O documento discute a possibilidade de concessionárias de rodovias cobrarem pelo uso da faixa de domínio por outras concessionárias de serviços públicos. Apresenta o debate jurídico sobre a gratuidade versus onerosidade do uso das faixas de domínio e aponta alto grau de insegurança jurídica devido a decisões judiciais conflitantes sobre o tema, apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter decidido a favor da cobrança.
2. As concessões rodoviárias englobam outros aspectos além da construção e da disponibilização da infraestrutura viária. Dentro da
prestação do serviço público é possível identificar obrigações relacionadas à manutenção e à operação do complexo viário
concedido, incluindo, além do leito carroçável, as praças de pedágio, as edificações, os acostamentos e também as faixas de
domínio.
A Lei Federal de Concessões autoriza expressamente a obtenção de fontes alternativas de receitas, pelas concessionárias,
mediante a exploração de atividades acessórias ao serviço ou bem público concedido. Com base nessa previsão, diversas
indagações foram suscitadas, dentre elas quanto à possibilidade da cobrança pelo uso de parcela do bem público concedido –
como a faixa de domínio, no caso das concessões de rodovias –, para o uso de terceiros estranhos ao contrato de concessão.
Apesar da existência de diversos trabalhos sobre o tema,2 ainda é comum encontrar decisões judiciais que empregam tratamento
análogo a situações distintas – como o uso de logradouros públicos municipais para passagem de infraestrutura de suporte a
serviços públicos3 – ou se omitem no enfrentamento de questões relevantes que o tema sugere – como a ausência de norma
específica autorizando a gratuidade no uso por terceiros da faixa de domínio de rodovia concedida.4
Permanece aberta a discussão quanto à cobrança pelo uso da faixa de domínio por outras concessionárias de serviços públicos
para viabilizar o cumprimento de suas respectivas obrigações contratuais. Sob o enfoque das decisões judiciais mais recentes do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nota-se alto grau de instabilidade e insegurança jurídica, pois não há tratamento
uniforme a esse respeito – em que pese o Superior Tribunal de Justiça ter chancelado a cobrança em acórdão de 2014.
2. Da gratuidade à onerosidade: a lógica pela cobrança no uso das faixas de domínio
Nos contratos de concessão rodoviária, é comum a previsão de que a concessionária tem o dever de cooperar com outras
concessionárias de serviços públicos para instalação da infraestrutura necessária ao desempenho de suas atividades (por
exemplo, tubulação de água, redes de eletricidade, de gás natural, de telecomunicações etc.), constituindo receitas acessórias
àquelas decorrentes da utilização da faixa de domínio. O uso das faixas de domínio, por integrarem o bem público concedido,
deve ser autorizado pelo titular do bem.5
Também é usual que o titular do bem – o Poder Concedente – estabeleça parâmetros para a fixação, pela concessionária, dos
valores a serem cobrados pelo uso da faixa de domínio.6
De modo semelhante, os valores das tarifas cobradas dos usuários que trafegam pela rodovia concedida também são
estabelecidos pelo Poder Concedente no momento da divulgação do edital7 ou, nos casos em que o julgamento do certame se dá
pelo menor valor de tarifa, após disputa entre os próprios licitantes.
Vê-se que a exploração econômica da faixa de domínio, mediante a cobrança pelo seu uso, não decorre de liberalidade das
concessionárias de rodovias. Tampouco é feita nos termos e condições que bem entenderem. Ao contrário. Os direitos que as
concessionárias exercem sobre a faixa de domínio são condicionados pelo Poder Concedente, que é quem autoriza o seu uso e
estabelece os parâmetros para a fixação dos valores a serem cobrados de quem dela quiser fazer uso.
Tanto as tarifas de pedágio quanto as receitas acessórias provenientes da exploração da faixa de domínio dependem de atos do
Poder Concedente. Ao receber o bem público em concessão, a concessionária passa a fazê-lo em nome do Estado, nos termos do
contrato de concessão. A rodovia concedida é bem público pertencente ao Estado, daí seu poder de ofertá-la em concessão e de
cobrar por seu uso.
Substancialmente, não há diferença entre as tarifas cobradas dos usuários da rodovia e a cobrança pelo uso da faixa de domínio:
ambas têm seus valores regulados pelo Poder Concedente e devem recair sobre todos quantos façam uso do bem público
concedido, exceto nos casos de gratuidade expressamente previstas em lei ou no próprio contrato – por exemplo, para a
passagem de viaturas de forças policiais em serviço.
No passado distante, não havia cobrança pelo uso de bens públicos para a passagem da infraestrutura necessária para a
prestação de serviços públicos diversos e pouco se falava sobre a cobrança de pedágio. Algumas hipóteses explicam esse cenário.
A primeira delas é que o Estado desempenhava diretamente essas atividades de serviços públicos, por intermédio de suas
empresas. Havia uma noção geral de que não faria sentido cobrar pelo uso de bens públicos que eram utilizados pelo próprio
Estado – ainda que através de empresas pertencentes a distintas unidades Federativas – e menos ainda quando esse uso se dava
para o fim de prover novos serviços públicos à coletividade.8
A segunda razão é que, no passado, havia o nítido propósito de promover a universalização dos serviços públicos. E, para isso, a
criação de infraestrutura era imprescindível. A fim de facilitar esse movimento, criou-se a noção de que o uso de bem público não
poderia ter custo nesses casos.9
Finalmente, o terceiro motivo, que ainda se faz presente nos dias de hoje, e que exerce papel determinante no debate, decorre de
uma visão ideológica segundo a qual os bens públicos devem ser acessíveis a todos quantos queiram deles fazer uso, sem ônus ou
embaraços. Mais simplória do que as anteriores, essa tendência é a que se mostra mais eficaz, pois pode ser aplicada a qualquer
situação em que se discuta a cobrança pelo uso de bem público, ao mesmo tempo que ignora o direito positivo, que não prevê
essa gratuidade geral, como se verá a seguir.
3. Carlos Ari Sundfeld expôs o argumento ao analisar a possibilidade de o município cobrar pelo uso de bem público de sua
titularidade para a passagem de infraestrutura de serviços públicos de terceiros:
“É puramente ideológica a ideia de que as vantagens públicas devem ser sempre gratuitas. A ordem jurídica não adota essa
concepção, tanto que prevê a cobrança de taxas e tarifas pelos serviços públicos. Todavia, é verdade que o Direito formula, em
casos específicos, exigências de gratuidade (ex: serviço de educação em estabelecimentos oficiais...).
Não há fundamento normativo para sustentar, no Brasil, a existência de uma regra geral, (isto é, aplicável a todos os casos,
independentemente do emprego a ser dado ao bem) de gratuidade de uso privativo, sendo de recordar que o art. 103 do
Código Civil acena com a possibilidade de ser oneroso até mesmo o ‘uso comum’ (quer dizer, o feito pelo povo em geral), o que é
também previsto pela Constituição Federal de 1988 em relação às ‘vias conservadas pelo Poder Público’, nas quais se pode cobrar
pedágio.
Nada impede, todavia, que o direito positivo crie uma regra geral de gratuidade em favor de certos usos privativos ou de certos
sujeitos, pois a onerosidade não é da essência do uso, mas uma faculdade do titular do bem, que pode exercê-la ou não de acordo
com suas orientações. A necessidade de pagar pelo uso privativo de certo bem gera um custo para o utente. Evidentemente, se a
Municipalidade tem razões para não onerá-lo, visando a incentivar sua atividade, não exigirá remuneração pelo uso de seus
bens. Esse foi o comportamento habitual em relação aos serviços de rede (telecomunicações, energia, gás, água e esgoto), na
época de sua implantação e enquanto seus prestadores eram entes públicos ou empresas estatais. Quando as privatizações
começaram – e, especialmente, quando surgiu a competição nos serviços de telecomunicações –, os Municípios foram alternando
sua postura, entendendo mais importante ampliar a arrecadação do que fomentar negócios lucrativos, ainda que de interesse
público”.10
Nota-se que o contexto mudou muito desde os tempos de gratuidade. As privatizações transferiram a prestação de serviços
públicos essenciais para as mãos de particulares, que muitas vezes os exploram em regime de competição, e sempre visando
extrair o melhor resultado econômico. Em parte graças a esse movimento, os serviços públicos se expandiram enormemente e
tiveram sua qualidade significativamente aprimorada.
Por outro lado, serviços que antes não eram diretamente cobrados dos usuários passaram a ser, corrigindo a distorção de se
distribuir para toda a sociedade os custos de benefícios gozados por poucos. Toma-se aqui o exemplo das telecomunicações, cujos
altos custos das décadas de 1980 e 1990 não permitiram sua expansão, deixando parte considerável da população alijada dessa
comodidade. E também no caso das rodovias, que mesmo consumindo recursos públicos importantes que poderiam ser dirigidos
para áreas mais sensíveis, e impossíveis de serem cobradas, como saúde e educação, apresentavam altos índices de mortandade e
pouca eficiência para conectar o país.
A Lei Federal de Concessões, de 1995, que inaugurou o movimento de privatizações e de ampliação dos serviços públicos no
Brasil, expressamente previu a cobrança de tarifas pelo uso do bem concedido,11 tendência essa que foi seguida por outros entes
federativos.12 De modo semelhante, referida Lei Federal previu a possibilidade de obtenção de receitas mediante a exploração de
fontes alternativas,13 dentre as quais se incluem os valores recebidos em função da exploração pelo uso da faixa de domínio.
Em outra perspectiva, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de 1997, admitiu a cobrança pelo uso compartilhado da
infraestrutura necessária à prestação dos serviços de telecomunicações.14 E mais: a LGT reconheceu a competência do ente
regulador setorial para estabelecer as condições do compartilhamento.15
Assim, a um só tempo, a LGT conferiu às empresas de telecomunicações a ela subordinadas o direito de acesso a “postes, dutos,
condutos e servidões pertencentes ou controlados” por outros prestadores de serviços públicos, e reconheceu aos detentores
dessa infraestrutura, que por vezes não se subordinam predominantemente à LGT, o direito de cobrarem por referido
compartilhamento, ao prever o dever de observarem “preços e condições justos e razoáveis”.
A preocupação da LGT foi a de garantir que a fruição de dados bens públicos, uma vez concedidos, não restasse interditada a
terceiros que deles necessitassem para a prestação de outras atividades essenciais, estranhas aos serviços públicos neles
prestados. O objetivo não era incentivar o uso irrestrito e livre de ônus de bens públicos concedidos. Por isso, a LGT garantiu o
direito de acesso e fruição do bem público, mas não conferiu gratuidade, falando expressamente em contrapartida pecuniária.16
Tal qual ocorre com os serviços e bens públicos concedidos, em que usualmente seus usuários devem remunerar o
concessionário – exceto nas hipóteses que não envolvam a cobrança de tarifas –, aqueles que pretendem usufruir de parcela do
bem público outorgado em concessão, como são as faixas de domínio, devem retribuir monetariamente por este uso.
Ao comentar especificamente o tratamento normativo conferido pela LGT, Letícia Queiroz de Andrade explicou: “a remuneração
pelo uso de infraestrutura desenvolvida e mantida por outra concessionária é, como visto, admitida e incentivada pela legislação
atual, pela qual nem mesmo a fruição do serviço público é gratuita”. Na sequência, provocou “se é assim, qual seria a justificativa
apontada por aqueles que defendem que esse uso compartilhado das faixas de domínio deveria ser gratuito?”.17 (itálicos do original).
É lógico admitir a existência de vantagens ao se promover a instalação de parte da infraestrutura atrelada à prestação do serviço
concedido nas faixas de domínio de rodovias concedidas. Afinal, qual seria o motivo para instalação de antenas, postes, torres de
distribuição de energia etc. na faixa de domínio se não pelas comodidades que a concessão rodoviária poderá lhe assegurar? Em
outras palavras, se não houvesse benefício na instalação de infraestrutura na faixa de domínio de uma rodovia concedida, não
haveria interesse em sua utilização por terceiros e o problema de fundo que este artigo aborda não existiria.
4. Dessa maneira, parece razoável admitir que a concessionária que instala parcela de sua infraestrutura na faixa de domínio
usufrui de algum benefício em razão disso. Sem adentrar nos elementos técnicos – cuja importância não se pode desprezar, mas
cuja análise escapa dos limites deste artigo – é difícil crer num benefício gratuito para um lado que não importe ônus algum ao
outro. É plausível supor que a concessionária responsável pela faixa de domínio também perceba um acréscimo nos seus custos
em função da utilização de sua faixa de domínio por outrem.
3. Onerosidade no uso das faixas de domínio
Os argumentos usualmente apresentados em favor da gratuidade pressupõem, além do fundamento ideológico acima
mencionado, indubitavelmente o mais relevante, que o uso da faixa de domínio não acarreta custos ao titular do bem ou a seu
concessionário. Antes de ilegal, a cobrança seria injusta, porque não se prestaria a remunerar serviço algum – e mais, traria ônus
a outras concessionárias de serviços públicos, que teriam de transferi-los a seus correspondentes usuários.
Partindo dessas premissas, sustentaria a gratuidade o Dec. 84.398/1980,18 editado pela União para regular o Código de Águas (Dec.
24.643/1934).
Vê-se de plano a inaplicabilidade do Decreto à universalidade dos casos. Primeiro, por se tratar de norma que expressamente se
dirige ao setor elétrico. Segundo, porque foi editado pela União como norma infralegal e não pode, por isso, regular o uso de bem
público de domínio estadual, como ocorre, por exemplo, com as rodovias estaduais.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já corroborou esse entendimento, como mostra o excerto a seguir:
“Também não há o fumus boni juris, pois o art. 2.º do Dec. 84.398/1980, que exonera as concessionárias de energia elétrica do
pagamento pela ocupação das faixas de domínio de rodovias, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez
que invade a competência dos Estados e Municípios, com ofensa ao princípio federativo. O art. 11 da Lei 8.987/1995, que confere
ao concessionário o direito de auferir receitas acessórias, retirou a eficácia do art. 2.º do Dec. 84.398/1980 e do art. 151 do Código
de Águas, por incompatibilidade de preceitos".19
A União não tem competência para regular nesses termos o uso de bem público pertencente a outro ente da Federação. E, ainda
que tivesse, há fundada dúvida quanto à legalidade do Decreto. Com o pretexto de regular o Código de Águas, recepcionado pela
doutrina como lei ordinária, o Dec. 84.398/1980 conferiu a dada categoria de agentes um direito novo, inexistente na norma que
pretendeu regular.20 Haveria fundada dúvida quanto à validade do decreto.
A partir do exemplo dado é possível imaginar conflitos em potencial envolvendo as competências dos entes federativos para
disciplinar a prestação de serviços públicos de sua titularidade e o uso de seus bens públicos.
O Código Civil, aliás, expressamente contemplou a possibilidade de gratuidade de bem público, mas conforme for estabelecido
legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem.21 Não fossem essas razões suficientes para o afastamento do referido
Decreto, deve-se anotar que a norma restringiu o benefício da gratuidade a uma categoria específica de concessionários: a dos
exploradores de serviços públicos de energia elétrica. Não há razão jurídica para pretender estender os efeitos do Decreto do
Código de Águas a outras categorias de agentes.
É verdade que esse cenário mudou sensivelmente com a edição da Lei Federal 13.116, de 20.04.2015, que instituiu gratuidade
para a instalação de infraestrutura de suporte a serviços de telecomunicações “em vias públicas, em faixas de domínio e em
outros bens públicos de uso comum do povo”, ainda que “explorados por meio de concessão”.
No entanto, a própria Lei previu que referida gratuidade dá-se apenas em face dos contratos de concessão assinados após a
promulgação da norma. Para os contratos de concessão firmados antes de 20.04.2015, permanece o regime anteriormente
existente, com suas dúvidas e controvérsias.
Confira-se o dispositivo legal acima referido:
Lei Federal 13.116, de 20.04.2015
Art. 12. Não será exigida contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros
bens públicos de uso comum do povo, ainda que esses bens ou instalações sejam explorados por meio de concessão ou outra
forma de delegação, excetuadas aquelas cujos contratos decorram de licitações anteriores à data de promulgação desta Lei.
§ 1.º O disposto no caput não abrange os custos necessários à instalação, à operação, à manutenção e à remoção da infraestrutura
e dos equipamentos, que deverão ser arcados pela entidade interessada, e não afeta obrigações indenizatórias decorrentes de
eventual dano efetivo ou de restrição de uso significativa.
§ 2.º O direito de passagem será autorizado pelos órgãos reguladores sob cuja competência estiver a área a ser ocupada ou
atravessada.
A norma legal acima transcrita elimina dúvidas em relação aos contratos de concessão a serem firmados no futuro, haja vista o
disposto na parte final do caput. Seria verdadeiro afirmar que, ao afastar a incidência da gratuidade em relação aos contratos já
firmados por ocasião de sua promulgação, a Lei teria implicitamente reconhecido a possibilidade da ocorrência de cobrança
naqueles casos pretéritos? Independentemente da resposta que se queira dar, também aqui há dúvida quanto à possibilidade de
5. lei federal dispor desse modo sobre o uso de bem público de outros entes da Federação, com impacto nos contratos de concessão
a serem por eles firmados.
4. Custos ocultos na utilização das faixas de domínio
Independentemente das normas em vigor, o uso da faixa de domínio tem custos reais. É equivocada a premissa de que o uso das
faixas de domínio acarreta ônus a ninguém e, por isso, seria injusta. É necessário identificar os custos ocultos que estão por trás
da utilização do bem público. A dificuldade, como já apontado, reside na tentativa de romper com a ideologia enraizada acerca da
utilização de bens públicos como ativos sempre à disposição de forma não onerosa.
O bem público também está sujeito à escassez e, como tal, convém ao Poder Público estipular modelos que possam atender às
necessidades sociais sem perder de vista as condições necessárias para a sua manutenção.
As concessionárias de rodovias necessariamente desfrutam dessa posição porque venceram processos de licitação pública, pelos
quais assinaram contratos com o Poder Concedente, nos quais se comprometeram a realizar obras de difícil execução, o que
inclui também a faixa de domínio, além de manter e conservar o trecho concedido em condições adequadas e seguras de uso.
Para tanto, receberam do Estado o direito de explorar economicamente o bem público, cobrando pelo seu uso, nos termos fixados
em contrato. Essa cobrança onera apenas aqueles que utilizam efetivamente o bem público concedido e os serviços inerentes –
trafegando na rodovia; utilizando seu entorno para a instalação de estabelecimentos comerciais; afixando painéis publicitários
nas suas adjacências; ou instalando infraestrutura para a exploração de serviços públicos econômicos.
Os valores cobrados recaem única e exclusivamente sobre quem efetivamente utiliza o bem público, percebendo dele benefícios
diretos muito claros, por exemplo, rodovia com condições adequadas de sinalização e segurança; estabelecimentos comerciais
com público cativo que trafega pela via; e faixa de domínio em boas condições de uso e em condições de segurança, tudo em
decorrência do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas de manter todo o perímetro concedido em condições
apropriadas.
Para cumprir suas obrigações contratuais, não raras vezes a concessionária executa inúmeras obras que interferem na faixa de
domínio, razão pela qual tem o direito e o dever de controlar adequadamente seu uso por terceiros. A razão de ser da faixa de
domínio é justamente para permitir a execução das obras e serviços inerentes ao serviço público concedido, como a instalação de
canteiros de obras, de dispositivos operacionais (por exemplo, postos de pesagem de veículos pesados, áreas de descanso,
telefones de emergência etc.).
Não faria sentido aceitar que a concessionária assumisse o risco de se ver impedida de executar dada obra, a que teria dever por
força do contrato de concessão por ela assinado, em função do uso gratuito da faixa de domínio por terceiros. Tampouco seria
razoável admitir que a concessionária tivesse de administrar, gratuitamente, a ocupação de sua faixa de domínio por diversos
agentes interessados em usá-la pelos mais variados pretextos. Há de se considerar, inclusive, que o uso da faixa de domínio por
terceiros pode resultar, excepcionalmente, em danos ao serviço público concedido (por exemplo, em virtude do rompimento de
uma adutora de água).
Todas essas circunstâncias acarretam custos à concessionária, que é responsável pela rodovia e pela faixa de domínio, frise-se,
por força de um contrato firmado mediante prévia e regular licitação.
De forma objetiva, Carlos Ari Sundfeld e André Rosilho identificam, enquanto fundamento de validade para a cobrança de tarifa
de acesso à rodovia, o privilégio usufruído por aqueles que se valem da concessão rodoviária e das comodidades que oferecem
para o exercício de suas atividades:
“Há quem afirme que a cobrança de tarifa de acesso dos estabelecimentos comerciais deveria guardar estrita correlação somente
com os custos diretos para sua implantação. Esta máxima é desdobramento da premissa segundo a qual o Estado – ou quem atue
em nome seu – só poderia cobrar pelo acesso direto à rodovia na hipótese de, ele próprio, se responsabilizar pela construção,
manutenção e fiscalização das vias de acesso a terrenos privados.
Mas a cobrança pela conexão especial e direta com a rodovia, como visto, não tem origem somente em eventuais custos
suplementares aos quais o Estado ou a concessionária ocasionalmente incorra para implantar, fiscalizar ou conservar as próprias
vias de acesso. Ela deriva, mais que isso, de toda a prestação do serviço público de rodovia, do qual o proprietário de
estabelecimento comercial lindeiro é beneficiário especial; deriva do custo global do serviço”.22
Embora a situação examinada por Sundfeld e Rosilho, consistente no direito de acesso à rodovia para instalação de
estabelecimento comercial, refira-se a questão distinta da que ora é examinada, o raciocínio aplica-se por identidade de razão. O
que está em jogo é o uso privilegiado que o bem público concedido pode proporcionar a terceiros.23
5. A ambivalência do argumento da modicidade tarifária
A defesa da gratuidade no uso da faixa de domínio apregoa que a cobrança traria custos às concessionárias prestadoras de outros
serviços públicos quando precisassem da faixa de domínio, e referidos custos necessariamente teriam de ser repassados a seus
respectivos usuários, contrariando o princípio da modicidade tarifária.
Por trás do argumento reside o pressuposto de que o serviço público prestado por essas outras concessionárias (de saneamento,
6. de eletricidade ou de telefonia) é mais importante do que o serviço público de manutenção e conservação de rodovias, ou de que
qualquer outro em que se entenda que o uso da correspondente infraestrutura possa ser compartilhado para o atendimento de
dada comodidade.
O equívoco está na origem do argumento. Fosse verdadeira a tese sustentada, restaria vedada a cobrança de tarifas de consumo
de energia das concessionárias de telefonia, e das concessionárias de energia não se poderia cobra tarifa de telefonia. E, para
ambas, não haveria cobrança de pedágio, quando funcionário seu tivesse de percorrer rodovia para atender a alguma obrigação
derivada do contrato de concessão. O absurdo é evidente e serve para reforçar que o uso de comodidades públicas escassas impõe
custos reais a alguém, que vai ao final pagar a conta.
Mas não é só. Se a mera invocação do princípio da modicidade tarifária pudesse assegurar a gratuidade, impor-se-ia, primeiro, o
dever de a concessionária que quer fazer uso da faixa de domínio demonstrar como a cobrança pela concessionária de rodovia
interferiria concretamente em suas atividades e nas tarifas cobradas de seus usuários. Em seguida, teria de demonstrar que
poderia elevar sponte propria suas tarifas, unicamente para compensar o suposto ônus em função do pagamento pelo uso da
faixa de domínio.
Superado esse aspecto, seria imperioso verificar também em que medida a modicidade das tarifas cobradas pela concessionária
exploradora da rodovia, que foram fixadas em contrato previamente assinado, seria impactada em razão da gratuidade. Em
outras palavras, analisar-se-ia também a modicidade tarifária a luz do contrato de concessão de rodovia, e não só da empresa que
quer se beneficiar da faixa de domínio. Relembre-se que, na dicção da Lei Federal de Concessões, que autorizou a exploração de
fontes alternativas de receitas em contrato de concessão, os valores obtidos em função dessa exploração acessória deveriam
reverter justamente para a modicidade das respectivas tarifas.
Daí a ambivalência do princípio da modicidade tarifária, pois a sua fluidez permite que tanto a concessionária utente quanto a
provedora da infraestrutura se utilizem de uma argumentação etérea, quando na verdade caberia àquele que invocasse dado
“direito” o ônus de demonstrar o impacto dos custos em suas respectivas atividades.
Por todos os ângulos que se examine, não se sustenta o argumento de que dado serviço seria mais importante do que outro e por
isso teria direitos de privilégio em relação à infraestrutura dos demais, incluindo a gratuidade ora debatida, com o intuito de
preservar a modicidade tarifária.
Vale aqui o alerta de Carlos Ari Sundfeld: “a suposição de que a economia de recursos do prestador beneficia o consumidor é
falsa, pois, nos mercados de concorrência imperfeita – como são os de serviços públicos –, não há qualquer relação direta entre
diminuição de custos e baixa de tarifas”.24
6. A posição recente do Superior Tribunal de Justiça
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que é lícita e legítima a cobrança pelo uso da faixa de domínio de rodovias concedidas à
iniciativa privada. O caso foi julgado em 2009, nos autos do REsp 975.097-SP, sob a relatoria do Min. Humberto Martins.
No precedente, o STJ tratou de disputa envolvendo a Concessionária Ecovias, que administra trechos de rodovias paulistas, e a
Sabesp, empresa constituída na forma de sociedade de economia mista para a prestação de serviços públicos de tratamento e
distribuição de água e de esgotamento sanitário.
No julgamento assentou-se que o art. 11 da Lei Federal de Concessões, ao dispor sobre as receitas acessórias, também autorizou a
cobrança pelo uso da faixa de domínio, desde que expressamente prevista no contrato de concessão. Confira-se a ementa do
acórdão:
Administrativo – Concessão de rodovia estadual – Prequestionamento e aplicabilidade apenas do art. 11 da Lei 8.987/1995 –
Instalação de dutos subterrâneos – Exigência de contraprestação de concessionária de saneamento básico – Possibilidade –
Necessidade de previsão no contrato de concessão – art. 11 da Lei 8.987/1995.
1. único artigo prequestionado e que se aplica ao caso é o art. 11 da Lei 8.987/1995.
2. Poderá o poder concedente, na forma do art. 11 da Lei 8.987/1995, prever, em favor da concessionária, no edital de
licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos
associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas.
3. No edital, conforme o inc. XIV do art. 18 da citada lei, deve constar a minuta do contrato, portanto o art. 11, ao citar “no
edital”, não inviabiliza que a possibilidade de aferição de outras receitas figure apenas no contrato, pois este é parte
integrante do edital.
4. No presente caso, há a previsão contratual exigida no item VI, 31.1, da Cláusula 31, in verbis: “cobrança pelo uso da faixa
de domínio público, inclusive por outras concessionárias de serviço público, permitida pela legislação em vigor”.
5. Violado, portanto, o art. 11 da Lei 8.987/1995 pelo Tribunal de origem ao impor a gratuidade.
Recurso especial conhecido em parte e provido.25
7. O precedente corrobora o que se disse anteriormente: concessionárias de serviços públicos devem compartilhar suas respectivas
infraestruturas mediante remuneração, inclusive quando o dever de pagamento recair sobre sociedade de economia mista, como a
Sabesp, que tem o Estado de São Paulo como acionista principal.
Por outro lado, parece inadequado pretender extrair do art. 11 da Lei 8.987/1995, isoladamente considerado, autorização
suficientemente clara para a cobrança pelo uso da faixa de domínio por concessionários de outros serviços públicos. Por isso, o
STJ entendeu que referida previsão deve vir prevista no contrato de concessão.
No final do ano de 2014, o STJ confirmou esse entendimento ao dar provimento a Embargos de Divergência opostos pela
Concessionária da Rodovia Presidente Dutra S/A em face de acórdão que proibira a cobrança pelo uso da faixa de domínio pela
Light Serviços de Eletricidade S/A. Segue a ementa:
“Administrativo. Processual civil. Embargos de divergência. Concessão. rodovia. Distribuição de energia elétrica. Cobrança pelo
uso de faixa de domínio. Art. 11 da Lei 8.987/1995. Possível desde que prevista no contrato. Caso sob análise. Prevalência da
disposição legal. Manutenção do entendimento da Primeira Seção explicitado no acórdão paradigma. Provimento.
1. Cuida-se de Embargos de Divergência interpostos contra acórdão que consignou não ser possível – no caso – a cobrança
de concessionária de distribuição de energia elétrica pelo uso da faixa de domínio de rodovia concedida, em razão da
existência do Dec. 84.398/1980.
2. É trazido paradigma da Primeira Seção no qual foi apreciado caso similar, quando se debateu a extensão interpretativa
do art. 11 da Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões e Permissões) e a possibilidade de cobrança pelo uso de rodovia por outras
empresas concessionárias.
3. No acórdão paradigma está firmado que o art. 11 da Lei 8.987/1995 autoriza a cobrança de uso de faixas de domínio,
mesmo por outra concessionária de serviço público, desde que haja previsão no contrato de concessão da rodovia, em
atenção à previsão legal.
4. Deve prevalecer o entendimento firmado pela Primeira Seção, que se amolda com perfeição ao caso: “Poderá o poder
concedente, na forma do art. 11 da Lei 8.987/1995, prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade
de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem
exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas (...). No presente caso, há a previsão contratual exigida no
item VI, 31.1, da Cláusula 31”.
Embargos de divergência providos.26
Os embargos de divergência importam em “mecanismo processual de uniformização da jurisprudência”,27 do que se infere que,
no STJ, parece pacífico o entendimento no sentido da legalidade da cobrança pelo uso da faixa de domínio,28 mesmo em relação a
agentes do setor elétrico, mas esse juízo tem sido acolhido apenas nalguns casos pelo TJSP.
Em litígio entre a concessionária de serviços de telecomunicações e a Concessionária Auto Raposo Tavares, o Tribunal Estadual
reconheceu que o art. 11 da Lei de Concessões, o Dec. Estadual 53.311/2008, que regulamentou aquela concessão, e o respectivo
contrato expressamente autorizaram a cobrança, pela concessionária da rodovia, pelo uso da faixa de domínio por empresa
prestadora de serviço público de telefonia.
Confira-se a ementa do acórdão:
Direito administrativo. Remuneração pelo uso de faixa de domínio de estrada de rodagem concedida a título de receita
alternativa. Hipótese de uso compartilhado da faixa de domínio por empresa de telecomunicações. Art. 11 da Lei Federal
8.987/1995. Art. 14 do Dec. Estadual 53.311/2008. Autorização contratual expressa. Inexistência de ato administrativo do poder
concedente isentando o uso de pagamento. Precedente dos Embargos de Divergência em REsp29 985.695. Pretensão do
concessionário ora julgada procedente. Recurso provido.30
Sobredito acórdão ainda reconheceu a aplicabilidade dos critérios de cobrança fixados pelo órgão de regulação – no caso, a
Artesp – e destacou que o uso da faixa de domínio se dá por liberalidade daquele que deseja dela fazer uso: “os critérios de
fixação dos valores exigidos são aqueles previstos nos regulamentos, conforme invocados na inicial, não fazendo o menor sentido
a pretensão do apelado de discuti-los, já que a ocupação é ato de sua manifestação de vontade”.
O precedente de 2014 do STJ também foi usado pela Corte Paulista ao reconhecer a legalidade da cobrança pelo uso da faixa de
domínio feita pela Concessionária Ecovias perante a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista. Pelos mesmos
fundamentos no caso citado, o Tribunal Estadual afirmou expressamente que “a lei permite a cobrança pelo uso da faixa de
domínio, desde que devidamente prevista no contrato de concessão”.31
Todavia, ainda persiste um cenário de incerteza na Corte Paulista, como se verá no tópico seguinte.
7. Instabilidade do debate forense
Na tentativa de acompanhar como estes argumentos estão sendo trabalhados no âmbito forense, foram identificadas algumas
decisões que tendem a sustentar a tese da gratuidade na utilização de bens públicos.