Ações Conscientes E Desvios Nutricionais Na Infancia
06 práticas alimentares
1. 698 ARTIGO ARTICLE
Aspectos das práticas alimentares e da atividade
física como determinantes do crescimento
do sobrepeso/obesidade no Brasil
Dietary and physical activity factors
as determinants of the increase
in overweight/obesity in Brazil
Cristina Pinheiro Mendonça 1
Luiz Antonio dos Anjos 1,2
Abstract Introdução
1 Departamento de Nutrição Data from Brazilian national surveys conduct- A obesidade pode ser definida, de forma sim-
Social, Universidade Federal
ed since the 1970s have indicated an increase in plificada, como uma doença caracterizada pe-
Fluminense, Niterói, Brasil.
2 Centro de Estudos da Saúde the prevalence of overweight/obesity. The two lo acúmulo excessivo de gordura corporal, sen-
do Trabalhador e Ecologia most frequently cited causes of this trend have do conseqüência de balanço energético positi-
Humana, Escola Nacional
been dietary changes and reduction in physical vo e que acarreta repercussões à saúde 1 com
de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz, activity, characterizing a “contemporary West- perda importante não só na qualidade como
Rio de Janeiro, Brasil. ern lifestyle”. The objective of this paper is to na quantidade de vida 2. Diversos autores 3,4,5
identify and assess some indicators associated têm apontado motivos diferentes para o surgi-
Correspondência
Luiz Antonio dos Anjos with changes in eating habits and physical ac- mento e a manutenção da obesidade em inú-
Rua Leopoldo Bulhões 1480, tivity patterns in the Brazilian population in meras populações. Os estudos que têm sido
Rio de Janeiro, RJ
21041-210, Brasil.
the last 30 years. Despite the lack of detailed da- empreendidos correlacionando aspectos gené-
anjos@ensp.fiocruz.br ta, the following factors appear to play an im- ticos à ocorrência de obesidade não têm sido
portant role in the process: internal migration; capazes de evidenciar a interferência destes em
dining out; increased consumption of fast food; mais de um quarto dos obesos, fazendo com
labor changes; transportation; and the use of que ainda se acredite que o processo de acú-
home appliances. More information on dietary mulo excessivo de gordura corporal, na maio-
and physical activity patterns in association ria dos casos, seja desencadeado por aspectos
with anthropometric data on the Brazilian pop- sócio-ambientais 6,7.
ulation are needed for a better understanding of Os dois aspectos mais apresentados como
each factor’s role in these relationships. Mean- relacionados a um quadro de balanço energé-
while, inter-sector programs and projects with tico positivo têm sido mudanças no consumo
well-defined targets and outcomes are needed alimentar, com aumento do fornecimento de
for the population’s adherence to a healthier energia pela dieta, e redução da atividade físi-
lifestyle, in order to control the increase in over- ca, configurando o que poderia ser chamado
weight/obesity. de estilo de vida ocidental contemporâneo 4,8.
Assim, fica claro o papel dos aspectos sócio-
Obesity; Food Habits; Physical Activity culturais nesta determinação, formando uma
rede de fatores 9, cuja aproximação vai permi-
tir compreender e intervir no atual quadro em
evolução.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
2. DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DO SOBREPESO/OBESIDADE NO BRASIL 699
Considerando os aspectos acima, este arti- Na economia brasileira, embora o processo
go tem por objetivo identificar e avaliar alguns de industrialização tenha sido iniciado a partir
indicadores que se correlacionam com mudan- da década de 30 do século XX, e tenha tido um
ças nas práticas alimentares e de atividade físi- significativo desenvolvimento a partir dos anos
ca, e que permitam compor um quadro com os 50, iniciando inclusive a produção de alguns
dados disponíveis sobre sobrepeso/obesidade bens de consumo duráveis, como automóveis,
na população brasileira nos últimos trinta anos. somente a partir de meados da década de 70 é
Dentro dessa perspectiva, discute-se a recomen- que verificou-se crescimento expressivo da in-
dação do Ministério da Saúde do Brasil (MS) dústria de bens duráveis, em conjunto com o
para a manutenção do peso saudável. progressivo processo de industrialização da
produção do setor primário (agropecuário) e
aumento bastante significativo, em diversida-
O quadro de mudanças de e volume, na produção de bens de consumo
econômicas e nutricionais não duráveis 15,16.
A industrialização do país fez com que ocor-
Especialmente após a Segunda Guerra Mun- ressem modificações importantes no quadro
dial, mudanças no perfil epidemiológico com o distributivo da mão de obra como redução das
aumento da prevalência de doenças crônicas ocupações nos setores extrativos e da agricultu-
não transmissíveis, tais como as doenças car- ra em toda a população e que, no caso das mu-
diovasculares, diversos tipos de câncer, diabe- lheres, foi acompanhada de aumento nos seto-
tes, e obesidade, nos países do hemisfério nor- res do comércio e sociais e leve redução do se-
te, propiciaram a ampliação das correlações tor de serviços, padrão de mudança que será
causais com a alimentação, redução de ativida- discutido mais tarde. Esse processo expandiu a
de física e outros aspectos vinculados à vida migração interna: em 1970 os moradores das
urbana. Atualmente, estas doenças também são áreas urbanas representavam 58,0% da popu-
entendidas como problemas de saúde pública lação, já em 2000, segundo os dados do Censo,
nos países do hemisfério sul ou “países pobres”, 81,0% da população residia nos aglomerados
como denominam alguns autores 10,11,12. urbanos 17,18.
Em termos econômicos, o período após Acompanhando este deslocamento, os da-
1945, caracterizou-se como “os anos dourados dos sobre o sobrepeso/obesidade na popula-
do capitalismo”, marcados pela criação de no- ção brasileira vêm demonstrando crescimento
vos mercados e repetidos ganhos de produtivi- da sua prevalência entre as décadas de 70 e 90.
dade industrial. Neste período, privilegiava-se As análises comparativas entre os inquéritos
o atendimento do mercado de massas com antropométricos nacionais (Estudo Nacional
produtos padronizados produzidos em gran- de Despesa Familiar – ENDEF –, realizado nos
des quantidades, e garantindo ganhos em es- anos de 1974/1975 e a Pesquisa Nacional sobre
cala e redução de custos, configurando o cha- Saúde e Nutrição – PNSN – de 1989) e regionais
mado modelo “fordista” 13. Neste período, so- (Pesquisa de Padrões de Vida – PPV – de 1997),
bretudo na Europa Ocidental e América do permitiram identificar a amplitude e gravidade
Norte, verificou-se ampliação na produção in- do problema. A tendência encontrada para o
dustrial de bens de consumo duráveis (espe- sobrepeso (IMC ≥ 25kg.m -2) nos adultos (≥ 20
cialmente, automóveis e eletrodomésticos, tais anos) foi a de aumento na prevalência entre os
como geladeiras e televisores) e pelo aumento três estudos, com esta chegando a ser o dobro
acelerado do setor de serviços, além de um pe- em 1997 em relação a 1975, com exceção das
ríodo de crescimento do espaço urbano 14. mulheres no Sudeste (Figura 1).
No final dos anos 60, os ganhos de produti- Ao se incluir estratificação por renda, o qua-
vidade decresceram e a sociedade requisitava dro apresenta algumas mudanças, tais como: a
produtos cada vez mais segmentados, levando obesidade (IMC ≥ 30kg.m-2) ter aumentado em
à crise do modelo estabelecido. No âmbito da todos os quartis de renda entre as mulheres do
indústria agroalimentar, as mudanças também Nordeste e ter declinado para os três quartis
foram sentidas, e a partir da década de 80 a di- mais elevados de renda das mulheres do Su-
versificação da produção e do consumo permi- deste. A obesidade entre as mulheres da Região
tiu o lançamento de produtos, tais como os se- Sudeste só apresentou elevação entre aquelas
miprontos, étnicos, dietéticos, saudáveis e na- que compõem os 25,0% mais pobres, passando
turais 13. de 11,6% em 1989, para 15,0% em 1997. A obe-
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
3. 700 Mendonça CP, Anjos LA
Figura 1
Prevalência de sobrepeso (índice de massa corporal > 25kg.m-2) em adultos (idade ≥ 20 anos)
brasileiros das regiões Nordeste e Sudeste em três inquéritos: ENDEF/1975; PNSN/1989; e PPV/1997.
50
ENDEF/1975
45
40 PNSN/1989
35
PPV/1997
30
25
20
15
10
5
% 0
Nordeste (Homens) Sudeste (Homens) Nordeste (Mulheres) Sudeste (Mulheres)
sidade entre os homens, entre 1989 e 1997, cres- ocorridas nas décadas de 1980 e 1990. Análises
ceu em todos os quartis de renda nas duas re- empreendidas com base nos dados de Pesqui-
giões 19. sas de Orçamentos Familiares (POF) realizadas
Os dados destes estudos evidenciam que o pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de
problema do sobrepeso/obesidade nos brasi- Geografia e Estatística) nos anos de 1988 e 1996
leiros adultos afeta, proporcionalmente, quase apontam tendência de crescimento na aquisi-
o dobro de mulheres em relação aos homens, ção de alimentos ricos em lipídeos nas regiões
de certa forma repetindo o que ocorria com o Norte e Nordeste e elevação dos carboidratos
baixo peso, pois em 1974/1975 o baixo peso simples, acompanhada de redução na aquisi-
atingia 6,8% dos homens e 10,4% das mulhe- ção de alimentos fonte de carboidratos com-
res, e mesmo tendo-se reduzido estes percen- plexos. Este quadro se configura por conta do
tuais (3,4% e 6,1%, em 1997), a diferença entre aumento na aquisição de carnes, de leite e de
os sexos foi mantida 20. seus derivados, de açúcar e refrigerantes e do
declínio nas compras de leguminosas, hortali-
ças e frutas 24.
As relações com as práticas alimentares Embora a concentração de renda no Brasil
(as classes de renda mais baixa utilizam 37,0%
Ao se focalizar a obesidade pelos aspectos vin- da renda com alimentação e as mais altas em-
culados a alterações na dieta, cabe destacar penham só 11,0%) não permita falar em mer-
que o aumento da ingestão energética pode ser cado homogêneo, nas duas últimas décadas
decorrente tanto da elevação quantitativa do houve um predomínio no consumo de alimen-
consumo de alimentos como de mudanças na tos industrializados comprados em supermer-
dieta que se caracterizem pela ingestão de ali- cados em todas as classes de renda 13,25. As
mentos com maior densidade energética, ou mudanças verificadas por intermédio das POF
pela combinação dos dois. O processo de in- indicam incremento na aquisição de produtos
dustrialização dos alimentos tem sido aponta- industrializados e redução de alimentos in na-
do como um dos principais responsáveis pelo tura por parte das famílias, pois as carnes, es-
crescimento energético da dieta da maioria das pecialmente o frango, e os laticínios têm tido
populações do Ocidente 21,22,23. uma enorme ampliação na oferta de produtos
No que diz respeito ao consumo alimentar processados e os refrigerantes constituem em
da população brasileira, não há pesquisas de si, a representação máxima da industrialização
base populacional, em nível nacional, que per- na área de alimentos e bebidas. Castro & Pelia-
mitam acompanhar as mudanças efetivamente no 26 apontam que preço, paladar e nutrição
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
4. DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DO SOBREPESO/OBESIDADE NO BRASIL 701
aparecem como critérios de decisão para a in- larmente em restaurantes do tipo fast food e
clusão de alimentos nas práticas alimentares, com a alimentação em locais de trabalho ou
mas sempre intermediados por um filtro cultu- em bares e restaurantes com a utilização de va-
ral. Hoje, nos supermercados da maioria das le-refeição 20. Uma rede internacional de ali-
cidades brasileiras é possível adquirir alimen- mentação rápida se vangloria de ter o Brasil,
tos resfriados, congelados, temperados, prepa- hoje, entre os oito maiores mercados interna-
rados, empanados, recheados, em forma de cionais da corporação, com 570 restaurantes,
hambúrguer, almôndegas etc., e a maior parte cerca de 640 quiosques e 17 McCafés (http://
dos produtos tem como indicação de cozimen- www.mcdonalds.com.br). O faturamento da
to, a fritura. Dessa forma, o aumento da concen- empresa no país, em 2001, foi de R$ 1,60 bilhão
tração energética pode se dar pelos recheios, com o atendimento de 514 milhões de clientes
molhos, temperos acrescentados aos produtos – média de 1,4 milhão de clientes a cada dia. O
e pelo modo de preparo. Cyrillo et al. 25 desta- Brasil está entre os cinco países que mais cres-
cam o crescimento acentuado na comerciali- ceram nos últimos anos entre todos os merca-
zação de mistura para bolo, iogurte, queijos pe- dos da corporação no planeta. De fato, o cres-
tit suisse, sobremesa pronta gelificada, suco de cimento em termos de número de lojas é expo-
fruta concentrado ou pronto para consumo no nencial desde sua introdução no país em 1979,
período entre 1994 e 1996, contribuindo para sobremodo a partir dos anos 90 (Figura 2). A
reforçar as possibilidades já apresentadas para introdução desses hábitos importados além de
o aumento da densidade energética da dieta. comprometer o padrão tradicional alimentar
Um dado curioso exposto por Monteiro et no país faz com que ele seja alterado com subs-
al. 24 é a redução da energia diária per capita tituição de refeições. Essas modificações po-
disponível entre os dois levantamentos das POF dem contribuir para a dificuldade na manuten-
do IBGE (1988 e 1996), quando passou-se de ção da massa corporal dentro de padrões con-
1.919,0kcal para 1.711,2kcal nas regiões metro- siderados saudáveis. Por exemplo, Sichieri 27
politanas brasileiras. Aparentemente, o consu- demonstrou, em inquérito de base domiciliar
mo estaria na contramão do aumento na pre- na Cidade do Rio de Janeiro, que um padrão
valência da obesidade; porém, convém lem- dietético, por ela chamado de tradicional e que
brar que algumas questões importantes na es- dependia principalmente de feijão com arroz,
timação do consumo alimentar não foram le- estava associado com risco menor, em adultos,
vantadas nas duas POF. Primeiramente os flu- de sobrepeso/obesidade em modelo logístico
xos não monetários não foram avaliados e, por- ajustado para idade e atividade física de lazer
tanto, não incluídos nos indicadores de com- em comparação a uma dieta chamada de oci-
pra, fato que acarreta subestimativa do consu- dental na qual a gordura e açúcar eram os prin-
mo alimentar dependendo do grau de moneta- cipais componentes, ou uma dieta de padrão
rização da região em estudo. Além disso, a esti- misto na qual não havia um alimento que se
mativa do consumo energético feito em refei- destacasse.
ções fora de casa pode comprometer o cálculo Associado ao fato de não existirem medidas
final do consumo energético, dependendo da antropométricas nas duas POF, o que não per-
importância relativa desse consumo em rela- mite a estimativa de requerimento energético,
ção ao consumo energético total. Em estudo a informação sobre o consumo energético de-
comparativo realizado nos Estados Unidos en- clinante entre as duas pesquisas é questioná-
tre 1977 e 1985, observou-se que a energia da vel. Em verdade, a análise do banco de dados
dieta vinda da alimentação feita fora do domi- da folha de balanço alimentar do Brasil dispo-
cílio aumentou de 18,0% do total consumido nibilizado pela Organização das Nações Uni-
em 1977 para 34,0% em 1995, e como vem se das para a Alimentação e Agricultura (FAO) in-
confirmando a observação de que a alimenta- dica que a quantidade de energia per capita
ção preparada fora do domicílio contém maior disponível para consumo humano aumentou
densidade energética, a avaliação do consumo substancialmente nas últimas décadas no país,
realizado fora de casa ganha destaque ainda passando de aproximadamente 2.200 para
maior quando a preocupação está no avanço 3.000kcal/habitante/dia entre 1961 e 1999, ou
acelerado na prevalência da obesidade 23. seja, em torno de 188kcal/dia de acréscimo por
No setor industrial agroalimentar brasilei- década 28. A grande modificação se deu no au-
ro, mudanças começaram a ocorrer nos anos mento da contribuição percentual dos lipídeos
70 e se consolidaram nos anos 80, potenciali- no total de energia com o aporte de proteína
zando um mercado urbano e jovem, o que po- permanecendo estável no período.
de ser exemplificado pelo crescimento das des- Em suma, são vários os fatores associados à
pesas com alimentação fora de casa, particu- dieta que poderiam contribuir para o aumento
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
5. 702 Mendonça CP, Anjos LA
Figura 2
Tendência do número de restaurantes McDonald’s desde sua instalação no país.
550
500
450
400
350
300
250
número de restaurantes
200
150
100
50
0
1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 199& 1998 1999 2000 ano
do sobrepeso/obesidade dos brasileiros ao acar- cultura para a indústria) e nos processos de tra-
retarem mudanças importantes nos padrões balho com redução do esforço físico ocupacio-
alimentares tradicionais: (1) migração interna; nal; das alterações nas atividades de lazer, que
(2) alimentação fora de casa; (3) crescimento passam de atividades de gasto acentuado, co-
na oferta de refeições rápidas (fast food); (4) mo práticas esportivas, para longas horas dian-
ampliação do uso de alimentos industrializa- te da televisão ou do computador; e do uso cres-
dos/processados. Estes aspectos vinculam-se cente de equipamentos domésticos com redu-
diretamente à renda das famílias e às possibili- ção do gasto energético da atividade, como por
dades de gasto com alimentação, em particular, exemplo, lavar roupa à máquina ao invés de fa-
associado ao valor sócio-cultural que os alimen- zê-lo manualmente 31.
tos vão apresentando para cada grupo social. Os dados sobre as características de ativi-
dade física da população são ainda mais escas-
sos do que sobre o consumo alimentar, uma
As relações com a atividade física vez que não existe estudo nacional de base po-
pulacional que tenha investigado o nível de ati-
O gasto energético, a outra parcela da equação vidade física. Até recentemente havia uma ten-
de balanço energético, é resultado de 29: taxa dência, nos países desenvolvidos, de se pesqui-
metabólica basal ( TMB), que é o gasto para sar somente a atividade física de lazer pelo fato
manter em funcionamento as atividades vitais de o indivíduo ter maior controle dessas ativi-
do organismo; ação dinâmica específica dos dades por serem atividades voluntárias, facili-
alimentos, que corresponde ao gasto energéti- tando, dessa forma, a obtenção de informações
co necessário para a digestão, absorção e utili- mais confiáveis e também por assumir-se que
zação dos alimentos; e atividade física, que po- as atividades ocupacionais nesses países são,
de ser entendida como qualquer movimento na sua grande maioria, leves. Entretanto, o não
corporal produzido pela contração da muscu- uso das atividades ocupacionais (e domésticas)
latura esquelética que implique em gasto ener- em países desenvolvidos é em razão da indis-
gético 30. A atividade física, então, compreende ponibilidade de tais informações; mas, hoje em
uma gama de dimensões que incluem todas as dia, se reconhece que a medição somente da
atividades voluntárias, como as ocupacionais, atividade física de lazer leva a uma subestima-
de lazer, domésticas e de deslocamento. ção da atividade física total, especialmente nos
A redução do nível de atividade física e sua indivíduos com ocupações intensas 32. Em le-
relação com a ascensão na prevalência da obe- vantamento realizado em 1990, aproximada-
sidade refere-se às mudanças na distribuição mente 50,0% dos trabalhadores americanos,
das ocupações por setores (exemplo: da agri- que não praticavam atividade física de lazer,
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
6. DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DO SOBREPESO/OBESIDADE NO BRASIL 703
disseram realizar pelo menos uma hora de ati- mento médio do trabalho feminino 18. Infeliz-
vidade ocupacional pesada 33. mente, os dados não permitem análises de ten-
No Brasil, numa comparação do nível de dências tanto nas atividades informais quanto
atividade física ocupacional (NAFO), baseado nas domésticas, já que não há séries históricas
nas informações sobre a ocupação principal, dessas informações nos censos. Pesquisas lo-
entre os dados do ENDEF e da PNSN, perce- cais evidenciam essa característica. Rotenberg
beu-se que a prevalência do NAFO leve e mo- 38 documentou, em mulheres moradoras da
derado aumentou, enquanto a do pesado de- Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, uma série
clinou, passando de 25,2% para 22,6%. Os per- de atividades remuneradas realizadas no espa-
centuais de redução das atividades ocupacio- ço doméstico, tais como lavar roupa para fora e
nais de nível pesado e o ligeiro aumento dos tomar conta de crianças da vizinhança, que
níveis leve e moderado não seriam capazes, não eram consideradas pelas próprias mulhe-
isoladamente, de justificar o crescimento tão res entrevistas como trabalho, e que provavel-
acelerado e extenso da obesidade entre os adul- mente não as registravam por ocasião dos re-
tos brasileiros 31,34. Na verdade, aconteceu au- censeamentos.
mento de obesidade em todos os níveis de ati- Com relação às atividades não ocupacio-
vidade física. Deve-se ter em mente que essas nais (lazer, transporte, doméstica) não se reali-
comparações sofrem limitações porque podem zou, até o momento, pesquisa de base domici-
ter havido mudanças tecnológicas nos proces- liar e de abrangência nacional que as tenha in-
sos de trabalho entre os estudos e podem exis- vestigado com detalhe 34. Na PPV, 20,0% da po-
tir diferenças substanciais no gasto energético pulação indicou a prática de exercício físico ou
para realizar a mesma tarefa ocupacional entre esporte (EF), havendo um grande diferencial
as várias regiões do país. entre homens (27,3%) e mulheres (13,1%). A fre-
Entre os censos de 1960 e 1991, houve, en- qüência de prática de EF foi semelhante entre
tre os homens com mais de dez anos de idade, as regiões Nordeste (18,7%) e Sudeste (20,9%);
tendência de aumento das atividades dos seto- contudo, substancialmente menos mulheres
res da indústria e serviços e redução na agricul- do Nordeste (8,9%) praticavam EF comparadas
tura e extração (Figura 3). Os setores que mais às do Sudeste (15,9%). Entre as pessoas que
têm empregado mulheres são os de prestação não faziam EF, 23,0% e 49,3% tinham NAFO pe-
de serviços, seguidos pelo agrícola e comercial, sado e moderado, respectivamente. Ao soma-
sendo a prestação de serviços e o comércio cor- rem-se as pessoas com NAFO pesado às pes-
respondentes, em 1991, a aproximadamente soas que disseram que não praticavam EF, o to-
47,0% dos setores de ocupação das mulheres, tal de ativos sobe para 27,7% e para 44,2%, se
seguido do setor social com 20,0% 17,35,36,37. A forem acrescentadas as com NAFO moderado
grande modificação na distribuição dos seto- 39 . Apesar da limitação na pergunta sobre a
res de ocupação até o censo de 1991 foi a redu- prática de EF, esta foi a primeira pesquisa de
ção do trabalho agrícola e o aumento das ativi- base populacional em regiões brasileiras que
dades sociais e do comércio. É interessante no- obteve tal informação.
tar que o crescimento da participação femini- Retomando aspectos vinculados ao desen-
na na população ativa ocupada de maiores de volvimento da economia no Brasil, a aquisição
dez anos ocorreu de modo concomitante ao de bens de consumo duráveis por parte da po-
aumento da obesidade entre as mulheres. Em pulação pode contribuir para a consideração
1960, as mulheres ocupadas representavam de três fatores ligados a mudanças no padrão
16,5% da população ativa com mais de dez de atividade física enquanto redução do gasto
anos, percentual que aumentou para 31,0% no energético: (1) diminuição do esforço com o
Censo de 1991, chegando a 43,6% em 2000. Por trabalho doméstico pelo uso de equipamentos
outro lado, houve redução nesse percentual pa- para a execução das tarefas mais árduas; (2) o
ra os homens, de 77,2% em 1960 para aproxi- crescente uso da televisão como principal meio
madamente 68,0% entre os dois últimos cen- de lazer; e (3) o uso de automóvel/veículo au-
sos 17,18,35,36,37. tomotivo para o deslocamento. Deve-se ainda
Os indicadores fazem crer que o aumento acrescentar que a televisão contribui para a de-
da participação feminina no mercado de traba- limitação do estilo de vida ocidental mediante
lho foi mais acentuado, nas últimas décadas, ampliação do incentivo ao consumo difundido
para aquelas de estratos sócio-econômicos mé- pelo marketing. De acordo com French et al. 23,
dio e alto, e em atividades que provavelmente nos Estados Unidos, em 1997, os restaurantes
poderiam ser consideradas como leves do pon- fast foods gastaram 95,0% de suas verbas publi-
to de vista de gasto energético, pois se verifica citárias com propagandas na televisão, e o vo-
um incremento nos anos de estudo e no rendi- lume de dólares gastos pela indústria de ali-
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
7. 704 Mendonça CP, Anjos LA
Figura 3
Distribuição (%) das pessoas com 10 anos ou mais de idade, ocupadas por setores
de atividade do trabalho principal nos Censos Demográficos Brasileiros.
100
outras
90
sociais
80
70
agricultura
+ extração
60
indústria
50
40
comércio
30
serviços
20
10
% 0
1960 1970 1980 1991 1960 1970 1980 1991 ano censitário
mulheres homens
mentos e por serviços de alimentação com pu- tica esportiva de lazer e aumentar o consumo
blicidade, só ficou atrás daqueles utilizados pe- energético, particularmente em crianças/ado-
la indústria automobilística, a primeira do ran- lescentes. Em inquérito domiciliar americano
king. Segundo Belik 13, a embalagem e o mar- de base populacional (NHANES III), a preva-
keting estão entre os principais componentes lência de obesidade foi a menor; entretanto, só
na estrutura de custos dos produtos atualmen- significativa para as meninas, entre as crianças
te no Brasil. que assistiam até uma hora por dia de televisão
A observação da tendência do percentual de e a maior naquelas que assistiam até quatro ou
domicílios com alguns bens duráveis seleciona- mais horas por dia 40. Não houve associação
dos obtida nos censos demográficos nacionais entre a prevalência de obesidade e a participa-
realizados nas últimas três décadas 17,18,37,38 in- ção semanal em atividade física de nível inten-
dica aumento vertiginoso de residências com so, tanto em meninos como em meninas. Ou
televisões e geladeiras e um incremento bem seja, a associação entre a prevalência de obesi-
menos acentuado de domicílios com automó- dade e o tempo sentado assistindo à televisão
veis (Figura 4). O percentual de domicílios com não pode ser explicada somente pelo aumento
geladeira passou de 26,0% em 1970 para 83,0% da ingestão energética ou redução da prática
em 2000. Já o percentual de domicílios com au- de atividade física, talvez, em parte, pelos mé-
tomóveis embora tenha mais do que triplicado, todos usados na avaliação.
passando de 9,0% em 1970 para 32,0% em 2000, Os deslocamentos diários das pessoas po-
ainda não é tão significativo para o conjunto da dem contribuir para um estilo de vida ativo ou
população como se tornou a televisão que esta- não. Estimativas de 1995 para a população ame-
va presente em 24,1% dos domicílios em 1970, ricana dão conta de que aproximadamente
tendo crescido para 56,1% em 1980 e saltado 90,0% dos deslocamentos eram feitos por au-
para 87,0% no último censo de 2000. tomóvel que, em 68,0% dos casos, incluíam um
Com relação ao hábito de assistir à televi- único ocupante 41. A opção pelo transporte in-
são, existe uma tendência atual de utilizar o dividual é um dos pilares do sonho americano
tempo em horas diárias diante de uma televi- que é evidenciado pelo número extremamente
são como indicador de vida sedentária, expli- baixo (Х 5,0%) de domicílios que não tinham
cando, dessa maneira, a epidemia da obesida- automóveis nos dados recentes do censo ame-
de. De fato, essa variável é de fácil obtenção e ricano 42. No Brasil, como em muitos outros paí-
tem lógica, do ponto de vista explicativo, ao in- ses, os meios de transporte mais utilizados ain-
corporar um hábito que poderá diminuir a prá- da são os públicos/coletivos ou os não motori-
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
8. DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DO SOBREPESO/OBESIDADE NO BRASIL 705
Figura 4
Tendência na distribuição (%) de domicílios brasileiros com televisão, geladeira
e automóvel nos Censos Demográficos Brasileiros.
100
Brasil
90
urbano
80
rural
70
60
50
40
30
20
10
% 0
1970 1980 1991 2000 1970 1980 1991 2000 1970 1980 1991 2000 ano censitário
televisão geladeira automóvel
zados, fazendo com que, teoricamente, haja 2. Consumir feijão pelo menos quatro vezes
dispêndio maior de energia, mas infelizmente por semana;
não existem estimativas desse componente do 3. Evitar alimentos gordurosos como carnes
gasto energético para a população brasileira. gordas, salgadinhos e frituras;
Assim como sobre as práticas alimentares, 4. Retirar a gordura aparente das carnes e a pe-
há necessidade de informações mais detalhadas le do frango;
sobre o padrão de atividade física da população 5. Nunca pular refeições: fazer três refeições e
brasileira, em associação a dados antropométri- um lanche por dia. No lanche escolher uma fruta;
cos, para uma melhor explicação dessa relação. 6. Evitar refrigerantes e salgadinhos de pacote;
Apesar da carência de tais informações, o MS 7. Fazer as refeições com calma e nunca na
vem propondo medidas preventivas para a ma- frente da televisão;
nutenção do peso saudável na população brasi- 8. Aumentar a sua atividade física diária. Ser
leira. Uma das medidas é a divulgação dos dez ativo é se movimentar. Evitar ficar parado, você
passos para o peso saudável, detalhados a seguir. pode fazer isto em qualquer lugar;
9. Subir escadas ao invés de usar o elevador,
caminhar sempre que possível e não passar
Os 10 passos para o peso saudável longos períodos sentado assistindo à TV;
do Ministério da Saúde do Brasil 10. Acumular trinta minutos de atividade física
todos os dias.
Com base na prevalência crescente do sobre- Os sete primeiros passos estão relaciona-
peso/obesidade no país, o MS produziu os dez dos à dieta e os três últimos ao incentivo a se
passos para o peso saudável dentro do Plano ter uma vida mais ativa. Os passos relativos à
Nacional para a Promoção da Alimentação dieta seguem uma orientação geral de várias
Adequada e do Peso Saudável 43 cujos objetivos instituições estrangeiras, com adaptações lo-
são: (1) aumentar o nível de conhecimento da cais, como por exemplo, no caso brasileiro, a
população sobre a importância da promoção à recomendação da ingestão de feijão pelo me-
saúde e de se manter peso saudável e de se le- nos quatro vezes por semana. Do ponto de vis-
var uma vida ativa; (2) modificar atitudes e prá- ta operacional, as recomendações são basea-
ticas sobre alimentação e atividade física; (3) das na idéia do guia alimentar americano, po-
prevenir o excesso de peso. Os passos são: pularizada como a pirâmide alimentar, produ-
1. Comer frutas e verduras variadas, pelo me- zida pelo Departamento de Agricultura dos Es-
nos duas vezes por dia; tados Unidos na expectativa de que quem a se-
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
9. 706 Mendonça CP, Anjos LA
guisse se tornaria mais saudável, ou seja, a mu- mônica atual de se acumular pelo menos trinta
dança no hábito alimentar preveniria o apare- minutos de atividade física moderada, prefe-
cimento de doenças crônicas, pressuposto que rencialmente todos os dias da semana. Essa re-
vem sendo questionado por dados recentes 44. comendação foi introduzida inicialmente em
A lógica da pirâmide americana, e que foi 1995 para a população americana adulta 50 na
adaptada para a população brasileira 45 e é perspectiva de que tal prática acarretasse dis-
usada como orientação aos consumidores na pêndio de 1.000kcal por semana (200kcal por
rotulagem dos alimentos 46, é baseada na idéia dia), valor compreendido como necessário pa-
de que os alimentos que estão no topo da pirâ- ra reduzir substancialmente a taxa de mortali-
mide (óleos, gorduras, açúcares e doces) devam dade comparativamente a uma população que
ser consumidos num número menor de porções não praticava nenhuma atividade física de la-
(1 a 2 por dia) e os da base da pirâmide (grupo zer 51,52, apesar da maior redução na taxa de
dos cereais, pães, farinhas, massas, tubérculos mortalidade ter sido encontrada nos indiví-
e raízes) devam ser consumidos em número duos com gasto energético equivalente a 2.000-
maior de porções (5 a 9 por dia). Existem al- kcal por semana 53. O nível de 1.000kcal por se-
guns problemas com essa lógica: (1) da forma mana é atualmente reconhecido como muito
que está colocada, passa-se a impressão de que pequeno para a manutenção de massa corpo-
toda gordura é maléfica 47 e transfere-se para o ral saudável 54 e possivelmente para a redução
consumidor a modulagem de seu comporta- do risco relativo de mortalidade por doenças
mento alimentar 44; (2) a introdução do concei- cardiovasculares 55. Considerando a tendência
to de porção que não é facilmente assimilado crescente na prevalência da obesidade na po-
pela população. A questão do tamanho de por- pulação americana e pela sua responsabilida-
ção pode ser considerada como um ponto cru- de na produção de recomendações de ingestão
cial mesmo nos Estados Unidos, já que está dietética de referência (DRI), o Instituto de Me-
ocorrendo uma tendência de aumento subs- dicina Americano do Comitê de Alimentação e
tancial no número de porções maiores (large Nutrição recentemente sugeriu 56 que a popu-
size) no mercado a partir de 1980 48, particular- lação americana realizasse pelo menos sessen-
mente nos alimentos industrializados prontos ta minutos de atividade moderada (caminhar/
para consumo. O tamanho da porção de um corrida entre 6 e 9km/h), para a manutenção
produto na prateleira dos mercados pode ser da massa corporal saudável e para se obter os
até sete vezes maior do que a porção definida benefícios para a saúde da atividade física in-
pelos órgãos responsáveis por sua padroniza- dependentes da massa corporal. Essa recomen-
ção nos Estados Unidos: Administração de Ali- dação se aproxima do valor de NAF (nível de
mentos e Drogas (FDA) e o Departamento de atividade física = gasto energético de 24h/taxa
Agricultura (USDA) 48. Essa tendência tem fun- metabólica basal de 24h 57) de 1,6, valor con-
damentos, basicamente, econômicos cujas cau- sistente com estilo de vida ativo baseando-se
sas são o aumento na freqüência de refeições em estudos de água duplamente marcada 56.
realizadas fora de casa, pela competição econô- Duas importantes recomendações recentes
mica entre produtores de alimentos (levar mais 58,59 concluem que para a manutenção de valo-
por um custo menor) e no aumento na oferta res de massa corporal saudável seria necessá-
de produtos pelo mercado (produtos maiores rio um estilo de vida ativo (ou moderadamente
chamam mais atenção) Para o consumidor, ta- ativo), o que implicaria um NAF de 1,75. Para
manho de porção maior poderá significar in- um indivíduo sedentário alcançar esse nível e
gestão energética de até 30,0% a mais numa re- ajudar na manutenção da massa corporal e
feição, comparativamente a uma porção me- prevenção de alguns tipos de câncer, os órgãos
nor 49. Esse fenômeno não pode ser ignorado mencionados sugerem sessenta minutos de
pelos formuladores de políticas públicas de exercício físico diário. Assim, as recomenda-
prevenção e tratamento da obesidade. ções recentes convergem para um nível de ati-
Cabe ainda comentar a orientação, geral, de vidade física maior do que o acúmulo de trinta
nunca pular uma refeição já que esta conflita minutos diários de atividade física moderada.
com a evidência de que o aumento do sobrepe-
so/obesidade, atualmente, é mais intenso entre
os mais pobres, segmento da população em que Considerações finais
o acesso a alimentos não é contínuo e nem é ca-
racterizado como padrão regular de refeições. Após apresentação do quadro evolutivo da obe-
Os três últimos passos recomendados di- sidade no Brasil, percebe-se que, quanto aos
zem respeito à prática de atividade física regu- fatores determinantes deste processo, o qua-
lar com a reprodução da recomendação hege- dro está no esboço que só será elucidado quan-
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
10. DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DO SOBREPESO/OBESIDADE NO BRASIL 707
do informações detalhadas tanto de ingestão para que se possa confirmar a possibilidade de
quanto de gasto energético da população se- diminuição do gasto energético proporcional
jam obtidas. Esses dados poderão esclarecer o ao crescimento da prevalência da obesidade
fenômeno inédito e surpreendente da redução entre os adultos brasileiros, uma vez que, à pri-
na prevalência de sobrepeso/obesidade nas meira vista, pode parecer que o trabalho do-
mulheres do sudeste brasileiro. méstico contribui mais para o gasto energético
Quanto às práticas alimentares, é necessá- do que o trabalho fora de casa, fato que sem dú-
rio buscar uma maior compreensão do peso da vida precisa ser melhor investigado.
alimentação fora do domicílio e do consumo Por fim, paralelamente à continuidade na
de produtos industrializados e pré-processa- busca de dar maior nitidez a este quadro, há
dos pelos vários segmentos da sociedade. A necessidade de que sejam propostos e imple-
real dimensão da presença feminina no traba- mentados projetos e programas intersetoriais
lho fora do lar para as classes média e alta e a por parte dos governos e das organizações so-
concomitante contratação do emprego domés- ciais e que tenham metas bem definidas, que
tico por parte destas mesmas mulheres pode levem a uma redução na velocidade do cresci-
contribuir para o delineamento das reais mo- mento da prevalência do sobrepeso/obesida-
dificações no preparo de alimentos no âmbito de, por intermédio da conjugação de ações in-
domiciliar, no perfil de compra de alimentos dividuais e coletivas na efetivação de uma vida
por parte das famílias e no consumo de refei- mais saudável para toda a população. A sim-
ções preparadas e/ou servidas fora do domicí- ples divulgação e difusão de uma lista de pas-
lio por toda a família, e não apenas por parte sos a serem seguidos pelos indivíduos não ga-
das mulheres que se engajam nos postos de rante a adesão da população a um estilo de vi-
trabalho. da saudável, e pior ainda, não consegue atingir
As relações entre trabalho feminino fora do os diversos segmentos da sociedade que têm
domicílio, atividades de lazer, e atividades do- características, motivações e possíveis causali-
mésticas também precisam ficar mais claras dades diferentes para a obesidade.
Resumo Colaboradores
Os dados acerca do sobrepeso/obesidade na população L. A. Anjos foi responsável pelas análises da tendên-
brasileira demonstram um crescimento na sua preva- cia na situação nutricional antropométrica da popu-
lência entre as décadas de 70 e 90. Os dois aspectos lação brasileira e pelo levantamento e compilação
mais apresentados como relacionados a este quadro dos dados censitários. Os autores são responsáveis
têm sido mudanças no consumo alimentar, com au- por todos os aspectos de revisão, preparação e escri-
mento do fornecimento de energia pela dieta e redu- ta. Coube à C. P. Mendonça o detalhamento dos as-
ção da atividade física, configurando um “estilo de vi- pectos nutricionais e a L. A. Anjos os aspectos refe-
da ocidental contemporâneo”. Este artigo tem por ob- rentes à prática da atividade física.
jetivo identificar e avaliar alguns indicadores que se
correlacionam com mudanças nas práticas alimenta-
res e de atividade física na população brasileira nos
últimos trinta anos. Apesar da carência de dados deta-
Agradecimentos
lhados, os fatores que podem estar contribuindo para
o quadro em tela incluem: migração interna; alimen-
tação fora de casa; crescimento na oferta de refeições L. A. Anjos recebe bolsa de produtividade do Conse-
rápidas; mudanças no trabalho; meios de desloca- lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-
mento; e equipamentos domésticos. Faltam informa- lógico (CNPq – proc. 301076/89-8).
ções mais detalhadas sobre as práticas alimentares e o
padrão de atividade física no Brasil, em associação a
dados antropométricos, para uma melhor explicação
dessa relação. Há necessidade de projetos e programas
intersetoriais que tenham metas bem definidas e que
garantam a adesão da população a um estilo de vida
saudável na perspectiva do controle do crescimento da
prevalência do sobrepeso/obesidade no país.
Obesidade; Hábitos Alimentares; Atividade Física
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
11. 708 Mendonça CP, Anjos LA
Referências
1. World Health Organization. Obesity: preventing 19. Monteiro CA, Conde W. A tendência secular da
and managing the global epidemic. Geneva: World obesidade segundo estratos sociais: Nordeste e
Health Organization; 2000. (WHO Technical Re- Sudeste do Brasil, 1975-1989-1997. Arq Bras En-
port Series, 894). docrinol Metab 1999; 43:186-94.
2. Fontaine KR, Redden DT, Wang C, Westfall AO, 20. Burlandy L, Anjos LA. Acesso a vale-refeição e es-
Asslison DB. Years of life lost due to obesity. JAMA tado nutricional de adultos beneficiários do Pro-
2003; 289:187-93. grama de Alimentação do Trabalhador no Nor-
3. Gigante D, Barros F, Post C, Olinto M. Prevalência deste e Sudeste do Brasil, 1997. Cad Saúde Públi-
de obesidade em adultos e seus fatores de risco. ca 2001; 17:1457-64.
Rev Saúde Pública 1997; 31:236-46. 21. Bleil SI. O padrão alimentar ocidental: consider-
4. Kumanyika SK. Minisymposium on obesity: over- ações sobre a mudança de hábitos no Brasil. Ca-
view and some strategic considerations. Annu Rev dernos de Debate 1998; VI:1-25.
Public Health 2001; 22:293-308. 22. Fischeler C. Gastro-nomia y gastro-anomia: sabi-
5. Sichieri R. Epidemiologia da obesidade. Rio de duria del cuerpo y crisis biocultural de la alimen-
Janeiro: Eduerj; 1998. tación contemporánea. In: Contreras J, compi-
6. Bouchard C. Current understanding of the etiolo- lador. Alimentación y cultura. Necesidade, gustos
gy of obesity: genetic and nongenetic factors. Am y costumbres. Barcelona: Universitat de Barcelo-
J Clin Nutr 1991; 53 (6 Suppl):1561S-5S. na; 1995. p. 357-80.
7. Stunkard AJ. Factores determinantes de la obesi- 23. French S, Story M, Jeffery R. Environmental influ-
dad: opinión actual, In: La obesidade en la pobre- ences on eating and physical activity. Annu Rev
za: un nuevo reto para la salud pública. Washing- Public Health 2001; 22:309-35.
ton DC: Organización Panamericana de la Salud; 24. Monteiro CA, Mondini L, Costa R. Mudanças na
2000. p. 27-32. (Publicación Científica 576). composição e adequação nutricional da dieta fa-
8. Garcia RWD. Representações sociais da alimen- miliar nas áreas metropolitanas do Brasil (1988-
tação e saúde e suas repercussões no comporta- 1996). Rev Saúde Pública 2000; 34:251-8.
mento alimentar. Physis (Rio J) 1997; 7:51-68. 25. Cyrillo DC, Saes MSM, Braga MB. Tendências do
9. Sobal J. Obesity and socioeconomic status: a consumo de alimentos e o plano Real: uma avalia-
framework for examining relationships between ção para a Grande São Paulo. Planej Polít Públi-
physical and social variables. Med Anthropol cas 1997; 16:163-95.
1991; 13:231-47. 26. Castro CM, Peliano AM. Novos alimentos, velhos
10. Mondini L, Monteiro CA. Mudanças no padrão de hábitos e o espaço para ações educativas. In: Cas-
alimentação. In: Monteiro CA, organizador. Ve- tro CM, Coimbra M, organizadores. O problema
lhos e novos males da saúde do país. São Paulo: alimentar no Brasil. São Paulo: Editora da Uni-
Editora Hucitec/Núcleo de Pesquisas Epidemio- camp/Editora Almed; 1985. p. 195-213.
lógicas em Nutrição e Saúde, Universidade de 27. Sichieri R. Dietary patterns and their associations
São Paulo; 2000. p. 79-89. with obesity in the Brazilian City of Rio de Ja-
11. Visscher TLS, Seidell JC. The public health impact neiro. Obes Res 2002; 10:42-8.
of obesity. Annu Rev Public Health 2001; 22:355- 28. Pereira CVR, Silva CS, Anjos LA. Tendência na
75. disponibilidade de energia e macronutrientes pa-
12. Popkin BM. The nutrition transition and obesity ra a população brasileira nos últimos 40 anos.
in the developing world. J Nutr 2001; 131:871S-3S. Anais do 12 o Seminário de Iniciação Científica.
13. Belik W. A reestruturação da indústria agroali- Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2002.
mentar e abastecimento: uma nova agenda para 29. Wahrlich V, Anjos LA. Aspectos históricos e me-
discussão. In: Galeazzi MAM, organizador. Segu- todológicos da medição e estimativa da taxa me-
rança alimentar e cidadania. Campinas: Mercado tabólica basal: uma revisão da literatura. Cad Saú-
das Letras; 1996. p. 295-300. de Pública 2001; 18:801-17.
14. Brum A. O desenvolvimento econômico brasilei- 30. Caspersen CJ, Powell KE, Christensen GM. Physi-
ro. Petrópolis: Editora Vozes/Ijuí: Fundação de cal activity, exercise, and physical fitness: defini-
Integração, Desenvolvimento e Educação do No- tions and distinctions for health-related reserch.
roeste do Estado; 1991. Public Health Rep 1985; 100:126-31.
15. Oliveira F. O terciário e a divisão social do traba- 31. Anjos LA. Obesidade nas sociedades contem-
lho. Estudos Cebrap 1979; 24:137-68. porâneas: o papel da dieta e da inatividade física.
16. Singer P. A economia dos serviços. Estudos Ce- In: Anais do 3o Congresso Brasileiro de Atividade
brap 1979; 24:127-35. Física e Saúde. Florianópolis: Universidade Fe-
17. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Es- deral de Santa Catarina; 2001. p. 33-4.
tatística. Censo Demográfico de 1970. VIII recen- 32. U.S. Department of Health and Human Services.
seamento geral do Brasil, série nacional, volume Physical activity and health. A report of the sur-
I. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de geon general. Atlanta: Centers for Disease Con-
Geografia e Estatística; 1973. trol and Prevention, National Center for Chronic
18. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Es- Disease Prevention and Health Promotion; 1996.
tatística. Tabulação avançada do censo demográ- 33. Centers for Disease Control and Prevention. Preva-
fico 2000. Resultados preliminares da amostra. lence of leisure-time and occupational physical ac-
Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de tivity among employed adults – United States, 1990.
Geografia e Estatística; 2002. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2000; 49:420-4.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004
12. DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DO SOBREPESO/OBESIDADE NO BRASIL 709
34. Anjos LA. Prevalência da inatividade física no 47. Hu FB, Willett WC. Optimal diets for prevention of
Brasil. In: Anais do 2o Congresso Brasileiro de Ati- coronary heart disease. JAMA 2002; 288:2569-78.
vidade Física & Saúde. Florianópolis: Universi- 48. Young LR, Nestle M. The contribution of expand-
dade Federal de Santa Catarina; 1999. p. 58-63. ing portion sizes to the US obesity epidemic. Am
35. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- J Public Health 2002; 92:246-9.
tística. Censo Demográfico de 1960. VII recensea- 49. Rolls BJ, Morris EL, Roe L. Portion size of food af-
mento geral do Brasil, série nacional, volume I. fects energy intake in normal-weight and over-
Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de weight men and women. Am J Clin Nutr 2002;
Geografia e Estatística; 1967. 76:1207-13.
36. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- 50. Pate RR, Pratt M, Blair SN, Haskell WL, Macera
tística. Censo Demográfico de 1980. IX recensea- CA, Bouchard C, et al. Physical activity and pub-
mento geral do Brasil, série nacional, volume I. lic health. A recommendation from the Centers
Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de for Disease Control and Prevention and the Amer-
Geografia e Estatística; 1983. ican College of Sports Medicine. JAMA 1995; 273:
37. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- 402-7.
tística. Censo Demográfico de 1991. X recensea- 51. Blair SN, Kohl HW, Paffenbarger RS, Clark DG,
mento geral do Brasil, série nacional, volume I. Cooper KH, Gibbons LW. Physical fitness and all-
Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de cause mortality: a prospective study of healthy
Geografia e Estatística; 1993. men and women. JAMA 1989; 273:1093-8.
38. Rotenberg S. Práticas alimentares e o cuidado da 52. Paffenbarger Jr. RS, Lee IM. Physical activity and
saúde da criança de baixo-peso [Dissertação de fitness for health and longevity. Res Q Exerc Sport
Mestrado]. Rio de Janeiro: Instituto Fernandes Fi- 1996; 67 (3 Suppl):11-28.
gueira, Fundação Oswaldo Cruz; 1999. 53. Paffenbarger Jr. RS, Hyde RT, Wing AL, Hsieh C.
39. Anjos LA. Physical activity estimates from a house- Physical activity, all-cause mortality, and longevity
hold survey in Brazil. Med Sci Sports Exerc 2000; of college alumni. N Engl J Med 1986; 314:605-13.
32 (5 Suppl):S188. 54. National Institutes of Health/National American
40. Crespo CJ, Smit E, Troiano RP, Barlett SJ, Macera Association for the Study of Obesity. Obesity. The
CA, Andersen RE. Television watching, energy in- practical guide. Identification, evaluation, and
take, and obesity in the US children. Arch Pediatr treatment of overweight and obesity in adults.
Adolesc Med 2001; 155:360-5. Bethesda: National Institutes of Health; 2000.
41. Pickrell D, Schimek P. Growth in motor vehicle 55. Williams P. Physical fitness and activity as sepa-
ownership and use: Evidence from the Nation- rate heart disease risk factors: a meta-analysis.
wide Personal Transportation Survey. Journal of Med Sci Sports Exerc 2001; 33:754-61.
Transportation and Statistics 1999; 2:1-17. 56. Food and Nutrition Board/Institute of Medicine
42. U.S. Census Bureau. Vehicles available and house- of the National Academy. Dietary reference intakes
hold income in 1999-2000. http://factfinder.cen for energy, carbohydrate, fiber, fat, fatty acids,
sus.gov/servlet/QTTable?_ts=50429928110 (aces- cholesterol, protein, and aminoacids. Washing-
sado em 18/Out/2002). ton DC: The National Academy Press; 2002.
43. Ministério da Saúde. 10 passos para o peso sau- 57. Vasconcellos MTL, Anjos LA. A simplified method
dável. http://www.saude.gov.br (acessado em 08/ for assessing physical activity level values for a
Mai/2001). country or study population. Eur J Clin Nutr 2003;
44. Sichieri R, Nascimento S, Moura AS. Algumas re- 57:1025-33.
flexões sobre o uso público do conhecimento ge- 58. Erlichman J, Kerbey A, James P. Are current physi-
rado pela epidemiologia. Physis (Rio J) 2002; 12: cal activity guidelines adequate to prevent un-
109-20. healthy weight gain? A scientific appraisal for
45. Phillippi ST, Latterza AR, Cruz ATR, Ribeiro LC. consideration by an Expert Panel of the Interna-
Pirâmide alimentar adaptada: Guia para escolha tional Obesity Task Force. London: International
dos alimentos. Rev Nutr 1999; 12:65-80. Obesity Task Force; 2001.
46. Ministério da Saúde/Agência Nacional de Vigi- 59. Food and Agriculture Organization/World Health
lância Sanitária/Universidade de Brasília. Rotu- Organization. Energy requirements. Rome: Food
lagem nutricional obrigatória: manual de orien- and Agriculture Organization; 2002.
tação aos consumidores. Brasília: Ministério da
Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ Recebido em 16/Jan/2003
Universidade de Brasília; 2002. Versão final reapresentada em 08/Ago/2003
Aprovado em 23/Out/2003
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 20(3):698-709, mai-jun, 2004