SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 12
Baixar para ler offline
Identidade Corporativa


É levantando bandeiras que se faz
                                                                                                                                   César Queiroz
nascer uma cultura de marca                                                                                                                 2012




01
“E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos
até os ombros, barba inculta e longa. Face escaveirada, olhar
fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de brim
americano; abordoado ao clássico bastão” 1. Esse é o peregrino.

Nasceu em Quixeramobim, Província do                                             O pai morre. Ele muda constantemente de
Ceará, em uma família, segundo João Brígido,                                     cidade e de profissão. Atua como negociante,
amigo de infância, numerosa de homens                                            professor, balconista, advogado provisionado.
válidos, ágeis, inteligentes e bravos, vivendo                                   Teve filhos. Sua esposa o traiu com um policial.
de vaqueirice e de pequena criação, que se                                       Muitos fracassos comerciais e frustrações,
envolveram em conflitos com os poderosos                                          muda novamente. Reencontra seu amigo de
Araújos, família rica, filiada a outras das                                       infância e escritor João Brígido e declara: “Vou
mais antigas do norte da Província.                                              para onde me chamam os mal aventurados”.

Sua infância é sofrida. Extermínio de parentes                                   Dizia ter uma promessa a cumprir, erguer vinte
pela família Araújo. Alcoolismo do pai e os                                      e cinco igrejas, longe do Ceará. Assim fala
maltratos da madrasta. Diziam, no entanto,                                       Honório Vilanova, sobrevivente de Canudos:
que era um moço sério, trabalhador, honesto,
religioso e de boa caligrafia. Cursara as aulas
de latim de seu avô, o professor Manoel
Antônio Ferreira Nobre. Estudou também
Português, Aritmética, Geografia e Francês.


Este artigo é uma homenagem ao Wally Olins e seu texto “Corporate Identity: The Myth and the Reality” publicado no segundo
capítulo do livro “Revealing the Corporation” editado por John Balmer e Stephen Grayser em 2003. No texto (que é uma transcrição
de uma palestra ministrada pelo autor em 6 de dezembro de 1978 para os membros da Royal Society for the Encouragement
of Arts) Olins analisa a Revolução Francesa e suas implicações para a gestão de marca. Aponta que, apesar da sua importância
fundamental, a identidade corporativa não é entendida em sua profundidade e tida apenas como elementos gráficos.

1
 . CUNHA, Euclides (1902) - Os Sertões.
Identidade Corporativa                                      César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                  2012
nascer uma cultura de marca




02
Nunca mais pude esquecer aquela presença. Era forte como um
touro, os cabelos negros e lisos lhe caíam nos ombros, os olhos
pareciam encantados, de tanto fogo, dentro de uma batina de
azulão, os pés metidos numa alpercata de currulepe, chapéu
de palha na cabeça. Era manso de palavra e bom de coração. Só
aconselhava para o bem. Nunca pensei, eu e compadre Antônio,
que um dia nossos destinos se cruzariam com o desse homem.

Uma tarde, ele foi embora do Urucu, caminhando vagarosamente,
levando no braço o borreguinho que meu irmão lhe dera.
Ficamos olhando a sua figura esquisita, durante algum tempo,
do alpendre. Até que sumiu na estrada, não para sempre.
Identidade Corporativa                                                   César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                               2012
nascer uma cultura de marca




03
Caminhava por toda parte do Sertão. Conhecia cada canto e seus
segredos. Conheceu face a face o sofrimento do povo. Rezava. Fazia
sermões. Dava conselhos, em uma época de extrema miséria e grande
seca por vir. Seu comportamento não era bem tido pelos latifundiários,
e nem por alguns líderes da igreja.

O acusaram de matar sua mãe. Foi preso, apanhou e teve os cabelos
raspados. A igreja o proibiu de pregar. Não encontraram provas e
voltou a peregrinar. A abolição da escravatura iniciou e assim escreve
o peregrino:


(...) sua alteza a senhora Dona Isabel libertou a escravidão,
que não fez mais do que cumprir a ordem do céu; porque era
chegado o tempo marcado por Deus para libertar esse povo de
semelhante estado, o mais degradante a que podia ver reduzido
o ente humano; a força moral (que tanto a orna) com que ela
procedeu à satisfação da vontade divina constitui a confiança
que tem em Deus para libertar esse povo, não era motivo
suficiente para soar o brado da indignação que arrancou o ódio
da maior parte daqueles a quem esse povo estava sujeito.
Identidade Corporativa                                              César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                          2012
nascer uma cultura de marca




04
Gostava do povo. Não apenas tinha consciência política. Ergueu-se
contra o regime. É proclamada a república, mas em nada adiantou.
A terra e o poder continuaram nas mãos da elite. E assim também
duramente continuaram seus sermões:


Agora tenho de falar-vos de um assunto que tem sido o assombro
e o abalo dos fiéis, de um assunto que só a incredulidade do
homem ocasionaria semelhante acontecimento: a República, que
é incontestavelmente um grande mal para o Brasil que era outrora
tão bela a sua estrela, hoje, porém, foge toda a segurança, porque
um novo governo acaba de ter o seu invento e do seu emprego lança
mão como meio mais eficaz e pronto para o extermínio da religião2.




. MACEDO, 1974, p. 175
2
Identidade Corporativa                                                                     César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                                                 2012
nascer uma cultura de marca




                                                    05
                                                    No sertão, em plena seca, ergue templos
                                                    sagrados em lugares esquecidos e abandonados.
                                                    Ergue também açudes. Ao seu lado tinha os
                                                    mestres de obras Manoel Faustino e Manoel
                                                    Feitosa. Compadece das pessoas e de suas
                                                    necessidades. Toca corações. O nome já muito
                                                    falado se tornava cada vez mais forte: Antônio
                                                    Conselheiro. Seus seguidores, os conselheiristas.

                                                    Inicia conflitos com a força militar. Em
                                                    Masseté, armados de garruchas, cacetes e
                                                    espingardas de caça reagiram ao ataque da
Estátua de Conselheiro, na antiga Canudos, mostra   polícia. Conselheiro percebeu que era hora
a força de quem defendeu suas ideias até a morte    de partir. A pressão do governo republicano,
                                                    da igreja e dos latifundiários tendia a crescer.
                                                    Reúne então seus seguidores e parte sertão
                                                    a dentro em busca da “Terra Prometida”.

                                                    Chega então ao lugar. Seu nome: Canudos (vinha
                                                    do nome de uma planta Canudos-de-Pito, boa
                                                    para fumar longos cachimbos), em pleno coração
                                                    da Bahia, em plena vegetação de caatinga, à
                                                    beira do rio Vaza-Barris e rodeado de morros os
                                                    quais se chamavam Cambaio, Caipã, Canabrava,
                                                    Cocorobó, Poço de Cima, Saui e Angico.


Canudos e as estradas regionais
Identidade Corporativa                                                 César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                             2012
nascer uma cultura de marca




                                    06
                                    Batiza o lugar, afinal é sagrado. Dá-lhe
                                    um novo nome: Bello Monte. A nenhum
                                    pertencia e era de todos, assim ensinava
                                    Conselheiro. Imediatamente cavaram
                                    trincheiras. Desejavam ardentemente proteger
                                    a liberdade, a justiça, os ideais e crenças
                                    que uniam o povo. Era necessário um livro e
                                    assim foi escrito pelo líder: “Apontamentos
                                    dos Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor
                                    Jesus Cristo para a Salvação dos Homens”.

                                    Canudos tornou-se o segundo maior município
Visão geral de Canudos 1            da Bahia, tinha 1/4 da população de Salvador.
                                    Diziam que todo o sertão queria ir para Bello
                                    Monte. Como afetava a economia do estado
                                    (pois muitos trabalhadores abandonavam as
                                    terras onde trabalhavam) não demorou a reagir a
                                    elite agrária nordestina. O governo também não
                                    se contentara com o fato, pois era uma nação
                                    dentro de outra sem o pagamento de impostos.




Visão geral de Canudos 2
Identidade Corporativa                                                       César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                                   2012
nascer uma cultura de marca




                                         07
                                         Em Bello Monte, a praça da igreja era o centro
                                         espiritual e político da comunidade. Moravam ali
                                         os líderes em casas de telhas. Ao redor foram
                                         se formando becos entrelaçados, levantando
                                         casas de taipa. Muitos diziam que lá “corria
                                         rios de leite e as barrancas eram de cuscuz”.
                                         Novos grupos iam chegando. Muitos ex-escravos
                                         e até índios Kaimbé e Kiriri se agregaram.

                                         Atribuições eram expedidas. Antônio Vilanova
                                         cuidava da economia canudense e também era
                                         uma espécie de “juiz de paz”. Fazia também
                                         parte dos dirigentes das operações militares e
                                         sob a sua guarda ficavam as armas e munições.
                                         A defesa pessoal de Antônio Conselheiro
                                         era formada por 600 homens que também
                                         eram responsáveis pela segurança da cidade.
                                         Todos usavam uniformes e eram chamados
                                         de Guarda Católica. Havia também os que
A comunidade de Canudos marchando para   cuidavam do plantio e os que construíam.
a Guerra – Pintura de Trípoli Gaudenzi
                                         Impressiona a autenticidade e a originalidade
                                         na formação da comunidade de Bello Monte
                                         em torno da figura de Conselheiro. Como
                                         pode haver um grupo do qual os membros
                                         entregam a si mesmos em lutas e guerras
                                         sangrentas (que duraram mais de um ano)
                                         contra o regime e a cultura predominante?
Identidade Corporativa                                                                 César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                                                2012
nascer uma cultura de marca




08
De um lado tem-se o invisível em canudos.          A cultura ortodoxa resultado do sistema
O líder acreditava, levantava a bandeira e agia.   econômico latifundiário (poucos recursos
Ele era a manifestação de um “chamado”,            para muitos, e muitos recursos para
de uma visão, de uma causa que girava em           poucos) não fazia sentido e era questionada
torno da liberdade e do fazer o bem. O fato        por Conselheiro: refletia o maltrato, a
de serem contra o pagamento de impostos            discriminação e a não valorização do ser
refletia a crença que partilhavam. Não              humano. Era preciso uma ruptura social,
era sobre impostos, era sobre a justiça,           e o início de uma nova forma de viver
sobre levantar e prosseguir adiante com            e enxergar o mundo e as pessoas.
suas crenças. E o movimento não era
nem tampouco sobre a pessoa de Antônio             As crenças, valores e ideais do líder iam
Conselheiro e sim o que ele representava.          de encontro à ruptura. Pulsão constante
                                                   a romper a cultura ortodoxa do contexto.
O que significava o líder senão uma resposta        Inovou, portanto, a forma de viver ao criar
aos anseios coletivos? Como não era sobre          uma comunidade em que tudo era de todos.
ele, poderia ter sido João Conselheiro, André      Cada vez mais pessoas se juntavam em
Conselheiro. Porém, foi Antônio que em sua         torno de Conselheiro. Eram discipuladas,
história levantou, ergueu, viveu e colocou para    ensinadas. A comunidade crescia. Era unida,
fora suas crenças e como elas respondiam aos       direcionada pela liberdade e estimulada a
anseios e desejos dos sertanejos e ao contexto     fazer o bem. Os que agregavam sentiam
em que viviam: a intensa miséria, a grande         parte de algo maior. O fazer era conjunto,
seca de 1877 (que trouxe consigo a morte de        como também o construir e o plantar.
mais de 300 mil sertanejos), a abolição da
escravatura, a monarquia e suas contradições
e adiante a republica em 1889 que em nada
deu poder aos cidadãos. O palco político,
social e econômico estava então montado.
Identidade Corporativa                                                                                        César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                                                                       2012
nascer uma cultura de marca




09
O mundo é pura crença. Canudos escancara esse fato. Agir pressupõe
acreditar. Pressupõe valoração, construção de sentidos pela interação
social. No mais profundo da construção de grupos a crença é a força
constante e invisível que move e direciona pessoas. É o alicerce do qual
surgem expressões que comunicam quem é o grupo. Como diz Peterson:

Nonetheless – to live, it is necessary to act. Action presupposes
belief and interpretation (implicit, if not explicit). Belief has to be
grounded in faith, in the final analysis (as the criteria by which a
moral theory might be evaluated have to be chosen, as well)3.

Do outro lado tem-se o visível. É natural                                   No centro da comunidade localizava-se
na formação de um grupo, exteriorizar (em                                   a igreja e a praça. Ponto de referência e
imagens, palavras e ações) suas crenças e                                   junto com a cruz símbolos dos ideais e
ideais. No caso de canudos o lugar foi batizado                             fundamentos da comunidade. Se todo lugar
mediante ritual liderado pelo Conselheiro.                                  era sagrado ali era lugar de reverência,
                                                                            de onde emanavam os valores e as
Ganhou um novo nome, Bello Monte. Antes,                                    crenças em forma de rituais e sermões
porém, o nome Antônio Conselheiro já era                                    que direcionavam os membros (tudo
forte, único e compartilhado tanto entre                                    era de todos). O povo se reunia para
os membros do grupo quanto fora dele                                        ouvir e juntos entoavam cantigas e hinos
(latifundiários, líderes católicos e o governo).                            celebrando quem era e o que representava.




. PETERSON, B. Jordan (1999). Maps of Meaning: The Architecture of Belief
3
Identidade Corporativa                                                  César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                              2012
nascer uma cultura de marca




                                    10
                                    Como todo grupo de pessoas, as crenças
                                    direcionam regras sociais sejam elas explícitas
                                    ou não. Em Canudos dividiam os bens, os vícios da
                                    bebida e da carne eram proibidos. As crenças e
                                    valores que direcionavam o comportamento dos
                                    membros ganhavam vida não apenas nos
                                    sermões, como também, no livro escrito pelo
                                    líder: “Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei
                                    de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Salvação
                                    dos Homens”. Ali continha em palavras sua visão
                                    sobre a vida humana.

Ruína da Igreja Velha de Canudos    Foi criada uma escola com um professor e uma
                                    professora. Lá as estórias eram contatadas aos
                                    pequeninos. Uniformes foram confeccionados
                                    para a Guarda Católica. As vestimentas e
                                    seu estilo foram ganhando forma. As casas
                                    eram de taipa e construídas em becos que
                                    entrelaçavam. Plantavam e colhiam. A culinária
                                    era compartilhada. Criaram cargos para a defesa,
                                    o comércio e subsistência da população.




Casa de Taipa em Canudos
Identidade Corporativa                                                               César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                                             2012
nascer uma cultura de marca




11
A formação de grupos é sobre isso. É sobre       Por onde viajamos ou passeamos, nosso
como o comportamento e a aparência               tom de voz, gestos, postura, corte de
simbolizam e refletem a realidade. O              cabelo, esportes que praticamos, são
invisível que direciona o visível. As crenças,   fontes de sentidos que no conjunto
valores e ideais que institucionalizam uma       funcionam como atalhos. Querendo ou não,
forma de viver, de enxergar o mundo, a si        comunicam e dizem sobre quem somos.
mesmo e aos outros. É a pulsão constante
de uma identidade viva, que modela o             Esse é o visível. Em si nada significa. Mas
desenvolvimento da personalidade do grupo.       ao refletir uma realidade que pulsa a
Do intangível que se torna tangível.             cada segundo, expressa uma identidade.
                                                 Ganha assim força e relevância e se torna
A formação de grupos é sobre a autenticidade     meio pelo qual expressamos os sentidos e
de ideias, causas, sua relevância para as        significados sobre nós mesmos. Meio pelo
pessoas e a diferença que fazem no seu dia a     qual vivemos e interagimos e percebemos
dia. É um processo ontológico, de construção     o mundo e as pessoas ao nosso redor.
do ser. É sobre a formação de identidades e
suas expressões que dizem e comunicam            Isso é sedução pura. Representar ideais e
sobre as pessoas.                                causas autênticas que vão de encontro aos
                                                 nossos anseios e ao nosso contexto. E essa
Nós nos agregamos ao redor das marcas            é a melhor oportunidade que têm as marcas.
e participamos de sua construção. Onde           Serem meios de construção e expressão de
moramos, a roupa que usamos, por onde            identidades, participando do dia a dia das
passamos, o que fazemos com o tempo livre,       pessoas. Não é sobre benefícios (funcionais,
diz sobre quem somos. O que comemos, onde        emocionais, apesar de serem importantes) é
estudamos ou trabalhamos, o carro que temos,     sobre a participação na construção do ser.
escancaram características sobre nós.
Identidade Corporativa                                                                 César Queiroz

É levantando bandeiras que se faz                                                              2012
nascer uma cultura de marca




12
O que está em jogo são pessoas. O pensamento        É levantando bandeiras que se faz nascer
não é matemático, não vem da engenharia.            uma cultura em torno da marca. Pessoas
É ontológico, é sobre o ser humano e seus           que aderem e se juntam ao seu redor.
sonhos, crenças e desejos. É sobre a vida
humana e seu contexto sociocultural. Sobre          Sejam elas funcionários ou clientes ou
relacionar, viver, saborear, ver, encantar.         vários outros interessados. Assim nasce
                                                    uma identidade corporativa (no caso
Afinal não somos máquinas, vivemos no                quando o grupo de pessoas é uma empresa)
mundo da linguagem, de estórias, de encantos,       peculiar, original, autêntica, relevante,
de medos, decepções, conquistas, sucesso,           enraizada em um contexto sociocultural.
derrotas, aprendizagem, sentimentos.
                                                    De um lado a parte invisível (crenças,
É assim que as marcas podem seduzir,                valores, sonhos) e de outro a parte visível
participando socialmente de nossas vidas.           (comportamento, produtos/serviços, ambiente,
Levantando bandeiras que representam                comunicação). Sem crenças é impossível
nossos anseios. Qual a relevância de uma            quebrar ortodoxias e conectar com as pessoas.
visão egocêntrica? (“dobrar o tamanho nos           E o que devem ser as marcas senão crenças?
próximos 5 anos”, “ser referencia na área”). Qual
o movimento ou revolução que as marcas se
propõem? Qual é a estória de transformação?

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Revista Juvenil "Kambas da Paz"
Revista Juvenil "Kambas da Paz"Revista Juvenil "Kambas da Paz"
Revista Juvenil "Kambas da Paz"Helder Mequima
 
Boletim esperança 42
Boletim esperança 42Boletim esperança 42
Boletim esperança 42Robervaldu
 
O bispo a história revelada de edir macedo - christina lemos & douglas tavo...
O bispo   a história revelada de edir macedo - christina lemos & douglas tavo...O bispo   a história revelada de edir macedo - christina lemos & douglas tavo...
O bispo a história revelada de edir macedo - christina lemos & douglas tavo...Aristoteles Rocha
 
12. COMECE - O Jovem e o Movimento Espírita
12. COMECE - O Jovem e o Movimento Espírita12. COMECE - O Jovem e o Movimento Espírita
12. COMECE - O Jovem e o Movimento Espíritacomece
 
Solidariedade.EBD.Palavra e Vida.3T2015.Aula 5
Solidariedade.EBD.Palavra e Vida.3T2015.Aula 5Solidariedade.EBD.Palavra e Vida.3T2015.Aula 5
Solidariedade.EBD.Palavra e Vida.3T2015.Aula 5Andre Nascimento
 
Revista Boa Vontade, edição 196
Revista Boa Vontade, edição 196Revista Boa Vontade, edição 196
Revista Boa Vontade, edição 196Boa Vontade
 

Mais procurados (10)

O encontro
O encontroO encontro
O encontro
 
Revista Juvenil "Kambas da Paz"
Revista Juvenil "Kambas da Paz"Revista Juvenil "Kambas da Paz"
Revista Juvenil "Kambas da Paz"
 
Boletim esperança 42
Boletim esperança 42Boletim esperança 42
Boletim esperança 42
 
Informativo Janeiro 2010
Informativo Janeiro 2010Informativo Janeiro 2010
Informativo Janeiro 2010
 
Se a mediunidade falasse i
Se a mediunidade falasse iSe a mediunidade falasse i
Se a mediunidade falasse i
 
O bispo a história revelada de edir macedo - christina lemos & douglas tavo...
O bispo   a história revelada de edir macedo - christina lemos & douglas tavo...O bispo   a história revelada de edir macedo - christina lemos & douglas tavo...
O bispo a história revelada de edir macedo - christina lemos & douglas tavo...
 
12. COMECE - O Jovem e o Movimento Espírita
12. COMECE - O Jovem e o Movimento Espírita12. COMECE - O Jovem e o Movimento Espírita
12. COMECE - O Jovem e o Movimento Espírita
 
Va09
Va09Va09
Va09
 
Solidariedade.EBD.Palavra e Vida.3T2015.Aula 5
Solidariedade.EBD.Palavra e Vida.3T2015.Aula 5Solidariedade.EBD.Palavra e Vida.3T2015.Aula 5
Solidariedade.EBD.Palavra e Vida.3T2015.Aula 5
 
Revista Boa Vontade, edição 196
Revista Boa Vontade, edição 196Revista Boa Vontade, edição 196
Revista Boa Vontade, edição 196
 

Destaque

César Queiroz | O Poder do Branding na Gestão
César Queiroz | O Poder do Branding na GestãoCésar Queiroz | O Poder do Branding na Gestão
César Queiroz | O Poder do Branding na Gestãocesaraugustomgbr
 
César Queiroz | Para Competir Estrategicamente
César Queiroz | Para Competir EstrategicamenteCésar Queiroz | Para Competir Estrategicamente
César Queiroz | Para Competir Estrategicamentecesaraugustomgbr
 
César Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadores
César Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadoresCésar Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadores
César Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadorescesaraugustomgbr
 
César Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do design
César Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do designCésar Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do design
César Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do designcesaraugustomgbr
 
Learn BEM: CSS Naming Convention
Learn BEM: CSS Naming ConventionLearn BEM: CSS Naming Convention
Learn BEM: CSS Naming ConventionIn a Rocket
 
SEO: Getting Personal
SEO: Getting PersonalSEO: Getting Personal
SEO: Getting PersonalKirsty Hulse
 

Destaque (6)

César Queiroz | O Poder do Branding na Gestão
César Queiroz | O Poder do Branding na GestãoCésar Queiroz | O Poder do Branding na Gestão
César Queiroz | O Poder do Branding na Gestão
 
César Queiroz | Para Competir Estrategicamente
César Queiroz | Para Competir EstrategicamenteCésar Queiroz | Para Competir Estrategicamente
César Queiroz | Para Competir Estrategicamente
 
César Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadores
César Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadoresCésar Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadores
César Queiroz | As pessoas e sua identidade, as marcas e seus criadores
 
César Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do design
César Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do designCésar Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do design
César Queiroz | A Invenção da tradição e o papel do design
 
Learn BEM: CSS Naming Convention
Learn BEM: CSS Naming ConventionLearn BEM: CSS Naming Convention
Learn BEM: CSS Naming Convention
 
SEO: Getting Personal
SEO: Getting PersonalSEO: Getting Personal
SEO: Getting Personal
 

Semelhante a Identidade de Canudos (20)

Redações ... propostas
Redações ... propostasRedações ... propostas
Redações ... propostas
 
Candeia 20, nov/dez 2012
Candeia 20, nov/dez 2012Candeia 20, nov/dez 2012
Candeia 20, nov/dez 2012
 
His m06t16
His m06t16His m06t16
His m06t16
 
Jornal nº 01
Jornal nº 01Jornal nº 01
Jornal nº 01
 
Jornal nº 01
Jornal nº 01Jornal nº 01
Jornal nº 01
 
Boletim Jovem Agosto 2012
Boletim Jovem Agosto 2012Boletim Jovem Agosto 2012
Boletim Jovem Agosto 2012
 
16 01 2011
16 01 201116 01 2011
16 01 2011
 
Oficina Santa Dica - Módulo II - Aula I
Oficina Santa Dica - Módulo II - Aula IOficina Santa Dica - Módulo II - Aula I
Oficina Santa Dica - Módulo II - Aula I
 
O centro espirita_herculanopires
O centro espirita_herculanopiresO centro espirita_herculanopires
O centro espirita_herculanopires
 
Edição n. 30 do CH Noticias - Dezembro/2017
Edição n. 30 do CH Noticias - Dezembro/2017Edição n. 30 do CH Noticias - Dezembro/2017
Edição n. 30 do CH Noticias - Dezembro/2017
 
Nelson Maleiro
Nelson MaleiroNelson Maleiro
Nelson Maleiro
 
Cap. ii
Cap. iiCap. ii
Cap. ii
 
Vidas Secas - Graciliano Ramos
Vidas Secas - Graciliano RamosVidas Secas - Graciliano Ramos
Vidas Secas - Graciliano Ramos
 
6883294 textos-pr-ricardo-gondim
6883294 textos-pr-ricardo-gondim6883294 textos-pr-ricardo-gondim
6883294 textos-pr-ricardo-gondim
 
6883294 textos-pr-ricardo-gondim
6883294 textos-pr-ricardo-gondim6883294 textos-pr-ricardo-gondim
6883294 textos-pr-ricardo-gondim
 
Sermão para o sábado 23 de julho.pdf
Sermão para o sábado 23 de julho.pdfSermão para o sábado 23 de julho.pdf
Sermão para o sábado 23 de julho.pdf
 
CaldeirãO
CaldeirãOCaldeirãO
CaldeirãO
 
Antônio conselheiro
Antônio conselheiroAntônio conselheiro
Antônio conselheiro
 
Rui barbosa
Rui barbosaRui barbosa
Rui barbosa
 
A urna de dom bosco
A urna de dom boscoA urna de dom bosco
A urna de dom bosco
 

Identidade de Canudos

  • 1. Identidade Corporativa É levantando bandeiras que se faz César Queiroz nascer uma cultura de marca 2012 01 “E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até os ombros, barba inculta e longa. Face escaveirada, olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado ao clássico bastão” 1. Esse é o peregrino. Nasceu em Quixeramobim, Província do O pai morre. Ele muda constantemente de Ceará, em uma família, segundo João Brígido, cidade e de profissão. Atua como negociante, amigo de infância, numerosa de homens professor, balconista, advogado provisionado. válidos, ágeis, inteligentes e bravos, vivendo Teve filhos. Sua esposa o traiu com um policial. de vaqueirice e de pequena criação, que se Muitos fracassos comerciais e frustrações, envolveram em conflitos com os poderosos muda novamente. Reencontra seu amigo de Araújos, família rica, filiada a outras das infância e escritor João Brígido e declara: “Vou mais antigas do norte da Província. para onde me chamam os mal aventurados”. Sua infância é sofrida. Extermínio de parentes Dizia ter uma promessa a cumprir, erguer vinte pela família Araújo. Alcoolismo do pai e os e cinco igrejas, longe do Ceará. Assim fala maltratos da madrasta. Diziam, no entanto, Honório Vilanova, sobrevivente de Canudos: que era um moço sério, trabalhador, honesto, religioso e de boa caligrafia. Cursara as aulas de latim de seu avô, o professor Manoel Antônio Ferreira Nobre. Estudou também Português, Aritmética, Geografia e Francês. Este artigo é uma homenagem ao Wally Olins e seu texto “Corporate Identity: The Myth and the Reality” publicado no segundo capítulo do livro “Revealing the Corporation” editado por John Balmer e Stephen Grayser em 2003. No texto (que é uma transcrição de uma palestra ministrada pelo autor em 6 de dezembro de 1978 para os membros da Royal Society for the Encouragement of Arts) Olins analisa a Revolução Francesa e suas implicações para a gestão de marca. Aponta que, apesar da sua importância fundamental, a identidade corporativa não é entendida em sua profundidade e tida apenas como elementos gráficos. 1 . CUNHA, Euclides (1902) - Os Sertões.
  • 2. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 02 Nunca mais pude esquecer aquela presença. Era forte como um touro, os cabelos negros e lisos lhe caíam nos ombros, os olhos pareciam encantados, de tanto fogo, dentro de uma batina de azulão, os pés metidos numa alpercata de currulepe, chapéu de palha na cabeça. Era manso de palavra e bom de coração. Só aconselhava para o bem. Nunca pensei, eu e compadre Antônio, que um dia nossos destinos se cruzariam com o desse homem. Uma tarde, ele foi embora do Urucu, caminhando vagarosamente, levando no braço o borreguinho que meu irmão lhe dera. Ficamos olhando a sua figura esquisita, durante algum tempo, do alpendre. Até que sumiu na estrada, não para sempre.
  • 3. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 03 Caminhava por toda parte do Sertão. Conhecia cada canto e seus segredos. Conheceu face a face o sofrimento do povo. Rezava. Fazia sermões. Dava conselhos, em uma época de extrema miséria e grande seca por vir. Seu comportamento não era bem tido pelos latifundiários, e nem por alguns líderes da igreja. O acusaram de matar sua mãe. Foi preso, apanhou e teve os cabelos raspados. A igreja o proibiu de pregar. Não encontraram provas e voltou a peregrinar. A abolição da escravatura iniciou e assim escreve o peregrino: (...) sua alteza a senhora Dona Isabel libertou a escravidão, que não fez mais do que cumprir a ordem do céu; porque era chegado o tempo marcado por Deus para libertar esse povo de semelhante estado, o mais degradante a que podia ver reduzido o ente humano; a força moral (que tanto a orna) com que ela procedeu à satisfação da vontade divina constitui a confiança que tem em Deus para libertar esse povo, não era motivo suficiente para soar o brado da indignação que arrancou o ódio da maior parte daqueles a quem esse povo estava sujeito.
  • 4. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 04 Gostava do povo. Não apenas tinha consciência política. Ergueu-se contra o regime. É proclamada a república, mas em nada adiantou. A terra e o poder continuaram nas mãos da elite. E assim também duramente continuaram seus sermões: Agora tenho de falar-vos de um assunto que tem sido o assombro e o abalo dos fiéis, de um assunto que só a incredulidade do homem ocasionaria semelhante acontecimento: a República, que é incontestavelmente um grande mal para o Brasil que era outrora tão bela a sua estrela, hoje, porém, foge toda a segurança, porque um novo governo acaba de ter o seu invento e do seu emprego lança mão como meio mais eficaz e pronto para o extermínio da religião2. . MACEDO, 1974, p. 175 2
  • 5. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 05 No sertão, em plena seca, ergue templos sagrados em lugares esquecidos e abandonados. Ergue também açudes. Ao seu lado tinha os mestres de obras Manoel Faustino e Manoel Feitosa. Compadece das pessoas e de suas necessidades. Toca corações. O nome já muito falado se tornava cada vez mais forte: Antônio Conselheiro. Seus seguidores, os conselheiristas. Inicia conflitos com a força militar. Em Masseté, armados de garruchas, cacetes e espingardas de caça reagiram ao ataque da Estátua de Conselheiro, na antiga Canudos, mostra polícia. Conselheiro percebeu que era hora a força de quem defendeu suas ideias até a morte de partir. A pressão do governo republicano, da igreja e dos latifundiários tendia a crescer. Reúne então seus seguidores e parte sertão a dentro em busca da “Terra Prometida”. Chega então ao lugar. Seu nome: Canudos (vinha do nome de uma planta Canudos-de-Pito, boa para fumar longos cachimbos), em pleno coração da Bahia, em plena vegetação de caatinga, à beira do rio Vaza-Barris e rodeado de morros os quais se chamavam Cambaio, Caipã, Canabrava, Cocorobó, Poço de Cima, Saui e Angico. Canudos e as estradas regionais
  • 6. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 06 Batiza o lugar, afinal é sagrado. Dá-lhe um novo nome: Bello Monte. A nenhum pertencia e era de todos, assim ensinava Conselheiro. Imediatamente cavaram trincheiras. Desejavam ardentemente proteger a liberdade, a justiça, os ideais e crenças que uniam o povo. Era necessário um livro e assim foi escrito pelo líder: “Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo para a Salvação dos Homens”. Canudos tornou-se o segundo maior município Visão geral de Canudos 1 da Bahia, tinha 1/4 da população de Salvador. Diziam que todo o sertão queria ir para Bello Monte. Como afetava a economia do estado (pois muitos trabalhadores abandonavam as terras onde trabalhavam) não demorou a reagir a elite agrária nordestina. O governo também não se contentara com o fato, pois era uma nação dentro de outra sem o pagamento de impostos. Visão geral de Canudos 2
  • 7. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 07 Em Bello Monte, a praça da igreja era o centro espiritual e político da comunidade. Moravam ali os líderes em casas de telhas. Ao redor foram se formando becos entrelaçados, levantando casas de taipa. Muitos diziam que lá “corria rios de leite e as barrancas eram de cuscuz”. Novos grupos iam chegando. Muitos ex-escravos e até índios Kaimbé e Kiriri se agregaram. Atribuições eram expedidas. Antônio Vilanova cuidava da economia canudense e também era uma espécie de “juiz de paz”. Fazia também parte dos dirigentes das operações militares e sob a sua guarda ficavam as armas e munições. A defesa pessoal de Antônio Conselheiro era formada por 600 homens que também eram responsáveis pela segurança da cidade. Todos usavam uniformes e eram chamados de Guarda Católica. Havia também os que A comunidade de Canudos marchando para cuidavam do plantio e os que construíam. a Guerra – Pintura de Trípoli Gaudenzi Impressiona a autenticidade e a originalidade na formação da comunidade de Bello Monte em torno da figura de Conselheiro. Como pode haver um grupo do qual os membros entregam a si mesmos em lutas e guerras sangrentas (que duraram mais de um ano) contra o regime e a cultura predominante?
  • 8. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 08 De um lado tem-se o invisível em canudos. A cultura ortodoxa resultado do sistema O líder acreditava, levantava a bandeira e agia. econômico latifundiário (poucos recursos Ele era a manifestação de um “chamado”, para muitos, e muitos recursos para de uma visão, de uma causa que girava em poucos) não fazia sentido e era questionada torno da liberdade e do fazer o bem. O fato por Conselheiro: refletia o maltrato, a de serem contra o pagamento de impostos discriminação e a não valorização do ser refletia a crença que partilhavam. Não humano. Era preciso uma ruptura social, era sobre impostos, era sobre a justiça, e o início de uma nova forma de viver sobre levantar e prosseguir adiante com e enxergar o mundo e as pessoas. suas crenças. E o movimento não era nem tampouco sobre a pessoa de Antônio As crenças, valores e ideais do líder iam Conselheiro e sim o que ele representava. de encontro à ruptura. Pulsão constante a romper a cultura ortodoxa do contexto. O que significava o líder senão uma resposta Inovou, portanto, a forma de viver ao criar aos anseios coletivos? Como não era sobre uma comunidade em que tudo era de todos. ele, poderia ter sido João Conselheiro, André Cada vez mais pessoas se juntavam em Conselheiro. Porém, foi Antônio que em sua torno de Conselheiro. Eram discipuladas, história levantou, ergueu, viveu e colocou para ensinadas. A comunidade crescia. Era unida, fora suas crenças e como elas respondiam aos direcionada pela liberdade e estimulada a anseios e desejos dos sertanejos e ao contexto fazer o bem. Os que agregavam sentiam em que viviam: a intensa miséria, a grande parte de algo maior. O fazer era conjunto, seca de 1877 (que trouxe consigo a morte de como também o construir e o plantar. mais de 300 mil sertanejos), a abolição da escravatura, a monarquia e suas contradições e adiante a republica em 1889 que em nada deu poder aos cidadãos. O palco político, social e econômico estava então montado.
  • 9. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 09 O mundo é pura crença. Canudos escancara esse fato. Agir pressupõe acreditar. Pressupõe valoração, construção de sentidos pela interação social. No mais profundo da construção de grupos a crença é a força constante e invisível que move e direciona pessoas. É o alicerce do qual surgem expressões que comunicam quem é o grupo. Como diz Peterson: Nonetheless – to live, it is necessary to act. Action presupposes belief and interpretation (implicit, if not explicit). Belief has to be grounded in faith, in the final analysis (as the criteria by which a moral theory might be evaluated have to be chosen, as well)3. Do outro lado tem-se o visível. É natural No centro da comunidade localizava-se na formação de um grupo, exteriorizar (em a igreja e a praça. Ponto de referência e imagens, palavras e ações) suas crenças e junto com a cruz símbolos dos ideais e ideais. No caso de canudos o lugar foi batizado fundamentos da comunidade. Se todo lugar mediante ritual liderado pelo Conselheiro. era sagrado ali era lugar de reverência, de onde emanavam os valores e as Ganhou um novo nome, Bello Monte. Antes, crenças em forma de rituais e sermões porém, o nome Antônio Conselheiro já era que direcionavam os membros (tudo forte, único e compartilhado tanto entre era de todos). O povo se reunia para os membros do grupo quanto fora dele ouvir e juntos entoavam cantigas e hinos (latifundiários, líderes católicos e o governo). celebrando quem era e o que representava. . PETERSON, B. Jordan (1999). Maps of Meaning: The Architecture of Belief 3
  • 10. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 10 Como todo grupo de pessoas, as crenças direcionam regras sociais sejam elas explícitas ou não. Em Canudos dividiam os bens, os vícios da bebida e da carne eram proibidos. As crenças e valores que direcionavam o comportamento dos membros ganhavam vida não apenas nos sermões, como também, no livro escrito pelo líder: “Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Salvação dos Homens”. Ali continha em palavras sua visão sobre a vida humana. Ruína da Igreja Velha de Canudos Foi criada uma escola com um professor e uma professora. Lá as estórias eram contatadas aos pequeninos. Uniformes foram confeccionados para a Guarda Católica. As vestimentas e seu estilo foram ganhando forma. As casas eram de taipa e construídas em becos que entrelaçavam. Plantavam e colhiam. A culinária era compartilhada. Criaram cargos para a defesa, o comércio e subsistência da população. Casa de Taipa em Canudos
  • 11. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 11 A formação de grupos é sobre isso. É sobre Por onde viajamos ou passeamos, nosso como o comportamento e a aparência tom de voz, gestos, postura, corte de simbolizam e refletem a realidade. O cabelo, esportes que praticamos, são invisível que direciona o visível. As crenças, fontes de sentidos que no conjunto valores e ideais que institucionalizam uma funcionam como atalhos. Querendo ou não, forma de viver, de enxergar o mundo, a si comunicam e dizem sobre quem somos. mesmo e aos outros. É a pulsão constante de uma identidade viva, que modela o Esse é o visível. Em si nada significa. Mas desenvolvimento da personalidade do grupo. ao refletir uma realidade que pulsa a Do intangível que se torna tangível. cada segundo, expressa uma identidade. Ganha assim força e relevância e se torna A formação de grupos é sobre a autenticidade meio pelo qual expressamos os sentidos e de ideias, causas, sua relevância para as significados sobre nós mesmos. Meio pelo pessoas e a diferença que fazem no seu dia a qual vivemos e interagimos e percebemos dia. É um processo ontológico, de construção o mundo e as pessoas ao nosso redor. do ser. É sobre a formação de identidades e suas expressões que dizem e comunicam Isso é sedução pura. Representar ideais e sobre as pessoas. causas autênticas que vão de encontro aos nossos anseios e ao nosso contexto. E essa Nós nos agregamos ao redor das marcas é a melhor oportunidade que têm as marcas. e participamos de sua construção. Onde Serem meios de construção e expressão de moramos, a roupa que usamos, por onde identidades, participando do dia a dia das passamos, o que fazemos com o tempo livre, pessoas. Não é sobre benefícios (funcionais, diz sobre quem somos. O que comemos, onde emocionais, apesar de serem importantes) é estudamos ou trabalhamos, o carro que temos, sobre a participação na construção do ser. escancaram características sobre nós.
  • 12. Identidade Corporativa César Queiroz É levantando bandeiras que se faz 2012 nascer uma cultura de marca 12 O que está em jogo são pessoas. O pensamento É levantando bandeiras que se faz nascer não é matemático, não vem da engenharia. uma cultura em torno da marca. Pessoas É ontológico, é sobre o ser humano e seus que aderem e se juntam ao seu redor. sonhos, crenças e desejos. É sobre a vida humana e seu contexto sociocultural. Sobre Sejam elas funcionários ou clientes ou relacionar, viver, saborear, ver, encantar. vários outros interessados. Assim nasce uma identidade corporativa (no caso Afinal não somos máquinas, vivemos no quando o grupo de pessoas é uma empresa) mundo da linguagem, de estórias, de encantos, peculiar, original, autêntica, relevante, de medos, decepções, conquistas, sucesso, enraizada em um contexto sociocultural. derrotas, aprendizagem, sentimentos. De um lado a parte invisível (crenças, É assim que as marcas podem seduzir, valores, sonhos) e de outro a parte visível participando socialmente de nossas vidas. (comportamento, produtos/serviços, ambiente, Levantando bandeiras que representam comunicação). Sem crenças é impossível nossos anseios. Qual a relevância de uma quebrar ortodoxias e conectar com as pessoas. visão egocêntrica? (“dobrar o tamanho nos E o que devem ser as marcas senão crenças? próximos 5 anos”, “ser referencia na área”). Qual o movimento ou revolução que as marcas se propõem? Qual é a estória de transformação?