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PATRIMONIALIZANDO A CULINÁRIA:
relato da experiência brasileira
Seminario Patrimonio Cultural Inmaterial:
Gestión Turística del Patrimonio cultural inmaterial
Valparaíso, 17 de abril de 2013
1
Estrutura da apresentação
 Na primeira parte, será abordado rapidamente como se
estrutura a política de salvaguarda de patrimônio cultural
imaterial no governo federal brasileiro.
 Na segunda parte, serão abordados o arcabouço conceitual,
os problemas e os caminhos escolhidos pelo Iphan para a
patrimonialização de comidas. Serão apresentadas também as
ações já realizadas e as ações em curso.
2
A política federal brasileira para
salvaguarda do patrimônio cultural imaterial
3
Marcos legais
 Constituição Federal Brasileira de 1988
 Alargamento do conceito de Patrimônio Cultural
 Decreto 3.551, de 2000
 Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial
que Constituem Patrimônio Cultural Brasileiro. Cria o
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras
providências.
 Convenção da Unesco de 2003
 Ratificada pelo governo brasileiro em 2006
4
As esferas do patrimônio cultural imaterial
 Saberes: conhecimentos e modos de fazer enraizados no
cotidiano das comunidades
 Celebrações: rituais e festas que marcam a vivência coletiva
do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras
práticas da vida social
 Formas de Expressão: manifestações literárias, musicais,
plásticas, cênicas e lúdicas
 Lugares: mercados, feiras, santuários, praças e demais
espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais
coletivas.
5
Instrumentos da política de salvaguarda de PCI
1. Identificação e documentação
Ações de pesquisa, mapeamento, documentação e demais
formas de levantamento de dados sobre a situação dos bens
culturais imateriais no Brasil.
Especialmente através da metodologia de Inventário Nacional
de Referências Culturais (INRC) e desde 2010 também com o
Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).
6
Instrumentos da política de salvaguarda de PCI
2. Reconhecimento
Registro de bens culturais de natureza imaterial em um dos 4
Livros de Registro (Celebrações, Saberes, Formas de
Expressão e Lugares)
Declaração como “Patrimônio Cultural do Brasil”.
Reconhecimento do caráter dinâmico e processual dessas
expressões da cultura através de inscrição provisória para
revalidação a cada 10 anos.
Reconhecimento das línguas como Referência Cultural
Brasileira.
7
Instrumentos da política de salvaguarda de PCI
3. Apoio e fomento
Ações que visam apoiar a continuidade de um bem cultural
de natureza imaterial de modo sustentável. É atuar no
sentido da melhoria das condições sociais e materiais de
transmissão e reprodução que possibilitam sua existência.
São planos e ações de salvaguarda para bens registrados,
ações de salvaguarda emergenciais e também apoio à
execução de projetos de salvaguarda de patrimônio
imateriais não reconhecidos (como os apoiados pelos Editais
de Chamamento Público do Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial - PNPI)
8
A culinária e patrimônio cultural imaterial
9
O alimento e o paladar
Alimento
 Um dado natural
 Uma resposta à fome
 Uma necessidade básica do
homem
 Debate sobre fontes de
proteína e vitamina /
Nutrição
 Conceitos chave:
Alimentação e fome
(Gonçalves, J. R., 2007)
Paladar
 Uma experiência
culturalmente construída
 Uma forma de seleção social
e cultural de determinados
alimentos em detrimento de
outros
 Comidas proibidas x comidas
autorizadas; comidas de festa
x cotidiana; de criança e de
adulto; etc
 Conceitos chave: culinária e
paladar
10
Patrimonializando a culinária
 O foco da patrimonialização estaria na esfera do “paladar”,
das tradições culinárias enraizadas na cultura brasileira.
 O valor patrimonial de comidas, como bens culturais de
natureza imaterial, reside nos processos sociais e simbólicos a
partir dos quais elas ganham função social e significado
cultural.
 Deve-se considerar como e porque alguns itens culinários
desempenham grandes papéis identitários. As comidas são
uma forma de identificação social, pois ocupam posições
dentro de sistemas de relações sociais mais amplos e
coletivamente partilhados.
11
Patrimonializando a culinária
 A partir da decisão proferida na 5ª reunião da Câmara do
Patrimônio Imaterial, a Iphan tem trabalhado na perspectiva
de que o Registro não se destina ao reconhecimento de
receitas de comida (ou de modos de fazer determinado
produto) segundo padrões de autenticidade e originalidade.
12
Patrimonializando a culinária
 As comidas – seu preparo e consumo – são contempladas
enquanto saberes e fazeres construídos nos processos de
sobrevivência, de apropriação e transformação dos recursos
naturais, enquanto formas de sociabilidade reiteradas em
festas e celebrações, ou como práticas coletivas enraizadas no
cotidiano de grupos sociais e que constituem referências
culturais para esses grupos.
13
Sistemas Culinários
 Esse conceito coloca a atenção no caráter estruturado do
sistema e na interdependências de seus elementos
(Gonçalves, J. R., 2002):
• Processos de obtenção de alimentos (caça, pesca, coleta,
agricultura, criação, troca ou comércio)
• Seleção de alimentos (sólidos e líquidos, doces e salgados,
etc)
• Processos de preparação ( cozimento, fritura, temperos,
etc)
• Saberes culinários
• Modos de apresentar e servir os alimentos (marcos pela
formalidade ou pela informalidade)
14
Sistemas Culinários
• Técnicas corporais necessárias ao consumo de alimentos
(maneiras de mesa)
• ‘refeições’; isto é, situações sociais (cotidianas e rituais)
em que se preparam, exibem e consomem determinados
alimentos
• Hierarquia entre as ‘refeições’
• Quem oferece e quem recebe uma ‘refeição’ (cotidiano ou
ritual)
• Classificação entre comidas principais, complementares e
sobremesas
15
Sistemas Culinários
• Equipamentos culinários e como são representados
(espaços, mesas, cadeiras, esteiras, talheres, panelas,
pratos, etc)
• As classificações do paladar
• Modos de se dispor dos restos alimentares, etc
 Segundo Gonçalves (2002), essas operações culinárias são
formas de interação entre técnicas, relações sociais e
representações sociais e culturais. Estão relacionadas às
classificações que ordenam o mundo simbólico dos homens
em suas sociedades.
16
As receitas
 Por essas questões, não cabe tratar de alimentos dentro de
uma perspectiva de “traços culturais”, de tipificação de
determinados itens culinários fundamentais na alimentação
de grupos sociais.
 As receitas, quando levadas para processos de
patrimonialização, reforçam essa perspectiva e levam à
caracterização de áreas culturais através de comidas típicas.
 Ainda que a política do Iphan se afaste dessa perspectiva, é
comum recebermos solicitação da comunidade e do Poder
Legislativo para registro de receitas.
17
Demandas improcedentes
 Dos 34 pedidos de Registro arquivados no Iphan, seja por
impertinência ou por fala de documentação, 9 se referem à
culinária (26%). A maioria foi arquivada porque justificava o
Registro na caracterização de uma comida típica.
 Das 40 indicações da Câmara Legislativa ou projetos de Lei
para declaração como patrimônio cultural imaterial oriundos
do Poder Legislativo, 10 se referem à culinária (25%). Alguns
de manifestações que já estão com processo de
patrimonialização em curso. Grande parte da argumentação
dessas indicações também está pautada na tipificação de
alimentos com determinadas áreas culturais.
 De acordo com a legislação brasileira para salvaguarda de PCI, o poder
legislativo não é parte legítima para provocar processo de Registro
18
Demandas improcedentes
 Essas demandas destacam 3 questões principalmente:
1. O volume de solicitações relativas à culinária denota a
inquestionável centralidade desses elementos como
referência cultural para a população, como elementos
constituidores de identidade social.
2. A necessidade de maiores esclarecimentos para a
comunidade sobre o arcabouço conceitual do patrimônio
cultural imaterial.
3. A indissociabilidade entre processo e produto, entre
imaterial e material. Ainda que o valor patrimonial resida no
processo, a comunidade percebe mais claramente a
importância do resultado do processo, do produto.
19
Demandas em curso
 Um número menor de demandas para Registro como
Patrimônio Cultural do Brasil estão em curso e são
relacionadas à culinária. Dos 30 processos de Registro em
andamento, 3 estão diretamente relacionados com o tema
(10%).
 Existem ainda outros processos de Registro em andamento
que tangenciam o universo culinário, como o pedido de
reconhecimento da Pesca com arpão do Pirarucu, dos Usos e
Práticas relacionadas à Canoas Caiçara, assim como os de
Feiras.
20
Demandas em curso
 Dois dos processos em curso nos levam a discutir algumas
questões relevantes:
 Região Doceira de Pelotas: o recorte do objeto de Registro,
originalmente para o Livro de Saberes, foi reorientado para
o de Lugares devido às características desse bem.
 Produção artesanal e práticas socioculturais associadas à
cajuína no Piauí: suscitou discussões sobre a abrangência
do objeto de Registro entre o “sistema culinário do caju”
no Brasil e a produção e consumo da cajuína no estado do
Piauí.
21
Patrimônio Cultural do Brasil
 Tendo em vista, todas as características do sistema culinário
que comentamos anteriormente, é comum encontrar
comidas, práticas de preparo e comensalidade, como bens
culturais associados a outros bens registrados.
 Por exemplo, a pesquisa para a Festa de Sant’Ana de Caicó,
indicou o preparo e consumo do chouriço como bem
associado. Da mesma forma, o Círio de Nossa Senhora de
Nazaré tem no Pato no Tucupi um importante bem associado.
22
Patrimônio Cultural do Brasil
 Outro exemplo, o Ofício de Paneleira de Goiabeiras se refere a
produção de panela de barro, utensílio muito utilizado no
preparo de moqueca.
 Dos 27 bens culturais de natureza imaterial registrados como
Patrimônio Cultural do Brasil, 3 estão intimamente
relacionados com a culinária brasileira (11%).
23
Ofício das Baianas de Acarajé
Inscrito no Livro de Registro dos Saberes
 É a prática tradicional de produção e venda, em tabuleiro, das
chamadas comidas de baiana, feitas com azeite de dendê e
ligadas ao culto dos orixás, como o acarajé.
 No início da prática, as pessoas que produziam e
comercializavam o acarajé eram iniciadas no candomblé,
numa prática restrita a mulheres filhas-de-santo dedicadas ao
culto de Xangô e Iansã, que através da venda dessas comidas
cumpriam suas obrigações com os orixás.
 Atividade predominantemente feminina e que ocupa os
espaços públicas de cidades como Salvador.
 É um elemento de comunicação simbólica do homem com as
divindades. Realiza assim a intermediação entre o sagrado e o
profano.
24
Ofício das Baianas de Acarajé
Inscrito no Livro de Registro dos Saberes
25
Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas
Inscrito no Livro de Registro dos Saberes
 A produção artesanal de leite cru nas regiões serranas de
Minas Gerais representa até hoje uma alternativa para a
conservação e aproveitamento da produção leiteira regional
em áreas que a geografia limita o escoamento da produção.
 É um conhecimento tradicional de produção artesanal de
queijo que envolve manipulação do leite, dos coalhos, das
massas, tempo de maturação, etc.
 É um conhecimento muito disseminado entre os homens
fazendeiros e pequenos agricultores da região que
transmitem esse conhecimento oralmente para as próximas
gerações
26
Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas
Inscrito no Livro de Registro dos Saberes
27
Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro
Inscrito no Livro de Registro dos Saberes
 Refere-se à criação de gêneros alimentícios de forma a
abarcar o conjunto de fazeres, saberes, assim como espaços
manejados, plantas cultivadas, as formas de transformação
agrícola, a cultura material a maneira de se alimentar.
 É o sistema que vai da roça até os alimentos e seus modos de
consumo.
 Ocorre em contexto multiétnico e multilinguístico no médio e
baixo Rio Negro, envolvendo 22 grupos indígenas. Estes
grupos se articulam em redes de trocas essenciais para a
existência do sistema, assim como de suas comunidades.
 A principal planta manejada é a mandioca brava.
28
Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro
Inscrito no Livro de Registro dos Saberes
29
Os Saberes e a Culinária
 A partir desses exemplos é possível perceber que dentro das
esferas com que o Brasil trabalha na categorização dos
patrimônios culturais imateriais, os “sistemas culinários”
acabam se aproximando das definições de saberes. Também
apareçam associados a outros bens, como celebrações.
 Ainda que, eventualmente, apareçam nas solicitações de
registro, a temática do turismo -- uma área com interface não
só apenas com as culinárias nacionais e regionais, como com
o patrimônio cultural -- não é articulada pela política federal
brasileira.
30
Um exemplo de salvaguarda
 Tomando como exemplo, as demandas para salvaguarda do
Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas, percebemos que,
no caso de sistemas culinários, boa parte das ações e medidas
de salvaguarda estão voltadas para articulação com outras
instâncias do governo de forma a fortalecer a prática, assim
como sua comercialização. Solicita-se também ações de
fomento à Boas Práticas de Produção; estímulo a associações
e formas de organização dos detentores; e ações que visem à
informação sobre a prática e o produto para a sociedade em
geral.
31
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Departamento do Patrimônio Imaterial
SEPS 713/913, bl. D, 4º andar – Asa Sul, Brasília/DF
dpi@iphan.gov.br
(55 61) 20245401
Diana Dianovsky
Técnica da Coordenação de Registro
diana.dianovsky@iphan.gov.br
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6 patrimonializando a culinária

  • 1. PATRIMONIALIZANDO A CULINÁRIA: relato da experiência brasileira Seminario Patrimonio Cultural Inmaterial: Gestión Turística del Patrimonio cultural inmaterial Valparaíso, 17 de abril de 2013 1
  • 2. Estrutura da apresentação  Na primeira parte, será abordado rapidamente como se estrutura a política de salvaguarda de patrimônio cultural imaterial no governo federal brasileiro.  Na segunda parte, serão abordados o arcabouço conceitual, os problemas e os caminhos escolhidos pelo Iphan para a patrimonialização de comidas. Serão apresentadas também as ações já realizadas e as ações em curso. 2
  • 3. A política federal brasileira para salvaguarda do patrimônio cultural imaterial 3
  • 4. Marcos legais  Constituição Federal Brasileira de 1988  Alargamento do conceito de Patrimônio Cultural  Decreto 3.551, de 2000  Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que Constituem Patrimônio Cultural Brasileiro. Cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.  Convenção da Unesco de 2003  Ratificada pelo governo brasileiro em 2006 4
  • 5. As esferas do patrimônio cultural imaterial  Saberes: conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades  Celebrações: rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social  Formas de Expressão: manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas  Lugares: mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. 5
  • 6. Instrumentos da política de salvaguarda de PCI 1. Identificação e documentação Ações de pesquisa, mapeamento, documentação e demais formas de levantamento de dados sobre a situação dos bens culturais imateriais no Brasil. Especialmente através da metodologia de Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) e desde 2010 também com o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL). 6
  • 7. Instrumentos da política de salvaguarda de PCI 2. Reconhecimento Registro de bens culturais de natureza imaterial em um dos 4 Livros de Registro (Celebrações, Saberes, Formas de Expressão e Lugares) Declaração como “Patrimônio Cultural do Brasil”. Reconhecimento do caráter dinâmico e processual dessas expressões da cultura através de inscrição provisória para revalidação a cada 10 anos. Reconhecimento das línguas como Referência Cultural Brasileira. 7
  • 8. Instrumentos da política de salvaguarda de PCI 3. Apoio e fomento Ações que visam apoiar a continuidade de um bem cultural de natureza imaterial de modo sustentável. É atuar no sentido da melhoria das condições sociais e materiais de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência. São planos e ações de salvaguarda para bens registrados, ações de salvaguarda emergenciais e também apoio à execução de projetos de salvaguarda de patrimônio imateriais não reconhecidos (como os apoiados pelos Editais de Chamamento Público do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial - PNPI) 8
  • 9. A culinária e patrimônio cultural imaterial 9
  • 10. O alimento e o paladar Alimento  Um dado natural  Uma resposta à fome  Uma necessidade básica do homem  Debate sobre fontes de proteína e vitamina / Nutrição  Conceitos chave: Alimentação e fome (Gonçalves, J. R., 2007) Paladar  Uma experiência culturalmente construída  Uma forma de seleção social e cultural de determinados alimentos em detrimento de outros  Comidas proibidas x comidas autorizadas; comidas de festa x cotidiana; de criança e de adulto; etc  Conceitos chave: culinária e paladar 10
  • 11. Patrimonializando a culinária  O foco da patrimonialização estaria na esfera do “paladar”, das tradições culinárias enraizadas na cultura brasileira.  O valor patrimonial de comidas, como bens culturais de natureza imaterial, reside nos processos sociais e simbólicos a partir dos quais elas ganham função social e significado cultural.  Deve-se considerar como e porque alguns itens culinários desempenham grandes papéis identitários. As comidas são uma forma de identificação social, pois ocupam posições dentro de sistemas de relações sociais mais amplos e coletivamente partilhados. 11
  • 12. Patrimonializando a culinária  A partir da decisão proferida na 5ª reunião da Câmara do Patrimônio Imaterial, a Iphan tem trabalhado na perspectiva de que o Registro não se destina ao reconhecimento de receitas de comida (ou de modos de fazer determinado produto) segundo padrões de autenticidade e originalidade. 12
  • 13. Patrimonializando a culinária  As comidas – seu preparo e consumo – são contempladas enquanto saberes e fazeres construídos nos processos de sobrevivência, de apropriação e transformação dos recursos naturais, enquanto formas de sociabilidade reiteradas em festas e celebrações, ou como práticas coletivas enraizadas no cotidiano de grupos sociais e que constituem referências culturais para esses grupos. 13
  • 14. Sistemas Culinários  Esse conceito coloca a atenção no caráter estruturado do sistema e na interdependências de seus elementos (Gonçalves, J. R., 2002): • Processos de obtenção de alimentos (caça, pesca, coleta, agricultura, criação, troca ou comércio) • Seleção de alimentos (sólidos e líquidos, doces e salgados, etc) • Processos de preparação ( cozimento, fritura, temperos, etc) • Saberes culinários • Modos de apresentar e servir os alimentos (marcos pela formalidade ou pela informalidade) 14
  • 15. Sistemas Culinários • Técnicas corporais necessárias ao consumo de alimentos (maneiras de mesa) • ‘refeições’; isto é, situações sociais (cotidianas e rituais) em que se preparam, exibem e consomem determinados alimentos • Hierarquia entre as ‘refeições’ • Quem oferece e quem recebe uma ‘refeição’ (cotidiano ou ritual) • Classificação entre comidas principais, complementares e sobremesas 15
  • 16. Sistemas Culinários • Equipamentos culinários e como são representados (espaços, mesas, cadeiras, esteiras, talheres, panelas, pratos, etc) • As classificações do paladar • Modos de se dispor dos restos alimentares, etc  Segundo Gonçalves (2002), essas operações culinárias são formas de interação entre técnicas, relações sociais e representações sociais e culturais. Estão relacionadas às classificações que ordenam o mundo simbólico dos homens em suas sociedades. 16
  • 17. As receitas  Por essas questões, não cabe tratar de alimentos dentro de uma perspectiva de “traços culturais”, de tipificação de determinados itens culinários fundamentais na alimentação de grupos sociais.  As receitas, quando levadas para processos de patrimonialização, reforçam essa perspectiva e levam à caracterização de áreas culturais através de comidas típicas.  Ainda que a política do Iphan se afaste dessa perspectiva, é comum recebermos solicitação da comunidade e do Poder Legislativo para registro de receitas. 17
  • 18. Demandas improcedentes  Dos 34 pedidos de Registro arquivados no Iphan, seja por impertinência ou por fala de documentação, 9 se referem à culinária (26%). A maioria foi arquivada porque justificava o Registro na caracterização de uma comida típica.  Das 40 indicações da Câmara Legislativa ou projetos de Lei para declaração como patrimônio cultural imaterial oriundos do Poder Legislativo, 10 se referem à culinária (25%). Alguns de manifestações que já estão com processo de patrimonialização em curso. Grande parte da argumentação dessas indicações também está pautada na tipificação de alimentos com determinadas áreas culturais.  De acordo com a legislação brasileira para salvaguarda de PCI, o poder legislativo não é parte legítima para provocar processo de Registro 18
  • 19. Demandas improcedentes  Essas demandas destacam 3 questões principalmente: 1. O volume de solicitações relativas à culinária denota a inquestionável centralidade desses elementos como referência cultural para a população, como elementos constituidores de identidade social. 2. A necessidade de maiores esclarecimentos para a comunidade sobre o arcabouço conceitual do patrimônio cultural imaterial. 3. A indissociabilidade entre processo e produto, entre imaterial e material. Ainda que o valor patrimonial resida no processo, a comunidade percebe mais claramente a importância do resultado do processo, do produto. 19
  • 20. Demandas em curso  Um número menor de demandas para Registro como Patrimônio Cultural do Brasil estão em curso e são relacionadas à culinária. Dos 30 processos de Registro em andamento, 3 estão diretamente relacionados com o tema (10%).  Existem ainda outros processos de Registro em andamento que tangenciam o universo culinário, como o pedido de reconhecimento da Pesca com arpão do Pirarucu, dos Usos e Práticas relacionadas à Canoas Caiçara, assim como os de Feiras. 20
  • 21. Demandas em curso  Dois dos processos em curso nos levam a discutir algumas questões relevantes:  Região Doceira de Pelotas: o recorte do objeto de Registro, originalmente para o Livro de Saberes, foi reorientado para o de Lugares devido às características desse bem.  Produção artesanal e práticas socioculturais associadas à cajuína no Piauí: suscitou discussões sobre a abrangência do objeto de Registro entre o “sistema culinário do caju” no Brasil e a produção e consumo da cajuína no estado do Piauí. 21
  • 22. Patrimônio Cultural do Brasil  Tendo em vista, todas as características do sistema culinário que comentamos anteriormente, é comum encontrar comidas, práticas de preparo e comensalidade, como bens culturais associados a outros bens registrados.  Por exemplo, a pesquisa para a Festa de Sant’Ana de Caicó, indicou o preparo e consumo do chouriço como bem associado. Da mesma forma, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré tem no Pato no Tucupi um importante bem associado. 22
  • 23. Patrimônio Cultural do Brasil  Outro exemplo, o Ofício de Paneleira de Goiabeiras se refere a produção de panela de barro, utensílio muito utilizado no preparo de moqueca.  Dos 27 bens culturais de natureza imaterial registrados como Patrimônio Cultural do Brasil, 3 estão intimamente relacionados com a culinária brasileira (11%). 23
  • 24. Ofício das Baianas de Acarajé Inscrito no Livro de Registro dos Saberes  É a prática tradicional de produção e venda, em tabuleiro, das chamadas comidas de baiana, feitas com azeite de dendê e ligadas ao culto dos orixás, como o acarajé.  No início da prática, as pessoas que produziam e comercializavam o acarajé eram iniciadas no candomblé, numa prática restrita a mulheres filhas-de-santo dedicadas ao culto de Xangô e Iansã, que através da venda dessas comidas cumpriam suas obrigações com os orixás.  Atividade predominantemente feminina e que ocupa os espaços públicas de cidades como Salvador.  É um elemento de comunicação simbólica do homem com as divindades. Realiza assim a intermediação entre o sagrado e o profano. 24
  • 25. Ofício das Baianas de Acarajé Inscrito no Livro de Registro dos Saberes 25
  • 26. Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas Inscrito no Livro de Registro dos Saberes  A produção artesanal de leite cru nas regiões serranas de Minas Gerais representa até hoje uma alternativa para a conservação e aproveitamento da produção leiteira regional em áreas que a geografia limita o escoamento da produção.  É um conhecimento tradicional de produção artesanal de queijo que envolve manipulação do leite, dos coalhos, das massas, tempo de maturação, etc.  É um conhecimento muito disseminado entre os homens fazendeiros e pequenos agricultores da região que transmitem esse conhecimento oralmente para as próximas gerações 26
  • 27. Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas Inscrito no Livro de Registro dos Saberes 27
  • 28. Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro Inscrito no Livro de Registro dos Saberes  Refere-se à criação de gêneros alimentícios de forma a abarcar o conjunto de fazeres, saberes, assim como espaços manejados, plantas cultivadas, as formas de transformação agrícola, a cultura material a maneira de se alimentar.  É o sistema que vai da roça até os alimentos e seus modos de consumo.  Ocorre em contexto multiétnico e multilinguístico no médio e baixo Rio Negro, envolvendo 22 grupos indígenas. Estes grupos se articulam em redes de trocas essenciais para a existência do sistema, assim como de suas comunidades.  A principal planta manejada é a mandioca brava. 28
  • 29. Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro Inscrito no Livro de Registro dos Saberes 29
  • 30. Os Saberes e a Culinária  A partir desses exemplos é possível perceber que dentro das esferas com que o Brasil trabalha na categorização dos patrimônios culturais imateriais, os “sistemas culinários” acabam se aproximando das definições de saberes. Também apareçam associados a outros bens, como celebrações.  Ainda que, eventualmente, apareçam nas solicitações de registro, a temática do turismo -- uma área com interface não só apenas com as culinárias nacionais e regionais, como com o patrimônio cultural -- não é articulada pela política federal brasileira. 30
  • 31. Um exemplo de salvaguarda  Tomando como exemplo, as demandas para salvaguarda do Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas, percebemos que, no caso de sistemas culinários, boa parte das ações e medidas de salvaguarda estão voltadas para articulação com outras instâncias do governo de forma a fortalecer a prática, assim como sua comercialização. Solicita-se também ações de fomento à Boas Práticas de Produção; estímulo a associações e formas de organização dos detentores; e ações que visem à informação sobre a prática e o produto para a sociedade em geral. 31
  • 32. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Departamento do Patrimônio Imaterial SEPS 713/913, bl. D, 4º andar – Asa Sul, Brasília/DF dpi@iphan.gov.br (55 61) 20245401 Diana Dianovsky Técnica da Coordenação de Registro diana.dianovsky@iphan.gov.br 32