Análise sobre reconstrução da máquina estatal depois do escândalo político conhecido como Caixa de Pandora, que, em 2010, provocou a prisão em pleno exercício do mandato do então governador do DF, José Roberto Arruda (DEM). Texto publicado na edição de DEZ/12 da revista EntreLagos, Brasília-DF.
1. 12 Ugo Braga
Jornalista
Reconstrução
Ao vencedor, as batatas
Dois anos adentro do mandato e prestação de contas. Mais ainda. Encontrou Recebeu muitas e incontidas críticas, so-
noves fora a ainda grande ansiedade a companhia de energia à beira da falência. bretudo dos aliados, por conta disso. Mas,
sobre vários outros temas, é justo re Mais, mais e mais. Encontrou 194 obras conscientemente ou não, abriu espaço para
invidicar para o governador Agnelo interrompidas, suspensas ou canceladas a que todo o resto do governo se concentras-
Queiroz o mérito intrínseco e pessoal mando das justiças comum e de contas pelo se naquilo que era óbvio: a auditoria e a
de haver restaurado o Estado destruí mais diversificado cabedal de irregularida- revisão dos contratos, a regularização das
do a partir da Operação Caixa de Pan des jamais visto na administração pública contas e a recuperação da máquina pública.
dora. Sim, foi o temperamento ameno, nacional. Como desgraça pouca é bobagem, No GDF, conta-se com espanto que o últi-
paciente, devoto à composição, aliado encontrou ainda as contas do Tesouro Dis- mo CNPJ “limpo” pela nova gestão data
à paciência e a perspicácia, que permi trital a caminho da mais irrestrita ilegalida- de novembro de 2011, quase um ano por-
tiram às forças políticas da cidade se de fiscal. Isso tudo sob ataque especulativo tanto, depois da posse. Só então restabe-
reacomodarem depois do cataclisma de uma máfia sedenta de poder. leceu-se o relacionamento com o governo
federal, com os organismos internacionais,
levado às grades em pleno exercício do Diferente da construção civil, palpà com os bancos públicos.
mandato, arrastando para a crise qua ¡vel, a obra política é mais dada ao conhe-
cimento da história. De forma que é difícil Da retomada dos serviços públicos
se todo o Poder Legislativo e até mes
descrever e mensurar, até mesmo entre os essenciais ao desmascaramento da trama
mo a cúpula do Ministério Público. para derrubá-lo, o governador pôde de-
aliados e auxiliares do governador, como
Não há analista que minimize o estra- realmente transcorreu a engenharia que sembaraçar 193 das 194 obras paradas do
go institucional causado pela derrocada da pôs novamente de pé as instituições do governo Arruda -- só faltou o VLT. Lançou
gestão Arruda no início de 2010 e ao longo um plano duro de ajuste nas contas públi-
Distrito Federal.
daquele ano fatídico. Assim como, parodo- cas, amargando diversas greves por conta
xalmente, não há como negar o engenho De imediato, contam aqueles que o disso. Mas promoveu uma série respeitável
extraordinário de reconstrução promovido acompanharam à época da posse, ele resol- de melhorias na rede de saúde pública (en-
desde 2011. Tal ver dade abrange desde a veu romper com duas práticas de todos os tre as quais se orgulha especialmente pela
máquina estatal propriamente dita, como governadores até então: 1) Sancionou os criação do Hospital da Criança) e vislum-
o relacionamento dos políticos entre sí e acordos fimados com o funcionalismo pe- bra, a partir da imensa exposição a ser con-
com os partidos e a sociedade. los antecessores. 2) Fundou uma nova base seguida com as copas das Confederações e
de aliança política, em que os apoiadores do Mundo, iniciar a transformação do Dis-
Hoje é comum arredondar-se para
ganhariam exclusivamente o comparti- trito Federal de centro administrativo em
baixo, mas não custa lembrar que, ao as-
lhamento da gestão -- no DF, e Pandora é pólo global exportador de serviços num
sumir o governo, Agnelo encontrou todos
a maior prova, isso foi e está sendo uma prazo de 50 anos.
os serviços públicos paralizados por falta
verdadeira revolução política. Talvez nem ele mesmo se dê conta de
de pagamento. Mais. Encontrou todos os
órgãos do governo impedidos de contratar Paralelamente, concentrou o poder da que a reconstrução institucional do DF em
com a União pela ausência generalizada de gestão nas mãos da Secretaria de Governo. prazo tão curto e de forma tão transpa-
rente seja uma obra tão admirável quanto
aquele imenso estádio que projetará Brasí-
lia para o mundo a partir do próximo ano.
Tenho cá minhas dúvidas sobre onde esta-
ríamos se, em vez do paciente articulador,
tivéssemos a frente do processo um arro-
gante, um populista, um individualista, ou
mesmo um pensador catedrático...
* Ugo Braga é jornalista com especialização em
análise de conjuntura econômica. Venceu por
dua vezes o Prêmio Imprensa Embratel e, em
2006, recebeu da Transparência Internacional
e do Instituto Prensa e Sociedad o prêmio de
melhor investigação jornalística de um caso de
corrupção na América Latina e Caribe. Exerce
atualmente a função de porta voz do Governo
do Distrito Federal.