1) O documento descreve a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962, quando a União Soviética instalou mísseis nucleares na ilha e os Estados Unidos impuseram um bloqueio naval.
2) A crise quase levou à guerra nuclear entre as superpotências, mas decisões sábias de Kennedy e Khruschev, além de sorte, evitaram o pior.
3) 50 anos depois, especialistas ainda analisam os fatores que quase desencadearam uma guerra e as lições deixadas por este momento crucial da Guerra Fria.
A Crise dos Mísseis de Cuba e as lições da quase guerra nuclear de 1962
1. %HermesFileInfo:A-23:20120930:
O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 30 DE SETEMBRO DE 2012 Internacional A23
SS-7SADDLER
(R-16)
Rússia
1961
11 mil km
SS-5SKEAN
(R-14)
A caminho
de Cuba
1962
3.700 km
SS-4SANDAL
(R-12)
Cuba
1959
2 mil km
SS-6 SAPWOOD
(R-7)
Rússia
1957
8 mil km
ATLAS
EUA
1959
10.200 km
TITAN I
EUA
1959
10.200 km
THOR
Inglaterra
1957
3.700 km
JUPITER
Itália e Turquia
1954
2.700 km
MINUTEMAN
I
EUA
1962
13 mil km
35metros
PROPORÇÃO
DOS MÍSSEIS
EM RELAÇÃO
AO HOMEM
FOGUETE
OGIVA
NOME DO MÍSSIL
LOCALIZAÇÃO
DESENVOLVIDO EM
ALCANCE
●
Havana
Isla de la
Juventud
MRBM–MÍSSEISBALÍSTICOSDEMÉDIOALCANCE
URSS
queria
espalhar
arsenal por
toda ilha
À sombra do
holocausto
nuclear,
EUA e URSS
desenvolveram
vetores de alta
tecnologia
A estrutura
do míssil:
Mísseis na
ilha de Fidel
Foguetes da
Guerra Fria
IRBM– MÍSSEISBALÍSTICOSDEALCANCEINTERMEDIÁRIO
Fidel exigia a devolução
da base de Guantánamo a
Cuba. Kennedy rejeitou
32a42MÍSSEIS
JÁESTAVAM
EMCUBA
BASEDESAQUALA
GRANDE(MRBM)
SISTEMAS DE DEFESA AÉREA
BASEDE
GUANAJAY
(IRBM)
BASEDESAN
CRISTOBAL(MRBM)
BASEDEREMEDIOS(IRBM)
INFOGRÁFICO:FABIOSALES/AE
BASEDESANTA
CLARA(IRBM)
ÁREA EM
DESTAQUE
C U B A
● Guantánamo
●
Santiago
de Cuba
Arsenal americano Arsenal soviético
●
Dia 23
EUA discutem propor
uma moeda de troca: retirar
mísseis da Turquia
●
Dia 24
Khruchev diz que bloqueio
naval é ‘ato de guerra’.
EUA impõem cerco
●
Dia 25
ONU se reúne para
discutir crise. EUA em alerta
máximo pré-guerra
●
Dias 26 e 27
Khruchev envia 2 cartas
contraditórias aos EUA.
Fidel pede à URSS guerra
●
Dia 27
Kennedy concorda em
retirar mísseis americanos
da Itália e da Turquia
●
Dia 28
Rádio Moscou anuncia
que Khruchev mandou
retirar mísseis de Cuba
Decisões “sábias” do america-
no John F. Kennedy e do sovié-
tico Nikita Khruchev, somadas
a muita sorte. Foi essa a combi-
nação que salvou o mundo da
hecatombe nuclear há 50 anos,
afirma o professor de Harvard
Graham Allison, autor do clássi-
co The Essence of Decision (A es-
sência da decisão, sem tradu-
ção no Brasil), no qual esmiúça
os 13 dias em que o mundo vis-
lumbrou o abismo nuclear. O
risco de um confronto “cujas
proporções nem Hitler imagi-
nara” mudou a Guerra Fria,
disse Allison ao Estado. E as
lições de 1962 não caducaram:
o programa nuclear iraniano,
defende, é uma “Crise dos Mís-
seis em câmera lenta”.
● É possível fazer uma estimati-
va de quão perto chegamos de
uma guerra nuclear em 1962?
Digo que a Crise dos Mísseis
foi o momento mais perigoso
da história da humanidade – e
a maioria dos que estudaram o
período concordam comigo. À
época, Kennedy calculava que
o risco de uma guerra nuclear
era de entre 33% a 50%. Ne-
nhum estudo sobre a crise me
convenceu de que essa era
uma estimativa exagerada. Um
confronto nuclear não seria o
armagedon, pois não mataria
todos os seres humanos. Mas a
cifra de mortos seria de cente-
nas de milhares de pessoas – o
pior evento da história.
● E, ao final, o que impediu as
potências de chegar à guerra?
Primeiro, as sábias decisões de
ambos, Kennedy e Khruchev.
Segundo, uma grande sorte,
pois, apesar da boa conduta
dos dois líderes, havia uma sé-
rie de fatores fora do controle
deles que poderia ter levado à
guerra.
● O quê, por exemplo?
Na segunda semana da crise,
tanto Kennedy quanto Khru-
chev entenderam que pessoas
dentro de seus governos esta-
vam tomando decisões técni-
cas que poderiam levar a rea-
ções em cadeia e, no fim, à
guerra. Por exemplo, no sába-
do, dia 27 de outubro, Kennedy
foi informado de que um avião-
espião U2, que deveria fazer
um voo de reconhecimento fo-
ra da URSS, havia entrado no
território soviético e estava in-
do em direção a Moscou. E o
presidente falou a famosa fra-
se: “Sempre tem um filho da
p... que não fica sabendo das
coisas!”. Naquela noite, Khru-
chev enviou uma carta brilhan-
te a Kennedy em que constata-
va o absurdo de estarem as
duas superpotências no mais
alto nível de alerta e um avião
não identificado se aproximar
da capital de uma delas. Se Kru-
chev decidisse derrubá-lo...
● Como a experiência de outubro
de 1962 mudou a Guerra Fria?
Foi uma mudança paradigmáti-
ca para Kennedy e Khruchev a
experiência de olhar para o
abismo nuclear e realmente
sentir o temor desse holocaus-
to potencial, no qual o presi-
dente dos EUA e o secretário-
geral de Moscou seriam os
grandes atores. Lembre-se que
o confronto envolveria uma
escala de morte que nem Hi-
tler imaginara. Com a Crise
dos Mísseis, ambas as super-
potências disseram “nunca
mais isso”. A competição
entre ambas passou a ser
regulada pelo que Kennedy
chamava de “as precárias
regras do status quo”. De-
pois de 1962, foi colocado
um telefone direto de Wa-
shington a Moscou, permi-
tindo o diálogo entre os líde-
res. Em seguida, proibiram
testes nucleares. Ao final,
vieram os acordos para redu-
zir os arsenais atômicos.
● O sr. afirma que o programa
nuclear iraniano equivale a
uma “Crise dos Mísseis em
câmera lenta”. Como é isso?
Costuma-se dizer que, com
a questão do Irã, o presiden-
te dos EUA se aproxima de
uma encruzilhada: ou ataca-
rá as instalações de Teerã
para frear o programa ou
aceitará a existência de um
Irã nuclear. Eram exatamen-
te essas as opções que os
assessores da Casa Branca
deram a Kennedy em 1962.
O presidente, porém, rejei-
tou ambas – uma era pior do
que a outra. Atacar Cuba le-
varia à 3.ª Guerra Mundial e
aquiescer faria Khruchev ten-
tar algo ainda mais ousado,
provavelmente em Berlim, o
que também levaria a um
confronto. Nessas circuns-
tâncias, Kennedy começou a
buscar uma opção “menos
terrível” que aque-
las duas. Ao olhar
para a crise iraniana
hoje, devemos nos
questionar se não
há opções mais inte-
ligentes do que a
adotada atualmente
pelos EUA. / R.S.
Existe ainda um Khruchev con-
vencido de que enviar mísseis a
Cuba foi uma decisão acertada.
O ex-premiê soviético Nikita
morreu em 1971, porém, seu fi-
lhomaisvelho,Sergei,argumen-
taque,comamanobraqueapro-
ximou o mundo da guerra nu-
clear, seu pai conseguiu tudo o
quequeria:impedirumainvasão
deCuba e fazer com que os EUA
reconhecessem o status de su-
perpotência da URSS.
“Hoje não há mais Kennedy
nemNikita,masFidelaindaestá
por aí. Não é verdade?”, afirma
em inglês carregado de sotaque
russo, para depois cair na garga-
lhada.
Khruchev, o filho, conversou
portelefonecomoEstadodaci-
dade de Providence, nos EUA,
onde vive desde a dissolução do
blocosocialista.NaURSS,traba-
lhou como engenheiro de com-
putação e chefiou pesquisas pa-
ra desenvolvimento de sistemas
demísseis.Hoje,aos76anos,ele
é analista na área de segurança
internacional na Universidade
Brown.
“Depois da invasão da Baía
dos Porcos (em abril de 1961),
Fidel anunciou sua entrada no
bloco socialista. Cada superpo-
tênciadaGuerraFriatinhaaobri-
gação de proteger seus aliados.
Sobessalógica,Cubarepresenta-
va para a URSS o que Berlim era
para os EUA: um território pe-
queno, talvez sem importância
estratégica,masquesenãofosse
defendido representaria uma
derrotamoralepsicológicaàsu-
perpotência”,afirmaSergei.Co-
locar mísseis em Cuba, comple-
ta,foiumaformadeseupaimos-
trar que “estava falando sério”.
Alémdegarantirqueosameri-
canosnãotentariamnovamente
invadir a ilha para derrubar Fi-
del, Moscou também conquis-
tou, em outubro de 1962, o res-
peitodeWashingtonporseusta-
tus de superpotência global. “A
URSS passou a ser vista pelos
EUA como ‘igual’. Os america-
nos não querem reconhecer o
status de ninguém, nem da
URSS, nem da Rússia, nem do
Brasil.Portanto,sevocêquerser
levadoasério,vocêtemdedesa-
fiar o poder.”
OfilhodeNikitagostadefalar
sobrea relação que seu pai tinha
com Kennedy e do respeito mú-
tuo entre os homens mais pode-
rosos dos anos 60. O presidente
americano, bon vivant e galan-
teador,eosecretário-geralsocia-
lista,veteranodabatalhadeSta-
lingradoeconhecidopelassapa-
tadas na tribuna da ONU, ti-
nhamvisõesdemundoevalores
opostos, explica. Mas descobri-
ramquecompartilhavamumob-
jetivo maior: preservar a paz
mundial.
“Meu pai viu que Kennedy era
um interlocutor sério, com
quemerapossívelchegaraacor-
dos. Negociar com amigos não é
uma negociação real, mas uma
festa. O importante é negociar
comosinimigos”,afirmaSergei.
Éessaamaiorliçãoqueoprimo-
gênito de Khruchev tira da crise
de1962.MasosEUA,critica,não
aprenderam nada.
“É preciso entender melhor
seu inimigo, sem ficar impondo
sanções a todos, mas conduzin-
donegociaçõesdealtonívelcom
elesparaentendercomosatisfa-
zer aos dois lados sem iniciar
mais um confronto.O presiden-
te George W. Bush lançou duas
guerras e os EUA perderam am-
bas.Agoraestãofalandoemguer-
ranaSíria, noIrã, emtodolugar.
Não aprenderam nada.” / R.S.
Hoje nos EUA, filho de Khruchev
defende decisão de enviar mísseis
ENTREVISTA
‘Foi o momento mais
perigoso da história’
DIVULGAÇÃO
Graham Allison, cientista político e professor de Harvard
Filho. Vida em Providence
Primogênito do ex-líder
soviético diz que seu pai
conseguiu o que queria:
proteger Cuba e obter
o respeito dos EUA