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Comentários sobre as obras, por Sérgio Assumpção

Música incidental para a peça homônima escrita em 1796 por Goethe (17491832), “Egmont” consta de uma abertura à qual se seguem nove peças para soprano,
narrador e orquestra. O enredo trata da resistência do povo flamengo, liderada pelo
Conde Egmont, contra a tirania espanhola nos Países Baixos, no século XVI. O tema é
deliberada metáfora para inspirar a resistência à onda de invasões perpetradas por
Napoleão Bonaparte em toda a Europa, à qual Beethoven se opunha frontalmente. A
captura e encarceramento de Egmont, a tentativa frustrada de resgate por sua amada
Clärchen, a visão da liberdade e da amada que precedem a execução de Egmont, a
subida de sua alma aos céus (coral de madeiras) e sua vitória final post mortem (fanfarra
final) estão todos sugeridos pela música, ainda que Beethoven jamais abra mão da
arquitetura formal, expressa nesta forma sonata.

Entre fevereiro e agosto de 1893 dedicou-se Tchaikovsky à composição de uma
obra que ele julgava ser uma de suas melhores criações. Seria sua última obra publicada
em vida e a última que dirigiria, na estréia, em 28 de outubro de 1893, apenas nove dias
antes de sua morte. A possível existência de um programa de fundo autobiográfico,
imaginado pelo compositor, mas jamais por ele revelado, pode ser a explicação para a
escolha dos temas e para a disposição não usual dos quatro movimentos da Sinfonia
Patética.
Um lento e sombrio solo de fagote amparado pelas cordas graves serve de
introdução ao primeiro movimento, seguido por um primeiro tema anunciado pelas
violas, e que ganha contornos mais rítmicos e vivos a seguir. O segundo tema é
expresso pelos contornos de uma lírica e pungente melodia, que se tornaria o trecho
mais célebre de toda a obra.
O segundo movimento, iniciado por melodia de violoncelos, é uma curiosa valsa
escrita em compassos de 5 tempos, o que lhe garante um caráter simultaneamente
inovador (porque em 5 tempos, portanto assimétrica) e tradicional (porque valsa). Já o
terceiro movimento vê surgir, por entre a oposição de figuras curtas em staccato e
legato, uma marcha, cuja melodia vai ao poucos se delineando até tomar de assalto toda
a orquestra e impor-se sobre os demais materiais musicais, conferindo ao movimento
um caráter militar.
O último movimento, mas não somente ele, expressa o caráter patético da obra.
Recitativos das cordas, entremeados por pausas são o ponto de partida para o
surgimento de um tema central, que será ouvido em imitação por toda a orquestra, e que
culminará numa coda intensa e escura, cujo caráter elegíaco tornar-se-á evidente na
figuração fúnebre expressa pelos contrabaixos, respondendo ao escuro fagote que
iniciara a obra quase 50 minutos antes.

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