O texto descreve a trajetória artística de Gal Costa desde sua chegada com os "Doces Bárbaros" até os dias atuais. Inicialmente mais "bárbara", Gal Costa foi assumindo um lado mais "sensual" que ajudou no seu sucesso por décadas, embora o tempo tenha retirado sua sensualidade e reduzido seu sucesso recentemente.
3. Bem, confesso que me assustei com a chegada dos “Doces Bárbaros”. Eram mais bárbaros do que doces, mas mesmo assim fiquei observando, vendo no que ia dar tudo aquilo. Claro que sei que, para chegar, é necessário um certo “aprouche” meio chocante. Foi assim com os Rollings Stones, com Beatles e, por que não seria com os baianos que chegavam?
4. Observei que cada baiano fazia um papel no visual, além é claro, de cantar, dançar, interpretar com maestria a proposta que chegava em tempos de bossa nova, jovem guarda e, por que não, as tradicionais que estavam na parada há anos. Como sou meio ligado em estética, fui logo me afeiçoando por Gal Costa, a mais feminina do grupo. Até mais que Caetano e Gil. Bethânia logo cedo fazia o gênero “homem do grupo”.
5. E não estava de todo errado. Gal “sacou” esse seu jeito sensual e passou a explorá-lo com mais intensidade, enquanto dava um bom trato em sua voz, evitando os gritos tipo “meu nome é Gal”. Passou a mostrar sua voz mais intensa, concluindo as frases musicais com palavras na garganta, abusando bem de sua docilidade.
6. Claro que demorou um pouco para se despojar do jeito baiano de “doces bárbaros”. Afinal aquilo fazia parte do teatro para conquistar espaço. A música dizia tudo: “ Com amor no coração/ Preparamos a invasão/ Cheios de felicidade/ Entramos na cidade amada/ Peixe Espada, peixe luz/ Doce bárbaro Jesus/ Sabe bem quem é otário/ Peixe do aquário nada/ “
7. Mas como ninguém é bárbaro prá sempre, bem que novos contatos, viagens, gente nova, o Rio de Janeiro, etc. e Gal Costa foi assumindo um lado digamos assim, mais fino, menos bárbaro. Talvez retomando o seu lado familiar, já que nasceu Maria da Graça Costa Pena Burgos, nome meio nada a ver com “doces bárbaros”. Nada contra os que adotam e preferem esse estilo.
8. E quanto mais Gal Costa se mostrava mais fina e menos bárbara, usando e abusando de sua sensualidade, mais paulistas, cariocas e todo o Brasil a admiravam. Foi uma bela fase, com a baiana se apresentando como a mais sensual de nosso port folio de artistas. Vieram grandes sucessos de autoria do próprio Caetano, passou a gravar sucessos do passado, aproximou-se de Roberto Carlos e dele gravou várias românticas. Uma fase de encantamento à sua grande legião de fãs. Aí já rompeu barreiras e seu sucesso alcançava paises de “além mar”.
9. Sensualidade: esta era sua “carta de apresentação”. Dona de uma voz extremamente doce, sex no dizer palavras estratégicas das frases musicais, Gal Costa era tudo: beleza, voz, interpretação, sensualidade, tesão, tudo, tudinho.
10. Há quem preferisse seu repertório, alguns o seu approach , outros seu sex appeal . Eu buscava tudo na baiana que preenchia os palcos como ninguém, parecendo ter um metro e noventa (na verdade não tem mais que um metro e sessenta). Mas sempre vi Gal Costa como um conjunto que dava certo. Voz, approach, beleza, sensualidade, sex appeal, voz, interpretação, repertório, postura de palco, apresentação .
11. E assim fui curtindo os belos e longos anos de sucesso da cantora, sempre tendo a baiana no topo de minhas preferidas. Foram anos de “viagem” para a então “doce bárbara”, já domada e mais socializada do que ninguém. Quantos sucessos intermináveis, quantas apresentações memoráveis.
12. Seus sucessos? Gostei muito de "Baby", composta por Caetano especialmente para ela, quando tornou-se muito popular. Em 1969, com a ida de Caetano e Gil para o exílio na Inglaterra, ligou-se também a outros compositores como Macalé, e lançou o LP "Gal". Mas gostei mesmo da era “Tom Jobim, Vinicius de Moraes e depois Roberto Carlos. Uma em especial, “ O amor”, composição de Caetano Veloso e Ney Costa Santos , inspirado em poema de Vladimir Maiakovski .
13. O tempo parecia não passar para Gal, que usava bem seu perfil e abusava de sua sensualidade. O olhar faceiro meio lembrando Gabriela, da série e do filme, e para quem gravou a trilha – música que consta de sua carta de apresentação - sempre foi uma de suas marcas. O seu estilo tinha muito a ver com o seu perfil e aguçava a imaginação de homens e mulheres (sempre atraiu a atenção das mulheres, daí sua fama de bi-sexual.
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15. Pena o tempo ser implacável para todos, sem distinção. E o tempo foi, aos poucos, roubando uma de suas marcas, a sensualidade, embora preservando sua voz, sua interpretação. Meio triste falar nisso, mas convenhamos, é a mais pura realidade. Sem seu jeito sensual, seu sex appeal, o sucesso foi aos poucos deixando Gal Costa. Levemos em conta ser o tempo, maioria das vezes, mais cruel para as mulheres (e parece ter sido para Gal). Hoje não desfruta do mesmo sucesso e já não grava lindas canções do Roberto, do próprio Caetano e já não tem mais espaço para as antigas de Tom, Vinicius, etc.
16. Triste ver Gal Costa sem aquela majestade que a trouxe da Bahia e a fixou nas capitais paulista, carioca e de outros estados. Triste apenas não. Lamentável não termos novos sucessos de Gal a encantar nossos ouvidos, enquanto nossos olhos poderiam se transformar em transmissor da sensualidade da baiana, que poderia gelar nossas espinhas e continuar a nos causar “frisson”.
17. Para muitas pessoas o tempo não devia passar. Para Gal em especial. Por ela, prá sua felicidade e sua realização. Prá todos seus fãs que se pegam sempre meio assim, faltando alguma coisa.
18. Talvez quem sabe, um dia, por uma alameda do zoológico ela também chegará. Ela que também amava os animais, entrará sorridente assim como está na foto sobre a mesa. Ela é tão bonita. Ela é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão. O século trinta vencerá; o coração destroçado já...pelas mesquinharias. Agora vamos alcançar tudo o que não podemos amar na vida - com o estrelar das noites inumeráveis Ressuscita-me. Da música poema “O amor”.