SlideShare uma empresa Scribd logo
Emergência ABRIL / 2020
10
PSICOLOGIA NOS DESASTRES
Deslizamentos, enxurradas, inundações.De
novo, o mesmo enredo.Como sempre, como to-
do ano, no verão, o Brasil assistiu estarrecido a
estas tragédias.Desta vez, foi, principalmente,
em Minas Gerais, que deixou mais de 60 mor-
tes, Espírito Santo onde ainda há desabriga-
dos, a região metropolitana de São Paulo que
parou com grandes inundações, e na Baixada
Santista onde vidas foram perdidas, inclusive
de profissionais que estavam envolvidos nas
ações de salvamento.
Junta-se a este dramático enredo o debate
que se encontra em aberto sobre como desen-
volver procedimentos e estratégias específicas
para psicólogos, enquanto profissionais de
saúde mental, no pós-desastre. Encontra-se
aberto, por diversas razões, a saber:as sobre-
posições recorrentes entre o que é nomeado
como “desastre”, “emergência”, “acidente” ou
“crise”; a reflexão ainda incipiente sobre a es-
pecificidade da produção de cuidados nestas
situações; a tentadora sedução de adotar uma
postura assistencialista; e, ainda mais, as difi-
culdades de se enfrentar o desafio da atuação
em rede neste contexto, não apenas na área
da saúde, mas, também, nas articulações com
a assistência social, a educação, a Proteção e
Defesa Civil, entre outros.
Em qualquer um dos continentes, registra-
mos a presença de diferentes tipos de desas-
tres, desde inundações, deslizamentos, secas,
terremotos, conflitos armados e epidemias, em
diferentes intensidades e magnitudes. Os de-
sastres alteram, comprometem e interferem
nos processos de desenvolvimento humano,
podendo afetar de diferentes formas a saúde,
a infraestrutura, as crenças e as perspectivas
de vida. Desastres são, assim, interrupções
graves do funcionamento cotidiano de uma
comunidade, que acarretam perdas humanas/
materiais/econômicas/ambientais, excedendo
a capacidade da sociedade afetada
fazer frente à situação, por meio de
seus próprios recursos.
PÓS-DESASTRE
Os desastres explicitam uma pro-
blemática multifacetada, fazendo-nos
supor que os desastres naturais ape-
nas potencializam desastres huma-
nos, de proporções pouco dimensio-
nadas, em um contexto de rotina e
são,assim,potencialmentemuitomais
danososnasregiõesquejátêmdificul-
dades de verem suas demandas aten-
didas.Em meio à contextualização da
ação de saúde mental em desastres e
também da problematização dos diferentes cam-
pos que a atravessam, destaco brevemente, os
principais pontos estruturais na conformação de
uma intervenção em saúde mental, num contex-
to de desastre no Brasil, de acordo com a minha
compreensão e experiência.
Um primeiro ponto importante é estruturar a
estratégia de intervenção de forma contextuali-
zada e, especialmente no Brasil, articulada com
os mecanismos locais (públicos, essencialmente,
mas também de organizações civis) de manejo
da crise. Isto significa que a ação do psicólogo,
independentemente de onde ela parta, precisa
estar articulada e inserida em uma proposta – que
deve ser criada junto a autoridades locais com-
petentes – mais ampla de ação na emergência.
É de suma relevância que o/a profissional não
aja sozinho, tampouco desconheça a estratégia
a priori, determinada nos níveis social, de saúde
e de educação local, para mitigar a crise gerada
pelo desastre. Em outros termos, em situações
de emergência as necessidades básicas de qual-
quer pessoa – comida, água, abrigo e um mínimo
de conforto físico e emocional – devem estar su-
pridas em primeira instância. Estas são também
ações de saúde mental, ainda que não desem-
penhadas por psicólogos. Um segundo ponto é
que a intervenção deve ter como um de seus pi-
lares fundamentais as propostas de elaboração
dos sofrimentos (coletivos e individuais) gerados
pela situação (não necessariamente realizada só
pelo psicólogo) e também a construção da auto-
nomia (das comunidades, grupos de pessoas e
autoridades envolvidos) frente ao que aconte-
ceu, bem como a possibilidade de novas crises.
O papel do profissional da saúde mental é o
de escutar as demandas, conhecer o local pa-
ra mapear a oferta de serviços, articular e pen-
sar formas de sustentabilidade destas ações,
levando sempre em consideração os fatores já
mencionados da presença – lógica e esperada
– do desespero, da tristeza, da dor e do luto.
Não cabe ao psicólogo o papel de substituto do
serviço de saúde existente – especialmente le-
vando-se em conta os psicólogos voluntários e/
ou membros de organizações não governamen-
tais que se apresentam a agir nestas situações
– pois, esta ação termina apenas por ‘benefi-
ciar’ ao próprio psicólogo e não à comunidade
atingida, uma vez que ao término da interven-
ção deste voluntário, o atingido geralmente não
encontrará uma oferta de suporte sistemático.
O psicólogo pode e deve colaborar com as
ações de prevenção e avaliação da atuação
das entidades (governos, ONGs, grupos) em
situações de emergência. A emergência exige
rapidez de atuação na resposta, portanto, não
é o melhor momento para ser desencadeado
o início de aprendizado: é importante que este
tenha ocorrido em momento anterior ao desas-
tre, como forma de preparação, e deve incluir a
reflexão sobre a saúde mental e seus mecanis-
mos de intervenção.
Em situação de desastres, grande parte da
populaçãoatingidapassaráporsofrimentointen-
so,masencontraráconfortoeapoioemsuases-
tratégias comunitárias e cotidianas.Em seguida,
haverá os casos que poderão ser beneficiados
com projetos terapêuticos singulares, articula-
dos pelo psicólogo e, em muito menor volume,
aparecerão os casos que necessitarão de uma
escuta especializada e, até mesmo, de uma in-
tervenção farmacológica.Vale ressaltar que, em
geral, são aqueles já mais vulneráveis – como
os pacientes psiquiátricos, os morado-
res de rua, os desassistidos crônicos
– que mais sofrem e que são menos
percebidos pelas ações humanitárias
de contenção.Desta forma, levando em
conta o contexto, as redes já existentes,
asredescolocadasempráticaparaatu-
ar no desastre e uma compreensão do
trabalho do psicólogo como muito mais
próximodeumaaçãoinstitucionaleam-
pliada do que individualizada – acredito
ser possível ao profissional desta área
trabalhar para lidar com o sofrimento
dos dramas coletivos, das histórias in-
dividuais, e promover a saúde de pes-
soas afetadas por desastres.
Saúdemental
eresposta
Daniela Lopes - Psicóloga, Diretora da ABRRD
e Tenente-Coronel Reserva do CBMDF.
daniela.lopesdmd@gmail.com
MARINO
AZEVEDO
Desastres afetam a saúde, infraestrutura, crenças e perspectivas de vida

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Coluna Psicologia nos Desastres.pdf

um novo olhar para o sujeito social
um novo olhar para o sujeito social um novo olhar para o sujeito social
um novo olhar para o sujeito social
Projovem Urbano
 
Conceito sobre saúde mental Hoje
Conceito sobre saúde mental Hoje Conceito sobre saúde mental Hoje
Conceito sobre saúde mental Hoje
Luciane Santana
 
Conceito de saúde mental.
Conceito de saúde mental.Conceito de saúde mental.
Conceito de saúde mental.
Luciane Santana
 
Queremos realmente evitar 80% das mortes por Covid19?
Queremos realmente evitar 80% das mortes por Covid19?Queremos realmente evitar 80% das mortes por Covid19?
Queremos realmente evitar 80% das mortes por Covid19?
Eduardo Manoel Araujo
 
Acolhim
AcolhimAcolhim
Psicologia da Saúde e o novo paradigma: novo paradigma?
Psicologia da Saúde e o novo paradigma: novo paradigma?Psicologia da Saúde e o novo paradigma: novo paradigma?
Psicologia da Saúde e o novo paradigma: novo paradigma?
Marta Elini Borges
 
Reab. psico
Reab. psicoReab. psico
Reab. psico
Sílvia Valente
 
Crack: solução é acolher e reconstruir vidas
Crack: solução é acolher e reconstruir vidasCrack: solução é acolher e reconstruir vidas
Crack: solução é acolher e reconstruir vidas
Ministério da Saúde
 
Terapiacognitiva mod3
Terapiacognitiva mod3Terapiacognitiva mod3
Terapiacognitiva mod3
eprpfsr
 
265 gerenciamento do estresse ocupacional uma nova abordagem
265 gerenciamento do estresse ocupacional uma nova abordagem265 gerenciamento do estresse ocupacional uma nova abordagem
265 gerenciamento do estresse ocupacional uma nova abordagem
Tharas On Line
 
Lição 01 - V 1.0 - Psicologia dos Desastres e das Emergências.pdf
Lição 01 - V 1.0 - Psicologia dos Desastres e das Emergências.pdfLição 01 - V 1.0 - Psicologia dos Desastres e das Emergências.pdf
Lição 01 - V 1.0 - Psicologia dos Desastres e das Emergências.pdf
EmersonRibeiro97
 
O atendimento a crise em saude mental.pdf
O atendimento a crise em saude mental.pdfO atendimento a crise em saude mental.pdf
O atendimento a crise em saude mental.pdf
ssuser1a1543
 
1550516313Ebook_-_A_sade_mental_na_ateno_bsica.pdf
1550516313Ebook_-_A_sade_mental_na_ateno_bsica.pdf1550516313Ebook_-_A_sade_mental_na_ateno_bsica.pdf
1550516313Ebook_-_A_sade_mental_na_ateno_bsica.pdf
vilcielepazebem
 
ppt psiquiatria comunitaria. APRESENTAÇÃO
ppt psiquiatria comunitaria. APRESENTAÇÃOppt psiquiatria comunitaria. APRESENTAÇÃO
ppt psiquiatria comunitaria. APRESENTAÇÃO
MaiaraBarreto13
 
Psicologia das emergências
Psicologia das emergências Psicologia das emergências
Psicologia das emergências
Waleska Medeiros de Souza
 
Frossard2015
Frossard2015Frossard2015
Frossard2015
Thais Moura
 
O impacto psicológico de um acidente químico ambiental com oleo diesel
O impacto psicológico de um acidente químico ambiental com oleo dieselO impacto psicológico de um acidente químico ambiental com oleo diesel
O impacto psicológico de um acidente químico ambiental com oleo diesel
Cosmo Palasio
 
Inserção do assistente social em saúde mental em foco o trabalho com as fam...
Inserção do assistente social em saúde mental   em foco o trabalho com as fam...Inserção do assistente social em saúde mental   em foco o trabalho com as fam...
Inserção do assistente social em saúde mental em foco o trabalho com as fam...
Rosane Domingues
 
humanização saúde
humanização saúdehumanização saúde
humanização saúde
Aparecido Oliveira
 
enfermagempsiquiatrica-160804165253.pdf
enfermagempsiquiatrica-160804165253.pdfenfermagempsiquiatrica-160804165253.pdf
enfermagempsiquiatrica-160804165253.pdf
GlendaRegoSoares1
 

Semelhante a Coluna Psicologia nos Desastres.pdf (20)

um novo olhar para o sujeito social
um novo olhar para o sujeito social um novo olhar para o sujeito social
um novo olhar para o sujeito social
 
Conceito sobre saúde mental Hoje
Conceito sobre saúde mental Hoje Conceito sobre saúde mental Hoje
Conceito sobre saúde mental Hoje
 
Conceito de saúde mental.
Conceito de saúde mental.Conceito de saúde mental.
Conceito de saúde mental.
 
Queremos realmente evitar 80% das mortes por Covid19?
Queremos realmente evitar 80% das mortes por Covid19?Queremos realmente evitar 80% das mortes por Covid19?
Queremos realmente evitar 80% das mortes por Covid19?
 
Acolhim
AcolhimAcolhim
Acolhim
 
Psicologia da Saúde e o novo paradigma: novo paradigma?
Psicologia da Saúde e o novo paradigma: novo paradigma?Psicologia da Saúde e o novo paradigma: novo paradigma?
Psicologia da Saúde e o novo paradigma: novo paradigma?
 
Reab. psico
Reab. psicoReab. psico
Reab. psico
 
Crack: solução é acolher e reconstruir vidas
Crack: solução é acolher e reconstruir vidasCrack: solução é acolher e reconstruir vidas
Crack: solução é acolher e reconstruir vidas
 
Terapiacognitiva mod3
Terapiacognitiva mod3Terapiacognitiva mod3
Terapiacognitiva mod3
 
265 gerenciamento do estresse ocupacional uma nova abordagem
265 gerenciamento do estresse ocupacional uma nova abordagem265 gerenciamento do estresse ocupacional uma nova abordagem
265 gerenciamento do estresse ocupacional uma nova abordagem
 
Lição 01 - V 1.0 - Psicologia dos Desastres e das Emergências.pdf
Lição 01 - V 1.0 - Psicologia dos Desastres e das Emergências.pdfLição 01 - V 1.0 - Psicologia dos Desastres e das Emergências.pdf
Lição 01 - V 1.0 - Psicologia dos Desastres e das Emergências.pdf
 
O atendimento a crise em saude mental.pdf
O atendimento a crise em saude mental.pdfO atendimento a crise em saude mental.pdf
O atendimento a crise em saude mental.pdf
 
1550516313Ebook_-_A_sade_mental_na_ateno_bsica.pdf
1550516313Ebook_-_A_sade_mental_na_ateno_bsica.pdf1550516313Ebook_-_A_sade_mental_na_ateno_bsica.pdf
1550516313Ebook_-_A_sade_mental_na_ateno_bsica.pdf
 
ppt psiquiatria comunitaria. APRESENTAÇÃO
ppt psiquiatria comunitaria. APRESENTAÇÃOppt psiquiatria comunitaria. APRESENTAÇÃO
ppt psiquiatria comunitaria. APRESENTAÇÃO
 
Psicologia das emergências
Psicologia das emergências Psicologia das emergências
Psicologia das emergências
 
Frossard2015
Frossard2015Frossard2015
Frossard2015
 
O impacto psicológico de um acidente químico ambiental com oleo diesel
O impacto psicológico de um acidente químico ambiental com oleo dieselO impacto psicológico de um acidente químico ambiental com oleo diesel
O impacto psicológico de um acidente químico ambiental com oleo diesel
 
Inserção do assistente social em saúde mental em foco o trabalho com as fam...
Inserção do assistente social em saúde mental   em foco o trabalho com as fam...Inserção do assistente social em saúde mental   em foco o trabalho com as fam...
Inserção do assistente social em saúde mental em foco o trabalho com as fam...
 
humanização saúde
humanização saúdehumanização saúde
humanização saúde
 
enfermagempsiquiatrica-160804165253.pdf
enfermagempsiquiatrica-160804165253.pdfenfermagempsiquiatrica-160804165253.pdf
enfermagempsiquiatrica-160804165253.pdf
 

Último

Quest+Áes para Treinamento Ginecologia.pdf
Quest+Áes para Treinamento Ginecologia.pdfQuest+Áes para Treinamento Ginecologia.pdf
Quest+Áes para Treinamento Ginecologia.pdf
ighormt
 
Guia completo para secar de maneira saudável
Guia completo para secar de maneira saudávelGuia completo para secar de maneira saudável
Guia completo para secar de maneira saudável
barbosakennedy04
 
Saiba agora como aumentar o número de atendimentos médicos sem comprometer a ...
Saiba agora como aumentar o número de atendimentos médicos sem comprometer a ...Saiba agora como aumentar o número de atendimentos médicos sem comprometer a ...
Saiba agora como aumentar o número de atendimentos médicos sem comprometer a ...
Sergio Wilfrido Vazquez Apestegui
 
A-Importancia-da-Saude-Mental-na-Juventude.pptx
A-Importancia-da-Saude-Mental-na-Juventude.pptxA-Importancia-da-Saude-Mental-na-Juventude.pptx
A-Importancia-da-Saude-Mental-na-Juventude.pptx
walterjose20
 
Psicologia hospitalar ansiedade e abordagens da tcc
Psicologia hospitalar ansiedade e abordagens da tccPsicologia hospitalar ansiedade e abordagens da tcc
Psicologia hospitalar ansiedade e abordagens da tcc
rosilenenunes9
 
1-A Organização do Sistema de Saúde e a Atenção Primária à Saúde (APS) no Bra...
1-A Organização do Sistema de Saúde e a Atenção Primária à Saúde (APS) no Bra...1-A Organização do Sistema de Saúde e a Atenção Primária à Saúde (APS) no Bra...
1-A Organização do Sistema de Saúde e a Atenção Primária à Saúde (APS) no Bra...
LuFelype
 
Tecnicas-de-Instrumentacao-Cirurgica-Em-Cirurgia-Geral-e-Em-Videolaparoscopia...
Tecnicas-de-Instrumentacao-Cirurgica-Em-Cirurgia-Geral-e-Em-Videolaparoscopia...Tecnicas-de-Instrumentacao-Cirurgica-Em-Cirurgia-Geral-e-Em-Videolaparoscopia...
Tecnicas-de-Instrumentacao-Cirurgica-Em-Cirurgia-Geral-e-Em-Videolaparoscopia...
Fabiano Pessanha
 
mapas-mentais---calculo-de-medicacoes_1-3.pdf
mapas-mentais---calculo-de-medicacoes_1-3.pdfmapas-mentais---calculo-de-medicacoes_1-3.pdf
mapas-mentais---calculo-de-medicacoes_1-3.pdf
AdrianoPompiroCarval
 

Último (8)

Quest+Áes para Treinamento Ginecologia.pdf
Quest+Áes para Treinamento Ginecologia.pdfQuest+Áes para Treinamento Ginecologia.pdf
Quest+Áes para Treinamento Ginecologia.pdf
 
Guia completo para secar de maneira saudável
Guia completo para secar de maneira saudávelGuia completo para secar de maneira saudável
Guia completo para secar de maneira saudável
 
Saiba agora como aumentar o número de atendimentos médicos sem comprometer a ...
Saiba agora como aumentar o número de atendimentos médicos sem comprometer a ...Saiba agora como aumentar o número de atendimentos médicos sem comprometer a ...
Saiba agora como aumentar o número de atendimentos médicos sem comprometer a ...
 
A-Importancia-da-Saude-Mental-na-Juventude.pptx
A-Importancia-da-Saude-Mental-na-Juventude.pptxA-Importancia-da-Saude-Mental-na-Juventude.pptx
A-Importancia-da-Saude-Mental-na-Juventude.pptx
 
Psicologia hospitalar ansiedade e abordagens da tcc
Psicologia hospitalar ansiedade e abordagens da tccPsicologia hospitalar ansiedade e abordagens da tcc
Psicologia hospitalar ansiedade e abordagens da tcc
 
1-A Organização do Sistema de Saúde e a Atenção Primária à Saúde (APS) no Bra...
1-A Organização do Sistema de Saúde e a Atenção Primária à Saúde (APS) no Bra...1-A Organização do Sistema de Saúde e a Atenção Primária à Saúde (APS) no Bra...
1-A Organização do Sistema de Saúde e a Atenção Primária à Saúde (APS) no Bra...
 
Tecnicas-de-Instrumentacao-Cirurgica-Em-Cirurgia-Geral-e-Em-Videolaparoscopia...
Tecnicas-de-Instrumentacao-Cirurgica-Em-Cirurgia-Geral-e-Em-Videolaparoscopia...Tecnicas-de-Instrumentacao-Cirurgica-Em-Cirurgia-Geral-e-Em-Videolaparoscopia...
Tecnicas-de-Instrumentacao-Cirurgica-Em-Cirurgia-Geral-e-Em-Videolaparoscopia...
 
mapas-mentais---calculo-de-medicacoes_1-3.pdf
mapas-mentais---calculo-de-medicacoes_1-3.pdfmapas-mentais---calculo-de-medicacoes_1-3.pdf
mapas-mentais---calculo-de-medicacoes_1-3.pdf
 

Coluna Psicologia nos Desastres.pdf

  • 1. Emergência ABRIL / 2020 10 PSICOLOGIA NOS DESASTRES Deslizamentos, enxurradas, inundações.De novo, o mesmo enredo.Como sempre, como to- do ano, no verão, o Brasil assistiu estarrecido a estas tragédias.Desta vez, foi, principalmente, em Minas Gerais, que deixou mais de 60 mor- tes, Espírito Santo onde ainda há desabriga- dos, a região metropolitana de São Paulo que parou com grandes inundações, e na Baixada Santista onde vidas foram perdidas, inclusive de profissionais que estavam envolvidos nas ações de salvamento. Junta-se a este dramático enredo o debate que se encontra em aberto sobre como desen- volver procedimentos e estratégias específicas para psicólogos, enquanto profissionais de saúde mental, no pós-desastre. Encontra-se aberto, por diversas razões, a saber:as sobre- posições recorrentes entre o que é nomeado como “desastre”, “emergência”, “acidente” ou “crise”; a reflexão ainda incipiente sobre a es- pecificidade da produção de cuidados nestas situações; a tentadora sedução de adotar uma postura assistencialista; e, ainda mais, as difi- culdades de se enfrentar o desafio da atuação em rede neste contexto, não apenas na área da saúde, mas, também, nas articulações com a assistência social, a educação, a Proteção e Defesa Civil, entre outros. Em qualquer um dos continentes, registra- mos a presença de diferentes tipos de desas- tres, desde inundações, deslizamentos, secas, terremotos, conflitos armados e epidemias, em diferentes intensidades e magnitudes. Os de- sastres alteram, comprometem e interferem nos processos de desenvolvimento humano, podendo afetar de diferentes formas a saúde, a infraestrutura, as crenças e as perspectivas de vida. Desastres são, assim, interrupções graves do funcionamento cotidiano de uma comunidade, que acarretam perdas humanas/ materiais/econômicas/ambientais, excedendo a capacidade da sociedade afetada fazer frente à situação, por meio de seus próprios recursos. PÓS-DESASTRE Os desastres explicitam uma pro- blemática multifacetada, fazendo-nos supor que os desastres naturais ape- nas potencializam desastres huma- nos, de proporções pouco dimensio- nadas, em um contexto de rotina e são,assim,potencialmentemuitomais danososnasregiõesquejátêmdificul- dades de verem suas demandas aten- didas.Em meio à contextualização da ação de saúde mental em desastres e também da problematização dos diferentes cam- pos que a atravessam, destaco brevemente, os principais pontos estruturais na conformação de uma intervenção em saúde mental, num contex- to de desastre no Brasil, de acordo com a minha compreensão e experiência. Um primeiro ponto importante é estruturar a estratégia de intervenção de forma contextuali- zada e, especialmente no Brasil, articulada com os mecanismos locais (públicos, essencialmente, mas também de organizações civis) de manejo da crise. Isto significa que a ação do psicólogo, independentemente de onde ela parta, precisa estar articulada e inserida em uma proposta – que deve ser criada junto a autoridades locais com- petentes – mais ampla de ação na emergência. É de suma relevância que o/a profissional não aja sozinho, tampouco desconheça a estratégia a priori, determinada nos níveis social, de saúde e de educação local, para mitigar a crise gerada pelo desastre. Em outros termos, em situações de emergência as necessidades básicas de qual- quer pessoa – comida, água, abrigo e um mínimo de conforto físico e emocional – devem estar su- pridas em primeira instância. Estas são também ações de saúde mental, ainda que não desem- penhadas por psicólogos. Um segundo ponto é que a intervenção deve ter como um de seus pi- lares fundamentais as propostas de elaboração dos sofrimentos (coletivos e individuais) gerados pela situação (não necessariamente realizada só pelo psicólogo) e também a construção da auto- nomia (das comunidades, grupos de pessoas e autoridades envolvidos) frente ao que aconte- ceu, bem como a possibilidade de novas crises. O papel do profissional da saúde mental é o de escutar as demandas, conhecer o local pa- ra mapear a oferta de serviços, articular e pen- sar formas de sustentabilidade destas ações, levando sempre em consideração os fatores já mencionados da presença – lógica e esperada – do desespero, da tristeza, da dor e do luto. Não cabe ao psicólogo o papel de substituto do serviço de saúde existente – especialmente le- vando-se em conta os psicólogos voluntários e/ ou membros de organizações não governamen- tais que se apresentam a agir nestas situações – pois, esta ação termina apenas por ‘benefi- ciar’ ao próprio psicólogo e não à comunidade atingida, uma vez que ao término da interven- ção deste voluntário, o atingido geralmente não encontrará uma oferta de suporte sistemático. O psicólogo pode e deve colaborar com as ações de prevenção e avaliação da atuação das entidades (governos, ONGs, grupos) em situações de emergência. A emergência exige rapidez de atuação na resposta, portanto, não é o melhor momento para ser desencadeado o início de aprendizado: é importante que este tenha ocorrido em momento anterior ao desas- tre, como forma de preparação, e deve incluir a reflexão sobre a saúde mental e seus mecanis- mos de intervenção. Em situação de desastres, grande parte da populaçãoatingidapassaráporsofrimentointen- so,masencontraráconfortoeapoioemsuases- tratégias comunitárias e cotidianas.Em seguida, haverá os casos que poderão ser beneficiados com projetos terapêuticos singulares, articula- dos pelo psicólogo e, em muito menor volume, aparecerão os casos que necessitarão de uma escuta especializada e, até mesmo, de uma in- tervenção farmacológica.Vale ressaltar que, em geral, são aqueles já mais vulneráveis – como os pacientes psiquiátricos, os morado- res de rua, os desassistidos crônicos – que mais sofrem e que são menos percebidos pelas ações humanitárias de contenção.Desta forma, levando em conta o contexto, as redes já existentes, asredescolocadasempráticaparaatu- ar no desastre e uma compreensão do trabalho do psicólogo como muito mais próximodeumaaçãoinstitucionaleam- pliada do que individualizada – acredito ser possível ao profissional desta área trabalhar para lidar com o sofrimento dos dramas coletivos, das histórias in- dividuais, e promover a saúde de pes- soas afetadas por desastres. Saúdemental eresposta Daniela Lopes - Psicóloga, Diretora da ABRRD e Tenente-Coronel Reserva do CBMDF. daniela.lopesdmd@gmail.com MARINO AZEVEDO Desastres afetam a saúde, infraestrutura, crenças e perspectivas de vida