Senhoras e Senhores, com vocês, Vossa Majestade o SAMBA!
“ - Eu sou o Samba
A voz do morro sou eu mesmo sim senhor.
Quero mostrar ao mundo que tenho valor
Eu sou o rei dos terreiros
Eu sou o Samba, sou natural aqui do Rio de Janeiro
Sou eu quem leva a alegria para milhões de corações brasileiros.”
O samba, tal como se apresenta assim e assado, na música A Voz do Morro, de Zé Keti, é
filho do Lundu, dança para lá de maliciosa, criada pelos negros. Mas o Samba também é filho do
Maxixe, que aqui representado pela música Atraente, de Chiquinha Gonzaga, delicioso ritmo que
nos chama para o salão.
E assim provocante veio o Samba, movido pelas rodas de batuque negro, bole pra cá,
mexe pra lá e dá um nó nas cadeiras. Não é à toa que a palavra SAMBA, segundo o compositor-
historiador Nei Lopes “é africaníssimo.[...] Legitimamente banto das bandas de Angola e Congo.
„Samba‟, entre os quiocos (chokwe) de Angola é verbo que significa „cabriolar, brincar, divertir-
se como cabrito‟. Entre os bacongos angolanos e congueses o termo designa „uma espécie de
dança em que um dançarino bate contra o peito do outro‟. E essas duas formas se originam da
mesma raiz banta que deu origem ao quimbundo‟di-semba‟, umbigada – elemento coreográfico
fundamental no samba primitivo”. Nas rodas de samba, o bailarino solava a dança no centro e
quando se cansava, dava a umbigada num participante que, por sua vez ocupava seu lugar no
centro da roda.
Apesar de extenso, sinto a necessidade de partilhar com você a beleza das canções e das
imagens de um trecho do documentário feito por ninguém menos que Antonio de Nóbrega onde
é apresentado como a tradição da umbigada permanece entre nós, acompanhe.
Depois das devidas apresentações não podemos esquecer-nos das questões históricas que
permitiram o surgimento, nos centros urbanos, do samba canção.
Nas últimas três décadas do século XIX, na então capital Rio de Janeiro, aumentou
consideravelmente a população negra e mestiça. Esse aumento deveu-se entre outros aspectos ao
declínio das lavouras de café no Vale do Paraíba, ao término das guerras do Paraguai e de
Canudos, da grande seca no nordeste nos anos de 1877-79 e da abolição da escravatura. A junção
destes fatores produziu uma onda migratória para a capital brasileira em busca de oportunidades
de trabalho. Os desdobramentos dessa história, conhecermos com intimidade.
O panorama da música na capital estava pronto para o surgimento do primeiro samba
com grande sucesso. Pelo Telefone, música de autoria de Donga e Mauro de Almeida. Este
samba, assim como outros gravados pela primeira geração de sambistas (Pixinguinha, Caninha,
Careca e o sistematizador do samba nos anos 20, Sinhô) teve forte influência do Maxixe. No
entanto, Pelo Telefone ganhou a simpatia do público, se desfez da pecha de imoral dada ao
maxixe. Assim, ganhou perenidade e se tornou o marco zero da história do samba urbano com
sua gravação em dezembro de 1916.
No final da década de 20 o samba estava pronto para receber as contribuições dos
sambistas do Estácio ( Alcebíades Barcelos, João da Mina, Noel Rosa, Ismael Sinval, entre
outros) fundadores da primeira escola de samba, a famosa, Deixa Falar. Veja o depoimento
maravilhoso de Ismael Silva sobre as mudanças ocorridas na maneira de executar o samba.
Observe que essa forma diferenciada de tocar samba vai ter influencia direta sobre a música das
atuais escolas de samba. Nos desfiles das escolas de samba da Marques de Sapucaí, assistimos
nos últimos anos à progressiva alteração do andamento, cada vez mais rápido, certamente em
função do aumento do número dos participantes e o tempo estabelecido para o desfile. Compare
com o samba enredo da Mangueira de 2010 é assim, pra cantar com dez mil vozes.
Como a proposta deste texto é ser ilustrativo e seria impossível apresentar todas as
vertentes do samba, optei por mostrar alguns estilos e personalidades por meio de vídeos e
pequenos comentários ainda que me restrinja a
A Bahia deu grandes contribuições com seu Samba do Recôncavo ou Samba de Roda,
aqui cantado por Beth Carvalho e a representante da nova geração de cantoras baianas, Mariene
de Castro, cantado Raiz, música de Roberto Mendes e J.Veloso, composição que compõe a
constelação de grandes músicas no estilo.
Toda a malandragem, a molecagem e o humor do Samba de Breque na voz do seu
grande representante, Moreira da Silva, que começou a carreira cantado valsas e depois migrou
para o samba de forma particularíssima. Se delicie com Na Subida do Morro.
Os representantes do Partido Alto, o compositor Candeia, explica detalhes do estilo,
como o improviso, a presença de apenas uma estrofe e o predomínio do cavaquinho e Aniceto do
Império com a vertente africana cantada e vivida com uma verdade emocionante. Segundo
Martinho da Vila, a batida do Partido Alto teria influenciou a batida da Bossa Nova.
Adoniram Barbosa, representante paulista, com a clássica O Trem das Onze, presente na
alma dos brasileiros na voz dos Demônios da Garoa.
A leveza, a elegância de Paulinho da Viola, dispensa apresentações. Sinto que precisa de
silêncio para ouvir Para um Amor no Recife.
O Balanço afro e swingado de João Bosco em Incompatibilidade de Gênio de Chico
Buarque. Aproveitando o momento, mostro o encontro histórico de Clara Nunes com o Som
ancestral da voz de Clementina de Jesus em Embala Eu.
Zeca Pagodinho em formato de samba com orquestra de cordas em O Vacilão e Tereza
Cristina, revelação e a renovação da tradição do samba.
Filho do Lundu e do Maxixe, como disse no início do texto, o Samba é um produto
híbrido, mutante, capaz de absorve várias referências, um espelho da alma brasileira que
continua se reinventando a cada nova geração. E por transforma-se constantemente, não se
cristaliza e por isso mesmo encontra-se em gestação. Por esse viés, podemos concluir com a letra
da música de Caetano Veloso, Desde que o Samba é Samba:
“O Samba ainda vai nascer
O samba ainda não chegou
O Samba não vai morrer
Veja, o dia ainda não raiou
O Samba é pai do prazer, o samba é filho da dor
O grande poder transformador”.
Então, caro leitor é isso. Espero que esse espaço tenha servido para lhe aproximar um
pouco mais do que temos e somos em termos musicais. Para quem se interessar pelo assunto,
sugiro a leitura dos livros: Uma História da Música Popular Brasileira de Jairo Severino e Tem
Mais Samba, das Raízes à Eletrônica de Tárik de Souza.