.
DEMOCRACIA, A PALAVRA MÁGICA DA POLÍTICA
CONTEMPORÂNEA
Por ter sua soberania na chamada vontade popular (do povo), a democracia
deságua na crença de que a sociedade carrega em si alguma forma de verdade
moral, já que ela é soberana. Esquece-se, como eu dizia antes, que toda moral
pública é hipócrita. Dito de outro modo, o público é hipócrita e nada tem a ver
com alguma ideia de verdade.
Na democracia, o que importa é a maioria e não a verdade
sobre coisa alguma.
Mas isso Platão já sabia: o motivo de a democracia esconder a hipocrisia da
moral pública é porque a democracia é sofista. Em seu embate com os sofistas
(aqueles caras que diziam que a verdade não existe porque ela é apenas a vitória
de um argumento sobre o outro, portanto, retórica), Platão já apontava a
tendência de a democracia ser demagógica.
Antes que algum inteligentinho perdido na leitura deste livro me acuse de
1
Transcrição das páginas 131-133 do livro “Filosofia para corajosos” de Luiz Felipe Pondé (Planeta, 2016).
2. antidemocrático,
devo dizer que a democracia é, de todos os regimes ruins
em política, o menos pior, com certeza.
E para manter essa "vantagem" da democracia sobre seus sistemas
concorrentes, devemos lembrar suas fraquezas, coisas que o povo (já dizia
Alexis de Tocqueville no século XIX) não gosta de ouvir, porque a democracia
na democracia é um dogma a ser amado.
Voltando a Platão: o problema, aqui, é que num regime pautado por opiniões
variadas, e pela contagem delas, o essencial é o número.
A democracia é um regime de quantidades [não de
qualidades];
e os idiotas (como dizia nosso brilhante Nelson Rodrigues) são sempre maioria
na população. Uma das faces dessa idiotice é supor que a transparência na
gestão da coisa pública, algo desejável num governo, implique a transparência
da verdade moral. Sempre que se afirma um valor em púbico, essa afirmação
é, em grande medida, uma farsa a serviço do resultado esperado em termos de
contagem de votos, a favor ou contra aquilo que o dirigente quer.
Outro motivo para a democracia ser parceira da hipocrisia pública é sua
dependência da adulação da opinião pública. Isso afeta desde os candidatos
numa eleição (política agora é marketing) até artistas que vendem música:
todos devem adular a opinião pública [mentir?] se quiserem
conseguir o que almejam – a saber, o sucesso.
Essa opinião pública nem sempre é só uma questão de números grandes; muitas
vezes é uma questão de quem consegue influenciar melhor as pessoas, os tais
formadores [fazedores] de opinião, como eu. Quando você lê este livro, eu
estou, em alguma medida, influenciando sua opinião. A diferença entre mim e
outro qualquer é que eu não tenho nenhuma causa, e isso me torna, de certa
forma, um pouco menos retórico no que escrevo e falo. Num mundo em que
todos concordam em ser os bons, há sempre algo errado. Por isso, não faço
filosofia para realizar bem algum; faço porque gosto.
Essa dependência da opinião pública, que leva todos a
adular os idiotas, faz da democracia um simples regime de
mercado [marketing].
Ela é, na verdade, um mercado de opiniões a serem defendidas (compradas) ou
recusadas (não compradas). A tendência da mentira na democracia é, no limite,
uma tendência ao marketing.
O que conta na democracia é a aparência [é mais importante é parecer do que
ser honesto]. Não por acaso os defensores dela na Grécia eram os sofistas, os
mesmos caras que, como eu disse antes, negavam a existência de qualquer
verdade e reduziam o conhecimento à retórica. Então, quando ouço alguém gri-
tar contra a mentira na democracia, sempre sinto um cheiro de falsidade no ar.