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Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da 13ª VARA CRIMINAL
FEDERAL da Seção Judiciária do Paraná
“Não haverá culpa penal por presunção, nem
responsabilidade criminal por mera suspeita. Meras
conjecturas sequer podem conferir suporte material a
qualquer acusação estatal. É que, sem base probatória
consistente, dados conjecturais não se revestem, em
sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de
formulação de imputação penal, quer para fins de
prolação de juízo condenatório. Torna-se essencial
insistir, portanto, na asserção de que ‘por exclusão,
suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em
nosso sistema jurídico-penal’, consoante proclamou, em
lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo” (STF, HC n.º 84.409/SP, rel. p/ acórdão
Min. GILMAR MENDES, DJ 19.08.2005).
Ref.: Ação Penal n.º 5023135-31.2015.4.04.7000/PR
MÁRCIA DANZI RUSSO CORRÊA DE OLIVEIRA, devidamente
qualificada nos autos da ação penal que lhe move a Justiça Pública
Federal por esse juízo, vem, por seus advogados legalmente
constituídos, apresentar, na forma do art. 403, §3º do Código de
Processo Penal, ALEGAÇÕES FINAIS, em forma de memorial, nos
termos a seguir aduzidos:
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I. INTRODUÇÃO
MÁRCIA DANZI RUSSO CORRÊA DE OLIVEIRA (“MÁRCIA
DANZI”) é acusada pelo Ministério Público Federal de suposta prática
de lavagem de dinheiro por sessenta e sete vezes (Lei 9.613/98, art. 1.º,
§4º, II).
Segundo a denúncia, MÁRCIA DANZI teria praticado crime de
lavagem de capitais,1 por quatro vezes, ao supostamente receber no
escritório de ALBERTO YOUSSEF, nos dias 10/09/2010, 28/02/2011 e
01/03/2011 (duas vezes), valores2 de origem ilícita alegadamente
destinados a PEDRO CORRÊA, como parte do pagamento de propina
proveniente de delitos perpetrados contra a PETROBRAS (fato n.º 1).
Em suas alegações finais (evento 390), o MPF reiterou essa
imputação nos seguintes termos:
1 Cf. Item, III.B – “Terceiro conjunto de atos de lavagem”.
2 A denúncia, contudo, não especifica a quantia nem identifica a pessoa que teria
realizado o repasse à Defendente (Alberto Youssef ou Rafael Ângulo).
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“ IV.3.1.3 Do comparecimento pessoal aos
escritórios de ALBERTO YOUSSEF.
A exordial narra que os réus ALBERTO YOUSSEF,
RAFAEL ÂNGULO LOPEZ, PEDRO CORRÊA, MARCIA
DANZI e FABIO CORRÊA ocultaram e dissimularam a
natureza, origem e disposição de valores provenientes,
direta e indiretamente, dos crimes antecedentes já narrados,
mediante a disponibilização em espécie dos valores ilícitos
por intermediários especializados na lavagem de dinheiro,
ALBERTO YOUSSEF e RAFAEL ANGULO LOPEZ, para
PEDRO CORRÊA, pessoalmente ou por intermédio de
FÁBIO CORRÊA DE OLIVEIRA NETO e MARCIA DANZI
RUSSO CORRÊA DE OLIVEIRA.
Para tanto, os réus PEDRO CORRÊA, FABIO
CORRÊA e MÁRCIA DANZI, sabendo da disponibilidade
dos valores em espécie no escritório de ALBERTO YOUSSEF,
lá compareceram por diversas vezes, ocasião em que
receberam do doleiro vultuosas cifras de dinheiro ilícito
em espécie, destinadas ao réu PEDRO CORRÊA.
(...)”.
Por outro lado, também é acusada de lavagem de dinheiro3 por
supostamente “ceder” contas bancárias pessoais para trânsito de
valores, oriundos do mesmo esquema criminoso, depositados por
ALBERTO YOUSSEF (e funcionários) em benefício de PEDRO CORRÊA,
sogro da Defendente (fato n.º 2)
3 Capítulo III, III.B – “Quarto conjunto de atos de lavagem” (Fls. 63/67 da denúncia).
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Sustenta o Ministério Público Federal, neste particular, terem
sido realizadas no período de 2010 a 2014 ao menos 63 (sessenta e três)
operações não identificadas, a crédito de MÁRCIA DANZI, num total
de R$ 204.660,29 (duzentos e quatro mil, seiscentos e sessenta reais e
vinte e nove centavos).4
Para a acusação, duas seriam as “provas” de que MÁRCIA
DANZI sabia da origem ilícita desses valores, concorrendo
dolosamente para a prática de lavagem de dinheiro:
(a) Tratarem-se de valores contínuos e fracionados;
(b) ter acompanhado “FABIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA nas
visitas aos escritórios de YOUSSEF, tendo plena ciência de que seriam
reuniões destinadas ao recebimento das vantagens indevidas ao réu PEDRO
CORRÊA”, hipótese que, mais tarde, seria desmentida pelo próprio
YOUSSEF.
Em sua defesa (evento 70), MÁRCIA DANZI negou, como nega,
as imputações.
4 Fls. 41 e 65 da denúncia.
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Em apertada síntese, sustentou, como ora sustenta, que jamais
aderiu, auxiliou ou foi conivente com a prática de qualquer crime,
muito menos aqueles atribuídos pelo MPF a partir de especulações e
graves distorções da realidade.
Neste sentido, repudiou, como ora repudia, a descabida alegação
de que houvesse recebido dinheiro de ALBERTO YOUSSEF, RAFAEL
ÂNGULO ou de quem quer que seja envolvido no suposto esquema,
relacionado a pagamento de propina a PEDRO CORRÊA, assim como
repeliu, e novamente repele, as ilações de que tivesse cedido suas
contas bancárias para trânsito de valores que soubesse ser de origem
ilícita.
Em uma palavra, fez questão de enfatizar que não tem nem
nunca teve qualquer envolvimento com o esquema criminoso
denunciado pelo Ministério Público Federal, e de cuja existência apenas
tomou conhecimento a partir da deflagração e cobertura midiática, em
âmbito nacional, da Operação Lava Jato.
No que se refere especificamente às suas idas ao escritório de
ALBERTO YOUSSEF, esclareceu a Defendente que, nas raras vezes em
que lá esteve, compareceu na condição de mera acompanhante de seu
esposo FÁBIO CORRÊA e de seu sogro PEDRO CORRÊA (o que viria a
ser confirmado por YOUSSEF e RAFAEL ÂNGULO em seus
interrogatórios judiciais).
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De modo que não participou de reuniões (aguardava na
recepção); não presenciou entregas de dinheiro ou qualquer
conversação relacionada ao citado esquema criminoso contra a
PETROBRAS. Muito menos, como já dito, recebeu, ela própria, qualquer
valor nestas ou em quaisquer outras ocasiões, dentro ou fora do
escritório de YOUSSEF.
Da mesma forma, salientou que nunca soube nem desconfiou
que parte dos depósitos realizados em suas contas bancárias, no
período entre 2010 e 2014, pudesse ter sido realizada por ALBERTO
YOUSSEF e/ou RAFAEL ÂNGULO, ou por qualquer pessoa envolvida na
trama criminosa descrita pela acusação.
Em realidade, sempre imaginou que esses depósitos fossem
efetivados pelo próprio PEDRO CORRÊA (ou, quando não, por alguns
de seus assessores mais próximos), para que a Defendente, que o
auxiliou por quase cinco anos nessa tarefa, efetuasse pagamentos de
despesas pessoais do próprio PEDRO CORRÊA e da Fazenda que este
mantinha e ainda mantém no interior de Pernambuco.
Ou seja, MÁRCIA DANZI não apenas desconhecia a origem
alegadamente ilícita e a autoria de depósitos que somente mais tarde
seriam identificados a partir da quebra de sigilo e de informações
prestadas pelas instituições bancárias, como estava plenamente
convencida de que tivessem sido realizados por PEDRO CORRÊA.
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Numa palavra: atuou em típica situação de erro de tipo
inescusável (CP, art. 20) ou, como se deseje, de erro de tipo provocado
por terceiro (CP, art. 20, §2º)
A despeito de tudo isso, a inicial foi recebida por esse douto juízo
(evento 79), deflagrando-se a persecução penal.
Iniciado processo e ultimada a instrução, verificou-se, contudo,
a total improcedência das imputações.
II. DAS TESES DE DEFESA
Conforme demonstrará a defesa:
(a) o MPF não comprovou o envolvimento de MÁRCIA DANZI
no alegado esquema criminoso nem a prática dolosa de atos de
lavagem;
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(b) em relação ao Fato n.º 1 (Terceiro conjunto de atos de lavagem)
não se comprovou que MÁRCIA DANZI tenha recebido ou mesmo que
tenha havido qualquer repasse de dinheiro a FÁBIO CORRÊA ou a seu
sogro PEDRO CORRÊA nas específicas vezes em que os acompanhou ao
escritório de ALBERTO YOUSSEF; ao contrário, tanto YOUSSEF quanto
RAFAEL ÂNGULO declararam em juízo que jamais entregaram
qualquer valor à MÁRCIA DANZI, nestas ou em outras ocasiões; sendo
certo, ainda, que nem ALBERTO YOUSSEF e nem RAFAEL ÂNGULO
declaram ter realizado repasses a FÁBIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA
nos dias 10/09/2010, 28/02/2011 e 01/03/2011 [duas vezes].
Desse modo, se de um lado há prova de que MÁRCIA DANZI
não recebeu dinheiro, e, por outro lado, se inexiste prova, material ou
testemunhal, de que seu esposo ou sogro tenham recebido repasses
naquelas mesmas datas, com auxílio ou conivência da Defendente,
impõe-se a absolvição por inexistência do fato (CPP, art. 386, I, II) ou,
se existente, por ausência de provas de haver concorrido dolosamente
para a infração (CPP, art. 386, V e VII).
(c) no que se refere ao Fato n.º 2 (Quarto conjunto de atos de
lavagem), o MPF não fez prova de que MÁRCIA DANZI soubesse da
origem criminosa dos valores depositados em suas contas correntes e
que, a partir dessa consciência, tivesse aderido à prática de lavagem de
dinheiro oriundo de crimes perpetrados contra a PETROBRAS.
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Nessa linha, uma vez que inexiste prova inequívoca do dolo da
conduta – que é apenas presumido pela acusação – a absolvição se
impõe com fundamento no art. 386, III do CPP;
(d) Além da falta de provas, os fatos ainda se revelam atípicos:
d.1) por ausência de dolo e culpa, seja em relação à existência dos
crimes antecedentes (corrupção, formação de cartel e fraude à
licitação), seja em relação à vontade livre e consciente de ocultar e
dissimular valores provenientes de delitos perpetrados contra a
PETROBRAS;
d.2) caso verdadeiros fossem (o que se nega) os fatos narrados na
denúncia, ratificada em alegações finais, eles configurariam, no limite,
exaurimento de crime de corrupção passiva já consumado, portanto
impunível em relação à Defendente, conforme posição adotada pelo
Plenário do STF ao julgar Embargos Infringentes na AP 470/MG.
Também em vista desses aspectos, forçosa a absolvição da
Defendente com fulcro no art. 386, III, V e VII do CPP.
Senão vejamos.
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III. DA ABSOLVIÇÃO
1. Rememorando os Fatos
Embora os fatos objeto da presente demanda estejam
aparentemente bem delineados, não é demasiado rememorá-los a fim
de evitar qualquer tipo de julgamento extra, infra ou citra petita, tudo
em obséquio ao princípio da correlação entre acusação e sentença.
Com efeito, sustenta a denúncia que ao menos a partir de 2004 –
e no âmbito de um suposto esquema criminoso engendrado por
empresas cartelizadas, agentes públicos e partidos políticos – teriam
sido cometidos diversos crimes contra a ordem econômica (formação
de cartel), administração pública (corrupção ativa e passiva) e lavagem
de dinheiro em detrimento da Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS.
Nesse contexto, agentes públicos do alto escalão da PETROBRAS,
previamente ajustados com membros de partidos políticos, teriam
solicitado, recebido e aceitado promessa de vantagem indevida para
colaborarem e facilitarem, através de procedimentos licitatórios
fraudulentos, a contratação de empreiteiras para execução das maiores
obras contratadas pela PETROBRAS entre os anos de 2004 e 2014.
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Por sua vez, os principais executivos dessas empresas são
acusados de oferecer, prometer e efetivamente pagar “propina” a agentes
públicos e membros de partidos políticos. Para tanto, valendo-se de
terceiros – denominados “operadores” ou “doleiros”– para o repasse
da vantagem indevida, seja através da entrega de dinheiro em espécie,
seja por meio de operações bancárias realizadas no Brasil e no exterior.
No caso da Diretoria de Abastecimento, ocupada a partir de maio
de 2004 por PAULO ROBERTO COSTA, o valor da “propina” paga pelas
empresas cartelizadas corresponderia a cerca de 1% (um por cento) dos
contratos firmados.
Este percentual seria alegadamente distribuído entre membros
do Partido Progressista (PP), o próprio PAULO ROBERTO COSTA e,
ainda, os operadores do esquema.5
De acordo com a Tabela A constante da denúncia,6 cerca de 34
contratos, 123 aditivos e 4 transações extrajudiciais teriam sido
celebrados entre 30/03/2007 e 30/03/2012 pelas empresas cartelizadas e
a PETROBRAS (vinculados à Diretoria de Abastecimento), totalizando
pouco mais de R$ 35 bilhões de reais.
5 Fls. 9/10 da denúncia.
6 Fls. 18/22 da denúncia.
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Desse total, segundo especula a acusação, cerca de R$ 350
milhões (1%) teriam sido destinados ao pagamento de “propina”7 aos
partícipes do esquema.
Ainda em conformidade com a denúncia oferecida, ratificada em
alegações finais (evento 390), esses repasses seriam periódicos e
ocorreriam à medida em que os pagamentos dos contratos e respectivos
aditivos eram efetivados em benefício das empresas contratadas.
O primeiro desses pagamentos, consoante revela a mesma Tabela
A, ocorreu em 30/03/2007 (ENGEVIX)8 e, o último, em 30/03/2012
(MENDES JÚNIOR).9 Já em relação aos contratos indicados na Tabela B,
os pagamentos teriam ocorrido no período de 2008 a 2014, a partir de
24 contratos e emissão de 55 notas fiscais frias.
Nesse contexto, PEDRO CORRÊA, ex-deputado federal, é
apontado pelo Ministério Público Federal como um dos supostos
beneficiários do pretenso esquema criminoso, sendo a ele atribuída a
prática, dentre outros, de corrupção passiva em conjunto com PAULO
ROBERTO COSTA e ALBERTO YOUSSEF (cf. Capítulo II da denúncia).
7 Fls. 9/10 da denúncia.
8 Processo n. 0800.0030725.07.2, Inicial, equivalente a R$ 224.989.477,13 (Fl. 19 da denúncia).
9 Processo n.º 0802.0045377.08.2, Aditivo 10, equivalente a R$ 107.273.036,38 (Fl. 21 da
denúncia).
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No ponto, sustenta a acusação ser PEDRO CORRÊA beneficiário
de repasses mensais de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais)10
promovidos por ALBERTO YOUSSEF através: (a) da entrega de valores
em espécie ao próprio PEDRO CORRÊA e a terceiros; (b) depósitos
efetuados em contas correntes (de PEDRO CORRÊA e de terceiros por
ele indicados).11
Ainda em relação a PEDRO CORRÊA, é acusado de lavagem de
capitais ao receber parte da vantagem indevida por meio dos citados
contratos simulados firmados entre as construtoras investigadas e
empresas controladas por ALBERTO YOUSSEF (cf. Tabela B).
Segundo o MPF, a celebração desses contratos fictícios “tinha o
intuito de viabilizar o repasse de recursos para PEDRO CORRÊA, integrante
do PARTIDO PROGRESSITA e PAULO ROBERTO COSTA com o
distanciamento do dinheiro de sua origem ilícita”.12
É nesse contexto que se inserem as infundadas e indemonstradas
acusações contra a MÁRCIA DANZI, vale dizer, no sentido de que:
10 Fl. 30 da denúncia.
11 Fl. 31 da denúncia.
12 Fl. 55 da denúncia.
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(a) teria recebido valores de YOUSSEF provenientes daqueles
contratos, com o fim de ocultar e dissimular a respectiva origem ilícita,
nas quatro vezes em que esteve no escritório do primeiro;
(b) teria cedido dolosa e voluntariamente contas bancárias
pessoais para trânsito de dinheiro que sabia ser de origem ilícita e
destinado a PEDRO CORRÊA.
Não obstante, com o encerramento da instrução criminal,
confirmou-se o que a defesa vem sustentando desde o início: as
acusações de lavagem não têm a menor procedência. Vejamos.
2. Da Análise das Provas. Testemunhos que comprovam a inexistência
do fato (recebimento de valores pela Defendente) – Fato n.º 1.
Inexistência de provas de ter a ré concorrido dolosamente para a infração
penal – Fato n.º 2. Absolvição que se impõe (CPP, art. 386, I, II, III, V e
VII)
Duas razões fundamentais impedem, do ponto de vista da
prova, o acolhimento da tese acusatória: a primeira delas, restar
comprovada a inexistência do fato (Terceiro conjunto de atos de lavagem);
a segunda, inexistirem provas de que MÁRCIA DANZI concorreu
dolosamente para a infração (Quarto conjunto de atos de lavagem).
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Em realidade, conforme restou efetivamente demonstrado nos
autos, MÁRCIA DANZI, de fato, não teve qualquer envolvimento,
direto ou indireto, doloso ou culposo, nos episódios narrados na
denúncia. Neste sentido, comprovou-se que MÁRCIA DANZI não
possuía qualquer proximidade ou relação com a maior parte dos
personagens principais da Operação Lava Jato, sejam eles do núcleo
político,13 econômico,14 administrativo15 ou financeiro.16
No caso das testemunhas arroladas pela acusação, nada menos
do que cinco delas afirmaram desconhecer a Defendente ou jamais
terem ouvido falar em seu nome (CARLOS ALBERTO PEREIRA DA
COSTA, PAULO ROBERTO COSTA, MEIRE BONFIM DA SILVA POZA e
EDIEL VIANA DA SILVA).
Outras três testemunhas, também arroladas pelo MPF
(LEONARDO MEIRELLES, RENASCI CAMBUI e VERA LÚCIA NAPOLI)
sequer citaram seu nome durante os respectivos depoimentos judiciais.
13 Formado principalmente por parlamentares e ex-parlamentares (Fl. 52 da denúncia).
14 Formado pelas empreiteiras cartelizadas contratadas pela Petrobras (Fl. 52 da
denúncia).
15 Formado pelos funcionários de alto escalão da Petrobras (Fls. 52/53 da denúncia).
16 Formado pelos “operadores” responsáveis pelo repasse de dinheiro aos integrantes
dos núcleos político e administrativo (Fl. 53 da denúncia).
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Algo, pesa dizê-lo, no mínimo incompatível com a condição de
“testa-de-ferro” e o grau de envolvimento no esquema criminoso que
o MPF insiste em atribuir à Defendente a partir de conjecturas.
E mesmo em relação aos que disseram de algum modo conhecê-
la, como no caso de ALBERTO YOUSSEF e RAFAEL ÂNGULO, nenhum
deles apontou seu envolvimento nos episódios investigados. Ao
contrário, prestaram declarações que a inocentam por completo das
acusações (como mais adiante será melhor exposto).
Não fosse o bastante, não há uma só prova nos autos a
demonstrar que MÁRCIA DANZI tenha participado de reuniões,
mantido qualquer contato, particular ou profissional, no período
descrito na denúncia ou fora dele, com quaisquer dos agentes
envolvidos no alegado esquema criminoso, sejam ligações telefônicas,
mensagens de celular ou e-mails.
Nada, rigorosamente nada associada a Defendente aos fatos e
aos personagens que integram a Operação Lava Jato.
A bem da verdade, as acusações que recaem sobre MÁRCIA
DANZI, longe de encontrarem respaldo em provas sólidas de
participação e dolo, baseiam-se em despropositadas especulações que,
de sua vez, amparam-se em responsabilidade objetiva.
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Em outras palavras, partem apenas do suposto de que MÁRCIA
DANZI compareceu ao escritório de ALBERTO YOUSSEF em algumas
oportunidades e recebeu em suas contas correntes depósitos
fracionados e não identificados, como se esses fatos, por si sós,
pudessem levar à (forçada) conclusão de que participou dolosa e
ativamente de processos de lavagem de dinheiro.
Algo, data vênia, que não é possível conceber.
Sem prejuízo disso, passamos a demonstrar, uma a uma, as
inconsistências da tese acusatória.
Do Fato n.º 1 (Visitas ao Escritório de Alberto Youssef)
Como visto, a primeira das acusações de lavagem irrogada à
MÁRCIA DANZI está relacionada ao seu comparecimento, nos dias
10/09/2010, 28/02/2011 e 01/03/2011 (por duas ocasiões neste dia), ao
escritório de ALBERTO YOUSSEF.
Segundo especula o Ministério Público Federal, nessas quatro
ocasiões teria havido entrega de valores em espécie à MÁRCIA DANZI,
como parte do pagamento de propina oriunda do esquema criminoso
contra a PETROBRAS e destinada a PEDRO CORRÊA.
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Essa acusação, inicialmente veiculada na denúncia, foi ratificada
nas alegações finais nos seguintes termos17:
“(...)
A exordial narra que os réus ALBERTO YOUSSEF,
RAFAEL ANGULO LOPEZ, PEDRO CORRÊA, MARCIA
DANZI e FABIO CORRÊA ocultaram e dissimularam a
natureza, origem e disposição de valores provenientes,
direta e indiretamente, dos crimes antecedentes já narrados,
mediante a disponibilização em espécie dos valores ilícitos
por intermediários especializados na lavagem de dinheiro,
ALBERTO YOUSSEF e RAFAEL ANGULO LOPEZ, para
PEDRO CORRÊA, pessoalmente ou por intermédio de
FÁBIO CORRÊA DE OLIVEIRA NETO e MARCIA DANZI
RUSSO CORRÊA DE OLIVEIRA.
Para tanto, os réus PEDRO CORRÊA, FABIO CORRÊA
e MÁRCIA DANZI, sabendo da disponibilidade dos valores
em espécie no escritório de ALBERTO YOUSSEF, lá
compareceram por diversas vezes, ocasião em que
receberam do doleiro vultuosas cifras de dinheiro ilícito
em espécie, destinadas ao réu PEDRO CORRÊA
(...)”
Uma tal acusação, data venia, nem de longe se confirmou.
17 Fls. 55/56 das alegações finais.
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Observe-se, de início, que o MPF sustenta a prática de um crime
de lavagem de dinheiro sem nem mesmo quantificar o valor
efetivamente recebido pela Defendente.
Sequer há um número aproximado, nada! Apenas uma menção
genérica ao repasse de “vultuosas cifras de dinheiro ilícito em espécie”, e
nada além disso. É verdadeiramente estarrecedor!
Não fosse o bastante, verifica-se que o órgão acusador não soube
sequer indicar claramente o responsável pelo repasse das “vultuosas
cifras de dinheiro ilícito em espécie”, limitando-se a afirmar que o mesmo
teria ocorrido no interior do escritório de ALBERTO YOUSSEF. O que é
insuficiente, data vênia.
Mais do que isso, a acusação não comprovou, nem mesmo, ter
havido repasse de dinheiro nos dias 10/09/2010, 28/02/2011 e 01/03/2011
(datas em que MÁRCIA DANZI teria comparecido ao escritório de
YOUSSEF), sejam repasses a ela Defendente, a seu esposo FÁBIO
CORRÊA ou PEDRO CORRÊA.
Cabe destacar, quanto a esse ponto, que nem mesmo a Planilha
entregue por RAFAEL ÂNGULO (evento 1, OUT 14) – e da qual o MPF
tem se servido para fazer “prova material” da lavagem – traz qualquer
indicativo de repasse de dinheiro nessas datas.
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Ou seja, o MPF ratifica em alegações finais uma acusação de
lavagem de dinheiro em relação a qual não se sabe quanto foi recebido
(ocultado e dissimulado), quem repassou e qual a prova material desse
repasse.
De todo modo, os depoimentos prestados por ALBERTO
YOUSSEF e RAFAEL ÂNGULO dirimem, de uma vez por todas,
qualquer dúvida que ainda pudesse persistir em torno da total
improcedência dessa imputação.
Conforme restou demonstrado na instrução criminal, tanto
ALBERTO YOUSSEF quanto RAFAEL ÂNGULO negam ter feito
qualquer entrega de dinheiro a MÁRCIA DANZI nas vezes em que
esteve no escritório do primeiro acompanhando FÁBIO CORRÊA e seu
sogro PEDRO CORRÊA.
Eis o que disse ALBERTO YOUSSEF ao ser indagado
especificamente sobre o fato (evento 380):
Juiz Federal: - Márcia Danzi Russo Correa, o senhor
conhece? Posso lhe mostrar aqui. Conhece essa pessoa?
Interrogado: - Eu acho que ela esteve no escritório junto
com o Fábio, acho que é esposa do Senhor Fábio Correa.
Juiz Federal: - E o senhor sabe me dizer o que ela foi fazer
lá?
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Interrogado: - Deve ter acompanhado o marido ou o
sogro.
Juiz Federal: - O senhor sabe me dizer se foi entregue
dinheiro para ela também?
Interrogado: - Olha, entregue dinheiro a ela não, mas
pode ser que o Senhor Pedro Correa tenha deixado contas em nome
dela para que eu fizesse depósito.
Juiz Federal: - O senhor já conversou com ela a respeito
desses fatos, desses pagamentos, o senhor se recorda?
Interrogado: - Não.
E para além de negar com todas as letras a entrega de dinheiro à
Defendente, YOUSSEF também deixa claro que MÁRCIA DANZI
apenas acompanhou o esposo e sogro nas ocasiões em que esteve em
seu escritório, sem tomar parte em qualquer assunto envolvendo
“pagamentos”, como a ele foi perguntado.
E mesmo quando faz alguma referência a depósitos em contas
pertencentes a MÁRCIA, ALBERTO YOUSSEF salienta que, se de fato
existiram, foram realizados através de dados bancários fornecidos por
PEDRO CORRÊA, e não pela Defendente.
O que, convenhamos, faz toda a diferença em se tratando de uma
acusação que insiste em afirmar, e tão-somente afirmar, que MÁRCIA
DANZI não apenas sabia do esquema como dele participava
ativamente.
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Ao contrário disso, o elucidativo depoimento de YOUSSEF deixa
evidente o total alheamento de MÁRCIA DANZI a respeito desses
depósitos e de todos os fatos que envolvem a Operação Lava Jato e o
esquema criminoso investigado. Mais adiante, retomaremos esse
ponto.
Corroborando com as declarações prestadas por ALBERTO
YOUSSEF, RAFAEL ÂNGULO também nega textualmente a entrega de
dinheiro a MÁRCIA DANZI, seja nas vezes em que esteve no escritório,
seja fora dele (evento 380):
Juiz Federal: - Tem uma pessoa aqui, Márcia Danzi Russo
Correa, o senhor chegou a conhecer? Posso lhe mostrar a foto aqui.
Interrogado: - Era a cunhada... Acho que era a cunhada...
Não sei se era do Senhor Pedro ou cunhada do Senhor Fábio, mas
era cunhada de alguma pessoa.
Juiz Federal: - O senhor chegou a entregar dinheiro para
ela alguma vez?
Interrogado: - Eu não.
Juiz Federal: - O senhor se recorda de ela ter ido ao
escritório do Senhor Alberto Youssef?
Interrogado: - Umas 02 ou 03 vezes.
Juiz Federal:- E nessas ocasiões em que ela foi, o senhor se
recorda o motivo?
Interrogado:- Não, porque falou com o Senhor Alberto, não
presenciei nada.
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Definitivamente, a imputação não se sustenta.
Nem no sentido de que teria recebido dinheiro – como afirma a
acusação – nem no sentido de que houvesse sido realizado algum
repasse (a FÁBIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA) nos dias específicos em
que a Defendente esteve no escritório de ALBERTO YOUSSEF.
Sendo certo que, no segundo caso (eventual repasse a FÁBIO
CORRÊA e PEDRO CORRÊA), também se exigiria a prova inequívoca de
que MÁRCIA DANZI tivesse concorrido de algum modo para a
infração (CP, art. 29). O que, nem de longe, ocorreu.
Com efeito, a Defendente ratifica, aqui, aquilo que já esclareceu
quando do oferecimento de sua resposta à acusação: jamais recebeu ou
presenciou a entrega de dinheiro, ouviu ou participou de qualquer
reunião tratando desse ou de qualquer outro assunto relacionado a
prática de crimes.
Presente esse contexto, forçosa é a absolvição de MÁRCIA
DANZI, quanto à primeira imputação de lavagem de dinheiro, com
fundamento no art. 386, I, II, V e VII do CPP, tendo em vista, de um
lado, a existência de prova testemunhal que comprova a inexistência
do fato (recebimento de valores) e, de outro, inexistir provas de que a
Defendente tenha concorrido dolosamente para qualquer infração.
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Do Fato n.º 2 (Depósitos em conta bancária)
Melhor sorte não colhe à segunda imputação, qual seja, a de que
MÁRCIA DANZI praticou lavagem de dinheiro18 ao ceder contas
bancárias pessoais para trânsito de valores de origem criminosa,
destinados a PEDRO CORRÊA, no período de 08/01/2010 e 31/03/2014.19
Sustenta o Ministério Público Federal, neste particular, terem
sido realizadas ao menos 63 (sessenta e três) operações não
identificadas, a crédito de MÁRCIA DANZI, num total de R$ 204.660,29
(duzentos e quatro mil, seiscentos e sessenta reais e vinte e nove
centavos),20 por parte de ALBERTO YOUSSEF.
Sem razão, data vênia. Tal como a Defendente afirmou em
resposta à acusação e ratificou em interrogatório, não tinha nem nunca
teve o menor conhecimento a respeito do esquema criminoso
denunciado pelo MPF, e cuja existência só viria à tona a partir da
deflagração da Operação Lava Jato e da ampla cobertura midiática em
âmbito nacional.
18 Capítulo III, III.B – “Quarto conjunto de atos de lavagem” (Fls. 63/67 da denúncia).
19 Fl. 63 da denúncia.
20 Fls. 41 e 65 da denúncia.
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Tampouco sabia ou tinha condições de saber que parte dos
depósitos efetuados em sua conta corrente, no período entre 2010 e
2014, tivessem sido realizados por ou a mando de ALBERTO YOUSSEF,
com quem jamais manteve qualquer tipo de contato mais próximo.
Em verdade, embora tenha comparecido ao escritório de
YOUSSEF, chegando a cumprimenta-lo eventualmente, a Defendente
sequer chegou a ser formalmente apresentada a ele, não sabendo, até
bem pouco tempo, de quem se tratava ao certo. Tampouco tinha
motivos para se preocupar em obter maiores detalhes sobre ele.
Com efeito, todo o contato que manteve com YOUSSEF se limitou
a isso: cumprimentos protocolares. Nada mais.
Quanto a RAFAEL ÂNGULO, nem isso. Nem mesmo se recorda
de tê-lo encontrado ou por ele ter sequer passado nas raras vezes em
que esteve no escritório de YOUSSEF.
O próprio depoimento de RAFAEL ÂNGULO, como visto, deixa
clara a total falta de contato e proximidade com MÁRCIA DANZI, em
relação à qual não soube, sequer, precisar o grau de parentesco com
FÁBIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA.
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Como, então, diante desses fatos, inquestionáveis, pretender que
a Defendente tivesse conhecimento de que ALBERTO YOUSSEF ou
RAFAEL ÂNGULO realizavam depósitos em suas contas, como quer
fazer crer a acusação?
Esse é o primeiro ponto a ser considerado: a praticamente nula
proximidade e relacionamento entre MÁRCIA, ALBERTO e RAFAEL
ÂNGULO.
Por outro lado, cabe ressaltar que o caso de MÁRCIA DANZI não
se assemelha àqueles, talvez os mais comuns, em que o agente recebe
súbitos depósitos em suas contas, sem motivo aparente, e não tem
como justificá-los. Não sendo dado, por isso mesmo, escusar-se do
dever de informar-se sobre a causa e origem desses depósitos.
Não é este o caso. Ao contrário.
Como já esclarecido e comprovado – testemunhal e
documentalmente – MÁRCIA DANZI recebia depósitos habituais em
suas contas (dela própria, do seu esposo e de seu sogro), tendo, além
disso, todos os motivos para acreditar que parte deles tenha sido
realizada por PEDRO CORRÊA.
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Primeiro, porque havia uma razão, devidamente comprovada,
para receber depósitos de PEDRO CORRÊA em suas contas: durante
muitos anos a Defendente ficou responsável pela administração e
pagamento de contas pessoais de seu sogro e de despesas variadas do
imóvel rural mantido pela família no interior de Pernambuco.
Isso, de fato, restou cabalmente comprovado por farta
documental ratificada por inúmeros depoimentos prestados em juízo
(JONAS AURÉLIO,21 ex-funcionário da Fazenda, IVAN VERNON,22 ex-
assessor parlamentar de PEDRO CORRÊA, e ROBERTO SÉRGIO RIBEIRO
COUTINHO TEIXEIRA,23 ex-genro de PEDRO CORRÊA).
E conforme já esclarecido, o auxílio prestado por MÁRCIA
DANZI se dava da seguinte maneira: primeiramente, elaborava uma
espécie de lista para pagamentos (de boletos de contas de energia,
condomínio24 etc.) ou transferências bancárias (como no caso de JONAS
AURÉLIO LIMA LEITE, funcionário da Fazenda)25 e submetia a PEDRO
CORRÊA, a quem competia decidir sobre o que seria efetivamente
deveria ser pago, dentro de critérios de prioridade e disponibilidade.
21 Evento 226.
22 Evento 381.
23 Evento 328.
24 Ver Tabela 23 do Laudo 318/2015, pág. 46.
25 No valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), Cf. Tabela 23 do Laudo n.º 318/2015, pág.
46.
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Caso a Defendente dispusesse dos valores, ela própria realizava
o pagamento em sua conta bancária (sendo posteriormente
reembolsada) ou, quando impossível a operação em virtude de
pagamentos fora do vencimento, sacava a quantia e realizava a
operação.
E quando não dispunha, por alguma razão, do numerário,
aguardava a realização de depósitos ou transferências bancárias por
PEDRO CORRÊA, e a confirmação pelo mesmo.
Sempre foi assim! Até que, com o passar dos anos, MÁRCIA
DANZI foi deixando de exercer essas atividades, que passaram a ser
realizadas, pessoalmente, pelo próprio PEDRO CORRÊA, em razão da
sensível redução de suas viagens para fora do Estado. Isso, inclusive, é
revelado pela diminuição gradual dos valores movimentados entre
2010 e 2014.26
Em segundo lugar, era o próprio PEDRO CORRÊA, e ninguém
mais, quem lhe telefonava avisando dos depósitos, razão pela qual
jamais enxergou a necessidade de confirmar a origem e autoria dos
depósitos.
26 Cf. Laudo n.º 318/2015 – SETEC/SR/DPF/PR, Tabela 8, pág. 37 (evento 07, LAU do
IPL 5070419-69.2014.4.04.7000/PR).
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Já em sentido contrário, verifica-se que o MPF não trouxe
qualquer prova aos autos que demonstrasse, por exemplo, contatos
telefônicos entre MÁRCIA DANZI e YOUSSEF, ou entre aquela e
RAFAEL ÂNGULO. Ou ainda, troca de mensagens de celular ou e-mails
entre eles tratando de depósitos, conferência de dados ou confirmação
das operações (algo bastante comum em situações como estas).
Nada, rigorosamente nada, foi produzido a esse respeito.
Se isso é inegável, qual então seria a razão para reconhecer uma
participação dolosa de MÁRCIA DANZI em lavagem de dinheiro? Os
meros registros de depósito obtidos através de quebra de sigilo? A
alegada quantia de dinheiro depositada? Os saques que realizou?
Decerto que não.
Com efeito, pretender condená-la a partir dos meros registros de
depósitos não identificados em sua conta bancária redundaria em
típica e repudiável responsabilidade objetiva.
Também não colhe o argumento de que os depósitos teriam sido
fracionados, insinuando-se com isso que MÁRCIA DANZI teria o dever
de saber que os valores teriam origem ilícita.
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Ora, é preciso considerar, em primeiro lugar, que depósitos
fracionados não são ilícitos, quer do ponto de vista administrativo, quer
penal.
De modo que se alguma reprovação pode haver no
“fracionamento” de um depósito ela deve recair sobre quem realiza a
operação, e não sobre quem recebe, especialmente nas circunstâncias
recebidas por MÁRCIA DANZI em suas contas (de absoluta boa-fé).
Segundo, o fato de não ter buscado maiores informações a
respeito da origem desses depósitos poderia constituir, quando muito
e no limite, uma conduta negligente da parte de MÁRCIA DANZI. Mas,
jamais, uma ação dolosa de lavagem de dinheiro como, forçosamente,
deseja o MPF.
Sem se falar que, atuando de boa-fé, tinha razões mais do que
suficientes para acreditar na licitude dos valores – já que adviriam de
seu próprio sogro, após confirmação pelo mesmo!
O que não se pode admitir, data venia, é a presunção de
culpabilidade, como faz o parquet. Nem admitir especulações,
desprovidas de um mínimo de prova, que distorcem a realidade dos
fatos segundo a conveniência acusatória.
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A bem da verdade, busca o MPF “compensar” a falta de provas
partindo de ilações sobre a quantidade de operações (63), os valores
movimentados e, ainda, sobre saques realizados pela Defendente ao
longo de quatro anos.
Sobre a quantidade de operações, é preciso considerar, antes de
mais nada, que foram realizadas ao longo de quatro anos. Algo,
portanto, que não pode ser encarado como fora dos padrões de
normalidade.
De outra parte, essas supostas 63 (sessenta e três) operações
perdem-se em meio a outros 300 (trezentos) depósitos bancários27
efetivados ao longo do período pela própria MÁRCIA DANZI, por
PEDRO CORRÊA, para os fins acima destacados, ou por seu próprio
marido FÁBIO CORRÊA para pagamento de despesas domésticas do
casal e outras dívidas (como financiamento de automóveis, imóvel
residencial etc.).
No tocante aos saques, afirma o MPF com base em Laudo Pericial
terem sido efetuados no valor total de R$ 341.581,48 (trezentos e
quarenta e um, quinhentos e oitenta e um reais e quarenta e oito
centavos).
27 Cf. Laudo n.º 318/2015 – SETEC/SR/DPF/PR, pág. 40.
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Não obstante, longe de criar “perplexidade”, esse valor não é
indicativo de que a Defendente haja participado dolosamente de um
crime de lavagem. Explica-se.
Conforme já esclarecido, as contas correntes da Defendente não
serviam exclusivamente para receber depósitos de PEDRO CORRÊA
enquanto o auxiliou na administração e pagamento de despesas
pessoais. Ao contrário, eram de uso pessoal de MÁRCIA DANZI. Seja
para pagamento das próprias despesas, recebimento de salários ou
eventuais depósitos efetuados por esposo FÁBIO CORRÊA.
O Laudo n.º 318/2015 – SETEC/SR/DPF/PR, comprova isso.
De modo que o valor global de R$ 341 mil não pode ser creditado,
unicamente, como deseja o MPF, como valores sacados em favor de
PEDRO CORRÊA, desejando-se com isso criar uma relação de causa e
efeito simplesmente inexistente.
Por outro lado, divididos os R$ 341 mil por 48 meses – período
da quebra – verifica-se que o valor dos saques não supera a barreira dos
R$ 7 mil mensais. Algo, portanto, que não excede a “normalidade”,
além de ser compatível com a renda da Defendente e os valores
depositados em sua conta por seu sogro e esposo.
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Em outra tentativa de vincular a todo custo a Defendente ao
esquema, a acusação faz referência à existência de um e-mail datado de
22 de dezembro de 2010, no qual o denunciado PEDRO CORRÊA,
utilizando sua conta de e-mail nsa.c@uol.com.br44, encaminha um
correio eletrônico para ALBERTO YOUSSEF, no endereço
a.youssef@live.com, para tratar do fornecimento de informações de
contas bancárias e valores para depósitos das vantagens indevidas
oriundas da Diretoria de Abastecimento da PETROBRAS. Sendo uma
dessas contas pertencentes a MÁRCIA DANZI.
Não obstante, e mais uma vez, o MPF não comprovou que
MÁRCIA DANZI soubesse da existência desse e-mail e haja aquiescido
com o fornecimento de seus dados a YOUSSEF. Ou que o valor
depositado em sua conta corrente houvesse sido realizado por ou a
mando de YOUSSEF.
Longe disso, a acusação apenas presume e especula a respeito.
Por fim, e com o devido e merecido respeito, difícil imaginar que
alguém, ciente e consciente de que praticava ou contribuía para um
crime de lavagem dessa magnitude, se dispusesse a ceder contas
pessoais para “trânsito” de valores de origem e natureza ilícita,
facilmente detectáveis pelos mecanismos de controle e fiscalização
financeiros, como ocorreu na espécie.
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É algo, data vênia, que agride a inteligência cogitar.
De tudo se vê, eminente Julgador, que nada há nos autos que
demonstre o concurso voluntário e consciência da Defendente para a
prática de qualquer crime, muito de lavagem de dinheiro.
Presente essa moldura, forçosa é sua absolvição com fundamento
no art. 386, V e VII do Código de Processo Penal.
3. DA ATIPICIDADE
Embora a defesa esteja absolutamente convencida quanto à
absolvição por falta de provas, não poderia furtar-se ao dever de trazer
alguns questionamentos em torno da manifesta atipicidade do fato
imputado. Referimo-nos, no caso, à ausência de tipicidade por ausência
dos elementos subjetivo (dolo) e objetivo (verbos nucleares) do tipo.
Conforme demonstrará a defesa:
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(a) A Defendente agiu em clara situação de erro de tipo escusável
(CP, art. 20) ou, quando não, em erro de tipo provocado por terceiro
(CP, art. 20, §2º)
(b) a hipótese narrada na denúncia, ratificada em alegações
finais, corresponderia, no limite, ao exaurimento de crime de corrupção
já consumado e do qual não participou a Defendente, sendo, portanto,
impunível (post factum impunível);
3.1. Do Erro de Tipo Escusável
Conforme enfatizado na resposta escrita à acusação (evento...),
MÁRCIA DANZI, além de desconhecer o alegado esquema criminoso,
não sabia nem tinha condições de saber nem desconfiar que os valores
depositados em contas bancárias de sua titularidade tivessem origem
em crimes perpetrados contra a PETROBRAS.
Por essa razão, e tendo em vista que o MPF não fez prova em
sentido contrário, caso realmente venha a ser comprovado que os
valores depositados possuam alguma relação com o repasse de
dinheiro de origem ilícita, mesmo assim não há como imputar-lhe a
prática de lavagem de dinheiro uma vez configurada a hipótese de erro
de tipo escusável (CP, art. 20):
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Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo
legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por
crime culposo, se previsto em lei.
Poder-se-ia, além disso, reconhecer a hipótese de erro de tipo
determinado por terceiro já que a Defendente foi levada a acreditar, pelo
próprio PEDRO CORRÊA, que os depósitos eram feitos por ele.
Eis o que prevê art. 20, §2º do Código Penal nestes casos:
Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo
legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição
por crime culposo, se previsto em lei.
(...)
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina
o erro.
Como se sabe, o erro de tipo repercute diretamente no dolo,
impedindo sua constituição pela ausência de um de seus elementos
essenciais, que é o elemento cognitivo ou intelectivo. Elemento
cognitivo, este, que representa a ideia de que o agente, ao atuar
dolosamente, deve saber o que faz através da compreensão dos
elementos que caracterizam sua ação como uma ação típica, tais
como o sujeito, resultado, relação de causalidade, objeto material,
etc.
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Esse erro, na espécie, incidiu precisamente sobre a elementar do
tipo “(...) valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
Por outro lado, estamos diante de um erro de tipo essencial uma
vez que, em decorrência de uma falsa percepção ou completa
ignorância da realidade, a Defendente acabou praticando, sem
consciência, uma ação típica prevista como crime (no caso, lavagem
de dinheiro).
Além de essencial, é inevitável na medida em que não é
possível falar em omissão da cautela ou diligência exigível nas
circunstâncias. A bem da verdade, consideradas as circunstâncias do
fato, qualquer pessoa no lugar da Defendente teria incidido no
mesmo erro.
A propósito, o próprio MPF chegou a reconhecer, ainda que
implicitamente, a falta de provas objetivas de que a Defendente haja,
de fato, atuado com dolo direto. Não obstante, em vez de reconhecer a
atipicidade do fato como consequência inafastável dessa premissa, o
órgão acusador buscou uma “solução alternativa”, de última hora, por
assim dizer.
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Mudando completamente a sua estratégia e a própria tese
acusatória, o MPF passou a sustentar a possibilidade de condenação da
Defendente por dolo eventual.
Esqueceu-se o parquet, entretanto, que não lhe é dado alterar de
uma hora para outra, e ao sabor de suas conveniências, a tese
acusatória. Ainda mais quando se trata de uma clara manobra para
evitar uma inafastável absolvição por falta de provas e atipicidade da
conduta inicialmente imputada.
De todo modo, a tese inovadora do MPF não merece prosperar
ao ser confrontada no mérito.
A começar pelo fato de que se contrapõe à posição dominante
da doutrina e jurisprudência.
Como cediço, ambas exigem o dolo direto para configuração do
crime de lavagem, isto é, a demonstração “que o agente conhecia a
procedência criminosa dos bens e agiu com consciência e vontade de encobri-
lo”.28
28 Idem.
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De fato, para essa corrente doutrinária e jurisprudencial
amplamente majoritária, a ação constitutiva de branqueamento de
capitais há de ser perpetrada com a especial "finalidade de encobrir ou
dissimular a utilização do patrimônio ilícito resultante de um dos crimes
anteriores".29 Finalidade, essa, que, portanto, "deverá obrigatoriamente
integrar o dolo ao nível do tipo subjetivo".30
Nessa linha, aliás, estão a Convenção de Viena (art. 3, 1, b), de
Palermo (art. 6, 1) e a Directiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e
do Conselho (26.10.05) (art1, 2, a e b), indicando que apenas quem tem
pleno conhecimento da procedência ilícita dos bens pratica lavagem de
dinheiro.
O mesmo se extrai no direito comparado, como no caso da
legislação lusitana sobre branqueamento de capitais (art. 2.º. 1).
Na doutrina brasileira, essa é a posição adotada, dentre tantos
outros, por PIERPAOLO BOTTINNI e ANDRÉ LUÍS CALLEGARI.
29 Cf. CALLEGARI, André Luis. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei nº 9.613/98, 2ª
ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 111.
30 Cf. MAIA; Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos provenientes de
crime), SP: Malheiros, 1999, p. 95.
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Para CALLEGARI:31
“Essa posição [que admite o dolo eventual] não nos parece a
mais correta, já que não é possível o autor cometer o delito
apenas com a probabilidade de que estes provenham de um
dos crimes (...) é preciso que o autor conheça o caráter ilícito
de sua conduta e saiba que os bens possuem procedência
ilícita. (...) O dolo deve ser dirigido a esta conduta, ou seja, o
autor atua porque conhece a origem criminosa dos bens e
porque que lhes dar aparência de licitude”.
Não tem sido outra, com efeito, a orientação adotada nos
tribunais superiores.
Ao julgar os 6º Embargos Infringentes na AP 470/MG, o Plenário
da Suprema Corte reforçou a posição de que “A condenação pelo delito de
lavagem de dinheiro depende da comprovação de que o acusado tinha ciência
da origem ilícita dos valores”:
Ementa: Embargos infringentes na AP 470. Lavagem de
dinheiro. 1. Lavagem de valores oriundos de corrupção passiva
praticada pelo próprio agente: 1.1. O recebimento de propina
constitui o marco consumativo do delito de corrupção passiva, na
forma objetiva “receber”, sendo indiferente que seja praticada com
elemento de dissimulação. 1.2. A autolavagem pressupõe a prática
de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente
31 Cf. Lavagem de dinheiro: Aspectos Penais da Lei nº 9.613/98. Porto Alegre: Livraria do
advogado, 2ª ed., 2008. p.152-154.
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(já consumado), não verificados na hipótese. 1.3. Absolvição por
atipicidade da conduta. 2. Lavagem de dinheiro oriundo de crimes
contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro Nacional.
2.1. A condenação pelo delito de lavagem de dinheiro depende
da comprovação de que o acusado tinha ciência da origem ilícita
dos valores. 2.2. Absolvição por falta de provas 3. Perda do objeto
quanto à impugnação da perda automática do mandato
parlamentar, tendo em vista a renúncia do embargante. 4.
Embargos parcialmente conhecidos e, nessa extensão, acolhidos
para absolver o embargante da imputação de lavagem de
dinheiro. (AP 470 EI-sextos/MG, rel. Min. Luiz Fux; Rel. p/
Acórdão: Min. Roberto Barroso, DJe 21/08/2014)
No mesmo sentido, tem sido a orientação adotada pelo Superior
Tribunal de Justiça, o qual, em precedente específico, assentou:
“O crime de lavagem de dinheiro tipifica-se desde que o
agente saiba que o montante pecuniário auferido, por meio
de dissimulação, é produto de crime antecedente” (cf. STJ,
HC 309.949/DF, Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe
09/03/2015.
E mesmo que se entendesse, na linha de minoritária corrente, que
o tipo de lavagem de capitais admitiria o dolo eventual, ainda assim
não haveria como reconhecê-lo na hipótese presente. Seja porque a
prova oral, como visto, inocenta a Defendente quanto ao seu
envolvimento nos fatos (ALBERTO YOUSSEF, RAFAEL ÂNGULO e
PEDRO CORRÊA), seja ainda porque a hipótese de erro de tipo
(escusável ou não) sempre elimina o dolo, seja ele direto ou eventual.
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De modo que, no particular, a absolvição se impõe conforme a
hipótese do art. 386, III do Código de Processo Penal.
3.2. Do Recebimento de Depósitos Bancários como Exaurimento do
Crime de Corrupção
Se ainda assim Vossa Excelência não se convencer da
necessidade de absolvição de MÁRCIA DANZI diante da falta de
provas e plena configuração do erro de tipo escusável (ou erro
provocado por terceiro), haverá de reconhecer, entretanto, que o fato
imputado à Defendente não configura crime nem é passível de
punição.
E isto por se tratar, caso verdadeiro fosse (o que apenas se admite
para argumentar), de mero exaurimento de crime de corrupção já
consumado e no qual não teve participação a Defendente. Explica-se.
Já se verificou, e aqui se reitera, que a imputação do crime de
lavagem de dinheiro a MÁRCIA DANZI estaria remotamente
relacionada a contratos fraudulentos celebrados entre empreiteiras e a
PETROBRAS (Tabela A) e, proximamente, aos contratos alegadamente
simulados firmados entre as empresas cartelizadas e aquelas
controladas por ALBERTO YOUSSEF (Tabela B).
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É a própria denúncia quem afirma que os valores depositados
por ALBERTO YOUSSEF em contas correntes de PEDRO CORRÊA e de
terceiros por ele indicadas adviriam daqueles contratos.
Esses repasses, por sua vez, constituiriam contrapartida
(vantagem indevida) paga pelas empresas cartelizadas ao núcleo
político e administrativo.
Nos exatos termos da denúncia,32
“Os integrantes do PARTIDO PROGRESSISTA, entre
eles, JOSÉ JANENE e PEDRO CORRÊA, comandando o
esquema de corrupção, discutiam, acertavam e definiam
com as empreiteiras cartelizadas os percentuais de propina
que seriam pagas em razão dos contratos celebrados na
Diretoria de Abastecimento”.
Por sua vez,
“as empresas cartelizadas participantes do ‘CLUBE’, já
previamente ajustadas com o PARTIDO PROGRESSISTA (PP),
firmaram com PAULO ROBERTO COSTA (também
previamente ajustado com o mesmo PARTIDO) e outros
funcionários da PETROBRAS, como RENATO DUQUE, um
compromisso com promessas mútuas que foram reiteradas e
confirmadas ao longo do tempo, de, respectivamente,
32 Fl. 12 da denúncia.
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oferecerem e aceitarem vantagens indevidas que variavam
entre 1% e 5% do valor integral de todos os contratos por elas
celebrados com a PETROBRAS, podendo ser superior a esse
percentual em caso de aditivos contratuais (...)”.33
Um pouco mais adiante, consigna a inicial acusatória:
“(...) especificamente para o denunciado PEDRO
CORRÊA, apurou-se que ALBERTO YOUSSEF
operacionalizava os pagamentos por meios diversos, a
saber: 1) entregas em dinheiro para o próprio denunciado; 2)
entrega de dinheiro para terceiros a pedido do denunciado;
3) depósitos nas contas de titularidade do denunciado
PEDRO CORRÊA e para terceiros por este indicados”.34
Partindo dessas premissas, é o próprio Ministério Público
Federal quem inclui expressamente o fato (recebimento de valores via
depósitos de valores) no capítulo destinado à imputação de corrupção
passiva à PEDRO CORRÊA.35
33 Fls. 12/13 da denúncia.
34 Fl. 31 da denúncia.
35 Cf. Cap. II. IMPUTAÇÕES DO CRIME DE CORRUPÇÃO, item II.B.3 – Entrega em
dinheiro para terceiros a pedido do denunciado).
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Da própria narrativa dos fatos, com efeito, dessume-se que no
momento em que os citados depósitos foram realizados, seja a PEDRO
CORRÊA seja a terceiros por ele indicados, o crime de corrupção
passiva já se encontrava consumado pela aceitação.
Tanto porque, é a própria acusação quem afirma que os repasses
ocorriam à medida em que os pagamentos dos contratos eram
efetivados pela PETROBRAS em benefício das empreiteiras.
Ora, se os alegados crimes de corrupção antecediam logica e
cronologicamente à formalização dos contratos, e evidentemente ao
pagamento desses mesmos contratos, resta claro que os depósitos
efetuados – insista-se, partindo-se do que afirma a acusação –
consistiriam em mera disponibilização da vantagem indevida objeto da
corrupção já consumada.
Foi exatamente isso, aliás, que afirmou o parquet em suas
alegações finais, asseverando, textualmente, que “no momento das
operações de lavagem [leiam-se: depósitos], a corrupção passiva tal qual
denunciada e demonstrada nos autos já estava devidamente consumada
pela aceitação da vantagem ilícita”.36
36 Fl. 39 das alegações finais.
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Esquematicamente, eis a sequência cronológica dos fatos:
Logo, diante dos fatos e da sequência cronológica acima
destacada a disponibilização da vantagem indevida via depósitos
bancários constitui, no limite, exaurimento do crime de corrupção.
Com efeito, há uma significativa e insuperável diferença entre o
recebimento capaz de configurar exaurimento do crime de corrupção e
aquele suficiente à caracterização de crime de lavagem (quando
associado a outras ações tendentes à ocultação e dissimulação).
Corrupção ativa e
passiva, formação
de cartel
Processo licitatório
na Petrobras
(Diretoria de
Abastecimento)
Conclusão do processo
licitatório
Início das obras e
pagamento dos
contratos às
empreiteiras (Tabela A)
Repasse dos valores ao
núcleo administrativo e
político através dos
operadores
Formalização de
contratos simulados
(Tabela B)
Depósitos em contas
bancárias e entregas de
dinheiro
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Essa diferenciação, vale recordar, foi implementada pelo
Supremo Tribunal Federal quando do julgamento de Embargos
Infringentes na Ação Penal 470/MG opostos pelo ex-deputado federal
JOÃO PAULO CUNHA.
Como se sabe, o ex-parlamentar foi denunciado por lavagem de
dinheiro ao receber, através de sua esposa e mediante saque efetivado
em instituição financeira, R$ 50 mil provenientes de atos de corrupção
passiva.
É rigorosamente a mesma situação descrita na presente
denúncia.
No referido julgamento, a maioria do Plenário reconheceu que, o
recebimento de dinheiro, naquelas circunstâncias, ainda que a forma
escolhida possa ser tida como escamoteada, corresponderia ao
exaurimento da corrupção já consumada, e não lavagem de capitais, o
que conduziu à absolvição do ex-parlamentar diante da configuração
de um post factum impunível (em relação e ele e, evidentemente, à
esposa).
Em voto emblemático, salientou o eminente Ministro TEORI
ZAVASCKI:
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(...) À luz dessas premissas teóricas, tem-se que os fatos
narrados na denúncia – o recebimento de quantia pelo
denunciado por meio de terceira pessoa - não se adequam,
por si sós, à descrição da figura típica. Em primeiro lugar,
porque o mecanismo de utilização da própria esposa não
pode ser considerado como idôneo para qualificá-lo como
“ocultar”; e, ademais, ainda que assim não fosse, a ação
objetiva de "ocultar" reclama, para sua tipicidade, a
existência de um contexto capaz de evidenciar que o agente
realizou tal ação com a finalidade específica de emprestar
aparência de licitude aos valores. Embora conste da
denúncia a descrição da ocorrência de crimes antecedentes
(contra o sistema financeiro nacional e a administração
pública), bem como a afirmação de que o embargante,
“consciente de que o dinheiro tinha como origem
organização criminosa voltada para a prática” desses crimes,
“almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário
do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia
Regina para sacar no caixa o valor de cinquenta mil reais em
espécie”, ela não descreve qualquer ação ou intenção do réu
tendente ao branqueamento dos valores recebidos. O que se
imputa, a rigor, é o recebimento dos valores referentes ao
crime de corrupção passiva, que, pela circunstância de ter
sido realizado por interposta pessoa, não pode produzir a
consequência de incorporar um crime autônomo, até
porque o recebimento indireto da vantagem indevida
integra o próprio tipo penal do art. 317 do Código Penal
(“solicitar ou receber (...) direta ou indiretamente (...)
vantagem indevida”).
(...)”. (g.n.)
Não foi outra a linha de raciocínio exposta no voto da eminente
Ministra ROSA WEBER:
Página 49 de 69
“(...) Quem vivencia o ilícito procura a sombra e o
silêncio. O pagamento de propina não se faz perante
holofotes. Atividade das mais espúrias, aproveita todas as
formas de dissimulação para sua execução. Ninguém vai
receber dinheiro para corromper-se sem o cuidado de
resguardar-se.
Nessa ótica, assento que, na minha compreensão, e
pedindo vênia aos que entendem de modo diverso, a
manipulação do dinheiro objeto da propina traduz,
dependendo da hipótese, (i) a própria consumação do crime
de corrupção ou (ii) o exaurimento deste mesmo crime.
(...)
Na corrupção passiva três são os núcleos: solicitar ou
receber vantagem indevida e, ainda, aceitar promessa de
vantagem indevida
Na corrupção ativa, apenas dois: oferecer ou prometer.
Na corrupção ativa ambos os núcleos importam o
reconhecimento do crime formal. Então, nesse delito, a
percepção da vantagem pelo corrompido constitui
exaurimento do delito.
Já na corrupção passiva, sob a forma solicitar, o crime é
formal; mas sob a forma receber – e aqui peço vênia, pela
primeira vez a me manifestar sobre o tema nesta Casa, para
não perfilhar a orientação jurisprudencial nela dominante -,
o crime é material. No primeiro núcleo, basta a solicitação
para realizar o tipo; no segundo, todavia, pressupõe-se o
efetivo recebimento da propina por não se esgotar, o tipo, na
mera aceitação de vantagem indevida.
Logo, em se tratando do núcleo solicitar, o efetivo
recebimento da propina constitui exaurimento do crime; no
caso do núcleo receber, a percepção da vantagem integra a
fase consumativa do delito.
(...)
Página 50 de 69
Assentei que, na minha compreensão, pedindo vênia
aos entendimentos contrários, a manipulação do dinheiro
objeto da propina constitui ora meio de consumação, ora
meio de exaurimento da corrupção, a partir da distinção
entre crimes materiais e formais sob o ângulo do núcleo do
tipo (...). Logo, na hipótese solicitar – assim como nos dois
tipos da corrupção ativa -, o efetivo recebimento da propina
representa o exaurimento da corrupção passiva. Sob a
forma receber, todavia, a percepção da vantagem está na fase
consumativa da corrupção passiva.
(...)
A meu juízo, contudo, presentes as peculiaridades dos
casos e a explicitação dos conceitos, na forma supra, inviável
considerar o crime de corrupção passiva como antecedente
do crime de lavagem ao feitio legal, inconfundível o
recebimento da vantagem indevida de forma maquiada, pelo
qual se consuma a corrupção passiva na modalidade receber,
com a ocultação e dissimulação ínsitas ao tipo do crime de
lavagem de dinheiro.
A mesma conclusão se impõe, ainda que sem a mesma
limpidez, considerada a corrupção passiva em todos os
seus núcleos como crime formal (consoante a
jurisprudência majoritária desta Casa). Nessa hipótese, o
recebimento dissimulado e mediante artifícios - como nem
se poderia imaginar diferente, pois quem vivencia o ilícito,
procura a sombra e o silêncio -, constitui exaurimento do
delito de corrupção passiva. (...)
Isso não significa que para a consumação do crime
antecedente e o início da lavagem se exija a posse física do
produto do delito por seu agente. O crime antecedente pode
se consumar com a mera disponibilidade sobre o produto do
crime, ainda que não física, pelo agente do delito, mas o ato
configurador da lavagem há de ser, a meu juízo, distinto e
posterior à disponibilidade sobre o produto do crime
antecedente.
Página 51 de 69
No caso presente, concluo que o recebimento da
vantagem indevida por João Paulo Cunha e Henrique
Pizzolato, nas condições em que ocorreram os pagamentos –
com subterfúgios e dissimulação -, integra o tipo penal da
corrupção passiva e não pode, por esse motivo, em se
tratando do mesmo ato, compor o da lavagem de capitais.
(...)”. (g.n.)
Cumpre salientar que além de absolver o ex-parlamentar a partir
da tese de exaurimento, o e. STF não reconheceu, em relação à sua
esposa, qualquer prática criminosa, seja a título de lavagem, seja de
auxílio em crime de corrupção.
Essas conclusões, que formaram maioria no plenário da Suprema
Corte, já com sua composição atual, aplicam-se exatamente à hipótese
presente.
No caso, aquilo que a denúncia afirma constituir ato de lavagem
(depósito de quantias em espécie pagas a título de propina), a
jurisprudência do c. STF reconhece tratar-se de mero exaurimento do
crime de corrupção.
Com maior razão ainda, se o próprio MPF reconhece que no
momento dos depósitos (2010 e 2014) o crime de corrupção já havia de
há muito se consumado pela aceitação.
Página 52 de 69
E justamente por essa razão, o fato não pode se enquadrar em
crime de lavagem. E muito menos ser punível a título de participação
em corrupção passiva (como melhor exposto adiante), já que o delito,
insista-se, conforme afirma a própria acusação, já se havia consumado
no momento do recebimento.
E de fato não haveria de ser diferente já que o crime de corrupção
é ação múltipla, de modo que a prática de uma das ações típicas já é
suficiente à consumação do delito, sendo as demais, caso ocorrentes,
consideradas mero exaurimento.
Em reforço de tudo isso, tem-se que MÁRCIA DANZI jamais foi
acusada de participar dos atos que culminaram na aceitação ou
solicitação de vantagem indevida. Tampouco possui qualquer
envolvimento, como já visto, nos atos de formalização dos contratos
fraudulentos que estariam na gênese dos crimes de corrupção.
Logo, não há com prosperar o pedido condenatório deduzido
pelo parquet.
Página 53 de 69
3.3. Do recebimento de valores, via depósito, como fato impunível
em razão de lavagem de dinheiro anteriormente consumada
E mesmo que assim não se entenda, ou seja, mesmo que se
considere remotamente que essa disponibilização constituiria, de fato,
ato de lavagem, ainda assim não seria punível.
Extrai-se da própria narrativa das alegações finais que, no exato
momento dos depósitos, o crime de lavagem de dinheiro já estaria
consumado através da formalização dos contratos indicados na Tabela
B da denúncia.
Isto porque, segundo o MPF a formalização desses contratos
buscaria “conferir aparência de licitude aos repasses de valores de
propina em virtude dos contratos firmados pelas cartelizadas no âmbito
da Diretoria de Abastecimento da Petrobras”:
“Ademais, juntados aos autos documentos (evento 1,
OUT42 a OUT109) 13 que comprovam materialmente as
transações financeiras compiladas na Tabela B da
denúncia 14 , as quais foram realizadas entre as empresas
cartelizadas e as pessoas jurídicas GFD, M.O., RIGIDEZ e
RCI com objeto fictício, com o único intuito de conferir
aparência de licitude aos repasses de valores de propina
em virtude dos contratos firmados pelas cartelizadas
Página 54 de 69
no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras:
(...)”37
Ora, sabe-se que o crime de lavagem se consuma “quando o
agente, mediante condutas ativas ou omissivas, oculta ou dissimula a
natureza, origem, localização, etc.”38
Por essa razão, na medida em que a formalização de contratos
fictícios configurou e consumou, por si só, o crime de lavagem – do
qual não participou a Defendente – resta evidente que todos os demais
movimentos, incluindo depósitos bancários, são desdobramentos do
mesmo processo de lavagem de dinheiro. Impuníveis, portanto.
Do que se vê, em resumo, que de uma ou de outra forma, o fato
relacionado aos depósitos em conta bancária da Defendente representa
post factum impunível.
37 Fl. 20 das alegações finais.
38 Cf. BONFIM. Marcia Monassi Mougenot. BONFIM. Edilson Mougenot. Lavagem de
dinheiro. São Paulo: Malheiros. 2ª Ed. Pag 47.
Página 55 de 69
Ou seja, se considerarmos que os depósitos constituem
pagamento de propina vinculado a crime de corrupção já consumado,
não configuram lavagem, senão exaurimento de corrupção.
Não obstante, se considerarmos esses depósitos como operações
que resultam diretamente dos contratos simulados, constituindo-se
eles próprios atos de lavagem, incabível a punição de atos posteriores
relacionados a essa lavagem, por igualmente se consubstanciarem
exaurimento do crime já consumado.
Por fim, também não colhe o argumento do MPF veiculado em
suas alegações finais, no sentido de que, eventualmente afastado o
crime de corrupção (em razão da tese de exaurimento), seria possível
reconhecer a configuração do crime de lavagem em razão de outros
crimes antecedentes, quais sejam, formação de cartel e fraude à
licitação, “que possibilitaram a inserção do montante indevido nas propostas
contratadas pela estatal”.39
Com o devido respeito, a engenhoso raciocínio do parquet não se
sustenta no caso da Defendente.
39 Fl. 39 da denúncia.
Página 56 de 69
Primeiro, porque os crimes de cartel e fraude à licitação, segundo
se infere da própria denúncia (e, ademais, não demonstrou o MPF em
sentido contrário), teriam se consumado bem antes de julho de 2012,
quando entrou em vigor a Lei 12.683 que alterou a Lei 9.613/98 em
relação ao rol, antes taxativo, de crimes antecedentes.
Pelo contrário. Da própria narrativa se infere que todos eles –
sem exceção – estariam na gênese dos fatos investigados na Operação
Lava Jato, os quais remontariam, segundo a denúncia, ao período entre
2005 (quando foram celebrados os primeiros contratos) e 2007 (quando
se iniciaram os pagamentos dos contratos).
Logo, pela regra do art. 1.º do Código Penal, que consagra o
princípio da anterioridade penal, não há como admitir, para efeito de
configuração do tipo de lavagem, como crimes antecedentes aqueles
atribuídos na denúncia, conforme, inclusive, já assentou o c. STJ sobre
a matéria (Cf. RHC 41.588/SP, Quinta Turma, rel. Min. Walter de
Almeida Guilherme, DJe 29/10/2014).
A exceção, no caso, ocorre em relação aos supostos crimes de
corrupção e contra o sistema financeiro, que já constavam do rol
original do art. 1.º, V e VI da Lei 9.613/98.
Página 57 de 69
De qualquer forma, em relação a crimes contra o sistema
financeiro, que não chega sequer a ser mencionado nas alegações finais,
os respectivos tipos penais são definidos pela denúncia. Logo, não
podem servir de fundamentação para efeito de realização do juízo de
tipicidade da lavagem.
Restaria, frente a tudo isso, o suposto crime de corrupção como
crime antecedente, o qual, como visto, torna os depósitos realizadas em
contas bancárias da Defendente post factum impunível.
Segundo, o MPF não fez prova de que MÁRCIA DANZI soubesse
não apenas da formação de cartel e fraude à licitação, bem como que os
valores por ela alegadamente recebidos em contas correntes tivessem
origem ou relação com os citados delitos.
Ao contrário disso, verificou-se que nenhuma prova existe nos
autos associando MÁRCIA DANZI aos crimes de cartel e muito menos
às fraudes de licitação, as quais, conforme afirma o próprio parquet,
eram arquitetadas diretamente entre os funcionários da PETROBRAS e
o executivos das empreiteiras, inexistindo qualquer possibilidade de
que a Defendente soubesse que recebia valores em suas contas
provenientes daqueles delitos, algo indispensável à configuração do
crime de lavagem.
Página 58 de 69
Presente esse contexto, mesmo abstraindo-se a questão referente
ao dolo da conduta, indemonstrado pela acusação em relação a
MÁRCIA DANZI, verifica-se que o fato se apresenta atípico em relação
a PEDRO CORRÊA, alegado beneficiário, uma vez que representa mero
exaurimento do crime de corrupção. E, por evidente, dado o princípio
da acessoriedade limitada, o mesmo sucede em relação ao próprio
Defendente (que teria agido na condição de partícipe).
Em suma, mostra-se totalmente improcedente e descabido o
pedido de condenação em relação a um possível crime de lavagem de
dinheiro.
3.3.1. Da Emendatio Libelli
Ciente e consciente de que o fato imputado a MÁRCIA DANZI é
impunível, o MPF, mais uma vez, muda a estratégia e tese acusatória e
procura criar uma “solução alternativa” que permita uma condenação
a todo custo.
No caso, requereu, pelo “princípio da eventualidade”, que:
Página 59 de 69
“(...) caso se entenda, como pretendem fazer crer os
réus, que suas condutas se referem à consumação do crime
de corrupção passiva, seria necessário aplicar o instituto da
emendatio libelli (artigo 384 do Código de Processo Penal),
considerando que a conduta por eles praticadas e descrita na
inicial constituiu auxílio material para a prática do delito
tipificado no artigo 333, parágrafo único, de pena mais
elevada”.40
Sem razão, data vênia.
Por evidente, não é possível admitir que MÁRCIA DANZI seja
excluída do crime de lavagem e passe a ser responsabilizada por
corrupção, como ousou cogitar o MPF, por tudo quanto já articulado
nos tópicos anteriores.
Tampouco é verdadeiro que MÁRCIA DANZI tenha reconhecido
que sua conduta se refira à “consumação de corrupção passiva” como
quis fazer crer o parquet. Tudo que disse a esse respeito foi apenas a
título de argumentação. E mesmo assim, deixou clara a tese de
exaurimento, embora em algumas passagens tenha feito alguma
referência à consumação diante dos próprios precedentes
jurisprudenciais que invocou e contêm menções desse gênero. E nada
mais.
40 Fl. 39 das alegações finais.
Página 60 de 69
Por outro lado, incabível falar-se em emendatio ou mutatio libelli
porque os elementos típicos da corrupção não estão descritos na
denúncia oferecida contra MÁRCIA DANZI, além de não se tratar de
“prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não
contida na acusação”, como apenas afirma o MPF.
E mesmo que assim não fosse, caberia ao Ministério Público, na
forma do mesmo art. 384 do CPP invocado pela acusação, aditar
formalmente a denúncia no prazo de cinco dias, o que não ocorreu:
Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender
cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de
prova existente nos autos de elemento ou circunstância da
infração penal não contida na acusação, o Ministério Público
deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco)
dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo
em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o
aditamento, quando feito oralmente
Preclusa, portanto, encontra-se a matéria.
Para além disso, incabível falar-se em “auxílio material” em
crime de corrupção passiva quando o próprio órgão acusador, de
forma absolutamente contraditória, afirma que no momento dos
processos de lavagem o crime de corrupção alegadamente praticado
por PEDRO CORRÊA já se havia consumado. Recorde-se:
Página 61 de 69
“(...) no momento das operações de lavagem, a
corrupção passiva tal qual denunciada e demonstrada nos
autos já estava devidamente consumada pela aceitação da
vantagem ilícita”.41
De mais a mais, para que fosse possível cogitar de auxílio
material em crime de corrupção passiva, seria necessária a
demonstração, pela acusação, de que MÁRCIA DANZI efetivamente
soubesse da existência do alegado esquema criminoso, o que não se
ocorreu, conforme amplamente demonstrado.
De resto, repita-se uma vez mais: o nome de MÁRCIA DANZI
não é em qualquer instante mencionado nem vinculado, objetiva ou
subjetivamente, aos atos de ajuste e celebração dos contratos descritos
nas Tabelas A e B na denúncia.
Por essa razão, não há, nestas circunstâncias, como afirmar-se
que o trânsito de valores em suas contas constituiria “auxílio material”
em crime de corrupção diante da ausência de vínculo objetivo-
subjetivo da Defendente com os contratos antecedentes.
Logo, frente a essas razões, não há falar em emendatio libelli.
41 Fl. 39 das alegações finais.
Página 62 de 69
A conclusão a que, de fato, se deve chegar, em suma, é que
MÁRCIA DANZI não pode ser acusada de lavagem de dinheiro porque
o recebimento, mesmo sem ter consciência disto, estaria relacionado a
exaurimento da alegada corrupção. Muito menos pode sê-lo pela
corrupção em si, uma vez que não tem qualquer participação ou
envolvimento nos atos que caracterizariam o crime na forma exposta
pela denúncia.
3.4. Da ausência de correlação entre o ato de receber valores via
operação bancária em nome próprio e as ações típicas de ocultar e
dissimular
Por fim, e sem prejuízo de todas essas considerações, cumpre
atentar para o fato de que os atos imputados pela denúncia, ratificada
nas alegações finais, não revelam, em si, atos de “ocultação” ou
“dissimulação”, vale dizer, qualquer manobra com a especial "finalidade
de encobrir ou dissimular a utilização do patrimônio ilícito resultante de um
dos crimes anteriores"42.
42 Cf. CALLEGARI, André Luis. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei nº 9.613/98, 2ª ed., Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 111.
Página 63 de 69
Neste sentido, entende o MPF que MÁRCIA DANZI ao
supostamente receber quantias em espécie no escritório de ALBERTO
YOUSSEF e ceder contas pessoais para transito de valores de origem
criminosa praticou lavagem de capitais “ocultando” e “dissimulando”
a respectiva “natureza, origem, disposição, movimentação, localização e
propriedade”,43 e, com isso, “ultimando o processo de branqueamento dos
valores”.44
Não obstante, é certo que o ato de receber, por si só e nas
circunstâncias narradas, não corresponde, objetiva e ontologicamente,
a uma ação típica de ocultação ou dissimulação, muito menos no
sentido exigido para a configuração do tipo de lavagem.
O contrário só seria possível, com efeito, se essa ação houvesse
ao menos sido associada pela denúncia a outros comportamentos
eventualmente praticados por MÁRCIA DANZI – antes, durante ou
depois do recebimento – tendentes a esconder, simular ou mascarar a
verdade sobre a natureza, origem, disposição, movimentação,
localização e propriedade daqueles valores, o que definitivamente não
ocorreu na espécie.
43 Fl. 61 da denúncia.
44 Fl. 61 da denúncia.
Página 64 de 69
De fato, afora o ato de receber, na condição de mero
intermediário, determinada quantia em espécie, em nenhum momento
a acusação descreve ou faz prova em relação a ações ocultativas e/ou
dissimulativas voltadas a “modificar o status do dinheiro de origem
criminal, isto é, dar-lhe aparência de legitimidade para que possa circular
livremente na economia legal”,45 como exige o tipo de lavagem.
Nada. Rigorosamente nada é dito ou provado a esse respeito.
Nem mesmo implicitamente.
E não é só. Se é verdade, como enfatiza RAÚL CERVINI46, que o
crime de lavagem de dinheiro é na essência “un processo que se moviliza
dentro de los sistemas económicos”, ou, como define BLANCO
CORDERO,47 é um “processo em virtude do qual os bens de origem ilícita
são integrados ao sistema econômico legal com aparência de haverem sido
obtidos de forma lícita”, caberia ao MPF descrever e provar atos
eventualmente praticados por MÁRCIA DANZI compatíveis e
representativos desses processos.
45 Cf. PRADO, Luiz Regis. Delito de Lavagem de Capitais: Um estudo introdutório. In:
Doutrinas Essenciais. Ob. Cit., p. 1155.
46 Cf. Evolución de la legislación antilavado em el Uruguay. In: Doutrinas Essenciais.
FRANCO, Alberto Silva (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 1181.
47 Cf. CORDERO, Blanco. El delito de blaqueo de capitales. Navarra, Arazandi, 2002, pág.
93.
Página 65 de 69
Mais especificamente, no sentido de comprovar atos voltados a
produzir uma interação entre a economia legal e ilegal com o intuito de
conferir honorabilidade aos bens ou valores e afastar quaisquer
desconfianças que recaiam sobre a fonte ilícita dos recursos (cf. TRF4,
Proc. 5055075-44.2011.404.7100, Oitava Turma, rel. Des. Leandro
Paulsen, DJe 14/04/2015), algo indemonstrado pela acusação.
Ora, da forma como se apresenta a acusação cabe indagar: em
que medida a ação narrada – receber valores destinados a terceiro –
pode ser comparável a um conjunto complexo de operações, integrado
pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering) e
integração (integracion) de bens de que fala a doutrina48? Onde se vê
algo comparável a uma “manobra” destinada a ocultar (encobrir) ou
dissimular (distanciar) a origem supostamente criminosa dos valores?
São questionamentos, data vênia, para os quais o MPF não trouxe
qualquer resposta minimamente convincente. Nem no momento de
oferecer a denúncia, nem no momento em que apresentou suas
alegações finais.
A questão, portanto, há de ser abordada à do princípio da
legalidade penal. Ou, mais precisamente, da taxatividade.
48 Cf. Lavagem de Dinheiro. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pág. 53.
Página 66 de 69
Como princípio reitor do Estado Democrático de Direito, a
legalidade constitui a espinha dorsal dos sistemas jurídicos modernos.
Representa a expressão máxima de garantia dos direitos e liberdades
individuais (e coletivas). No dizer de NILO BATISTA,49 o princípio da
legalidade constitui “a chave mestra de qualquer sistema penal que se
pretenda racional e justo.”
No Direito brasileiro, é previsto no rol das garantias fundamentais
do cidadão, mais precisamente no art. 5.°, inc. XXXIX, da Constituição
Federal de 1988, e no art. 1.º do Código Penal: “Não há crime sem lei
anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” No mesmo
sentido, dispõe o art. 9.º, da Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos (CADH – Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de
novembro de 1969, da qual o Brasil é signatário, verbis: “Ninguém poderá
ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos,
não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. (...)”.
Um de seus três postulados, como ensina LUIS LUISI,50 é a
taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa).
49 Cf. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 8.ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2002, p. 65.
50 Neste sentido: LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 17.
Página 67 de 69
No plano legislativo, a taxatividade impõe que lei estabeleça, de
forma precisa e taxativa, as condutas tidas como delituosas e as
respectivas sanções penais. Sob essa óptica, é direcionada ao legislador,
impondo-lhe o dever de especificar de modo o mais detalhado possível
os elementos essenciais que compõem os comportamentos tidos como
criminosos, o mesmo ocorrendo em relação à definição das penas
aplicáveis. O objetivo, nesse caso, é evitar tipificações dúbias,
genéricas, que deixem margem à ampla e irrestrita discricionariedade
do Estado-juiz em prejuízo das pessoas (jurisdicionados).
No plano judicial, a taxatividade garante ao acusado o direito
não ser responsabilizado penalmente se a ação por ele praticada não se
enquadrar, perfeitamente, ou, melhor, taxativamente, na figura típica
imputada.
A taxatividade, por isso mesmo, há de ser considerada em
conjunto com outra importante garantia penal: a proibição da analogia
in malam partem.
É a partir dessas importantes premissas, com efeito, que se há de
se realizar o juízo de (a)tipicidade do fato imputado a MÁRCIA
DANZI.
Página 68 de 69
Menos ainda é possível considerar um crime de lavagem de
dinheiro, sob a perspectiva dos depósitos bancários, quando eles são
realizados na própria conta corrente da acusada.
Ora, ocultar significa esconder, camuflar, encobrir, o que é
absolutamente incompatível com a ação de ceder contas bancárias
pessoais para depósito de valores, como quer fazer crer o MPF.
Em resumo: não há como acolher a tese acusatória.
4. DA CONCLUSÃO
Com estas considerações, espera e confia MÁRCIA DANZI seja
julgada IMPROCEDENTE a pretensão condenatória deduzida pelo
Ministério Público Federal, ABSOLVENDO-SE a Defendente com
fundamento nas hipóteses do art. 386, I, II, III, IV, V e VII do Código de
Processo Penal.
É o que se pede.
Página 69 de 69
De Recife para Curitiba, 25 de setembro de 2015.
ADEILDO NUNES Advogado OAB/PE 8.914
PLÍNIO LEITE NUNES Advogado OAB/PE 23.668
CAROLINE DO R. B. SANTOS Advogada OAB/PE 32.753
CLARISSA DO REGO BARROS NUNES Advogada OAB/PE 38.823

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Alegações finais de Márcia Danzi

  • 1. Página 1 de 69 Excelentíssimo Senhor Juiz Federal da 13ª VARA CRIMINAL FEDERAL da Seção Judiciária do Paraná “Não haverá culpa penal por presunção, nem responsabilidade criminal por mera suspeita. Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal, quer para fins de prolação de juízo condenatório. Torna-se essencial insistir, portanto, na asserção de que ‘por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal’, consoante proclamou, em lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo” (STF, HC n.º 84.409/SP, rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, DJ 19.08.2005). Ref.: Ação Penal n.º 5023135-31.2015.4.04.7000/PR MÁRCIA DANZI RUSSO CORRÊA DE OLIVEIRA, devidamente qualificada nos autos da ação penal que lhe move a Justiça Pública Federal por esse juízo, vem, por seus advogados legalmente constituídos, apresentar, na forma do art. 403, §3º do Código de Processo Penal, ALEGAÇÕES FINAIS, em forma de memorial, nos termos a seguir aduzidos:
  • 2. Página 2 de 69 I. INTRODUÇÃO MÁRCIA DANZI RUSSO CORRÊA DE OLIVEIRA (“MÁRCIA DANZI”) é acusada pelo Ministério Público Federal de suposta prática de lavagem de dinheiro por sessenta e sete vezes (Lei 9.613/98, art. 1.º, §4º, II). Segundo a denúncia, MÁRCIA DANZI teria praticado crime de lavagem de capitais,1 por quatro vezes, ao supostamente receber no escritório de ALBERTO YOUSSEF, nos dias 10/09/2010, 28/02/2011 e 01/03/2011 (duas vezes), valores2 de origem ilícita alegadamente destinados a PEDRO CORRÊA, como parte do pagamento de propina proveniente de delitos perpetrados contra a PETROBRAS (fato n.º 1). Em suas alegações finais (evento 390), o MPF reiterou essa imputação nos seguintes termos: 1 Cf. Item, III.B – “Terceiro conjunto de atos de lavagem”. 2 A denúncia, contudo, não especifica a quantia nem identifica a pessoa que teria realizado o repasse à Defendente (Alberto Youssef ou Rafael Ângulo).
  • 3. Página 3 de 69 “ IV.3.1.3 Do comparecimento pessoal aos escritórios de ALBERTO YOUSSEF. A exordial narra que os réus ALBERTO YOUSSEF, RAFAEL ÂNGULO LOPEZ, PEDRO CORRÊA, MARCIA DANZI e FABIO CORRÊA ocultaram e dissimularam a natureza, origem e disposição de valores provenientes, direta e indiretamente, dos crimes antecedentes já narrados, mediante a disponibilização em espécie dos valores ilícitos por intermediários especializados na lavagem de dinheiro, ALBERTO YOUSSEF e RAFAEL ANGULO LOPEZ, para PEDRO CORRÊA, pessoalmente ou por intermédio de FÁBIO CORRÊA DE OLIVEIRA NETO e MARCIA DANZI RUSSO CORRÊA DE OLIVEIRA. Para tanto, os réus PEDRO CORRÊA, FABIO CORRÊA e MÁRCIA DANZI, sabendo da disponibilidade dos valores em espécie no escritório de ALBERTO YOUSSEF, lá compareceram por diversas vezes, ocasião em que receberam do doleiro vultuosas cifras de dinheiro ilícito em espécie, destinadas ao réu PEDRO CORRÊA. (...)”. Por outro lado, também é acusada de lavagem de dinheiro3 por supostamente “ceder” contas bancárias pessoais para trânsito de valores, oriundos do mesmo esquema criminoso, depositados por ALBERTO YOUSSEF (e funcionários) em benefício de PEDRO CORRÊA, sogro da Defendente (fato n.º 2) 3 Capítulo III, III.B – “Quarto conjunto de atos de lavagem” (Fls. 63/67 da denúncia).
  • 4. Página 4 de 69 Sustenta o Ministério Público Federal, neste particular, terem sido realizadas no período de 2010 a 2014 ao menos 63 (sessenta e três) operações não identificadas, a crédito de MÁRCIA DANZI, num total de R$ 204.660,29 (duzentos e quatro mil, seiscentos e sessenta reais e vinte e nove centavos).4 Para a acusação, duas seriam as “provas” de que MÁRCIA DANZI sabia da origem ilícita desses valores, concorrendo dolosamente para a prática de lavagem de dinheiro: (a) Tratarem-se de valores contínuos e fracionados; (b) ter acompanhado “FABIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA nas visitas aos escritórios de YOUSSEF, tendo plena ciência de que seriam reuniões destinadas ao recebimento das vantagens indevidas ao réu PEDRO CORRÊA”, hipótese que, mais tarde, seria desmentida pelo próprio YOUSSEF. Em sua defesa (evento 70), MÁRCIA DANZI negou, como nega, as imputações. 4 Fls. 41 e 65 da denúncia.
  • 5. Página 5 de 69 Em apertada síntese, sustentou, como ora sustenta, que jamais aderiu, auxiliou ou foi conivente com a prática de qualquer crime, muito menos aqueles atribuídos pelo MPF a partir de especulações e graves distorções da realidade. Neste sentido, repudiou, como ora repudia, a descabida alegação de que houvesse recebido dinheiro de ALBERTO YOUSSEF, RAFAEL ÂNGULO ou de quem quer que seja envolvido no suposto esquema, relacionado a pagamento de propina a PEDRO CORRÊA, assim como repeliu, e novamente repele, as ilações de que tivesse cedido suas contas bancárias para trânsito de valores que soubesse ser de origem ilícita. Em uma palavra, fez questão de enfatizar que não tem nem nunca teve qualquer envolvimento com o esquema criminoso denunciado pelo Ministério Público Federal, e de cuja existência apenas tomou conhecimento a partir da deflagração e cobertura midiática, em âmbito nacional, da Operação Lava Jato. No que se refere especificamente às suas idas ao escritório de ALBERTO YOUSSEF, esclareceu a Defendente que, nas raras vezes em que lá esteve, compareceu na condição de mera acompanhante de seu esposo FÁBIO CORRÊA e de seu sogro PEDRO CORRÊA (o que viria a ser confirmado por YOUSSEF e RAFAEL ÂNGULO em seus interrogatórios judiciais).
  • 6. Página 6 de 69 De modo que não participou de reuniões (aguardava na recepção); não presenciou entregas de dinheiro ou qualquer conversação relacionada ao citado esquema criminoso contra a PETROBRAS. Muito menos, como já dito, recebeu, ela própria, qualquer valor nestas ou em quaisquer outras ocasiões, dentro ou fora do escritório de YOUSSEF. Da mesma forma, salientou que nunca soube nem desconfiou que parte dos depósitos realizados em suas contas bancárias, no período entre 2010 e 2014, pudesse ter sido realizada por ALBERTO YOUSSEF e/ou RAFAEL ÂNGULO, ou por qualquer pessoa envolvida na trama criminosa descrita pela acusação. Em realidade, sempre imaginou que esses depósitos fossem efetivados pelo próprio PEDRO CORRÊA (ou, quando não, por alguns de seus assessores mais próximos), para que a Defendente, que o auxiliou por quase cinco anos nessa tarefa, efetuasse pagamentos de despesas pessoais do próprio PEDRO CORRÊA e da Fazenda que este mantinha e ainda mantém no interior de Pernambuco. Ou seja, MÁRCIA DANZI não apenas desconhecia a origem alegadamente ilícita e a autoria de depósitos que somente mais tarde seriam identificados a partir da quebra de sigilo e de informações prestadas pelas instituições bancárias, como estava plenamente convencida de que tivessem sido realizados por PEDRO CORRÊA.
  • 7. Página 7 de 69 Numa palavra: atuou em típica situação de erro de tipo inescusável (CP, art. 20) ou, como se deseje, de erro de tipo provocado por terceiro (CP, art. 20, §2º) A despeito de tudo isso, a inicial foi recebida por esse douto juízo (evento 79), deflagrando-se a persecução penal. Iniciado processo e ultimada a instrução, verificou-se, contudo, a total improcedência das imputações. II. DAS TESES DE DEFESA Conforme demonstrará a defesa: (a) o MPF não comprovou o envolvimento de MÁRCIA DANZI no alegado esquema criminoso nem a prática dolosa de atos de lavagem;
  • 8. Página 8 de 69 (b) em relação ao Fato n.º 1 (Terceiro conjunto de atos de lavagem) não se comprovou que MÁRCIA DANZI tenha recebido ou mesmo que tenha havido qualquer repasse de dinheiro a FÁBIO CORRÊA ou a seu sogro PEDRO CORRÊA nas específicas vezes em que os acompanhou ao escritório de ALBERTO YOUSSEF; ao contrário, tanto YOUSSEF quanto RAFAEL ÂNGULO declararam em juízo que jamais entregaram qualquer valor à MÁRCIA DANZI, nestas ou em outras ocasiões; sendo certo, ainda, que nem ALBERTO YOUSSEF e nem RAFAEL ÂNGULO declaram ter realizado repasses a FÁBIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA nos dias 10/09/2010, 28/02/2011 e 01/03/2011 [duas vezes]. Desse modo, se de um lado há prova de que MÁRCIA DANZI não recebeu dinheiro, e, por outro lado, se inexiste prova, material ou testemunhal, de que seu esposo ou sogro tenham recebido repasses naquelas mesmas datas, com auxílio ou conivência da Defendente, impõe-se a absolvição por inexistência do fato (CPP, art. 386, I, II) ou, se existente, por ausência de provas de haver concorrido dolosamente para a infração (CPP, art. 386, V e VII). (c) no que se refere ao Fato n.º 2 (Quarto conjunto de atos de lavagem), o MPF não fez prova de que MÁRCIA DANZI soubesse da origem criminosa dos valores depositados em suas contas correntes e que, a partir dessa consciência, tivesse aderido à prática de lavagem de dinheiro oriundo de crimes perpetrados contra a PETROBRAS.
  • 9. Página 9 de 69 Nessa linha, uma vez que inexiste prova inequívoca do dolo da conduta – que é apenas presumido pela acusação – a absolvição se impõe com fundamento no art. 386, III do CPP; (d) Além da falta de provas, os fatos ainda se revelam atípicos: d.1) por ausência de dolo e culpa, seja em relação à existência dos crimes antecedentes (corrupção, formação de cartel e fraude à licitação), seja em relação à vontade livre e consciente de ocultar e dissimular valores provenientes de delitos perpetrados contra a PETROBRAS; d.2) caso verdadeiros fossem (o que se nega) os fatos narrados na denúncia, ratificada em alegações finais, eles configurariam, no limite, exaurimento de crime de corrupção passiva já consumado, portanto impunível em relação à Defendente, conforme posição adotada pelo Plenário do STF ao julgar Embargos Infringentes na AP 470/MG. Também em vista desses aspectos, forçosa a absolvição da Defendente com fulcro no art. 386, III, V e VII do CPP. Senão vejamos.
  • 10. Página 10 de 69 III. DA ABSOLVIÇÃO 1. Rememorando os Fatos Embora os fatos objeto da presente demanda estejam aparentemente bem delineados, não é demasiado rememorá-los a fim de evitar qualquer tipo de julgamento extra, infra ou citra petita, tudo em obséquio ao princípio da correlação entre acusação e sentença. Com efeito, sustenta a denúncia que ao menos a partir de 2004 – e no âmbito de um suposto esquema criminoso engendrado por empresas cartelizadas, agentes públicos e partidos políticos – teriam sido cometidos diversos crimes contra a ordem econômica (formação de cartel), administração pública (corrupção ativa e passiva) e lavagem de dinheiro em detrimento da Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. Nesse contexto, agentes públicos do alto escalão da PETROBRAS, previamente ajustados com membros de partidos políticos, teriam solicitado, recebido e aceitado promessa de vantagem indevida para colaborarem e facilitarem, através de procedimentos licitatórios fraudulentos, a contratação de empreiteiras para execução das maiores obras contratadas pela PETROBRAS entre os anos de 2004 e 2014.
  • 11. Página 11 de 69 Por sua vez, os principais executivos dessas empresas são acusados de oferecer, prometer e efetivamente pagar “propina” a agentes públicos e membros de partidos políticos. Para tanto, valendo-se de terceiros – denominados “operadores” ou “doleiros”– para o repasse da vantagem indevida, seja através da entrega de dinheiro em espécie, seja por meio de operações bancárias realizadas no Brasil e no exterior. No caso da Diretoria de Abastecimento, ocupada a partir de maio de 2004 por PAULO ROBERTO COSTA, o valor da “propina” paga pelas empresas cartelizadas corresponderia a cerca de 1% (um por cento) dos contratos firmados. Este percentual seria alegadamente distribuído entre membros do Partido Progressista (PP), o próprio PAULO ROBERTO COSTA e, ainda, os operadores do esquema.5 De acordo com a Tabela A constante da denúncia,6 cerca de 34 contratos, 123 aditivos e 4 transações extrajudiciais teriam sido celebrados entre 30/03/2007 e 30/03/2012 pelas empresas cartelizadas e a PETROBRAS (vinculados à Diretoria de Abastecimento), totalizando pouco mais de R$ 35 bilhões de reais. 5 Fls. 9/10 da denúncia. 6 Fls. 18/22 da denúncia.
  • 12. Página 12 de 69 Desse total, segundo especula a acusação, cerca de R$ 350 milhões (1%) teriam sido destinados ao pagamento de “propina”7 aos partícipes do esquema. Ainda em conformidade com a denúncia oferecida, ratificada em alegações finais (evento 390), esses repasses seriam periódicos e ocorreriam à medida em que os pagamentos dos contratos e respectivos aditivos eram efetivados em benefício das empresas contratadas. O primeiro desses pagamentos, consoante revela a mesma Tabela A, ocorreu em 30/03/2007 (ENGEVIX)8 e, o último, em 30/03/2012 (MENDES JÚNIOR).9 Já em relação aos contratos indicados na Tabela B, os pagamentos teriam ocorrido no período de 2008 a 2014, a partir de 24 contratos e emissão de 55 notas fiscais frias. Nesse contexto, PEDRO CORRÊA, ex-deputado federal, é apontado pelo Ministério Público Federal como um dos supostos beneficiários do pretenso esquema criminoso, sendo a ele atribuída a prática, dentre outros, de corrupção passiva em conjunto com PAULO ROBERTO COSTA e ALBERTO YOUSSEF (cf. Capítulo II da denúncia). 7 Fls. 9/10 da denúncia. 8 Processo n. 0800.0030725.07.2, Inicial, equivalente a R$ 224.989.477,13 (Fl. 19 da denúncia). 9 Processo n.º 0802.0045377.08.2, Aditivo 10, equivalente a R$ 107.273.036,38 (Fl. 21 da denúncia).
  • 13. Página 13 de 69 No ponto, sustenta a acusação ser PEDRO CORRÊA beneficiário de repasses mensais de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais)10 promovidos por ALBERTO YOUSSEF através: (a) da entrega de valores em espécie ao próprio PEDRO CORRÊA e a terceiros; (b) depósitos efetuados em contas correntes (de PEDRO CORRÊA e de terceiros por ele indicados).11 Ainda em relação a PEDRO CORRÊA, é acusado de lavagem de capitais ao receber parte da vantagem indevida por meio dos citados contratos simulados firmados entre as construtoras investigadas e empresas controladas por ALBERTO YOUSSEF (cf. Tabela B). Segundo o MPF, a celebração desses contratos fictícios “tinha o intuito de viabilizar o repasse de recursos para PEDRO CORRÊA, integrante do PARTIDO PROGRESSITA e PAULO ROBERTO COSTA com o distanciamento do dinheiro de sua origem ilícita”.12 É nesse contexto que se inserem as infundadas e indemonstradas acusações contra a MÁRCIA DANZI, vale dizer, no sentido de que: 10 Fl. 30 da denúncia. 11 Fl. 31 da denúncia. 12 Fl. 55 da denúncia.
  • 14. Página 14 de 69 (a) teria recebido valores de YOUSSEF provenientes daqueles contratos, com o fim de ocultar e dissimular a respectiva origem ilícita, nas quatro vezes em que esteve no escritório do primeiro; (b) teria cedido dolosa e voluntariamente contas bancárias pessoais para trânsito de dinheiro que sabia ser de origem ilícita e destinado a PEDRO CORRÊA. Não obstante, com o encerramento da instrução criminal, confirmou-se o que a defesa vem sustentando desde o início: as acusações de lavagem não têm a menor procedência. Vejamos. 2. Da Análise das Provas. Testemunhos que comprovam a inexistência do fato (recebimento de valores pela Defendente) – Fato n.º 1. Inexistência de provas de ter a ré concorrido dolosamente para a infração penal – Fato n.º 2. Absolvição que se impõe (CPP, art. 386, I, II, III, V e VII) Duas razões fundamentais impedem, do ponto de vista da prova, o acolhimento da tese acusatória: a primeira delas, restar comprovada a inexistência do fato (Terceiro conjunto de atos de lavagem); a segunda, inexistirem provas de que MÁRCIA DANZI concorreu dolosamente para a infração (Quarto conjunto de atos de lavagem).
  • 15. Página 15 de 69 Em realidade, conforme restou efetivamente demonstrado nos autos, MÁRCIA DANZI, de fato, não teve qualquer envolvimento, direto ou indireto, doloso ou culposo, nos episódios narrados na denúncia. Neste sentido, comprovou-se que MÁRCIA DANZI não possuía qualquer proximidade ou relação com a maior parte dos personagens principais da Operação Lava Jato, sejam eles do núcleo político,13 econômico,14 administrativo15 ou financeiro.16 No caso das testemunhas arroladas pela acusação, nada menos do que cinco delas afirmaram desconhecer a Defendente ou jamais terem ouvido falar em seu nome (CARLOS ALBERTO PEREIRA DA COSTA, PAULO ROBERTO COSTA, MEIRE BONFIM DA SILVA POZA e EDIEL VIANA DA SILVA). Outras três testemunhas, também arroladas pelo MPF (LEONARDO MEIRELLES, RENASCI CAMBUI e VERA LÚCIA NAPOLI) sequer citaram seu nome durante os respectivos depoimentos judiciais. 13 Formado principalmente por parlamentares e ex-parlamentares (Fl. 52 da denúncia). 14 Formado pelas empreiteiras cartelizadas contratadas pela Petrobras (Fl. 52 da denúncia). 15 Formado pelos funcionários de alto escalão da Petrobras (Fls. 52/53 da denúncia). 16 Formado pelos “operadores” responsáveis pelo repasse de dinheiro aos integrantes dos núcleos político e administrativo (Fl. 53 da denúncia).
  • 16. Página 16 de 69 Algo, pesa dizê-lo, no mínimo incompatível com a condição de “testa-de-ferro” e o grau de envolvimento no esquema criminoso que o MPF insiste em atribuir à Defendente a partir de conjecturas. E mesmo em relação aos que disseram de algum modo conhecê- la, como no caso de ALBERTO YOUSSEF e RAFAEL ÂNGULO, nenhum deles apontou seu envolvimento nos episódios investigados. Ao contrário, prestaram declarações que a inocentam por completo das acusações (como mais adiante será melhor exposto). Não fosse o bastante, não há uma só prova nos autos a demonstrar que MÁRCIA DANZI tenha participado de reuniões, mantido qualquer contato, particular ou profissional, no período descrito na denúncia ou fora dele, com quaisquer dos agentes envolvidos no alegado esquema criminoso, sejam ligações telefônicas, mensagens de celular ou e-mails. Nada, rigorosamente nada associada a Defendente aos fatos e aos personagens que integram a Operação Lava Jato. A bem da verdade, as acusações que recaem sobre MÁRCIA DANZI, longe de encontrarem respaldo em provas sólidas de participação e dolo, baseiam-se em despropositadas especulações que, de sua vez, amparam-se em responsabilidade objetiva.
  • 17. Página 17 de 69 Em outras palavras, partem apenas do suposto de que MÁRCIA DANZI compareceu ao escritório de ALBERTO YOUSSEF em algumas oportunidades e recebeu em suas contas correntes depósitos fracionados e não identificados, como se esses fatos, por si sós, pudessem levar à (forçada) conclusão de que participou dolosa e ativamente de processos de lavagem de dinheiro. Algo, data vênia, que não é possível conceber. Sem prejuízo disso, passamos a demonstrar, uma a uma, as inconsistências da tese acusatória. Do Fato n.º 1 (Visitas ao Escritório de Alberto Youssef) Como visto, a primeira das acusações de lavagem irrogada à MÁRCIA DANZI está relacionada ao seu comparecimento, nos dias 10/09/2010, 28/02/2011 e 01/03/2011 (por duas ocasiões neste dia), ao escritório de ALBERTO YOUSSEF. Segundo especula o Ministério Público Federal, nessas quatro ocasiões teria havido entrega de valores em espécie à MÁRCIA DANZI, como parte do pagamento de propina oriunda do esquema criminoso contra a PETROBRAS e destinada a PEDRO CORRÊA.
  • 18. Página 18 de 69 Essa acusação, inicialmente veiculada na denúncia, foi ratificada nas alegações finais nos seguintes termos17: “(...) A exordial narra que os réus ALBERTO YOUSSEF, RAFAEL ANGULO LOPEZ, PEDRO CORRÊA, MARCIA DANZI e FABIO CORRÊA ocultaram e dissimularam a natureza, origem e disposição de valores provenientes, direta e indiretamente, dos crimes antecedentes já narrados, mediante a disponibilização em espécie dos valores ilícitos por intermediários especializados na lavagem de dinheiro, ALBERTO YOUSSEF e RAFAEL ANGULO LOPEZ, para PEDRO CORRÊA, pessoalmente ou por intermédio de FÁBIO CORRÊA DE OLIVEIRA NETO e MARCIA DANZI RUSSO CORRÊA DE OLIVEIRA. Para tanto, os réus PEDRO CORRÊA, FABIO CORRÊA e MÁRCIA DANZI, sabendo da disponibilidade dos valores em espécie no escritório de ALBERTO YOUSSEF, lá compareceram por diversas vezes, ocasião em que receberam do doleiro vultuosas cifras de dinheiro ilícito em espécie, destinadas ao réu PEDRO CORRÊA (...)” Uma tal acusação, data venia, nem de longe se confirmou. 17 Fls. 55/56 das alegações finais.
  • 19. Página 19 de 69 Observe-se, de início, que o MPF sustenta a prática de um crime de lavagem de dinheiro sem nem mesmo quantificar o valor efetivamente recebido pela Defendente. Sequer há um número aproximado, nada! Apenas uma menção genérica ao repasse de “vultuosas cifras de dinheiro ilícito em espécie”, e nada além disso. É verdadeiramente estarrecedor! Não fosse o bastante, verifica-se que o órgão acusador não soube sequer indicar claramente o responsável pelo repasse das “vultuosas cifras de dinheiro ilícito em espécie”, limitando-se a afirmar que o mesmo teria ocorrido no interior do escritório de ALBERTO YOUSSEF. O que é insuficiente, data vênia. Mais do que isso, a acusação não comprovou, nem mesmo, ter havido repasse de dinheiro nos dias 10/09/2010, 28/02/2011 e 01/03/2011 (datas em que MÁRCIA DANZI teria comparecido ao escritório de YOUSSEF), sejam repasses a ela Defendente, a seu esposo FÁBIO CORRÊA ou PEDRO CORRÊA. Cabe destacar, quanto a esse ponto, que nem mesmo a Planilha entregue por RAFAEL ÂNGULO (evento 1, OUT 14) – e da qual o MPF tem se servido para fazer “prova material” da lavagem – traz qualquer indicativo de repasse de dinheiro nessas datas.
  • 20. Página 20 de 69 Ou seja, o MPF ratifica em alegações finais uma acusação de lavagem de dinheiro em relação a qual não se sabe quanto foi recebido (ocultado e dissimulado), quem repassou e qual a prova material desse repasse. De todo modo, os depoimentos prestados por ALBERTO YOUSSEF e RAFAEL ÂNGULO dirimem, de uma vez por todas, qualquer dúvida que ainda pudesse persistir em torno da total improcedência dessa imputação. Conforme restou demonstrado na instrução criminal, tanto ALBERTO YOUSSEF quanto RAFAEL ÂNGULO negam ter feito qualquer entrega de dinheiro a MÁRCIA DANZI nas vezes em que esteve no escritório do primeiro acompanhando FÁBIO CORRÊA e seu sogro PEDRO CORRÊA. Eis o que disse ALBERTO YOUSSEF ao ser indagado especificamente sobre o fato (evento 380): Juiz Federal: - Márcia Danzi Russo Correa, o senhor conhece? Posso lhe mostrar aqui. Conhece essa pessoa? Interrogado: - Eu acho que ela esteve no escritório junto com o Fábio, acho que é esposa do Senhor Fábio Correa. Juiz Federal: - E o senhor sabe me dizer o que ela foi fazer lá?
  • 21. Página 21 de 69 Interrogado: - Deve ter acompanhado o marido ou o sogro. Juiz Federal: - O senhor sabe me dizer se foi entregue dinheiro para ela também? Interrogado: - Olha, entregue dinheiro a ela não, mas pode ser que o Senhor Pedro Correa tenha deixado contas em nome dela para que eu fizesse depósito. Juiz Federal: - O senhor já conversou com ela a respeito desses fatos, desses pagamentos, o senhor se recorda? Interrogado: - Não. E para além de negar com todas as letras a entrega de dinheiro à Defendente, YOUSSEF também deixa claro que MÁRCIA DANZI apenas acompanhou o esposo e sogro nas ocasiões em que esteve em seu escritório, sem tomar parte em qualquer assunto envolvendo “pagamentos”, como a ele foi perguntado. E mesmo quando faz alguma referência a depósitos em contas pertencentes a MÁRCIA, ALBERTO YOUSSEF salienta que, se de fato existiram, foram realizados através de dados bancários fornecidos por PEDRO CORRÊA, e não pela Defendente. O que, convenhamos, faz toda a diferença em se tratando de uma acusação que insiste em afirmar, e tão-somente afirmar, que MÁRCIA DANZI não apenas sabia do esquema como dele participava ativamente.
  • 22. Página 22 de 69 Ao contrário disso, o elucidativo depoimento de YOUSSEF deixa evidente o total alheamento de MÁRCIA DANZI a respeito desses depósitos e de todos os fatos que envolvem a Operação Lava Jato e o esquema criminoso investigado. Mais adiante, retomaremos esse ponto. Corroborando com as declarações prestadas por ALBERTO YOUSSEF, RAFAEL ÂNGULO também nega textualmente a entrega de dinheiro a MÁRCIA DANZI, seja nas vezes em que esteve no escritório, seja fora dele (evento 380): Juiz Federal: - Tem uma pessoa aqui, Márcia Danzi Russo Correa, o senhor chegou a conhecer? Posso lhe mostrar a foto aqui. Interrogado: - Era a cunhada... Acho que era a cunhada... Não sei se era do Senhor Pedro ou cunhada do Senhor Fábio, mas era cunhada de alguma pessoa. Juiz Federal: - O senhor chegou a entregar dinheiro para ela alguma vez? Interrogado: - Eu não. Juiz Federal: - O senhor se recorda de ela ter ido ao escritório do Senhor Alberto Youssef? Interrogado: - Umas 02 ou 03 vezes. Juiz Federal:- E nessas ocasiões em que ela foi, o senhor se recorda o motivo? Interrogado:- Não, porque falou com o Senhor Alberto, não presenciei nada.
  • 23. Página 23 de 69 Definitivamente, a imputação não se sustenta. Nem no sentido de que teria recebido dinheiro – como afirma a acusação – nem no sentido de que houvesse sido realizado algum repasse (a FÁBIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA) nos dias específicos em que a Defendente esteve no escritório de ALBERTO YOUSSEF. Sendo certo que, no segundo caso (eventual repasse a FÁBIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA), também se exigiria a prova inequívoca de que MÁRCIA DANZI tivesse concorrido de algum modo para a infração (CP, art. 29). O que, nem de longe, ocorreu. Com efeito, a Defendente ratifica, aqui, aquilo que já esclareceu quando do oferecimento de sua resposta à acusação: jamais recebeu ou presenciou a entrega de dinheiro, ouviu ou participou de qualquer reunião tratando desse ou de qualquer outro assunto relacionado a prática de crimes. Presente esse contexto, forçosa é a absolvição de MÁRCIA DANZI, quanto à primeira imputação de lavagem de dinheiro, com fundamento no art. 386, I, II, V e VII do CPP, tendo em vista, de um lado, a existência de prova testemunhal que comprova a inexistência do fato (recebimento de valores) e, de outro, inexistir provas de que a Defendente tenha concorrido dolosamente para qualquer infração.
  • 24. Página 24 de 69 Do Fato n.º 2 (Depósitos em conta bancária) Melhor sorte não colhe à segunda imputação, qual seja, a de que MÁRCIA DANZI praticou lavagem de dinheiro18 ao ceder contas bancárias pessoais para trânsito de valores de origem criminosa, destinados a PEDRO CORRÊA, no período de 08/01/2010 e 31/03/2014.19 Sustenta o Ministério Público Federal, neste particular, terem sido realizadas ao menos 63 (sessenta e três) operações não identificadas, a crédito de MÁRCIA DANZI, num total de R$ 204.660,29 (duzentos e quatro mil, seiscentos e sessenta reais e vinte e nove centavos),20 por parte de ALBERTO YOUSSEF. Sem razão, data vênia. Tal como a Defendente afirmou em resposta à acusação e ratificou em interrogatório, não tinha nem nunca teve o menor conhecimento a respeito do esquema criminoso denunciado pelo MPF, e cuja existência só viria à tona a partir da deflagração da Operação Lava Jato e da ampla cobertura midiática em âmbito nacional. 18 Capítulo III, III.B – “Quarto conjunto de atos de lavagem” (Fls. 63/67 da denúncia). 19 Fl. 63 da denúncia. 20 Fls. 41 e 65 da denúncia.
  • 25. Página 25 de 69 Tampouco sabia ou tinha condições de saber que parte dos depósitos efetuados em sua conta corrente, no período entre 2010 e 2014, tivessem sido realizados por ou a mando de ALBERTO YOUSSEF, com quem jamais manteve qualquer tipo de contato mais próximo. Em verdade, embora tenha comparecido ao escritório de YOUSSEF, chegando a cumprimenta-lo eventualmente, a Defendente sequer chegou a ser formalmente apresentada a ele, não sabendo, até bem pouco tempo, de quem se tratava ao certo. Tampouco tinha motivos para se preocupar em obter maiores detalhes sobre ele. Com efeito, todo o contato que manteve com YOUSSEF se limitou a isso: cumprimentos protocolares. Nada mais. Quanto a RAFAEL ÂNGULO, nem isso. Nem mesmo se recorda de tê-lo encontrado ou por ele ter sequer passado nas raras vezes em que esteve no escritório de YOUSSEF. O próprio depoimento de RAFAEL ÂNGULO, como visto, deixa clara a total falta de contato e proximidade com MÁRCIA DANZI, em relação à qual não soube, sequer, precisar o grau de parentesco com FÁBIO CORRÊA e PEDRO CORRÊA.
  • 26. Página 26 de 69 Como, então, diante desses fatos, inquestionáveis, pretender que a Defendente tivesse conhecimento de que ALBERTO YOUSSEF ou RAFAEL ÂNGULO realizavam depósitos em suas contas, como quer fazer crer a acusação? Esse é o primeiro ponto a ser considerado: a praticamente nula proximidade e relacionamento entre MÁRCIA, ALBERTO e RAFAEL ÂNGULO. Por outro lado, cabe ressaltar que o caso de MÁRCIA DANZI não se assemelha àqueles, talvez os mais comuns, em que o agente recebe súbitos depósitos em suas contas, sem motivo aparente, e não tem como justificá-los. Não sendo dado, por isso mesmo, escusar-se do dever de informar-se sobre a causa e origem desses depósitos. Não é este o caso. Ao contrário. Como já esclarecido e comprovado – testemunhal e documentalmente – MÁRCIA DANZI recebia depósitos habituais em suas contas (dela própria, do seu esposo e de seu sogro), tendo, além disso, todos os motivos para acreditar que parte deles tenha sido realizada por PEDRO CORRÊA.
  • 27. Página 27 de 69 Primeiro, porque havia uma razão, devidamente comprovada, para receber depósitos de PEDRO CORRÊA em suas contas: durante muitos anos a Defendente ficou responsável pela administração e pagamento de contas pessoais de seu sogro e de despesas variadas do imóvel rural mantido pela família no interior de Pernambuco. Isso, de fato, restou cabalmente comprovado por farta documental ratificada por inúmeros depoimentos prestados em juízo (JONAS AURÉLIO,21 ex-funcionário da Fazenda, IVAN VERNON,22 ex- assessor parlamentar de PEDRO CORRÊA, e ROBERTO SÉRGIO RIBEIRO COUTINHO TEIXEIRA,23 ex-genro de PEDRO CORRÊA). E conforme já esclarecido, o auxílio prestado por MÁRCIA DANZI se dava da seguinte maneira: primeiramente, elaborava uma espécie de lista para pagamentos (de boletos de contas de energia, condomínio24 etc.) ou transferências bancárias (como no caso de JONAS AURÉLIO LIMA LEITE, funcionário da Fazenda)25 e submetia a PEDRO CORRÊA, a quem competia decidir sobre o que seria efetivamente deveria ser pago, dentro de critérios de prioridade e disponibilidade. 21 Evento 226. 22 Evento 381. 23 Evento 328. 24 Ver Tabela 23 do Laudo 318/2015, pág. 46. 25 No valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), Cf. Tabela 23 do Laudo n.º 318/2015, pág. 46.
  • 28. Página 28 de 69 Caso a Defendente dispusesse dos valores, ela própria realizava o pagamento em sua conta bancária (sendo posteriormente reembolsada) ou, quando impossível a operação em virtude de pagamentos fora do vencimento, sacava a quantia e realizava a operação. E quando não dispunha, por alguma razão, do numerário, aguardava a realização de depósitos ou transferências bancárias por PEDRO CORRÊA, e a confirmação pelo mesmo. Sempre foi assim! Até que, com o passar dos anos, MÁRCIA DANZI foi deixando de exercer essas atividades, que passaram a ser realizadas, pessoalmente, pelo próprio PEDRO CORRÊA, em razão da sensível redução de suas viagens para fora do Estado. Isso, inclusive, é revelado pela diminuição gradual dos valores movimentados entre 2010 e 2014.26 Em segundo lugar, era o próprio PEDRO CORRÊA, e ninguém mais, quem lhe telefonava avisando dos depósitos, razão pela qual jamais enxergou a necessidade de confirmar a origem e autoria dos depósitos. 26 Cf. Laudo n.º 318/2015 – SETEC/SR/DPF/PR, Tabela 8, pág. 37 (evento 07, LAU do IPL 5070419-69.2014.4.04.7000/PR).
  • 29. Página 29 de 69 Já em sentido contrário, verifica-se que o MPF não trouxe qualquer prova aos autos que demonstrasse, por exemplo, contatos telefônicos entre MÁRCIA DANZI e YOUSSEF, ou entre aquela e RAFAEL ÂNGULO. Ou ainda, troca de mensagens de celular ou e-mails entre eles tratando de depósitos, conferência de dados ou confirmação das operações (algo bastante comum em situações como estas). Nada, rigorosamente nada, foi produzido a esse respeito. Se isso é inegável, qual então seria a razão para reconhecer uma participação dolosa de MÁRCIA DANZI em lavagem de dinheiro? Os meros registros de depósito obtidos através de quebra de sigilo? A alegada quantia de dinheiro depositada? Os saques que realizou? Decerto que não. Com efeito, pretender condená-la a partir dos meros registros de depósitos não identificados em sua conta bancária redundaria em típica e repudiável responsabilidade objetiva. Também não colhe o argumento de que os depósitos teriam sido fracionados, insinuando-se com isso que MÁRCIA DANZI teria o dever de saber que os valores teriam origem ilícita.
  • 30. Página 30 de 69 Ora, é preciso considerar, em primeiro lugar, que depósitos fracionados não são ilícitos, quer do ponto de vista administrativo, quer penal. De modo que se alguma reprovação pode haver no “fracionamento” de um depósito ela deve recair sobre quem realiza a operação, e não sobre quem recebe, especialmente nas circunstâncias recebidas por MÁRCIA DANZI em suas contas (de absoluta boa-fé). Segundo, o fato de não ter buscado maiores informações a respeito da origem desses depósitos poderia constituir, quando muito e no limite, uma conduta negligente da parte de MÁRCIA DANZI. Mas, jamais, uma ação dolosa de lavagem de dinheiro como, forçosamente, deseja o MPF. Sem se falar que, atuando de boa-fé, tinha razões mais do que suficientes para acreditar na licitude dos valores – já que adviriam de seu próprio sogro, após confirmação pelo mesmo! O que não se pode admitir, data venia, é a presunção de culpabilidade, como faz o parquet. Nem admitir especulações, desprovidas de um mínimo de prova, que distorcem a realidade dos fatos segundo a conveniência acusatória.
  • 31. Página 31 de 69 A bem da verdade, busca o MPF “compensar” a falta de provas partindo de ilações sobre a quantidade de operações (63), os valores movimentados e, ainda, sobre saques realizados pela Defendente ao longo de quatro anos. Sobre a quantidade de operações, é preciso considerar, antes de mais nada, que foram realizadas ao longo de quatro anos. Algo, portanto, que não pode ser encarado como fora dos padrões de normalidade. De outra parte, essas supostas 63 (sessenta e três) operações perdem-se em meio a outros 300 (trezentos) depósitos bancários27 efetivados ao longo do período pela própria MÁRCIA DANZI, por PEDRO CORRÊA, para os fins acima destacados, ou por seu próprio marido FÁBIO CORRÊA para pagamento de despesas domésticas do casal e outras dívidas (como financiamento de automóveis, imóvel residencial etc.). No tocante aos saques, afirma o MPF com base em Laudo Pericial terem sido efetuados no valor total de R$ 341.581,48 (trezentos e quarenta e um, quinhentos e oitenta e um reais e quarenta e oito centavos). 27 Cf. Laudo n.º 318/2015 – SETEC/SR/DPF/PR, pág. 40.
  • 32. Página 32 de 69 Não obstante, longe de criar “perplexidade”, esse valor não é indicativo de que a Defendente haja participado dolosamente de um crime de lavagem. Explica-se. Conforme já esclarecido, as contas correntes da Defendente não serviam exclusivamente para receber depósitos de PEDRO CORRÊA enquanto o auxiliou na administração e pagamento de despesas pessoais. Ao contrário, eram de uso pessoal de MÁRCIA DANZI. Seja para pagamento das próprias despesas, recebimento de salários ou eventuais depósitos efetuados por esposo FÁBIO CORRÊA. O Laudo n.º 318/2015 – SETEC/SR/DPF/PR, comprova isso. De modo que o valor global de R$ 341 mil não pode ser creditado, unicamente, como deseja o MPF, como valores sacados em favor de PEDRO CORRÊA, desejando-se com isso criar uma relação de causa e efeito simplesmente inexistente. Por outro lado, divididos os R$ 341 mil por 48 meses – período da quebra – verifica-se que o valor dos saques não supera a barreira dos R$ 7 mil mensais. Algo, portanto, que não excede a “normalidade”, além de ser compatível com a renda da Defendente e os valores depositados em sua conta por seu sogro e esposo.
  • 33. Página 33 de 69 Em outra tentativa de vincular a todo custo a Defendente ao esquema, a acusação faz referência à existência de um e-mail datado de 22 de dezembro de 2010, no qual o denunciado PEDRO CORRÊA, utilizando sua conta de e-mail nsa.c@uol.com.br44, encaminha um correio eletrônico para ALBERTO YOUSSEF, no endereço a.youssef@live.com, para tratar do fornecimento de informações de contas bancárias e valores para depósitos das vantagens indevidas oriundas da Diretoria de Abastecimento da PETROBRAS. Sendo uma dessas contas pertencentes a MÁRCIA DANZI. Não obstante, e mais uma vez, o MPF não comprovou que MÁRCIA DANZI soubesse da existência desse e-mail e haja aquiescido com o fornecimento de seus dados a YOUSSEF. Ou que o valor depositado em sua conta corrente houvesse sido realizado por ou a mando de YOUSSEF. Longe disso, a acusação apenas presume e especula a respeito. Por fim, e com o devido e merecido respeito, difícil imaginar que alguém, ciente e consciente de que praticava ou contribuía para um crime de lavagem dessa magnitude, se dispusesse a ceder contas pessoais para “trânsito” de valores de origem e natureza ilícita, facilmente detectáveis pelos mecanismos de controle e fiscalização financeiros, como ocorreu na espécie.
  • 34. Página 34 de 69 É algo, data vênia, que agride a inteligência cogitar. De tudo se vê, eminente Julgador, que nada há nos autos que demonstre o concurso voluntário e consciência da Defendente para a prática de qualquer crime, muito de lavagem de dinheiro. Presente essa moldura, forçosa é sua absolvição com fundamento no art. 386, V e VII do Código de Processo Penal. 3. DA ATIPICIDADE Embora a defesa esteja absolutamente convencida quanto à absolvição por falta de provas, não poderia furtar-se ao dever de trazer alguns questionamentos em torno da manifesta atipicidade do fato imputado. Referimo-nos, no caso, à ausência de tipicidade por ausência dos elementos subjetivo (dolo) e objetivo (verbos nucleares) do tipo. Conforme demonstrará a defesa:
  • 35. Página 35 de 69 (a) A Defendente agiu em clara situação de erro de tipo escusável (CP, art. 20) ou, quando não, em erro de tipo provocado por terceiro (CP, art. 20, §2º) (b) a hipótese narrada na denúncia, ratificada em alegações finais, corresponderia, no limite, ao exaurimento de crime de corrupção já consumado e do qual não participou a Defendente, sendo, portanto, impunível (post factum impunível); 3.1. Do Erro de Tipo Escusável Conforme enfatizado na resposta escrita à acusação (evento...), MÁRCIA DANZI, além de desconhecer o alegado esquema criminoso, não sabia nem tinha condições de saber nem desconfiar que os valores depositados em contas bancárias de sua titularidade tivessem origem em crimes perpetrados contra a PETROBRAS. Por essa razão, e tendo em vista que o MPF não fez prova em sentido contrário, caso realmente venha a ser comprovado que os valores depositados possuam alguma relação com o repasse de dinheiro de origem ilícita, mesmo assim não há como imputar-lhe a prática de lavagem de dinheiro uma vez configurada a hipótese de erro de tipo escusável (CP, art. 20):
  • 36. Página 36 de 69 Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Poder-se-ia, além disso, reconhecer a hipótese de erro de tipo determinado por terceiro já que a Defendente foi levada a acreditar, pelo próprio PEDRO CORRÊA, que os depósitos eram feitos por ele. Eis o que prevê art. 20, §2º do Código Penal nestes casos: Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (...) § 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. Como se sabe, o erro de tipo repercute diretamente no dolo, impedindo sua constituição pela ausência de um de seus elementos essenciais, que é o elemento cognitivo ou intelectivo. Elemento cognitivo, este, que representa a ideia de que o agente, ao atuar dolosamente, deve saber o que faz através da compreensão dos elementos que caracterizam sua ação como uma ação típica, tais como o sujeito, resultado, relação de causalidade, objeto material, etc.
  • 37. Página 37 de 69 Esse erro, na espécie, incidiu precisamente sobre a elementar do tipo “(...) valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. Por outro lado, estamos diante de um erro de tipo essencial uma vez que, em decorrência de uma falsa percepção ou completa ignorância da realidade, a Defendente acabou praticando, sem consciência, uma ação típica prevista como crime (no caso, lavagem de dinheiro). Além de essencial, é inevitável na medida em que não é possível falar em omissão da cautela ou diligência exigível nas circunstâncias. A bem da verdade, consideradas as circunstâncias do fato, qualquer pessoa no lugar da Defendente teria incidido no mesmo erro. A propósito, o próprio MPF chegou a reconhecer, ainda que implicitamente, a falta de provas objetivas de que a Defendente haja, de fato, atuado com dolo direto. Não obstante, em vez de reconhecer a atipicidade do fato como consequência inafastável dessa premissa, o órgão acusador buscou uma “solução alternativa”, de última hora, por assim dizer.
  • 38. Página 38 de 69 Mudando completamente a sua estratégia e a própria tese acusatória, o MPF passou a sustentar a possibilidade de condenação da Defendente por dolo eventual. Esqueceu-se o parquet, entretanto, que não lhe é dado alterar de uma hora para outra, e ao sabor de suas conveniências, a tese acusatória. Ainda mais quando se trata de uma clara manobra para evitar uma inafastável absolvição por falta de provas e atipicidade da conduta inicialmente imputada. De todo modo, a tese inovadora do MPF não merece prosperar ao ser confrontada no mérito. A começar pelo fato de que se contrapõe à posição dominante da doutrina e jurisprudência. Como cediço, ambas exigem o dolo direto para configuração do crime de lavagem, isto é, a demonstração “que o agente conhecia a procedência criminosa dos bens e agiu com consciência e vontade de encobri- lo”.28 28 Idem.
  • 39. Página 39 de 69 De fato, para essa corrente doutrinária e jurisprudencial amplamente majoritária, a ação constitutiva de branqueamento de capitais há de ser perpetrada com a especial "finalidade de encobrir ou dissimular a utilização do patrimônio ilícito resultante de um dos crimes anteriores".29 Finalidade, essa, que, portanto, "deverá obrigatoriamente integrar o dolo ao nível do tipo subjetivo".30 Nessa linha, aliás, estão a Convenção de Viena (art. 3, 1, b), de Palermo (art. 6, 1) e a Directiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (26.10.05) (art1, 2, a e b), indicando que apenas quem tem pleno conhecimento da procedência ilícita dos bens pratica lavagem de dinheiro. O mesmo se extrai no direito comparado, como no caso da legislação lusitana sobre branqueamento de capitais (art. 2.º. 1). Na doutrina brasileira, essa é a posição adotada, dentre tantos outros, por PIERPAOLO BOTTINNI e ANDRÉ LUÍS CALLEGARI. 29 Cf. CALLEGARI, André Luis. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei nº 9.613/98, 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 111. 30 Cf. MAIA; Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime), SP: Malheiros, 1999, p. 95.
  • 40. Página 40 de 69 Para CALLEGARI:31 “Essa posição [que admite o dolo eventual] não nos parece a mais correta, já que não é possível o autor cometer o delito apenas com a probabilidade de que estes provenham de um dos crimes (...) é preciso que o autor conheça o caráter ilícito de sua conduta e saiba que os bens possuem procedência ilícita. (...) O dolo deve ser dirigido a esta conduta, ou seja, o autor atua porque conhece a origem criminosa dos bens e porque que lhes dar aparência de licitude”. Não tem sido outra, com efeito, a orientação adotada nos tribunais superiores. Ao julgar os 6º Embargos Infringentes na AP 470/MG, o Plenário da Suprema Corte reforçou a posição de que “A condenação pelo delito de lavagem de dinheiro depende da comprovação de que o acusado tinha ciência da origem ilícita dos valores”: Ementa: Embargos infringentes na AP 470. Lavagem de dinheiro. 1. Lavagem de valores oriundos de corrupção passiva praticada pelo próprio agente: 1.1. O recebimento de propina constitui o marco consumativo do delito de corrupção passiva, na forma objetiva “receber”, sendo indiferente que seja praticada com elemento de dissimulação. 1.2. A autolavagem pressupõe a prática de atos de ocultação autônomos do produto do crime antecedente 31 Cf. Lavagem de dinheiro: Aspectos Penais da Lei nº 9.613/98. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2ª ed., 2008. p.152-154.
  • 41. Página 41 de 69 (já consumado), não verificados na hipótese. 1.3. Absolvição por atipicidade da conduta. 2. Lavagem de dinheiro oriundo de crimes contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro Nacional. 2.1. A condenação pelo delito de lavagem de dinheiro depende da comprovação de que o acusado tinha ciência da origem ilícita dos valores. 2.2. Absolvição por falta de provas 3. Perda do objeto quanto à impugnação da perda automática do mandato parlamentar, tendo em vista a renúncia do embargante. 4. Embargos parcialmente conhecidos e, nessa extensão, acolhidos para absolver o embargante da imputação de lavagem de dinheiro. (AP 470 EI-sextos/MG, rel. Min. Luiz Fux; Rel. p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, DJe 21/08/2014) No mesmo sentido, tem sido a orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual, em precedente específico, assentou: “O crime de lavagem de dinheiro tipifica-se desde que o agente saiba que o montante pecuniário auferido, por meio de dissimulação, é produto de crime antecedente” (cf. STJ, HC 309.949/DF, Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 09/03/2015. E mesmo que se entendesse, na linha de minoritária corrente, que o tipo de lavagem de capitais admitiria o dolo eventual, ainda assim não haveria como reconhecê-lo na hipótese presente. Seja porque a prova oral, como visto, inocenta a Defendente quanto ao seu envolvimento nos fatos (ALBERTO YOUSSEF, RAFAEL ÂNGULO e PEDRO CORRÊA), seja ainda porque a hipótese de erro de tipo (escusável ou não) sempre elimina o dolo, seja ele direto ou eventual.
  • 42. Página 42 de 69 De modo que, no particular, a absolvição se impõe conforme a hipótese do art. 386, III do Código de Processo Penal. 3.2. Do Recebimento de Depósitos Bancários como Exaurimento do Crime de Corrupção Se ainda assim Vossa Excelência não se convencer da necessidade de absolvição de MÁRCIA DANZI diante da falta de provas e plena configuração do erro de tipo escusável (ou erro provocado por terceiro), haverá de reconhecer, entretanto, que o fato imputado à Defendente não configura crime nem é passível de punição. E isto por se tratar, caso verdadeiro fosse (o que apenas se admite para argumentar), de mero exaurimento de crime de corrupção já consumado e no qual não teve participação a Defendente. Explica-se. Já se verificou, e aqui se reitera, que a imputação do crime de lavagem de dinheiro a MÁRCIA DANZI estaria remotamente relacionada a contratos fraudulentos celebrados entre empreiteiras e a PETROBRAS (Tabela A) e, proximamente, aos contratos alegadamente simulados firmados entre as empresas cartelizadas e aquelas controladas por ALBERTO YOUSSEF (Tabela B).
  • 43. Página 43 de 69 É a própria denúncia quem afirma que os valores depositados por ALBERTO YOUSSEF em contas correntes de PEDRO CORRÊA e de terceiros por ele indicadas adviriam daqueles contratos. Esses repasses, por sua vez, constituiriam contrapartida (vantagem indevida) paga pelas empresas cartelizadas ao núcleo político e administrativo. Nos exatos termos da denúncia,32 “Os integrantes do PARTIDO PROGRESSISTA, entre eles, JOSÉ JANENE e PEDRO CORRÊA, comandando o esquema de corrupção, discutiam, acertavam e definiam com as empreiteiras cartelizadas os percentuais de propina que seriam pagas em razão dos contratos celebrados na Diretoria de Abastecimento”. Por sua vez, “as empresas cartelizadas participantes do ‘CLUBE’, já previamente ajustadas com o PARTIDO PROGRESSISTA (PP), firmaram com PAULO ROBERTO COSTA (também previamente ajustado com o mesmo PARTIDO) e outros funcionários da PETROBRAS, como RENATO DUQUE, um compromisso com promessas mútuas que foram reiteradas e confirmadas ao longo do tempo, de, respectivamente, 32 Fl. 12 da denúncia.
  • 44. Página 44 de 69 oferecerem e aceitarem vantagens indevidas que variavam entre 1% e 5% do valor integral de todos os contratos por elas celebrados com a PETROBRAS, podendo ser superior a esse percentual em caso de aditivos contratuais (...)”.33 Um pouco mais adiante, consigna a inicial acusatória: “(...) especificamente para o denunciado PEDRO CORRÊA, apurou-se que ALBERTO YOUSSEF operacionalizava os pagamentos por meios diversos, a saber: 1) entregas em dinheiro para o próprio denunciado; 2) entrega de dinheiro para terceiros a pedido do denunciado; 3) depósitos nas contas de titularidade do denunciado PEDRO CORRÊA e para terceiros por este indicados”.34 Partindo dessas premissas, é o próprio Ministério Público Federal quem inclui expressamente o fato (recebimento de valores via depósitos de valores) no capítulo destinado à imputação de corrupção passiva à PEDRO CORRÊA.35 33 Fls. 12/13 da denúncia. 34 Fl. 31 da denúncia. 35 Cf. Cap. II. IMPUTAÇÕES DO CRIME DE CORRUPÇÃO, item II.B.3 – Entrega em dinheiro para terceiros a pedido do denunciado).
  • 45. Página 45 de 69 Da própria narrativa dos fatos, com efeito, dessume-se que no momento em que os citados depósitos foram realizados, seja a PEDRO CORRÊA seja a terceiros por ele indicados, o crime de corrupção passiva já se encontrava consumado pela aceitação. Tanto porque, é a própria acusação quem afirma que os repasses ocorriam à medida em que os pagamentos dos contratos eram efetivados pela PETROBRAS em benefício das empreiteiras. Ora, se os alegados crimes de corrupção antecediam logica e cronologicamente à formalização dos contratos, e evidentemente ao pagamento desses mesmos contratos, resta claro que os depósitos efetuados – insista-se, partindo-se do que afirma a acusação – consistiriam em mera disponibilização da vantagem indevida objeto da corrupção já consumada. Foi exatamente isso, aliás, que afirmou o parquet em suas alegações finais, asseverando, textualmente, que “no momento das operações de lavagem [leiam-se: depósitos], a corrupção passiva tal qual denunciada e demonstrada nos autos já estava devidamente consumada pela aceitação da vantagem ilícita”.36 36 Fl. 39 das alegações finais.
  • 46. Página 46 de 69 Esquematicamente, eis a sequência cronológica dos fatos: Logo, diante dos fatos e da sequência cronológica acima destacada a disponibilização da vantagem indevida via depósitos bancários constitui, no limite, exaurimento do crime de corrupção. Com efeito, há uma significativa e insuperável diferença entre o recebimento capaz de configurar exaurimento do crime de corrupção e aquele suficiente à caracterização de crime de lavagem (quando associado a outras ações tendentes à ocultação e dissimulação). Corrupção ativa e passiva, formação de cartel Processo licitatório na Petrobras (Diretoria de Abastecimento) Conclusão do processo licitatório Início das obras e pagamento dos contratos às empreiteiras (Tabela A) Repasse dos valores ao núcleo administrativo e político através dos operadores Formalização de contratos simulados (Tabela B) Depósitos em contas bancárias e entregas de dinheiro
  • 47. Página 47 de 69 Essa diferenciação, vale recordar, foi implementada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento de Embargos Infringentes na Ação Penal 470/MG opostos pelo ex-deputado federal JOÃO PAULO CUNHA. Como se sabe, o ex-parlamentar foi denunciado por lavagem de dinheiro ao receber, através de sua esposa e mediante saque efetivado em instituição financeira, R$ 50 mil provenientes de atos de corrupção passiva. É rigorosamente a mesma situação descrita na presente denúncia. No referido julgamento, a maioria do Plenário reconheceu que, o recebimento de dinheiro, naquelas circunstâncias, ainda que a forma escolhida possa ser tida como escamoteada, corresponderia ao exaurimento da corrupção já consumada, e não lavagem de capitais, o que conduziu à absolvição do ex-parlamentar diante da configuração de um post factum impunível (em relação e ele e, evidentemente, à esposa). Em voto emblemático, salientou o eminente Ministro TEORI ZAVASCKI:
  • 48. Página 48 de 69 (...) À luz dessas premissas teóricas, tem-se que os fatos narrados na denúncia – o recebimento de quantia pelo denunciado por meio de terceira pessoa - não se adequam, por si sós, à descrição da figura típica. Em primeiro lugar, porque o mecanismo de utilização da própria esposa não pode ser considerado como idôneo para qualificá-lo como “ocultar”; e, ademais, ainda que assim não fosse, a ação objetiva de "ocultar" reclama, para sua tipicidade, a existência de um contexto capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores. Embora conste da denúncia a descrição da ocorrência de crimes antecedentes (contra o sistema financeiro nacional e a administração pública), bem como a afirmação de que o embargante, “consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática” desses crimes, “almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinquenta mil reais em espécie”, ela não descreve qualquer ação ou intenção do réu tendente ao branqueamento dos valores recebidos. O que se imputa, a rigor, é o recebimento dos valores referentes ao crime de corrupção passiva, que, pela circunstância de ter sido realizado por interposta pessoa, não pode produzir a consequência de incorporar um crime autônomo, até porque o recebimento indireto da vantagem indevida integra o próprio tipo penal do art. 317 do Código Penal (“solicitar ou receber (...) direta ou indiretamente (...) vantagem indevida”). (...)”. (g.n.) Não foi outra a linha de raciocínio exposta no voto da eminente Ministra ROSA WEBER:
  • 49. Página 49 de 69 “(...) Quem vivencia o ilícito procura a sombra e o silêncio. O pagamento de propina não se faz perante holofotes. Atividade das mais espúrias, aproveita todas as formas de dissimulação para sua execução. Ninguém vai receber dinheiro para corromper-se sem o cuidado de resguardar-se. Nessa ótica, assento que, na minha compreensão, e pedindo vênia aos que entendem de modo diverso, a manipulação do dinheiro objeto da propina traduz, dependendo da hipótese, (i) a própria consumação do crime de corrupção ou (ii) o exaurimento deste mesmo crime. (...) Na corrupção passiva três são os núcleos: solicitar ou receber vantagem indevida e, ainda, aceitar promessa de vantagem indevida Na corrupção ativa, apenas dois: oferecer ou prometer. Na corrupção ativa ambos os núcleos importam o reconhecimento do crime formal. Então, nesse delito, a percepção da vantagem pelo corrompido constitui exaurimento do delito. Já na corrupção passiva, sob a forma solicitar, o crime é formal; mas sob a forma receber – e aqui peço vênia, pela primeira vez a me manifestar sobre o tema nesta Casa, para não perfilhar a orientação jurisprudencial nela dominante -, o crime é material. No primeiro núcleo, basta a solicitação para realizar o tipo; no segundo, todavia, pressupõe-se o efetivo recebimento da propina por não se esgotar, o tipo, na mera aceitação de vantagem indevida. Logo, em se tratando do núcleo solicitar, o efetivo recebimento da propina constitui exaurimento do crime; no caso do núcleo receber, a percepção da vantagem integra a fase consumativa do delito. (...)
  • 50. Página 50 de 69 Assentei que, na minha compreensão, pedindo vênia aos entendimentos contrários, a manipulação do dinheiro objeto da propina constitui ora meio de consumação, ora meio de exaurimento da corrupção, a partir da distinção entre crimes materiais e formais sob o ângulo do núcleo do tipo (...). Logo, na hipótese solicitar – assim como nos dois tipos da corrupção ativa -, o efetivo recebimento da propina representa o exaurimento da corrupção passiva. Sob a forma receber, todavia, a percepção da vantagem está na fase consumativa da corrupção passiva. (...) A meu juízo, contudo, presentes as peculiaridades dos casos e a explicitação dos conceitos, na forma supra, inviável considerar o crime de corrupção passiva como antecedente do crime de lavagem ao feitio legal, inconfundível o recebimento da vantagem indevida de forma maquiada, pelo qual se consuma a corrupção passiva na modalidade receber, com a ocultação e dissimulação ínsitas ao tipo do crime de lavagem de dinheiro. A mesma conclusão se impõe, ainda que sem a mesma limpidez, considerada a corrupção passiva em todos os seus núcleos como crime formal (consoante a jurisprudência majoritária desta Casa). Nessa hipótese, o recebimento dissimulado e mediante artifícios - como nem se poderia imaginar diferente, pois quem vivencia o ilícito, procura a sombra e o silêncio -, constitui exaurimento do delito de corrupção passiva. (...) Isso não significa que para a consumação do crime antecedente e o início da lavagem se exija a posse física do produto do delito por seu agente. O crime antecedente pode se consumar com a mera disponibilidade sobre o produto do crime, ainda que não física, pelo agente do delito, mas o ato configurador da lavagem há de ser, a meu juízo, distinto e posterior à disponibilidade sobre o produto do crime antecedente.
  • 51. Página 51 de 69 No caso presente, concluo que o recebimento da vantagem indevida por João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato, nas condições em que ocorreram os pagamentos – com subterfúgios e dissimulação -, integra o tipo penal da corrupção passiva e não pode, por esse motivo, em se tratando do mesmo ato, compor o da lavagem de capitais. (...)”. (g.n.) Cumpre salientar que além de absolver o ex-parlamentar a partir da tese de exaurimento, o e. STF não reconheceu, em relação à sua esposa, qualquer prática criminosa, seja a título de lavagem, seja de auxílio em crime de corrupção. Essas conclusões, que formaram maioria no plenário da Suprema Corte, já com sua composição atual, aplicam-se exatamente à hipótese presente. No caso, aquilo que a denúncia afirma constituir ato de lavagem (depósito de quantias em espécie pagas a título de propina), a jurisprudência do c. STF reconhece tratar-se de mero exaurimento do crime de corrupção. Com maior razão ainda, se o próprio MPF reconhece que no momento dos depósitos (2010 e 2014) o crime de corrupção já havia de há muito se consumado pela aceitação.
  • 52. Página 52 de 69 E justamente por essa razão, o fato não pode se enquadrar em crime de lavagem. E muito menos ser punível a título de participação em corrupção passiva (como melhor exposto adiante), já que o delito, insista-se, conforme afirma a própria acusação, já se havia consumado no momento do recebimento. E de fato não haveria de ser diferente já que o crime de corrupção é ação múltipla, de modo que a prática de uma das ações típicas já é suficiente à consumação do delito, sendo as demais, caso ocorrentes, consideradas mero exaurimento. Em reforço de tudo isso, tem-se que MÁRCIA DANZI jamais foi acusada de participar dos atos que culminaram na aceitação ou solicitação de vantagem indevida. Tampouco possui qualquer envolvimento, como já visto, nos atos de formalização dos contratos fraudulentos que estariam na gênese dos crimes de corrupção. Logo, não há com prosperar o pedido condenatório deduzido pelo parquet.
  • 53. Página 53 de 69 3.3. Do recebimento de valores, via depósito, como fato impunível em razão de lavagem de dinheiro anteriormente consumada E mesmo que assim não se entenda, ou seja, mesmo que se considere remotamente que essa disponibilização constituiria, de fato, ato de lavagem, ainda assim não seria punível. Extrai-se da própria narrativa das alegações finais que, no exato momento dos depósitos, o crime de lavagem de dinheiro já estaria consumado através da formalização dos contratos indicados na Tabela B da denúncia. Isto porque, segundo o MPF a formalização desses contratos buscaria “conferir aparência de licitude aos repasses de valores de propina em virtude dos contratos firmados pelas cartelizadas no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras”: “Ademais, juntados aos autos documentos (evento 1, OUT42 a OUT109) 13 que comprovam materialmente as transações financeiras compiladas na Tabela B da denúncia 14 , as quais foram realizadas entre as empresas cartelizadas e as pessoas jurídicas GFD, M.O., RIGIDEZ e RCI com objeto fictício, com o único intuito de conferir aparência de licitude aos repasses de valores de propina em virtude dos contratos firmados pelas cartelizadas
  • 54. Página 54 de 69 no âmbito da Diretoria de Abastecimento da Petrobras: (...)”37 Ora, sabe-se que o crime de lavagem se consuma “quando o agente, mediante condutas ativas ou omissivas, oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, etc.”38 Por essa razão, na medida em que a formalização de contratos fictícios configurou e consumou, por si só, o crime de lavagem – do qual não participou a Defendente – resta evidente que todos os demais movimentos, incluindo depósitos bancários, são desdobramentos do mesmo processo de lavagem de dinheiro. Impuníveis, portanto. Do que se vê, em resumo, que de uma ou de outra forma, o fato relacionado aos depósitos em conta bancária da Defendente representa post factum impunível. 37 Fl. 20 das alegações finais. 38 Cf. BONFIM. Marcia Monassi Mougenot. BONFIM. Edilson Mougenot. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Malheiros. 2ª Ed. Pag 47.
  • 55. Página 55 de 69 Ou seja, se considerarmos que os depósitos constituem pagamento de propina vinculado a crime de corrupção já consumado, não configuram lavagem, senão exaurimento de corrupção. Não obstante, se considerarmos esses depósitos como operações que resultam diretamente dos contratos simulados, constituindo-se eles próprios atos de lavagem, incabível a punição de atos posteriores relacionados a essa lavagem, por igualmente se consubstanciarem exaurimento do crime já consumado. Por fim, também não colhe o argumento do MPF veiculado em suas alegações finais, no sentido de que, eventualmente afastado o crime de corrupção (em razão da tese de exaurimento), seria possível reconhecer a configuração do crime de lavagem em razão de outros crimes antecedentes, quais sejam, formação de cartel e fraude à licitação, “que possibilitaram a inserção do montante indevido nas propostas contratadas pela estatal”.39 Com o devido respeito, a engenhoso raciocínio do parquet não se sustenta no caso da Defendente. 39 Fl. 39 da denúncia.
  • 56. Página 56 de 69 Primeiro, porque os crimes de cartel e fraude à licitação, segundo se infere da própria denúncia (e, ademais, não demonstrou o MPF em sentido contrário), teriam se consumado bem antes de julho de 2012, quando entrou em vigor a Lei 12.683 que alterou a Lei 9.613/98 em relação ao rol, antes taxativo, de crimes antecedentes. Pelo contrário. Da própria narrativa se infere que todos eles – sem exceção – estariam na gênese dos fatos investigados na Operação Lava Jato, os quais remontariam, segundo a denúncia, ao período entre 2005 (quando foram celebrados os primeiros contratos) e 2007 (quando se iniciaram os pagamentos dos contratos). Logo, pela regra do art. 1.º do Código Penal, que consagra o princípio da anterioridade penal, não há como admitir, para efeito de configuração do tipo de lavagem, como crimes antecedentes aqueles atribuídos na denúncia, conforme, inclusive, já assentou o c. STJ sobre a matéria (Cf. RHC 41.588/SP, Quinta Turma, rel. Min. Walter de Almeida Guilherme, DJe 29/10/2014). A exceção, no caso, ocorre em relação aos supostos crimes de corrupção e contra o sistema financeiro, que já constavam do rol original do art. 1.º, V e VI da Lei 9.613/98.
  • 57. Página 57 de 69 De qualquer forma, em relação a crimes contra o sistema financeiro, que não chega sequer a ser mencionado nas alegações finais, os respectivos tipos penais são definidos pela denúncia. Logo, não podem servir de fundamentação para efeito de realização do juízo de tipicidade da lavagem. Restaria, frente a tudo isso, o suposto crime de corrupção como crime antecedente, o qual, como visto, torna os depósitos realizadas em contas bancárias da Defendente post factum impunível. Segundo, o MPF não fez prova de que MÁRCIA DANZI soubesse não apenas da formação de cartel e fraude à licitação, bem como que os valores por ela alegadamente recebidos em contas correntes tivessem origem ou relação com os citados delitos. Ao contrário disso, verificou-se que nenhuma prova existe nos autos associando MÁRCIA DANZI aos crimes de cartel e muito menos às fraudes de licitação, as quais, conforme afirma o próprio parquet, eram arquitetadas diretamente entre os funcionários da PETROBRAS e o executivos das empreiteiras, inexistindo qualquer possibilidade de que a Defendente soubesse que recebia valores em suas contas provenientes daqueles delitos, algo indispensável à configuração do crime de lavagem.
  • 58. Página 58 de 69 Presente esse contexto, mesmo abstraindo-se a questão referente ao dolo da conduta, indemonstrado pela acusação em relação a MÁRCIA DANZI, verifica-se que o fato se apresenta atípico em relação a PEDRO CORRÊA, alegado beneficiário, uma vez que representa mero exaurimento do crime de corrupção. E, por evidente, dado o princípio da acessoriedade limitada, o mesmo sucede em relação ao próprio Defendente (que teria agido na condição de partícipe). Em suma, mostra-se totalmente improcedente e descabido o pedido de condenação em relação a um possível crime de lavagem de dinheiro. 3.3.1. Da Emendatio Libelli Ciente e consciente de que o fato imputado a MÁRCIA DANZI é impunível, o MPF, mais uma vez, muda a estratégia e tese acusatória e procura criar uma “solução alternativa” que permita uma condenação a todo custo. No caso, requereu, pelo “princípio da eventualidade”, que:
  • 59. Página 59 de 69 “(...) caso se entenda, como pretendem fazer crer os réus, que suas condutas se referem à consumação do crime de corrupção passiva, seria necessário aplicar o instituto da emendatio libelli (artigo 384 do Código de Processo Penal), considerando que a conduta por eles praticadas e descrita na inicial constituiu auxílio material para a prática do delito tipificado no artigo 333, parágrafo único, de pena mais elevada”.40 Sem razão, data vênia. Por evidente, não é possível admitir que MÁRCIA DANZI seja excluída do crime de lavagem e passe a ser responsabilizada por corrupção, como ousou cogitar o MPF, por tudo quanto já articulado nos tópicos anteriores. Tampouco é verdadeiro que MÁRCIA DANZI tenha reconhecido que sua conduta se refira à “consumação de corrupção passiva” como quis fazer crer o parquet. Tudo que disse a esse respeito foi apenas a título de argumentação. E mesmo assim, deixou clara a tese de exaurimento, embora em algumas passagens tenha feito alguma referência à consumação diante dos próprios precedentes jurisprudenciais que invocou e contêm menções desse gênero. E nada mais. 40 Fl. 39 das alegações finais.
  • 60. Página 60 de 69 Por outro lado, incabível falar-se em emendatio ou mutatio libelli porque os elementos típicos da corrupção não estão descritos na denúncia oferecida contra MÁRCIA DANZI, além de não se tratar de “prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação”, como apenas afirma o MPF. E mesmo que assim não fosse, caberia ao Ministério Público, na forma do mesmo art. 384 do CPP invocado pela acusação, aditar formalmente a denúncia no prazo de cinco dias, o que não ocorreu: Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente Preclusa, portanto, encontra-se a matéria. Para além disso, incabível falar-se em “auxílio material” em crime de corrupção passiva quando o próprio órgão acusador, de forma absolutamente contraditória, afirma que no momento dos processos de lavagem o crime de corrupção alegadamente praticado por PEDRO CORRÊA já se havia consumado. Recorde-se:
  • 61. Página 61 de 69 “(...) no momento das operações de lavagem, a corrupção passiva tal qual denunciada e demonstrada nos autos já estava devidamente consumada pela aceitação da vantagem ilícita”.41 De mais a mais, para que fosse possível cogitar de auxílio material em crime de corrupção passiva, seria necessária a demonstração, pela acusação, de que MÁRCIA DANZI efetivamente soubesse da existência do alegado esquema criminoso, o que não se ocorreu, conforme amplamente demonstrado. De resto, repita-se uma vez mais: o nome de MÁRCIA DANZI não é em qualquer instante mencionado nem vinculado, objetiva ou subjetivamente, aos atos de ajuste e celebração dos contratos descritos nas Tabelas A e B na denúncia. Por essa razão, não há, nestas circunstâncias, como afirmar-se que o trânsito de valores em suas contas constituiria “auxílio material” em crime de corrupção diante da ausência de vínculo objetivo- subjetivo da Defendente com os contratos antecedentes. Logo, frente a essas razões, não há falar em emendatio libelli. 41 Fl. 39 das alegações finais.
  • 62. Página 62 de 69 A conclusão a que, de fato, se deve chegar, em suma, é que MÁRCIA DANZI não pode ser acusada de lavagem de dinheiro porque o recebimento, mesmo sem ter consciência disto, estaria relacionado a exaurimento da alegada corrupção. Muito menos pode sê-lo pela corrupção em si, uma vez que não tem qualquer participação ou envolvimento nos atos que caracterizariam o crime na forma exposta pela denúncia. 3.4. Da ausência de correlação entre o ato de receber valores via operação bancária em nome próprio e as ações típicas de ocultar e dissimular Por fim, e sem prejuízo de todas essas considerações, cumpre atentar para o fato de que os atos imputados pela denúncia, ratificada nas alegações finais, não revelam, em si, atos de “ocultação” ou “dissimulação”, vale dizer, qualquer manobra com a especial "finalidade de encobrir ou dissimular a utilização do patrimônio ilícito resultante de um dos crimes anteriores"42. 42 Cf. CALLEGARI, André Luis. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei nº 9.613/98, 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 111.
  • 63. Página 63 de 69 Neste sentido, entende o MPF que MÁRCIA DANZI ao supostamente receber quantias em espécie no escritório de ALBERTO YOUSSEF e ceder contas pessoais para transito de valores de origem criminosa praticou lavagem de capitais “ocultando” e “dissimulando” a respectiva “natureza, origem, disposição, movimentação, localização e propriedade”,43 e, com isso, “ultimando o processo de branqueamento dos valores”.44 Não obstante, é certo que o ato de receber, por si só e nas circunstâncias narradas, não corresponde, objetiva e ontologicamente, a uma ação típica de ocultação ou dissimulação, muito menos no sentido exigido para a configuração do tipo de lavagem. O contrário só seria possível, com efeito, se essa ação houvesse ao menos sido associada pela denúncia a outros comportamentos eventualmente praticados por MÁRCIA DANZI – antes, durante ou depois do recebimento – tendentes a esconder, simular ou mascarar a verdade sobre a natureza, origem, disposição, movimentação, localização e propriedade daqueles valores, o que definitivamente não ocorreu na espécie. 43 Fl. 61 da denúncia. 44 Fl. 61 da denúncia.
  • 64. Página 64 de 69 De fato, afora o ato de receber, na condição de mero intermediário, determinada quantia em espécie, em nenhum momento a acusação descreve ou faz prova em relação a ações ocultativas e/ou dissimulativas voltadas a “modificar o status do dinheiro de origem criminal, isto é, dar-lhe aparência de legitimidade para que possa circular livremente na economia legal”,45 como exige o tipo de lavagem. Nada. Rigorosamente nada é dito ou provado a esse respeito. Nem mesmo implicitamente. E não é só. Se é verdade, como enfatiza RAÚL CERVINI46, que o crime de lavagem de dinheiro é na essência “un processo que se moviliza dentro de los sistemas económicos”, ou, como define BLANCO CORDERO,47 é um “processo em virtude do qual os bens de origem ilícita são integrados ao sistema econômico legal com aparência de haverem sido obtidos de forma lícita”, caberia ao MPF descrever e provar atos eventualmente praticados por MÁRCIA DANZI compatíveis e representativos desses processos. 45 Cf. PRADO, Luiz Regis. Delito de Lavagem de Capitais: Um estudo introdutório. In: Doutrinas Essenciais. Ob. Cit., p. 1155. 46 Cf. Evolución de la legislación antilavado em el Uruguay. In: Doutrinas Essenciais. FRANCO, Alberto Silva (org.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 1181. 47 Cf. CORDERO, Blanco. El delito de blaqueo de capitales. Navarra, Arazandi, 2002, pág. 93.
  • 65. Página 65 de 69 Mais especificamente, no sentido de comprovar atos voltados a produzir uma interação entre a economia legal e ilegal com o intuito de conferir honorabilidade aos bens ou valores e afastar quaisquer desconfianças que recaiam sobre a fonte ilícita dos recursos (cf. TRF4, Proc. 5055075-44.2011.404.7100, Oitava Turma, rel. Des. Leandro Paulsen, DJe 14/04/2015), algo indemonstrado pela acusação. Ora, da forma como se apresenta a acusação cabe indagar: em que medida a ação narrada – receber valores destinados a terceiro – pode ser comparável a um conjunto complexo de operações, integrado pelas etapas de conversão (placement), dissimulação (layering) e integração (integracion) de bens de que fala a doutrina48? Onde se vê algo comparável a uma “manobra” destinada a ocultar (encobrir) ou dissimular (distanciar) a origem supostamente criminosa dos valores? São questionamentos, data vênia, para os quais o MPF não trouxe qualquer resposta minimamente convincente. Nem no momento de oferecer a denúncia, nem no momento em que apresentou suas alegações finais. A questão, portanto, há de ser abordada à do princípio da legalidade penal. Ou, mais precisamente, da taxatividade. 48 Cf. Lavagem de Dinheiro. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pág. 53.
  • 66. Página 66 de 69 Como princípio reitor do Estado Democrático de Direito, a legalidade constitui a espinha dorsal dos sistemas jurídicos modernos. Representa a expressão máxima de garantia dos direitos e liberdades individuais (e coletivas). No dizer de NILO BATISTA,49 o princípio da legalidade constitui “a chave mestra de qualquer sistema penal que se pretenda racional e justo.” No Direito brasileiro, é previsto no rol das garantias fundamentais do cidadão, mais precisamente no art. 5.°, inc. XXXIX, da Constituição Federal de 1988, e no art. 1.º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” No mesmo sentido, dispõe o art. 9.º, da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (CADH – Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, da qual o Brasil é signatário, verbis: “Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. (...)”. Um de seus três postulados, como ensina LUIS LUISI,50 é a taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa). 49 Cf. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 8.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 65. 50 Neste sentido: LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 17.
  • 67. Página 67 de 69 No plano legislativo, a taxatividade impõe que lei estabeleça, de forma precisa e taxativa, as condutas tidas como delituosas e as respectivas sanções penais. Sob essa óptica, é direcionada ao legislador, impondo-lhe o dever de especificar de modo o mais detalhado possível os elementos essenciais que compõem os comportamentos tidos como criminosos, o mesmo ocorrendo em relação à definição das penas aplicáveis. O objetivo, nesse caso, é evitar tipificações dúbias, genéricas, que deixem margem à ampla e irrestrita discricionariedade do Estado-juiz em prejuízo das pessoas (jurisdicionados). No plano judicial, a taxatividade garante ao acusado o direito não ser responsabilizado penalmente se a ação por ele praticada não se enquadrar, perfeitamente, ou, melhor, taxativamente, na figura típica imputada. A taxatividade, por isso mesmo, há de ser considerada em conjunto com outra importante garantia penal: a proibição da analogia in malam partem. É a partir dessas importantes premissas, com efeito, que se há de se realizar o juízo de (a)tipicidade do fato imputado a MÁRCIA DANZI.
  • 68. Página 68 de 69 Menos ainda é possível considerar um crime de lavagem de dinheiro, sob a perspectiva dos depósitos bancários, quando eles são realizados na própria conta corrente da acusada. Ora, ocultar significa esconder, camuflar, encobrir, o que é absolutamente incompatível com a ação de ceder contas bancárias pessoais para depósito de valores, como quer fazer crer o MPF. Em resumo: não há como acolher a tese acusatória. 4. DA CONCLUSÃO Com estas considerações, espera e confia MÁRCIA DANZI seja julgada IMPROCEDENTE a pretensão condenatória deduzida pelo Ministério Público Federal, ABSOLVENDO-SE a Defendente com fundamento nas hipóteses do art. 386, I, II, III, IV, V e VII do Código de Processo Penal. É o que se pede.
  • 69. Página 69 de 69 De Recife para Curitiba, 25 de setembro de 2015. ADEILDO NUNES Advogado OAB/PE 8.914 PLÍNIO LEITE NUNES Advogado OAB/PE 23.668 CAROLINE DO R. B. SANTOS Advogada OAB/PE 32.753 CLARISSA DO REGO BARROS NUNES Advogada OAB/PE 38.823