O documento discute os conceitos de democracia e totalitarismo, e como a polarização política, as notícias falsas e a concentração de poder podem representar riscos para a democracia, levando a uma transição lenta para regimes autoritários.
1. DEMOCRACIA
Democracia é uma forma de organização das instituições políticas nacionais,
mas não é fácil descrever a forma de organização, portanto, existem vários
modelos explicativos na Ciência Política que procuram responder à questão do
que é democracia.
Desta forma, importante expor alguns conceitos como o de SCHUMPETER,
onde estabelece a democracia como um método, ou seja, “como um sistema
institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o
poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor”
Nas palavras de Celso Ribeiro, o conceito de democracia não é algo perfeito,
estático, ao contrário, “é algo dinâmico, em constante aperfeiçoamento, sendo
válido dizer que nunca foi plenamente alcançado. ”
Nesse contexto, para termos uma referência sobre o que define uma
democracia, o modelo desenvolvido pelo teórico político Robert Dahl, o qual
classifica como uma poliarquia (em tradução literal, “governo de muitos”),
ou uma democracia perfeita, onde lista as condições necessárias para que os
processos de escolha representem ao máximo a vontade das pessoas.
1 Liberdade de formar e aderir a organizações;
2 Respeito às minorias e busca pela equidade;
3 Liberdade de expressão;
4 Direito de voto;
5 Elegibilidade para cargos públicos;
6 Direito de líderes políticos disputarem apoio e, consequentemente,
conquistarem votos;
7 Garantia de acesso a fontes alternativas de informação;
8 Eleições livres, frequentes e idôneas;
9 Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de
eleições e de outras manifestações de preferência do eleitorado.
Contudo, segundo Aristóteles os governos tendem a se degenerar com o tempo:
uma aristocracia (organização sociopolítica baseada em privilégios de uma
classe social formada por nobres que detém, o monopólio do poder) se degenera
numa oligarquia (regime político em que o poder é exercido por um pequeno
grupo de pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família), que por
sua vez se degenera numa monarquia até chegar na tirania.
Nesse sentido, Steven Levitsky e Daniel Ziblat estudaram cuidadosamente a
história dos regimes democráticos por 20 anos, onde definem a intolerância
como uma arma de persuasão política e um perigo fatal para as democracias.
Afirmam ainda, que esse novo modelo de democracia dispensa armas e golpes
de estados militarizados porque os candidatos a ditadores são aceitos e criados
dentro dos partidos políticos, citando a exemplo Donaldo Trump como a maior
evidência de discurso de ódio com a finalidade gritante de depreciação do estado
democrático.
2. COMO MORREM AS DEMOCRACIAS:
PELA POLIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS
Na política, o significado estrito de polarização é simplesmente a divisão de uma
sociedade em dois polos a respeito de um determinado tema. Porém, essa
palavra tem sido usada de um modo mais negativo: polarização é como
chamamos a disputa entre dois grupos que não dialogam entre si, que se fecham
em suas convicções e não estão dispostos ao diálogo. O ódio recíproco entre os
inimigos busca simplesmente a destruição alheia, se não física pelo menos
simbólica. A cegueira ideológica não permite que eles vejam qualquer qualidade
no outro grupo e que reconheçam direitos e garantias inerentes a todos nós.
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt no best-seller “Como as democracias morrem”,
apontam que a democracia requer respeito a regras comuns, reconhecimento da
legitimidade dos adversários (ou seja, tratá-los como competidores legítimos
dentro de uma disputa igualitária), tolerância e diálogo.
No entanto, o excesso de polarização compromete todos esses quesitos. Em
uma sociedade concentrada em dois lados radicalizados, adversários são vistos
como inimigos, o diálogo não é incentivado, rasgando a ideia que os partidos
políticos destinam-se “a assegurar, no interesse do regime democrático, a
autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais
definidos na Constituição Federal“, Lei 9.096 de 1995.
Não há mais reflexão, somente adjetivações. O debate público é esvaziado e o
grito assume o seu lugar. Ambos os lados políticos se qualificam mutuamente
com palavras desrespeitosas e pejorativas. A crise pela qual o país atravessa
atualmente é fruto da polarização política, cujas consequências são danosas ao
funcionamento da democracia. Alguns efeitos da polarização sobre a
democracia consistem no impasse legislativo, na baixa produtividade do
Congresso e na paralisia do governo que não conseguir aprovar reformas e leis.
A erosão da representação política, como consequência da polarização, é um
movimento que, ao longo prazo e gradualmente, pode matar a democracia.
Grupos minoritários podem ter direitos negados, não reconhecerem mais os
caminhos da representação como uma via democrática e, em última análise,
sofrerem perseguições políticas.
Tentar pensar o cenário para além das dicotomias muitas vezes nos leva a ser
rotulado de um lado ou outro, a depender daquele que faz a imputação. Embora
esse maniqueísmo tente empurrar qualquer posicionamento com toda força para
um dos polos, é preciso resistir a essas correntezas ideológicas e, com
serenidade, não abdicar de nosso maior trunfo: o pensamento. Não é preciso
aderir às narrativas para ter posição.
Ademais, importante ressaltar que não convencional tendem a germinar no
interior dos partidos políticos integrantes, populistas declaradamente autoritários
e demagogos, lideres antidemocráticos como representante do povo.
3. PELO TOTALITÁRIO
Chaves na Venezuela, Erdogan na Turquia e Orbán na Hungria que começaram
a governar por meio de eleição e, com discursos de força, guinaram rumo ao
autoritarismo, abandonando a ação democrática para governar de forma
autoritária, são exemplos de fatos que matam a democracia.
À vista disso, o conceito de totalitarismo, em essência, traduz a ideia de
monopólio de poder. Para Neumann considera “cinco fatores essenciais da
ditadura totalitária”: “1) transição de um estado de direito para um estado policial;
2) transição do poder difuso nos estados liberais para a sua concentração no
regime totalitário; 3) a existência de um partido estatal monopolista; 4) transição
dos controles sociais que passam de pluralistas para totalitários; 5) a presença
decisiva do terror como ameaça constante contra o indivíduo”.
No Brasil, podemos citar a perda da liberdade instituída no Regime Militar, e que
foram ainda mais duras durante e após a instituição do Ato Institucional nº 5,
onde se deu existência de uma violência legalizada e legitima, que perseguiu e
até mesmo acabou com as liberdades individuais e coletivas da sociedade
brasileira em 1968.
Na atual conjuntura de incertezas e de uma dúvida crescente na forma de
governo e críticas a democracia brasileira, se faz necessária um olhar mais
atento, visto que políticos se põem acima da vontade e da participação popular
suprimindo legalmente a liberdade plena em uma sociedade livre e democrática.
PELAS NOTÍCIAS FALSAS (FAKE NEWS)
Na arena democrática, o uso de tecnologias para criar notícias falsas, a invenção
de estórias de conspiração e a intenção de fabricar mentiras são, obviamente
desolador no cenário da democracia. A intolerância como arma de persuasão
política é um perigo fatal para o democratismo que, transformam políticos em
inimigos a serem destruídos a qualquer preço.
Decerto, essas práticas existem desde que humanos são humanos e desde que
imprensa é a imprensa - se estamos falando estritamente de notícias falsas. No
entanto, fake news são consideradas um fenômeno da era atual porque são
definidas como notícias deliberadamente planejadas para causar desinformação
e se espalharem em grande número na Internet. Textos, áudios e vídeos que
circulam por meio do WhatsApp é o tipo mais comum de propagação destas
notícias no Brasil, pela popularidade do aplicativo e também pela falsa ideia de
credibilidade que essa mensagem passa aos usuários, ao ser enviada muitas
vezes por contatos próximos e de confiança.
Nesse contexto, Victoria Prego, presidente da associação da imprensa de Madri,
na Espanha, aponta o risco para a democracia com a propagação de notícias
falsas: “agora, na comunicação também a informação enfrenta um fenômeno
4. crescente, que foi piedosamente nomeado com um evidente eufemismo: a pós-
verdade”. Desse modo, as pós-verdades não são exatamente mentiras, como no
caso das fake news, mas são a forma pela qual o indivíduo processa e internaliza
as informações recebidas, tornando-as verdadeiras para si.
Contudo, não se deve esquecer que o direito à obtenção de informações reais é
um dos pilares da democracia, pois por meio das informações obtidas, os
indivíduos tendem a formar suas próprias opiniões, que podem eleger
representantes do povo. Com isso, além do texto Constitucional, a Lei nº
12.965/14, conhecida como o Marco Civil da Internet, diz no artigo 3º, que o uso
da internet no Brasil, tem no rol de seus princípios as garantias da liberdade de
expressão, comunicação e manifestação do pensamento, com respeito à
privacidade, à inviolabilidade da intimidade e da vida privada.
No entanto, a sociedade ainda caminha lentamente para uma conscientização
adequada desta nova era tecnológica, onde as notícias são acessadas e
enviadas com apenas um click, e ante as desinformações e suas consequências
à democracia, se faz necessário a busca pela veracidade das notícias e das
informações, o que não se tem a pretensão de dizer que atualmente é algo
simples, no entanto, é factível.
Não demasiado se faz dizer que a maioria das democracias não ruíram
bruscamente, mas de forma lenta e gradativa. A exemplo temos o nazismo,
também conhecido como Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores
Alemães, partido de extrema direita, com ideais nacionalistas e extremistas, que
tinha como líder Adolf Hitler, que persuadiu seu povo a aceitar seus ideais,
durante a grave crise política e econômica em 1920. Hitler fez o povo crer que
era a sua ‘salvação’, tendo assim, a adesão dos alemães que acreditavam estar
fazendo o correto, porém, culminou com o Holocausto que contabilizou a morte
de seis milhões de judeus (matéria UOL).
Em suma, disseminar desinformação pode ter grandes proporções, o perigo de
uma catástrofe social sendo eminente, uma vez que no cenário político pode
levar a vitória nas eleições, essas vitórias levam ao poder, esse, por sua vez,
dita o futuro da nação, e, sob esse prisma, a “Des-Informação” se tornou uma
arma poderosa e de rápida difusão.
Portanto, a solução mais sábia é tentar se adaptar a esta nova realidade, pois
não há como deter o progresso tecnológico, pelo contrário, novas ferramentas
de comunicação surgirão a cada momento. Além disso, o progresso tecnológico
deve ser usado em benefício da sociedade e com cautela, no processo eleitoral,
pois dessa forma os representantes podem ser selecionados para que o povo
por meio deles exerça o seu poder, de acordo com a constituição.
5. Referencias:
ARISTÓTELES. Política. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 1985.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed., São Paulo:
Saraiva, 1992.
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014.Estabelece princípios, garantias,
direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Site do Planalto. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>
Acesso em: 09 mai 2021.
DAHL, R. Sobre Democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009.
Franz NEUMANN, Estado Democrático e Estado Autoritário. Zahar Editores,
Rio de Janeiro, 1969; Hannah Arendt, por sua vez, refere-se a “mon analyse
des éléments de la domination totale”. H. ARENDT, Le Système Totalitaire,
Seuil, Paris, 1972.
História Geral. Nazismo, OUL. Disponível em:
<https://brasilescola.uol.com.br/historiag/nazismo.htm>. Acesso em: 09 mai
2021.
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. (2018). How democracies die. New York:
Broadway Books. 2018.
ONTES, Felipe. Conselho Nacional de Justiça combate fake news sobre
Judiciário. Em 01 de abr 2019. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2019-04/conselho-nacional-de-
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PREGO, Victoria Bolhas Informativas, Revista Uno, n° 27, 2017. Disponível em:
<https://www.revista-uno.com.br/wp-
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SCHUMPETER, J. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro:
Fundo de Cultura, 1961.