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OPORTUNIDADES
PARA UMA NOVA VIDA
Trabalho de Conclusão de Curso de
Pós Graduação em Design Estratégico e Inovação
São Paulo | 2016
Camila Pons
Clarissa Dornelas
Lucas Missi
Odilon Queiroz
YALLA JOBS - oportunidades para uma nova vida
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à banca examinadora
como exigência para a obtenção
do título de Pós Graduação em
Design Estratégico e Inovação, do
IED-São Paulo
Coordenadores:
Francisco Albuquerque
Orientadores:
Prof. Jaakko Tammela
Prof. José Carlos Carreira
Prof. Rodrigo Vilalba Caniza
Camila Pons
Clarissa Dornelas
Lucas Missi
Odilon Queiroz
YALLA JOBS - oportunidades para uma nova vida
AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA
Agradecemos à todas as pessoas que participaram da nossa trajetória durante
o processo de desenvolvimento do projeto de conclusão do curso e nos deram
suporte, força e conhecimento para que fosse possível realizá-lo.
Às nossas famílias que nos deram suporte e nos trouxeram até aqui.
Aos nossos colegas de sala e professores que durante todo esse tempo de
curso compartilharam conhecimentos e experiências conosco.
Mas, principalmente, à todas as instituições, ONG’s e refugiados que
permitiram nos aproximar e coletar as informações possíveis para que o
trabalho existisse, além de compartilharem suas histórias e vivências que
enriqueceram o projeto e nossas experiências pessoais.
Aos refugiados que, assim como tantos outros no
passado, enxergam no Brasil a possibilidade de uma
vida digna e um futuro próspero.
O projeto propõe-se a elaborar uma pesquisa acadêmica cuja abordagem é a
recente onda de refugiados no Brasil, os impactos futuros e as oportunidades
e políticas para geração de renda. Para isso, a análise foi desenvolvida a partir
do entendimento histórico do movimento de imigração síria, sendo este o povo
escolhido como objeto de estudo, para esclarecer as motivações e compreensão
do cenário da atual crise migratória.
O entendimento do contexto em que os sírios estão inseridos encaminhou o
grupo para a definição das barreiras socioeconômicas e culturais que influen-
ciam diretamente na busca por um trabalho. A partir das diretrizes da disciplina
de Design Estratégico, com abordagens do Design Thinking e seus métodos, foi
idealizada uma solução para gerar renda através do empoderamento, posterior-
mente aplicada e testada pelo grupo. O resultado esperado é uma plataforma
intuitiva, centralizadora de conexões e um serviço de utilidade pública.
Palavras-chave: Movimentos migratórios, refugiados, empoderamento,
imigração síria, oportunidade, trabalho.
This project proposes to develop an academic research whose approach is the 	
current migratory fluxes coming to Brasil, also the future impacts and oppor-
tunities for income generation. Due to this aspects, this analysis was developed
from the historical understanding of Syrian migratory movement, and this peo-
ple was chosen to be the focus of study, to clarify the motivations and unders-
tand the current humanitarian Crisis.
To Comprehend the context in which the Syrians are inserted leads the group to
define sociocultural and economical issues that directly influence a job search.
From Strategic Design point of view, following the guidelines of Design Thinking
method, it was created a solution tested and applied by the group, to contribute
for income generation by empowering the refugee. The expected result is an
intuitive platform that centralizes connections and also a service of public use-
fulness.
Key-words: Migration, refugees, empowerment, Syrian Crisis, Opportunity, work.
RESUMO ABSTRACT
30 52 62 76 120 124
53
40
66 77
60 68
79
81
88
108
SUMÁRIO
4.1 As dificuldades para
geração de renda	
4.2 Empoderamento e
ativação dos potenciais	
3.4 As barreiras para
a inclusão social	
5.1 Empreendedorismo
e inovação social	
5.2 Fluxonomia 4D	
PROBLEMATIZAÇÃO	 DESIGN COMO UMA
FERRAMENTA SOCIAL	
CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFICAS
PROJETO DE DESIGN
6.1 Metodologia de Projeto
6.1.1 Discover
6.1.2 Define
6.1.3 Develop
6.1.4 Deliver
INTRODUÇÀO A IMIGRAÇÃO
SÍRIA NO BRASIL
REFUGIADOS SÍRIOS:
UMA NOVA ONDA DE
IMIGRAÇÃO
12 18
19 31
2.1 Os primeiros
conflitos na Síria	
3.1 Panorama Geopolítico:
a Guerra na Síria
21 35
2.2 O sírio enquanto
imigrante no Brasil e sua
instalação em São Paulo
3.2 Refugiados sírios:
uma nova onda de
imigração	
25 38
2.3 A inserção
da cultura síria na cidade
de São Paulo
3.3 O perfil do
refugiado sírio
12 13
CAPÍTULO 1
O projeto aborda como tema a chegada de uma nova onda de refugiados
sírios e suas relações sociais na cidade de São Paulo. Este tema surge a par-
tir das possibilidades que o Design Estratégico consegue acrescentar a um
projeto com foco na inserção econômica dos refugiados sírios.
Uma análise preliminar de contexto indica ao grupo uma problemática de
pesquisa que traz a reflexão quanto ao potencial da identidade cultural dos
refugiados sírios como um elemento para gerar renda para os mesmos den-
tro de um ambiente de alta diversidade e multiculturalidade como é São
Paulo.
Para iniciar o projeto de pesquisa, são levantadas algumas hipóteses base-
adas nas mesmas análises preliminares que direcionaram à problemática. A
primeira delas surge da retomada de um histórico da imigração sírio-libanesa
no Brasil e as heranças que surgiram dessas primeiras ondas como um meio
para facilitar a integração dos refugiados sírios que chegam agora na cidade.
Em seguida, o projeto de pesquisa trata de uma hipótese quanto às poucas
políticas públicas destinadas ao suporte dos imigrantes recém-chegados
que recebem mais suporte de instituições e entidades não governamen-
tais do que do próprio governo que os aceita no país. Outra hipótese traz a
identidade cultural dos sírios como uma possibilidade de tornarem-se um
ativo econômico de forma a facilitar sua integração no contexto social, além
de romper com eventuais barreiras culturais e estabelecer redes de contatos
plurais. Por fim, aborda-se o Design Estratégico e suas características multi-
disciplinares como uma disciplina promissora para o desenvolvimento de um
projeto de geração de renda levando em consideração as necessidades dos
atuais refugiados sírios.
14 15
Os objetivos desse projeto serão apresentados em dois
níveis, sendo que o primeiro trata de uma maneira geral
sobre o que se espera deste projeto e o segundo aborda
os níveis mais específicos e que guiam as pesquisas para
a concepção das solução apresentadas. Apresentam-
-se como objetivos gerais: identificar oportunidades de
inovação dentro da economia criativa, partindo da po-
tencial identidade cultural como representação de um
elemento de geração de renda própria da população em
estudo; estabelecer uma conexão entre entidades que
dão apoio aos refugiados, à comunidade sírio-libanesa
e aos possíveis interessados pela cultura árabe; por fim,
a elaboração de um projeto de design para promover a
integração econômica dos refugiados sírios hoje em São
Paulo por meio de sua identidade cultural e mobilização
de redes multiculturais de apoio.
Para atingir esses objetivos, é necessário elaborar um
panorama histórico sobre as ondas de imigração síria
anteriores até o atual movimento; entender quais foram
e quais são os atuais estereótipos atribuídos aos refu-
giados sírios por parte dos paulistanos; compreender a
atual estrutura de assistência e apoio social ao imigrante
sírio existente em São Paulo; compreender quais as di-
ficuldades que os refugiados sírios enfrentam ao che-
garem ao Brasil; mapear a média do nível educacional e
profissional dos imigrantes sírios para avaliar as possí-
veis formas para geração de renda; identificar as princi-
pais barreiras culturais que inibem os refugiados sírios a
se inserirem no contexto social de São Paulo; e entender
as particularidades da cultura síria para identificar opor-
tunidades de inovação inseridas em formas alternativas
de economia.
Justifica-se esse projeto, primeiramente, pelo estudo
dos movimentos imigratórios ser um assunto de inte-
resse do grupo e que expõe uma realidade de escassas
estruturas para o recebimento de refugiados no Brasil.
Além disso, foram observadas poucas práticas eficien-
tes quanto ao assunto, o que despertou a vontade do
grupo em atender um propósito real para elaboração do
projeto de conclusão de curso e instigou pela busca de
uma solução viável e eficiente para a comunidade síria.
No âmbito social, foi visto que, nos últimos anos, houve
um grande aumento da demanda de acolhimento de re-
fugiados no Brasil. Apesar de certas facilitações em re-
cebê-los, pouco se faz para garantir que os refugiados
tenham condições para o seu desenvolvimento econô-
mico e social após sua chegada. Baseado em estudos
que ajudam a compreender os movimentos imigratórios
e, principalmente, as ondas de imigração síria, preten-
deu-se estabelecer um modelo de projeto que seja pos-
sível ser replicado para demais nacionalidades de refu-
giados.
Para atender o viés acadêmico, o grupo utilizou-se do
design estratégico como um recurso para inovação so-
cial, ampliando as oportunidades de inserção econômica
dos refugiados sírios em São Paulo. A partir de um pro-
jeto de design eficiente e, ao mesmo tempo, cuidadoso
quanto à relação que o refugiado estabelece com a ci-
dade, o grupo buscou desenvolver uma solução com ali-
cerce na cultura síria e nas atividades da economia cria-
tiva para propor uma alternativa que auxilie na geração
de renda dessas pessoas.
Antes de adentrar os capítulos que contextualizam o
projeto de design, é preciso deixar claro quais são os
objetos de estudo e as abordagens que são destinadas
a eles. O projeto busca focar-se em soluções de design
estratégico para o refugiados sírios que, apesar de se
deslocarem para outros países, possuem diferenças fun-
damentalmente distintas e são tratados de maneira di-
ferente perante a lei em comparação aos migrantes.
De acordo com a ACNUR, Agência da ONU para Refu-
giados, são migrantes aqueles que decidem se deslocar
para melhorar suas perspectivas e de suas famílias. No
caso dos refugiados, são aqueles que necessitam deslo-
car-se para salvar suas vidas ou preservar sua liberdade.
Vivem em situações de risco e não possuem proteção
de seu próprio Estado, quando não é esse que muitas
vezes ameaça persegui-los.
Para tornar mais clara a diferença entre os dois termos,
em 1951, surgiu a Convenção dos Refugiados, estabe-
lecida pela ACNUR. A convenção determina que um
refugiado é alguém que “temendo ser perseguido por
motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou
opiniões políticas, se encontra fora do país de sua na-
cionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor,
não quer valer-se da proteção desse país”. Ainda na Con-
venção, estabelece-se a relação que o país que recebe o
refugiado deve cumprir, dizendo que “nenhum país deve
expulsar ou “devolver” um refugiado, contra a vontade
do mesmo, em quaisquer ocasiões, para um território
onde ele ou ela sofra perseguição”.
Compreendendo as diferenças desses dois atores, é
hora de apresentar os capítulos que virão, iniciando-se
com um contexto histórico que, de maneira breve, abor-
da a Síria e seus primeiros conflitos, passando por um
entendimento das primeiras ondas de imigração síria e
finalizando com a inserção da cultura síria na cidade de
São Paulo e as heranças sírias na construção de uma cul-
tura paulistana.
Após a abordagem histórica, é o momento de retomar
ao panorama geopolítico da Síria, porém no atual con-
texto de Guerra Civil. Tendo em vista que isso ajuda a
desenhar um perfil do sírio que chega nessa nova onda
de imigração, caracterizada pelos refugiados, e sua jor-
16 17
nada até chegar em São Paulo para, então, compreen-
der a atual condição do refugiado e as barreiras presen-
tes para a inclusão social do mesmo.
Tendo o entendimento do macro cenário histórico, as
heranças culturais e como isso influenciou a chegada
dos refugiados sírios no Brasil, além das condições e di-
ficuldades que são encontradas hoje nesse movimento
migratório, é possível definir o problema a ser resolvi-
do nesse projeto de design com foco nas possibilidades
quanto à geração de rendas alternativas que ajudem o
refugiado a se estabelecer em São Paulo e conquistar
sua independência financeira para seu sustento e de sua
família, além de contribuir para a economia da cidade.
O grupo identifica, como caminhos possíveis para o de-
senvolvimento da solução de design, os conceitos de
economia criativa, inovação social e o empreendedoris-
mo, que tem papel relevante como suporte para o de-
senvolvimento do projeto e embasamento teórico.
Por fim, o projeto desenvolvido é apresentado a partir
das metodologias que seguem as principais bases da
disciplina de Design Estratégico, com o Design Thinking
sendo a disciplina básica para seu desenvolvimento e
resultando em um modelo de negócio para promover
formas para que o refugiado esteja mais próximo das
oportunidades de geração de renda.
18 19
CAPÍTULO 2
A PARTIR DO
SÉCULO XIX
O processo exploratório quanto ao tema do projeto dá-
-se primeiramente em compreender as origens dos con-
flitos na Síria que influenciam até hoje a situação política
no território e que têm motivado tantas pessoas a dei-
xarem suas casas e passarem a fazer parte das estatísti-
cas dessa nova onda de imigração.
O entendimento quanto quem foram os primeiros mi-
grantes sírios no Brasil, de onde se formou uma comu-
nidade sírio-libanesa tão forte, principalmente em São
Paulo, também é explorado e contextualizado. Obser-
va-se que a influência árabe em geral foi essencial para
a formação da cidade de São Paulo, e esse fator é de
extrema relevância ao entender que esta é a cidade de
foco para a chegada dos refugiados.
O processo de integração dos imigrantes desde o fim
do século XIX teve influência direta para a concepção da
cultura paulista existente hoje. Desde palavras que fa-
zem parte do vocabulário até a comida de rua encontra-
da a cada esquina são exemplo de como a cultura síria
foi inserida na cultura brasileira, especialmente em São
Paulo. Tendo em mãos o contexto histórico do qual o
tema do projeto se deriva, é possível compreender me-
lhor questões que se mantêm até hoje e retirar apren-
dizados enriquecedores quanto à relação daqueles mi-
grantes com São Paulo.
2.1 - OS PRIMEIROS
CONFLITOS NA SÍRIA
A região da Síria é considerada local das mais antigas
civilizações no mundo, e sua história de formação en-
quanto nação é composta pela passagem e domínio de
diversos povos que ajudaram na construção dos prin-
cipais elementos da cultura síria. Sua capital, Damasco,
está entre as mais antigas cidades habitadas por um pe-
ríodo contínuo1
.
Dentre essas passagens, também se originaram diver-
sos conflitos e guerras, tornando a Síria um terreno de
instabilidade contínua. Tais conflitos atravessaram os
tempos, marcados por grandes impérios como o Califa-
do Omíada - um dos principais califados islâmicos - e o
Otomano - que representou o estado muçulmano mais
importante da era moderna.
Chegando à história moderna da Síria, após a Primeira
Guerra Mundial, a França dominou o país durante 20
anos até que sua independência oficial fosse conquis-
tada em 1945, junto ao fim da Segunda Guerra Mundial.
1 	 Mundo Estranho, Abril – As Cidades mais antigas do mundo Dis-
ponível em: <http:/
/mundoestranho.abril.com.br/materia/top-10-a-cidades-
-mais-antigas-do-mundo>. Acesso em 10 de maio de 2016.
20 21
No anos seguintes, enquanto república, o país passou a
sofrer com golpes militares, que tiveram como consequ-
ência a eclosão de mais conflitos internos. Esses momen-
tos de tensão deram espaço ao surgimento do Partido
Baath, que marcou a história contemporânea da Síria.
Fundado em 1947, logo após a independência Síria, o
partido surgiu a partir da ideologia do Baathismo, que
buscava promover a unificação do mundo árabe em um
único Estado. O lema do partido era composto pelos
termos “Unidade, Liberdade, Socialismo” e referia-se à
unidade árabe, liberdade de controle e interferências
não-árabes.
Ao longo dos próximos anos de sua fundação, o Parti-
do Baath se envolveu em diversos desacordos políticos
com outros partidos já existentes na época. Os princi-
pais atuantes eram o tradicionalista Partido Popular
(PP), o Partido Socialista Árabe - que se juntou com o
Partido Baath no ano de 1953 - e o Partido Comunista
Sírio, que, junto aos partidos tradicionalistas da época
e ao próprio Partido Baath, assinou o Pacto Nacional,
criando um governo de unidade que levaria à criação da
República Árabe Unida (RAU) - a união entre as repú-
blicas do Egito e Síria. Esse movimento durou cerca de
3 anos e entrou em colapso por conta de uma gestão
ineficiente por causa dos conflitos de interesse entre os
partidos integrantes.
Após esse marco, o Partido Socialista Baath se fortale-
ceu na Síria, e as diversas articulações lideradas por ele
resultaram em mais um golpe de governo, conhecido
como o Golpe de Estado de 1966, liderado pelo Comitê
Militar de Hafez al-Assad.
Todos esses conflitos impactaram e influenciaram a atu-
al situação de guerra da Síria, que é o principal motivador
para o movimento de refugiados sírios estudados nesse
projeto. A partir de al-Assad, a história do partido segue
para um contexto contemporâneo que será detalhado
no capítulo 3 ao abordar o panorama geopolítico atual
da Síria com foco na Guerra Civil, iniciada em 2011 e que
permanece até hoje como motivador das novas ondas
de imigração síria. Mas antes de abordar o que acontece
atualmente na Síria e os movimentos de refugiados para
o Brasil, será apresentado um breve contexto quanto às
primeiras ondas de imigração árabe e a inserção dessa
cultura na cidade de São Paulo.
2.2 - O SÍRIO ENQUANTO
IMIGRANTE NO BRASIL E SUA
INSTALAÇÃO EM SÃO PAULO
O final do século XIX é marcado pelos principais movi-
mentos imigratórios árabes no Brasil. A situação econô-
mica global na época somada às políticas de incentivo
à imigração aumentaram o que antes eram pequenos
fluxos imigratórios para levas contínuas que desembar-
cavam no país.
Observa-se o deslocamento árabe em duas grandes
etapas: segundo os estudos da pesquisadora Claude
Fahd Hajjar, a primeira inicia-se por volta de 1860/1870
e se encerra com o início da Segunda Guerra Mundial.
A segunda etapa teve início no pós-guerra, em 1945, e
continua até os dias atuais.
Um importante ícone da época foi a Hospedaria dos Imi-
grantes, situada no bairro do Brás em São Paulo. O loca
teve grande relevância nesse momento, pois, além de
acolher os imigrantes recém-chegados, também os en-
caminhava às oportunidades e negócios na região, tor-
nando São Paulo um dos principais polos de mercado de
trabalho no país.
22 23
Com esse contingente desembarcando em São Paulo, a
cidade já desenvolvia estruturas suficientes para o início
de sua industrialização e do comércio, havendo capital
necessário para circulação de moedas e um mercado
consumidor que ajudava a estabelecer uma infraestru-
tura urbana na cidade.
O resultado desses movimentos foi uma explosão de-
mográfica que determinaria as configurações urbanas
atuais ao dividir a cidade em bairros e destinar a eles
suas funções dentro da dinâmica urbana. Além disso,
os bairros cumpriam o papel de destino e identificação
para as diversas etnias que se somavam a cada leva de
imigrantes.
O bairro ocupou um papel importante como meio para
reconstruir a noção de comunidade entre os imigrantes
de cada país. Cada bairro era constituído pela predomi-
nância de uma nacionalidade, representava um ambien-
te familiar em que era possível voltar a ter contato com a
língua de origem, os costumes e a cultura de seus países.
Mas antes mesmo da formação dos bairros, próximo da
virada para o século XX, os sírios já chegavam ao Brasil.
Esse movimento costumava ser determinado principal-
mente por já existir uma conexão familiar que os encora-
java a vir buscar oportunidades para melhorar as condi-
ções financeiras no solo brasileiro.
Poucas fontes apontam com precisão a chegada dos
primeiros sírios no país. Segundo o Boletim do Ministério
do Trabalho, os primeiros “turcos”, como eram chamados
na época, datam de 1871.
O termo “turco” era usado de maneira oficial e surgiu por
conta do domínio do Império Turco Otomano na época
que emitia passaportes com essa nacionalidade. Apesar
do termo parar de ser usado oficialmente para denomi-
nar os povos dessa região em 1892, permaneceu como
uma herança popular para se referir a quem veio tanto
da Síria quanto do Líbano. Este era um termo não apre-
ciado pelos sírios e libaneses que tiveram como motiva-
ção para saírem de sua terra natal o domínio Otomano.
Em um trecho do livro de Jorge Amado, Gabriela Cravo e
Canela, o personagem de Nacib demonstra seu descon-
tentamento e até o tom de ofensa quando chamado de
“turco” em um dos seus diálogos:
“De árabe e turco muitos o tratavam, é bem ver-
dade. Mas o faziam exatamente seus melhores
amigos e o faziam numa expressão de carinho,
de intimidade. De turco ele não gostava que o
chamassem, repelia irritado o apodo, por vezes
chegava a se aborrecer: - Turco é a mãe! - Mas,
Nacib... - Tudo que quiser, menos turco. Brasi-
leiro – batia com a mão enorme no peito ca-
beludo – filho de sírios, graças a Deus. - Árabe,
turco, sírio, é tudo a mesma coisa. - A mesma
coisa, um corno! Isso é ignorância sua. É não co-
nhecer história e geografia [...] - Ora, Nacib, não
se zangue. Não foi para lhe ofender. É que es-
sas coisas das estranjas pra gente é tudo igual...”
(AMADO, Jorge, 1975, p. 43-45).
Desde o início do movimento imigratório árabe, os cen-
tros urbanos eram a preferência. Segundo os estudos
apresentados por Knowlton (1960), 83% da população
árabe do Estado de São Paulo, em 1934, era classificada
como urbana.
Seguindo os estudos de Oswaldo Truzzi (2001) sobre a
imigração dos sírios para o Brasil levanta-se a hipótese
de que eles já chegavam com um propósito de perma-
necer temporariamente com a intenção de acumular ca-
pital suficiente para voltar à sua terra e melhorar a condi-
ção de vida de sua família. Por conta disso, muitos deles
iniciavam suas atividades econômicas como mascates
- denominação utilizada para referir-se aos comercian-
tes itinerantes. Essa atividade permitia que eles traba-
lhassem por conta própria e tivessem autonomia para
gerar sua própria renda, além de colocá-los em contato
com os brasileiros e, assim, terem acesso fácil à língua
portuguesa, ampliando ainda mais as oportunidades de
venda.
O comércio tornou-se a principal atividade do árabe no
Brasil nos meados do século XX, no entanto, com o de-
senvolvimento da atividade, os mascates deixaram de
ser ambulantes e começaram a criar raízes em regiões
específicas da cidade, como foi o caso da rua 25 de Mar-
ço. Segundo Knowlton (1960), a principal razão para a
rua ser escolhida pelos sírios e libaneses na época deve-
-se à existência de uma pequena comunidade árabe já
instalada no local que dava assistência aos compatriotas
recém-chegados. Essa assistência incluía desde o rece-
bimento deles no porto de Santos até o ensinamento
dos principais termos da língua portuguesas para iniciar
a atividade de mascate. Desde então, nota-se o papel
ativo da comunidade síria e sua importância para o es-
tabelecimento de novos imigrantes e progresso econô-
mico e social de muitos deles em São Paulo.
Aqueles que prosperaram por meio do mascate, abri-
ram grandes estabelecimentos comerciais na região da
rua 25 de Março e passaram a investir também no setor
industrial. Esse progresso foi essencial para estabelecer
uma comunidade árabe fixa no Brasil que, no final do
século XX, já enxergava o país como a possibilidade de
lar permanente.
A força da comunidade influenciou também na estrutura
econômica desses imigrantes, que se desenvolvia de um
modo praticamente autossuficiente, em que aqueles que
24 25
se encontravam em melhores condições evoluíam seu pe-
queno comércio para lojas de atacado, para então indús-
trias que produziam e forneciam novos produtos para os
recém-chegados que ainda estavam se estabelecendo. O
principal produto comercializado nesse meio era aquele
provido da indústria têxtil, como roupas, fitas, rendas e
bordados. Essa estrutura funcionava como uma engrena-
gem para o fortalecimento da comunidade árabe.
A atividade comercial era rentável e suficiente para que
esses imigrantes se envolvessem em outros setores da
economia, como os movimentos operários e a política.
Como citaAlípio Goulart em seu livro O Mascate no Brasil:
“Os mascates não se envolviam em políti-
cas, nem com partidos políticos. Seu interes-
se resumia-se no seu comércio, e, para fa-
zê-lo livremente, precisavam estar bem com
todos. Dificilmente se aponta um mercador sí-
rio ou libanês envolvido em questões políticas”.
(GOULART, Alípio, 1967, p. 123)
Retomando ao que é apresentado por Knowlton (1960),
existe uma jornada árabe e, em especial, síria, que de-
monstra seu progresso social e econômico na cidade.
Inicia-se com a famosa rua 25 de Março, que cresceu em
volta do comércio árabe e ganhou robustez a partir dele,
para então um avanço dos sírios para outros distritos,
como o Ipiranga, principalmente com os investimentos
e industrias da Família Jafet. A ocupação da Vila Mariana
demonstrou uma ascensão social, mas, ao mesmo tem-
po, permitiu que, ainda assim, se mantivessem próximos
à região central e, consequentemente, de seus conterrâ-
neos. Por fim, chegaram à Avenida Paulista, sendo esta a
expressão máxima do prestígio social na sociedade pau-
listana.
2.3 - A INSERÇÃO DA CULTURA
SÍRIA NA CIDADE DE SÃO PAULO
A Cultura, segundo o dicionário Michaelis, é o “estado
ou estágio do desenvolvimento cultural de um povo ou
período, caracterizado pelo conjunto das obras, instala-
ções e objetos criados pelo homem desse povo ou perí-
odo; conteúdo social”. A importância de compreender as
influências da cultura síria em São Paulo permite enten-
der como se dá a relação atual dos refugiados sírios na
cidade, sendo esta uma relação particular e muito pró-
pria dos imigrantes dessa nacionalidade.
Como já abordado, a expansão da imigração síria em
São Paulo deve-se principalmente à existência de uma
comunidade árabe bastante ativa que facilitou a vinda
26 27
de seus conterrâneos e os integrou à dinâmica social da
cidade. Além disso, destaca-se também a atividade eco-
nômica exercida pelos sírios, como o comércio, que pos-
sibilitou que eles prosperassem e criassem suas raízes
no país.
A análise sobre a inserção da cultura síria dá-se antes
mesmo da observação feita anteriormente quanto à jor-
nada de Knowlton (1960) sobre os árabes pelos bairros
da cidade. O papel que cada bairro desempenhou para
a comunidade síria demonstra como esta passou a ser
parte da cidade e possibilitou que houvessem trocas
culturais significativas para manifestação dos elementos
árabes na identificação da cultura de São Paulo.
A pesquisa histórica sobre a chegada dos sírios em São
Paulo aponta o desenvolvimento da comunidade imi-
gratória árabe dentro de uma cidade ainda em forma-
ção. A apropriação de determinados espaços que de-
sempenhavam um papel social para essa comunidade
indicou o forte vínculo entre o árabe e o povo brasileiro.
Entre os bairros que os receberam, ou mesmo se inicia-
ram a partir deles, chama a atenção a representativida-
de do Ipiranga, onde, desde sua formação, foi possível
observar uma dinâmica diferente quanto às atividades
exercidas pelos sírios até então.
O Ipiranga começou a tomar forma com a chegada da
Família Jafet, mencionada anteriormente, que, com o
grande êxito no mercado atacadista nas regiões cen-
trais da cidade, possibilitou que os membros da famí-
lia diversificassem suas atividades e, com isso, o bairro
se desenvolveu através das primeiras indústrias têxteis
construídas na região.
A importância da Família Jafet vem, principalmente, de
seus empreendimentos, que, além de movimentar a
economia da cidade, também representaram uma im-
portante função para a consolidação da comunidade
árabe em São Paulo e aproximação dos paulistanos.
Dentre os diversos empreendimentos da família, citam-
-se o mais representativos: Fiação, Tecelagem e Estam-
paria Ipiranga Jafet S.A., Esporte Clube Sírio (1917), Clu-
be Atlético Monte Líbano (1934), Hospital Sírio-Libanês
(1961). Tais empreendimentos tiveram grande influência
para o empoderamento da comunidade árabe na cidade
e cumprem, hoje, com o papel de dar suporte àqueles
que chegam em São Paulo em condição de refúgio.
O mesmo se pode dizer das Mesquitas que começaram
a surgir no Brasil em 1929 com a construção da Mesquita
Brasil, primeiro centro islâmico da América Latina. Elas
passaram a ganhar espaço muitos anos depois, a par-
tir de 2010, com mais de 70 mesquitas espalhadas pelo
território nacional. Um levantamento feito pela União
Nacional Islâmica aponta que, em 2014, já era mais de
115 o número de mesquitas, sendo 30 concentradas no
Estado de São Paulo. Dados mais recentes vindos da Fe-
deração das Associações Muçulmanas do Brasil (Fam-
bras) dizem que esse número no Estado aumentou 20%
apenas em 20152
. Dados complementares do IBGE,
mostram que até 2010 eram mais de 30 mil praticantes
da religião no país.
Além dos espaços físicos marcados pela cultura árabe, é
possível identificar elementos que acompanham e tam-
bém moldaram a identidade brasileira. Gilberto Freyre é
um dos autores que buscou compreender a influência
árabe no Brasil. Em seu livro Casa Grande & Senzala, ele
retrata as características já existentes desse povo na épo-
ca da colonização portuguesa e espanhola, que já havia
entrado em contato com a cultura árabe muito tempo
antes do Brasil e moldara-se também entorno dela.
2 	 FAMBRAS. Disponível em: <http:/
/www.fambras.org.br/>. Acessado
em 21 de maio de 2016.	
“Diversos outros valores materiais, absorvidos
da cultura moura ou árabe pelos portugue-
ses, transmitiram-se ao Brasil: a arte do azu-
lejo, que tanto relevo tomou em nossas igre-
jas, conventos, residências, banheiros, bicas e
chafarizes; a telha mourisca; a janela quadri-
culada ou em xadrez.” (FREYRE, 1987, p.221).
28 29
No entanto, quando se refere à cultura árabe, principal-
mente síria, o elemento mais popular e que se destaca
na cidade de São Paulo é a culinária. De acordo com o
Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, um
quarto das refeições servidas em São Paulo são origina-
das da culinária árabe. São receitas tão difundidas na die-
ta diária do brasileiro que se apresentam na maioria dos
restaurantes do país. É o caso da esfiha, do tabule, do
babaganouche, do quibe e, claro, do pão sírio. Os pratos
se proliferaram ainda mais com a criação de fast-foods
que reproduziam e/ou adaptavam as receitas, ocupando
as principais praças de alimentação. Ao circular pela cida-
de, é possível notar centenas de estabelecimentos que
possuem referências árabes, seja pelos seus nomes, seus
produtos oferecidos e, muitas vezes, as figuras presentes
em cada um deles, que contam histórias desse processo
orgânico da imigração árabe no Brasil.
30 31
CAPÍTULO 3
UMA NOVA ONDA
DE IMIGRAÇÃO
Após o entendimento do contexto histórico dos confli-
tos sírios que influenciaram a atual situação política do
país, é hora de entender mais a fundo como se dão es-
sas relações e o impacto disso na vida de um sírio até
ele se tornar um refugiado em outro país. Além desse
entendimento, o capítulo também abordará qual o perfil
daquele que chega agora no Brasil, conhecimento este
retirado de pesquisas exploratórias em que o grupo
esteve em contato com alguns dos refugiados e pôde
compreender seus perfis.
Só a partir desse aprofundamento é que foi possível
compreender quais os problemas que cercam os refu-
giados em São Paulo e validar as hipóteses levantadas
anteriormente quanto a suas relações com a cidade e os
stakeholders presentes nesse sistema.
3.1 - PANORAMA GEOPOLÍTICO:
A GUERRA NA SÍRIA
Em 1963, o Partido Baath, já apresentado no capítulo 2,
instituiu seu domínio sobre a Síria e o Iraque, dando início
à nacionalização das companhias petrolíferas com o ob-
jetivo de competir igualmente com as maiores empresas
do ramo na França, Estados Unidos e Reino Unido.
Após um golpe de estado, Hafez al-Assad tornou-se o
primeiro ministro da Síria e chegou a presidente do país
em 1971. Seu governo durou cerca de 30 anos, período
no qual proibiu a criação de partidos de oposição e a
participação de candidatos de oposição em eleições.
Com sua morte em 2000, Bashar al-Assad, filho de Ha-
fez al-Assad, toma o poder também por meio do Partido
Baath. Bashar começou seu mandato com promessas
de melhoria, libertando cerca de 700 prisioneiros polí-
ticos e concedendo licenças de publicação para jornais
independentes3
.
A partir de 2001, al-Assad começou a controlar o país
de forma autoritarista, possivelmente por influência de
membros do antigo governo de Hafez, seu pai. Desde
sua reeleição em 2007 como único candidato do partido
autorizado do país, a população Síria tem vivido uma sé-
rie de restrições aos direitos à liberdade. As revoltas con-
tra o governo, especificamente contra seu representante
Bashar, por conta de uma forte repressão exercida contra
as insatisfações populares, resultaram em um clima de
tensão por todo o país. Somado a isso, surgiam indícios
3 	 Canal IG – Conheça a trajetória do presidente da Síria, Bashar
al-Assad. Disponível em: <http:/
/ultimosegundo.ig.com.br/revoltamundoa-
rabe/2013-09-06/conheca-a-trajetoria-do-presidente-da-siria-bashar-al-
-assad.html>. Acesso em 13 de maio de 2016.
32 33
de que as eleições no país haviam sido fraudadas4
.
Com a alta dos índices de desemprego, crise econômica e
miséria, a população síria se revoltou contra o governo de
Bashar, dando início aos conflitos. Em março de 2011, um
pequeno grupo de estudantes, incentivados por um pro-
fessor, decidiram fazer um ato de protesto na cidade de
Deerã, no Sul da Síria. Após picharem frases de protesto
ao governo os jovens foram detidos e supostamente tor-
turados. Esse incidente foi estopim para ampliar a revolta
em todo o país, impulsionando o sentimento de indigna-
ção que deu início a uma onda de manifestações.
Em 15 de Março de 2011, durante a Insurreição da Pri-
mavera Árabe, levantes pacíficos se iniciaram em todo o
país com passeatas que tinham como objetivo reivindi-
car o direito à liberdade e à democracia. O governo de
Bashar não aceitou os protestos e os confrontos dire-
tos contra os manifestantes foram inevitáveis. Em um
desses confrontos na cidade de Deerã, quatro pessoas
foram mortas após o abrir fogo de tropas que tentavam
conter os manifestantes. Apenas um dia após o funeral
dos manifestantes abatidos, a polícia voltou a fazer uma
nova investida contra um grupo de manifestantes e cau-
sou mais uma morte.
4 	 Revista Pré-Univesp – GUERRA CIVIL NA SÍRIA em Entrevista com
Márcia Camargos. Disponível em: <http:/
/pre.univesp.br/guerra-civil-na-si-
ria#.V1nYe5MrIyl>. Acesso em 13 de maio de 2016	
Nos dias seguintes, as revoltas passaram para além das
fronteiras da cidade de Deerã e novas manifestações
começaram em Damasco e Aleepo. Com o aumento das
manifestações, conflitos armados começaram a aconte-
cer com maior frequência, se intensificando por todo o
país nos meses seguintes. Em Abril de 2011, já haviam
sido contabilizados cerca de 200 mortes. Percebendo
que a população se recusava a recuar, o governo Sírio
intensificou as hostilidades contra os manifestantes, en-
viando tanques de guerra às cidades rebeldes de Homs,
Hama, Baniyas e Deraã5
.
Grupos rebeldes começam a se organizar e formaram
frentes armadas por todo o país. Assim, a situação se
tornou bastante instável por conta do surgimento des-
ses grupos com interesses políticos diferentes e ainda
financiados por outros países. Alguns países e grupos de
apoio nacionais e internacionais se manifestaram con-
tra ou a favor dos grupos envolvidos6
, dando início a um
conflito de interesses, inclusive global, que desestabili-
zou as forças de atuação.
5	 R7 Notícias - Imagens de satélite mostram tanques de guerra ocu-
pando cidades na Síria. Disponível em: <http:/
/noticias.r7.com/internacional/
noticias/imagens-de-satelite-mostram-tanques-de-guerra-ocupando-ci-
dades-na-siria-20120407.html> . Acesso em 11 de maio de 2016
6	 El País - Um guia para entender quem é quem no complexo
conflito da Síria. Disponível em: <http:/
/brasil.elpais.com/brasil/2016/01/25/
internacional/1453739657_964290.html>. Acesso em 15 de maio de 2016 SÍRIA
Baghdad
Mersin
Moscow
Athens
IRAQUE
RÚSSIA
TURQUIA
Milan
ITÁLIA
FRANÇA
UK
Calais
Rennes
Hamburg
Linz
Frankfurt
ÁUSTRIA
London
Budapest
Bucharest
Haskovo
HUNGRIA
ROMÊNIA
BULGÁRIA
Istanbul
Amman JORDÂNIA
Madrid
ESPANHA
ALEMANHA
SUÉCIA
Göteborg
U$ 155 BILHÕES
PERDA ESTIMADA NA ECONOMIA
PARAONDEVÃO?
GUERRADASÍRIA
PIOR CRISE HUMANITÁRIA
DESDE A 2ª GUERRA MUNDIAL
900 MIL
DESDE O INÍCIO DA
GUERRA, EM 2011, OS
PAÍSES EUROPEUS
RECEBEREM APROX.
REFUGIADOS
ALEMANHA
HUNGRIA
SÉRVIA E KOSOVO
4.8 MILHÕES
DE REFUGIADOS SÍRIOS PELO MUNDO
TURQUIA
LÍBANO
JORDÂNIA
IRAQUE
EGITO
1.805.255
1.172.753
629.12
249.726
132.375
DINAMARCA
PORTUGAL
SUÉCIA
BÉLGICA
HOLANDA ALEMANHA
ESPANHA
FRANÇA
IRLANDA ITÁLIA
221.193
143.009
103.946
270 MIL
EUROPA
Pedidos de refúgio de sírios na
470MIL
1.9 MILHÃO
MORTOS NA GUERRA
DE FERIDOS
MORTOS NOS CONFLITOS
E ATAQUES
MORTOS DEVIDO À FALTA
D’ÀGUA E CUIDADOS
MÉDICOS
70 MIL
400 MIL
5ANOS
DE GUERRA CIVIL
FONTE: AGÊNCIA DE NOTÍCIAS REUTERS, FEV 2016
MAIS DAMETADE
DA POPULAÇÃO DA SÍRIA JÁ DEIXOU O PAÍS
34 35
Os Estados Unidos, por exemplo, se posicionaram contra
o governo de Bashar al-Assad e apoiam hoje os grupos
rebeldes moderados e os Curdos. A Rússia, que apoia o
governo de Bashar, atua, inclusive, com ações militares
contra grupos rebeldes. A Turquia, por sua vez, atua em
oposição ao governo sírio e em apoio à intervenção dos
EUA e grupos rebeldes. O Irã, se posiciona contra o Es-
tado Islâmico e os grupos sunitas, dando apoio ao go-
verno sírio também; e Arábia Saudita, que desde o início
dos conflitos se posicionou a favor dos grupos sunitas
para derrubar o governo de Bashar.
A declaração da ONU quanto à situação da Síria estar
oficialmente em guerra civil7
mobilizou diversos gru-
pos rebeldes, milícias e grupos religiosos extremistas
a se organizarem em confrontos cada vez mais devas-
tadores para a população, sendo já identificados cerca
de 100.000 combatentes rebeldes, divididos em 1.000
grupos. Muitos territórios Sírios foram tomados pelos
grupos rebeldes, que passaram a ser confrontados por
forças militares do governo na tentativa de retomar o
controle dessas áreas.
7 	 Reuters - Syria in civil war, U.N. official says. Disponível em: <http:/
/
www.reuters.com/article/us-syria-idUSBRE85B0DZ20120612> Acesso em
25 de maio de 2016
Ficou evidente um fracasso dos governos de todo o
mundo para encontrar uma solução à Guerra que, se-
gundo a organização Observatório Sírio dos Direitos Hu-
manos (OSDH), provocou milhares de mortes e forçou
mais da metade da população síria a abandonar suas
casas8
. A OSDH anunciou um balanço devastador do
conflito, sendo no total, contabilizados 215.518 mortos
em 4 anos de guerra (informação atualizada até 2015).
Desses, 66.109 eram civis e, entre esses, 10.808 eram
crianças. Também é necessário acrescentar às estatísti-
cas as 20 mil pessoas que estão nas prisões do regime e
são consideradas desaparecidas.
Dentre os principais grupos rebeldes está o Estado Is-
lâmico (EI), mencionado acima. O EI é liderado por um
grupo de extremistas derivados do grupo Al-Qaeda9
.
Seus líderes são de origem Sunita, divisão mais tradi-
cional da religião muçulmana, que representam cerca de
85% a 90% dos seguidores da religião. Seus seguidores
8	 Syriahr - More than 215,000 killed in Syria since 2011. Disponível
em: < http:/
/www.syriahr.com/en/2015/03/16/15150> Acesso em 12 de maio
de 2016
	
9	 BBC Brasil - Entenda as diferenças e divergências entre su-
nitas e xiitas. Disponível em: < http:/
/www.bbc.com/portuguese/noti-
cias/2016/01/160104_diferencas_sunitas_xiitas_muculmanos_lab> Acesso
em 25 de maio de 2016	
são conhecidos como Jihadistas por serem integrantes
do Jihad, termo que é traduzido no Ocidente como a
“Guerra Santa” Muçulmana. Eles são historicamente ri-
vais do grupo Xiita, conhecido como uma vertente do
islamismo menos radical e que diverge em práticas,
crenças e rituais. Com o objetivo de criar uma nação que
tenha como principal orientação religiosa as crenças Su-
nitas, por não reconhecer a legitimidade dos Xiitas ao
direito de liderar a nação muçulmana, o Estado Islâmico
tem liderado importantes conflitos em toda a Síria.
3.2 - REFUGIADOS SÍRIOS:
UMA NOVA ONDA DE IMIGRAÇÃO
Com crescimento da guerra civil, a partir de 2011, iniciou-
-se uma nova fase da emigração Síria. A violência e a fre-
quência cada vez maior dos conflitos entre grupos rebel-
des e o exército sírio fizeram a população civil sofrer com
um risco de morte iminente e, por conta disso, famílias
inteiras começaram a sair de suas casas - muitas vezes,
o resto delas após os diversos bombardeios que são re-
alizados principalmente nas regiões mais periféricas do
país - fugindo para regiões onde os conflitos ainda não
haviam se intensificado, iniciando primeiramente uma
movimentação dentro do próprio território sírio.
36 37
De acordo com relatório publicado pela Agência da ONU
para Refugiados (ACNUR)10
, durante o ano de 2014, o
número de sírios que se deslocaram por conta da guer-
ra atingiu a média de aproximadamente 42 mil pessoas
que diariamente se tornaram refugiados ou solicitantes
de refúgio.
A movimentação dessa nação causou impacto em todo
o mundo, e muitos países receberam quantidades alar-
mantes de refugiados, dentre os quais a maioria é ile-
gal e se encontra também em situação de risco, seja por
meio do trânsito ou mesmo as condições precárias que
outros países os recebem. Ainda de acordo com o mes-
mo relatório, na Síria, mais de 7 milhões de sírios aban-
donaram suas casas e quase 60% da população vive na
pobreza. Os combates destruíram as infraestruturas e,
com isso, provocaram uma grande escassez de energia
elétrica, água e alimentos, especialmente nas zonas cer-
cadas pelo exército.
Grande parte dos refugiados segue para países mais
distantes, se arriscando em longos trajetos ilegais. Fa
10	 ACNUR - Relatório do ACNUR revela 60 milhões de deslocados no
mundo por causa de guerras e conflitos. Disponível em: < http:/
/www.acnur.
org/t3/portugues/noticias/noticia/relatorio-do-acnur-revela-60-milhoes-
-de-deslocados-no-mundo-por-causa-de-guerras-e-conflitos/> Acesso
em 13 de maio de 2016
mílias tentam a sorte fugindo em direção à Europa, mas
nem sempre conseguem êxito, e, quando pegos nesse
trajeto, quase sempre são deportados. No entanto, há
países que buscam ajudar essas pessoas nessa situa-
ção como é o caso da Alemanha, que destacou-se com
sua política de acolhimento e aceitação dos refugiados.
Porém, devido às pressões e alvo de críticas de conser-
vadores por sua política de portas abertas, a Alemanha
mudou de postura e decidiu rever as regras de asilo aos
refugiados, dificultando a sua entrada. Em Fevereiro de
2016, Alemanha e Turquia assinaram um acordo que se
deu após a visita da chanceler Angela Merkel ao primeiro
ministro turco Ahmet Davutoglu. O resultado foi a ado-
ção de uma série de medidas com o objetivo de reduzir o
fluxo de refugiados Sírios. Dentre as mudanças, está, por
exemplo, a atuação conjunta das forças armadas alemãs
e turcas no combate ao tráfico de refugiados.
Na tentativa de cruzar o Canal da Mancha, muitos refu-
giados são mantidos em campos de refugiados na Fran-
ça. Enquanto não conseguem fazer o trajeto pegando
carona em qualquer tipo de transporte ou após juntar di-
nheiro suficiente para pagartraficantes de pessoas, esses
imigrantes constroem aos poucos suas vidas ali mesmo.
No entanto, as condições são precárias, e a maior parte
dos refugiados vive em tendas ou abrigos improvisados
sujeitos ao vento, chuvas, lama, lixo e doenças.
Nos países vizinhos, os refugiados encontram tantos ou-
tros problemas. No Egito, durante os primeiros anos dos
conflitos na Síria, muitos refugiados encontraram sérias
dificuldades de permanência no país, desde a burocracia
com a retirada de documentos até o reconhecimento le-
gal enquanto refugiado.
De acordo com matéria publicada pela BBC11
, os países
mais próximos da Síria são os responsáveis por 95% de
acolhimento desses refugiados. De acordo com a Anistia
Internacional, cerca de 4,8 milhões de refugiados estão
localizados hoje em apenas 5 países: Turquia, Líbano,
Jordânia, Iraque e Egito. No caso da Europa, de acordo
com a ACNUR12
, desde o início da guerra, os países eu-
ropeus receberam cerca de 900 mil refugiados nos se-
guintes países: Sérvia, Alemanha, Suécia, Hungria, Áus-
tria, Holanda e Dinamarca.
Dentre as possibilidades e os acordos internacionais,
muitos refugiados têm solicitado refúgio em outros
países no continente americano, principalmente Esta-
11	 BBC Brasil - Análise: Apesar de crise na Europa, 95% dos refugia-
dos estão fora do continente. Disponível em < http:/
/www.bbc.com/portu-
guese/noticias/2015/08/150830_analise_imigracao_hb> Acesso em 25 de
maio de 2016	
12	 G1 - Refugiados sírios são 4,8 mi em países vizinhos e 900 mil
na Europa, diz ONU. Disponível em: < http:/
/g1.globo.com/mundo/noti-
cia/2016/03/refugiados-sirios-sao-48-mi-em-paises-vizinhos-e-900-mil-
-na-europa-diz-onu.html> Acesso em 11 de maio de 2016
39
dãos que partilham da cultura do oriente médio, a língua
árabe é pouco falada e restrita aos indivíduos que vivem
em comunidades sírio-libanesas.
Por conta desse fato, a comunidade árabe instalada nos
principais centros urbanos do Brasil se tornou uma gran-
de força de ajuda aos refugiados, visto que são um gru-
po que mantém tradições culturais, práticas religiosas e
valores ainda similares à cultura da Síria. O trabalho con-
junto entre ONGs, mesquitas e centros de acolhimento
tem atuado como um canal para inclusão social dos imi-
grantes sírios oferecendo, ainda que em pouca quanti-
dade, oportunidades para geração de renda, apoio social
e auxílio cultural para adaptação a uma nova realidade.
A principal característica de um refugiado é o fato desse
indivíduo ser forçado a sair de seu país de origem por
decorrência de uma série de fatores, entre eles a misé-
ria, perseguição política, religiosa e, no caso dos sírios,
uma guerra civil. Sendo assim, sabe-se que eles decidem
buscar refúgio no Brasil não por uma escolha, mas como
uma única alternativa e, por isso, aceitar essa nova con-
juntura social tem sido um grande desafio para muitos
sírios que, na maioria dos casos entrevistados pelo gru-
po, ainda sonham em voltar para sua terra natal.
dos Unidos e Brasil. É nesse cenário que o Brasil passa
a ocupar um lugar de destaque como um dos países que
mais acolheu refugiados sírios nos últimos anos. No en-
tanto, o perfil dos solicitantes de refúgio é bem diferente
daqueles que se arriscam em travessias ilegais pelo mar
mediterrâneo. Essa diferença chamou atenção do grupo,
que buscou entender qual o perfil do refugiado sírio que
chega ao Brasil e como isso influencia na dinâmica social.
3.3 - O PERFIL DO
REFUGIADO SÍRIO
Alguns problemas são comuns a todos os refugiados,
pois são pessoas que vêm de outros contextos culturais
e, ao chegarem, deparam-se com barreiras de inclusão
social, dificuldade de adaptação e geração de renda. As
famílias enfrentam problemas para aprender o idioma,
independentemente da etnia e da língua nativa. No caso
dos sírios, a maioria dos homens falam, além do árabe,
o inglês. Embora o conhecimento de outro idioma facili-
te bastante a comunicação, ainda hoje no Brasil, poucas
pessoas são fluentes em inglês e dificilmente encon-
tram-se pessoas que saibam o francês, outra língua fa-
lada entre os sírios. Apesar do número elevado de cida-
7 bilhões
DE PESSOAS NO MUNDO
REFUGIADOS
PANORAMA GLOBAL E PERFIL DO REFUGIADO NO BRASIL
8.8 MIL
+ de 79 nacionalidades
R$ 15 MILHÕES
REFUGIADOS NO BRASIL
+ DE 60 MILHÕES
DE PESSOAS JÁ SE DESLOCARAM FORÇADAMENTE
+ DE 20 MILHÕES
DESSSAS PESSOAS SÃO REFUGIADOS
Em 2015, a presidenta Dilma Rousseff
anunciou que o país está de portas
abertas para receber refugiados. O Crédito
extraordinário liberado foi de R$ 15 milhões
para investir em programas de assistência
e acolhimento a imigrantes e refugiados.
Em setembro de 2013, o Brasil,
por meio Conare, publicou Resolução nº. 17,
que autorizou as missões diplomáticas
brasileiras a emitir visto especial
a pessoas afetadas pelo conflito na Síria.
Em 21 de setembro de 2015, a Resolução
teve sua duração prorrogada por mais
dois anos
SÍRIOS
2.298
ANGOLANOS
1.420 COLOMBIANOS
1.100
01
02 03 MAIORES COMUNIDADES
DE REFUGIADOS RECONHECIDOS NO BRASIL
3 SEGUNDOS
UMA PESSOA SE DESCOLA A CADA
FONTE: RELATÓRIO CONARE, MAI 2016
22.3%
13.2% 4.8% 42.6% 36.2% 1.8%
2010
966
28.670
2015
51.1%
0-12 anos 13-17 anos 18-29 anos 30-59 anos + de 60 anos
2.868%
Solicitações de refúgio
no Brasil cresceram
2.868% nos últimos
5 anos
Mais da metadade dos refugiados
que chegaram ao Brasil entre 2011
e 2015 fugiram de graves violações
de direitos humanos.
Peserguição política
Peserguição
por grupo social
Peserguição religiosa
Grave e generalizada
violação de Direitos Humanos
Reunão Familiar
22.5%
MOTIVAÇÃO
DO PEDIDO
3.18%
0.85%
REFUGIADOS
TOTAL RECONHECIDOS NO BRASIL
2010
3.904 4.035
4.284
4.975
7.262
8.493 8.863
2011 2012 2013 2014 2015 2016
PEDIDOS
DE
REFÚGIO
DOS REFUGIADOS RECONHECIDOS NO BRASIL
ORIGEM
REFUGIADOS 2010-2015
GÊNERO
SÍRIA
REP. DEM. DO CONGO
ANGOLA
COLÔMBIA
PALESTINA
2.298
1.420
1.100
968
376
28%
72%
HOMENS
(3.241)
(1.273)
MULHERES
REFUGIADOS POR FAIXA ETÁRIA 2010-2015
2.3 MIL
REFUGIADOS SÍROS
RECONHECIDOS
NO BRASIL
40 41
3.4 - AS BARREIRAS
PARA A INCLUSÃO SOCIAL
Uma das principais preocupações das instituições de
ajuda humanitária aos refugiados e da Prefeitura da Ci-
dade de São Paulo é encontrar formas de integrar aque-
les que foram obrigados a deixar seu país e que escolhe-
ram a capital paulista para recomeçar a vida.
Segundo informações atualizadas em 2016 pelo relató-
rio do Conare, o Brasil já recebeu mais de 2.800 refugia-
dos. Este número já é superior aos refugiados em países
do sul da Europa, por exemplo, que estão na rota dos
que buscam fugir da guerra.
Segundo a ACNUR e a organização não governamental
Open Society Foundation, o Brasil está atrás apenas da
Alemanha, que recebeu 45 mil pessoas nos últimos qua-
tro anos. Diferentemente da Europa, aqueles que bus-
cam refúgio no Brasil não ganham uma casa e não po-
dem receber sequer auxílio financeiro até que consigam,
pelo menos, todas as documentações e as condições
legais de refúgio. Tudo fica por conta do refugiado que,
quase sempre, está abandonado pelo governo e precisa
contar com a ajuda de ONGs ou grupos de assistência
independentes.
Além desses problemas, podemos considerar a crise
econômica brasileira como fator agravante para a atu-
al condição dos refugiados. Afinal de contas, a inclusão
deve acontecer dentro da realidade local. O país está em
crise, e a taxa de desemprego, segundo o Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já supera 10,2%
da população, ou seja, desde janeiro de 2016, cerca de
10,4 milhões de brasileiros estão à procura de emprego.
Fator este que implica ainda mais na relação do brasileiro
com novos integrantes da população.
Como visto no segundo capítulo, São Paulo possui uma
cultura árabe muito bem estabelecida, herança das pri-
meiras imigrações no século XIX e que hoje é parte da
identidade cultural da cidade. Por conta deste legado,
a comunidade árabe é reconhecida como um dos prin-
cipais grupos de assistência aos refugiados, visto que
muitos indivíduos que chegam à cidade são acolhidos
por alguns integrantes da própria comunidade.
Apesar de São Paulo ter uma forte tradição árabe, as di-
ferenças culturais são uma relevante barreira para inclu-
são social, visto que as tradições sofreram modificações
ao longo do tempo e se adaptaram à realidade local
abrasileirada, o que acaba por gerar choques de valo-
res, mesmo que de maneira sutil e muito mais por parte
do refugiado que, até então, esteve menos em contato
com a cultura brasileira do que o contrário.
Mas o apoio da comunidade árabe local é uma
excelente ferramenta de auxílio na adaptação
desses novos chegantes. Existe sempre a pre-
ocupação em respeitar os costumes e preservar
a identidade cultural, mesmo que nos dias de
hoje, tais práticas contrariem alguns dos valores
culturais brasileiros, como é o caso do papel da
mulher na sociedade na visão dos mulçumanos.
Em entrevista ao grupo, Robson Siber, voluntá-
rio e diretor da organização não governamental
Oásis, comentou que, apesar da promessa de
auxílio garantido em alguns casos por conta de
negociações prévias com as mesquitas e com
parentes ou conhecidos, a maioria dos refugia-
dos chega sem ter recursos para se estabele-
cer. Assim, as famílias recém-chegadas acabam
contando com a ajuda de alguns grupos de as-
sistência independentes para conseguir abrigo,
alimentação e, quando possível, emprego.
“O governo federal, em parceria
com os governos estaduais e
municipais, além de parcerias
com organizações da sociedade
civil que trabalham com
refugiados há muito tempo,
tem desenvolvido ações de
acolhimento, assistência
jurídica, psicológica e social
a muitos desses solicitantes
(...). A maior dificuldade dos
refugiados no país é a língua e
a cultura. Por isso, a integração
social é muito importante”.
(VASCONCELLOS, 2015)13
.
13	 Beto Vasconcellos, secretário nacional de Justiça e presidente do
Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), em entrevista ao repórter
Rodrigo Alvares, do portal UOL de notícias, em 19 de setembro de 2015.
42 43
IDIOMA
O primeiro obstáculo e talvez o mais difícil deles seja o
idioma. Sem saber o português a comunicação é preju-
dicada, fator que acaba interferindo diretamente na in-
tegração à nova cultura e inclusão social.
A barreira inicia-se logo na chegada, em que os refu-
giados não entendem os avisos e placas dispostos pela
cidade e nos principais locais de acesso, como nas rodo-
viárias, portos e aeroportos. Ainda assim, nem sempre
podem contar com alguém pra os receber e orientar em
seus primeiros passos na cidade.
Uma questão estritamente relacionada com o idioma
é a validação de seus diplomas no Brasil e a permissão
de exercer suas profissões de formação na Síria. A maior
parte dos homens tem excelente qualificação profissio-
nal, o que lhes garantia boas condições financeiras no
país de origem, e seu potencial intelectual seria de gran-
de utilidade dentro do mercado de trabalho brasileiro
que, muitas vezes, carece de mão de obra qualificada.
Porém, em virtude da falta de conhecimento das regras
gramaticais do português, muitos acabam desistindo do
processo que exige o domínio da língua.
Existem casos muito específicos em que algum sírio
consegue emprego em sua área de atuação sem a ne-
cessidade de validação do seu diploma ou provas feitas
em inglês, o que é exceção.
“Como não há legislação específica sobre
o tema, as universidades públicas brasilei-
ras responsáveis pela validação do diplo-
ma estabelecem suas próprias regras em
um processo que pode levar até dois anos
e custar cerca de R$ 2.000.”
(ROSSETTO, 2016)14
.
14	 Ricardo Rossetto, em matéria Refugiado tem emprego, falta vali-
dar diploma, O Estadão de São Paulo, publicada em 16 de abril de 2016.
A falta de comunicação mostra a necessidade de uma
mudança dos processos de recepção junto com uma
padronização dos serviços. Hoje, cada tipo de imigrante
tem um diferente acordo de integração no país basea-
do na sua classificação de refugiado e acaba tornando
o processo ainda mais complexo. O caso dos Sírios, por
exemplo, é uma exceção, pois a eles são concedidos vis-
tos humanitários especiais.
RELIGIÃO E EDUCAÇÃO
Para entender a conjuntura da religião e educação, é de
fundamental importância compreender a cultura dos
países árabes que são essencialmente ligada aos precei-
tos religiosos. O Islamismo no Brasil cresceu 29% em dez
anos e o número é 2,5 vezes maior que o crescimento da
população geral15
.
A maioria dos sírios é muçulmana, e a religião determi-
na valores e molda comportamentos que se opõem ao
que os brasileiros estão acostumados, como é o caso da
mulher, que tem papel secundário e extremamente sub-
misso, em que o homem e pai é o alicerce da família. É
ele quem busca qualificação profissional enquanto ela
se ocupa dos filhos e dos afazeres da casa.
“O fato de o Islã ser apontado pelos críticos oci-
dentais como responsável por uma condição
discriminatória sofrida pelas mulheres em socie-
dades muçulmanas, ao mesmo tempo em que
é invocado por mulheres muçulmanas em sua
própria defesa, contra os abusos masculinos”
(CASTRO, 2007)16
15	 BBC Brasil - Número de centros islâmicos sobe 20% em 2015
em São Paulo. Disponível em: < http:/
/www.bbc.com/portuguese/noti-
cias/2015/09/150911_mesquitas_saopaulo_cc > Acesso em 25 de maio de
2016
As meninas que são criadas nas famílias islâmicas mais
radicais são proibidas de ir à escola e mulheres são im-
pedidas de trabalhar e de andar pelas ruas sozinhas.
Elas só deixam à mostra as mãos e o rosto, enquanto o
hijab - um véu típico que cobre a cabeça das mulheres
muçulmanas e é símbolo religioso de identificação en-
tre os semelhantes - as cobre por inteiras. Entretanto, é
também uma das principais dificuldades enfrentadas na
adaptação à cultura ocidental17
.
O papel da mulher no casamento é servir o marido e sa-
tisfazer suas vontades, seguindo sempre as ordens es-
tabelecidas por ele, que podem restringir a convivência
social com amigos e conhecidos e até mesmo o contato
com os familiares ou os filhos. A relação de submissão
da mulher não se limita apenas à sociedade Síria, sen-
do comum também em outros países da cultura árabe
como Líbano, Arábia Saudita, Marrocos, Egito e Iraque,
por exemplo.
16	 CASTRO, Cristina Maria de. A construção de identidades muçul-
manas no Brasil: um estudo das comunidades sunitas da cidade de Campi-
nas e do bairro paulistano do Brás / Cristina Maria de Castro. --São Carlos :
UFSCar, 2007.
17	 BONFIM, Isabel - Elástica Abril, O PESO DO VÉU: A VIDA DE MU-
ÇULMANAS NO BRASIL. Disponível em: < http:/
/elastica.abril.com.br/o-pe-
so-do-veu-a-vida-de-muculmanas-no-brasil > Acesso em 8 de junho de
2016
44 45
“Dentro dos diversos papéis sociais disponí-
veis às mulheres no Brasil, há alguns privilegia-
dos pelo discurso comum das lideranças muçul-
manas: são eles os papéis de mãe e esposa. Na
Liga da Juventude Islâmica, há uma preocupação
muito grande em chamar a atenção para a dife-
rença entre os papéis sociais atribuídos aos ho-
mens e às mulheres, pela religião, baseados “na
própria natureza fisiológica diferenciada entre os
sexos”. Há o argumento de que as mulheres são
biologicamente mais adequadas para determi-
nados tipos de trabalho (o cuidado dos filhos e
da casa), ao mesmo tempo em que, aos homens,
em respeito a esta natureza “delicada e frágil da
mulher”, caberia o sustento da esposa e filhos.”
(CASTRO, 2006)18
.
No Brasil, essa realidade é contrastante, em que a fi-
gura da mulher nas famílias brasileiras tem muito mais
destaque se comparada com as da Síria. Essa diferença
cultural causa certo estranhamento aos brasileiros, prin-
cipalmente com a chegada cada vez maior de refugiados
no território nacional. Sendo assim, as leis brasileiras de
proteção e concessão de direitos às mulheres contra-
riam diretamente os costumes dos povos árabes, princi-
palmente no que diz respeito à violência doméstica.
18	 CASTRO, Cristina Maria de. Muçulmanas no Brasil: reflexões sobre
a relação entre religião e dominação de gênero. Universidade Federal de
São Carlos, 2006.	
Segundo Marcelo Haydu, criador da organização não
governamental Adus19
, um outro choque cultural viven-
ciado pelas famílias sírias é o primeiro contato dos filhos
com os jovens brasileiros, cuja educação é bem mais li-
beral. A preocupação em manter as tradições islâmicas
para as gerações seguintes é constante e não é à toa
que os pais tentam matricular os filhos em escolas islâ-
micas dentro da comunidade síria, atualmente concen-
tradas perto das mesquitas: Brás, Pari, São Bernardo e
Santo Amaro.
SOCIALIZAÇÃO
No Brasil, especificamente em São Paulo, a comunidade
sírio-libanesa é muito presente e algumas famílias esta-
belecidas há décadas no país têm excelentes condições
de vida. Surge, consequentemente, uma rede de con-
tatos e a possibilidade de suporte financeiro aos con-
terrâneos e maior facilidade para integração e convívio
com os novos refugiados. Este apoio, sem dúvidas, é um
diferencial do povo Sírio, inexistente se analisarmos ou-
tras conjunturas, como é o caso de refugiados haitianos
e bolivianos, por exemplo.
19	 Instituto de Reintegração do Refugiado Brasil. Disponível em: <
http:/
/www.adus.org.br/ >
O engenheiro Talal Al-tinawi conta que chegou ao país
através da ajuda da Liga da Juventude Islâmica Benefi-
cente do Brasil. A Mesquita ofereceu hospedagem, cur-
sos de português para a família e auxílio jurídico. Em ne-
nhum momento houve qualquer tipo de interação com
os governos federal, estadual ou municipal20
.
Dentro de uma realidade de vulnerabilidade social ine-
rente a todos os refugiados, independente do país de
origem, os sírios têm uma vantagem em ter suporte da
comunidade já estabelecida e bastante atuante e envol-
vida. Desta maneira, o contato com as famílias, ONGs
e mesquitas é realizado, muitas vezes, antes mesmo da
vinda dos refugiados para o Brasil. Os imigrantes che-
gam no aeroporto de Guarulhos e são encaminhados
pela Polícia Federal para instituições de assistência ao re-
fugiado. Quando as famílias têm recursos próprios para
se manter durante os meses iniciais, são encaminhadas
para os albergues e hotéis até encontrarem um lar.
20	 UOL Notícias - Choque de informações e desconfiança dificultam
adaptação de sírios ao Brasil. Disponível em: < http:/
/noticias.uol.com.br/inter-
nacional/ultimas-noticias/2015/09/19/choque-de-informacoes-dificulta-a-
daptacao-de-refugiados-sirios-ao-brasil.htm> Acesso em 5 de maio de 2016
“Eles têm medo de contatar o
governo, profunda desconfiança.
Por motivos culturais, os
sírios preferem não entrar em
contato com qualquer instância
governamental, já que fugiram
de uma guerra civil causada, em
grande parte, pelo governo do
ditador sírio Bashar Assad”.
(ARMEDI, 2015).21
21	 Juliana Armedi, coordenadora do Núcleo de Enfrenta-
mento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria da Justiça e da Defesa
da Cidadania do governo do Estado de São Paulo, em entrevista a
Pedro Alvares, portal UOL de notícias, 2015.
46 47
Segundo Robson Siber (Oásis), o refugiado recebe todo
o apoio e, muitas vezes, são realizados eventos benefi-
centes como bazares e feiras temáticas com toda renda
revertida para as famílias participantes, sejam elas sírias
ou de outras etnias.
Quando chegam, os imigrantes mal trazem roupas e
pouco ou nenhum dinheiro. As ações humanitárias ofe-
recem vestimentas novas e usadas, cestas básicas, dis-
tribuição de leite, pão e fraldas às sextas-feiras. Silmara
Salvador, diretora social da instituição Oásis, faz tam-
bém o acompanhamento psicológico, bem como aulas
de inglês, português e, aos sábados, aulas de árabe para
brasileiros. Orientação para retirada dos documentos e
apoio jurídico também são providenciados.
Apesar de pouco significativas, as ações governamen-
tais voltadas aos refugiados têm como principal foco a
inclusão social. Assim, a prefeitura de São Paulo tem ga-
rantido o acesso à educação das crianças estrangeiras.
Exemplo das ações da Secretaria Executiva de Comuni-
cação são as escolas da rede municipal, como a Escola
de Ensino Fundamental (EMEF) Pari sendo uma referên-
cia no atendimento às crianças sírias. Para integrar as
famílias com a cultura brasileira, são realizados passeios
mensais. Entre os locais já visitados estão o Sesc Inter-
lagos, o Parque Ibirapuera, a Oca e a exposição “Maia”.
“Há pelo menos um ano e meio, em
parceria com entidades religiosas, nos
organizamos para fazer um acolhi-
mento mais humanizado para famílias
refugiadas sírias, que chegam de uma
situação de adversidade, em geral com
crianças, e não falam nosso idioma.
Desde o começo, nossa diretriz sempre
foi respeitar suas características cultu-
rais, de religião e suas vivências”.
(HADDAD, 2015)22
.
22	 Ana Estela Haddad, primeira-dama e coordenadora do São Paulo
Carinhosa, em depoimento concedido à Secretaria Executiva de Comunica-
ção, em setembro de 2015
DOCUMENTAÇÃO
Com o aumento do fluxo no Brasil, o governo decidiu
tomar medidas facilitadoras para a entrada desses imi-
grantes no território e sua inserção na sociedade brasi-
leira. Além disso, as autoridades reforçaram a política de
assistência e acolhida para todas as nacionalidades.
Todas as solicitações de refúgio apresentadas no Brasil
são analisadas e decididas pelo CONARE, que é com-
posto por representantes dos ministérios da Justiça, das
Relações Exteriores, da Educação, do Trabalho e da Saú-
de, além de representantes da Polícia Federal e de orga-
nizações da sociedade civil que trabalham com o tema
dos refugiados.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, facilitou-
-se o processo de pedido de refúgio. Em setembro de
2013. Por meio CONARE, foram autorizadas as missões
diplomáticas brasileiras a emitirem visto especial às pes-
soas afetadas pelo conflito na Síria, diante do quadro de
graves violações de direitos humanos. Em setembro de
2015, a Resolução teve sua duração prorrogada por mais
dois anos.
Como consequência destes fatos, nos últimos cin-
co anos, as solicitações de refúgio no Brasil cresceram
2.868%. Passaram de 966, em 2010, para 28.670, em
2015. Os dados foram divulgados em relatório recen-
te (maio 2016) que traz ainda um panorama do cenário
atual. Hoje, os sírios somam 2.298, sendo considerada a
maior comunidade de refugiados reconhecidos no Brasil
e a perspectiva é que o Brasil receba mais 6.000 famí-
lias, a maioria delas destinadas a São Paulo.
““Não basta permitir que eles entrem
e recebam uma carteira de trabalho
e deixar a ambientação deles a cargo
de ONGs que não recebem nenhuma
ajuda do governo” (HAYDU, 2016).23
23	 Marcelo Haydu, do Instituto de Reintegração do Refugiado Adus,
uma das ONGs que mais tem ajudado os sírios.
48 49
A Lei 9474/97 permite que o pedido seja feito e a soli-
citação é avaliada pelos membros do CONARE. Aqueles
que pedem refúgio apenas para conseguir documentos
e regularizar sua situação no país acabam não conse-
guindo, como é o caso da maioria dos imigrantes de et-
nia senegalesa, que, por não serem refugiados, não são
reconhecidos pela Lei. No caso dos sírios, 100% dos que
estão chegando recebem a autorização de permanência.
Por meio de acordos com a Polícia Federal e entidades
civis e religiosas, os refugiados que chegam a São Paulo
possuem prioridade para obtenção do RNE, necessá-
rio para a permanência no país. Ainda antes de a do-
cumentação ser emitida, com o protocolo de solicitação
de refúgio em mãos, eles podem dar entrada no CPF
(Cadastro de Pessoa Física) e abrir uma conta no Banco
do Brasil, que também é parceiro da Prefeitura de São
Paulo no acolhimento aos refugiados.
Apesar do processo de emissão ter sido facilitado no
últimos tempos, em virtude da alta demanda e poucas
pessoas treinadas do Conare para entrevistar os estran-
geiros, o processo ainda é considerado lento e burocrá-
tico e o prolongamento do mesmo acaba dificultando
a vida das pessoas. A demora na emissão do RNE, por
exemplo, impede o cadastramento dos refugiados no
CadÚnico (cadastro único), porta de entrada para os
programas sociais do governo federal, como Bolsa Fa-
mília e o Minha Casa, Minha Vida e a possibilidade de
concorrer a vagas em universidades públicas brasileiras.
MORADIA
Segundo fontes de representantes da ACNUR Brasil,
não existe uma política de moradia para refugiados no
país. Há muitos relatos de estrangeiros que, ao chega-
rem, passaram vários dias na rua, sem amparo. Quando
encontram ajuda, ela sempre vem de entidades filantró-
picas ou pessoas físicas.
Em São Paulo, onde estão 65% dos sírios que chega-
ram desde 2014, a Sociedade Beneficente Muçulmana
(SBM) também reconhece que o acesso à moradia é uma
dificuldade, pois não existem políticas habitacionais es-
pecíficas e com condições de aluguel que, muitas vezes,
exigem fiador ou pagamento de altas quantias para ga-
rantia.
Com famílias de até 8 pessoas, os refugiados precisam
de tempo até juntar os recursos necessários para pagar
seu primeiro aluguel, o que se torna uma jornada difícil
até mesmo nas regiões mais periféricas encontrar um
único quarto por menos de R$ 500. O Terra Livre, Mo-
vimento Popular do Campo e da Cidade que defende
o direito à moradias populares no país, tem se juntado
aos refugiados nas ações de ocupações ilegais. Foram
50 51
ocupados diversos prédios do centro da cidade que es-
tavam abandonados e lá vivem dezenas de pessoas em
situação precária. Considerados sem-teto, os estrangei-
ros dormem em colchões distribuídos pelo chão, próxi-
mos às malas, que cruzaram oceanos com roupas, café,
cigarros e o Corão, livro sagrado do islã.
De fato, os maiores problemas são o alto preço dos alu-
guéis - especialmente em São Paulo, onde o valor do-
brou nos últimos sete anos com inflação no período de
54%24
. Diante do problema de gerar e comprovar renda,
muitos terminam sendo despejados.
Uma última barreira foi identificada e, pela sua relevân-
cia e forma como permeia todas as outras barreiras, foi
escolhida para ser o recorte para o problema a ser resol-
vido no projeto de design que será explicado mais para
frente. A geração de renda, como será explanada no
próximo capítulo, é o problema que ainda recebe poucas
ações de incentivo e desenvolvimento e tornou-se uma
oportunidade para o grupo quanto à problemática a ser
resolvida nesse projeto.
24	 Valor Econômico - IPCA-15 é o maior para julho em sete anos.
Disponível em: <http:/
/www.valor.com.br/brasil/4144916/ipca-15-e-o-maior-
-para-julho-em-sete-anos> Acesso em 27 de maior de 2016
52 53
CAPÍTULO 4
4.1 - AS DIFICULDADES PARA
GERAÇÃO DE RENDA
Refugiados da Síria e de outras etnias procuram em diferentes países opor-
tunidades para recomeçar a vida, e o Brasil é um desses destinos. No entan-
to, quem chega enfrenta muitas dificuldades, conforme vimos no capítulo 3.
São pessoas que vêm de um cenário de guerra e destruição, perderam suas
casas, familiares, bens e também a possibilidade de morar na própria nação.
Elas não estão somente em busca de uma oportunidade, estão em busca de
poder reconstruir suas vida.
Diante das boas condições de vida do sírio em seu país de origem, a mu-
dança para o Brasil gera um sentimento de insatisfação para os refugiados,
o que dificulta a aceitação de sua nova realidade. O que acontece, muitas
vezes, é que eles se sentem humilhados em aceitar condições de vida e tra-
balho precárias e subumanas, já que a maior parte deles tem formação aca-
dêmica e potencial intelectual adquirido com a graduação.
A saída termina sendo se submeter a empregos que subutilizam o poten-
cial intelectual e conhecimentos específicos. Trabalham como repositor de
estoque, carregador, caixa de supermercado, auxiliar de serviço gerais. Além
disso, diante do suporte oferecido pela comunidade síria no Brasil, muitos
trabalhadores inicialmente recorrem à consignação de produtos, sendo a
maior parte deles no setor de varejo têxtil e confecções.
Embora a situação econômica seja crítica, a família estrangeira custa a aceitar
novos valores culturais, mesmo assumindo padrões de vida muito inferiores
aos que estavam acostumados. Vivendo em condições caóticas de moradia,
54 55
muitas vezes diversas famílias dividem o mesmo teto ou
vários refugiados de etnias diferentes compartilham um
aluguel de um mesmo apartamento. Ainda assim, a mu-
lher dificilmente trabalha. Quando há exceções, elas de-
dicam-se ao trabalho em parceria com o marido.
Em entrevistas realizadas durante a fase de imersão, vá-
rios refugiados mencionaram o sentimento de discrimi-
nação por serem estrangeiros ou devido à sua condição
de refugiado e de solicitante de refúgio. O preconcei-
to por parte dos brasileiros com os refugiados pode ter
como causa a desinformação da maioria da população
sobre o tema e, consequentemente, reduz as oportuni-
dades de trabalho, compromete a geração de renda e
dificulta a integração sociocultural. Os entrevistados di-
zem conseguir ganhar, no máximo, R$ 1 mil por mês em
jornadas de trabalho que começam às 7h e terminam
depois das 22h.
“Há uma “fantasia” entre muitos
empregadores de que imigrantes
aceitam qualquer tipo de trabalho,
sob quaisquer condições. Muito
pelo contrário. Muitos têm nível de
politização e formação maior que o
do brasileiro médio. E esses sujeitos
não podem admitir serem tratados
de maneira indigna.” (VAL, 2015)25
25	 Rita de Cássia do Val, professora consultora do Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados, em entrevista concedida à Ricardo
Senra, BBC Brasil, publicada em 16 de setembro de 2015.
O sírio Talal Al-Tinawi, engenheiro que há dois anos vive
com a família toda no Brasil, em entrevista ao grupo,
contou das dificuldades financeiras: “trabalhei como en-
genheiro, mas não recebia o salário da profissão porque
meu diploma só é aceito na Síria. Tudo aqui custa muito.
Luz, internet, casa. Precisava receber mais”.
Com a ajuda da ADUS, Talal passou a ficar conhecido
cozinhando junto com a mulher pratos típicos árabes
para eventos e foi chamado para participar de bazares
e workshops. Assim que chegou, teve ainda uma ajuda
de brasileiros por meio de crowdfunding e conseguiu ar-
recadar R$ 60 mil. O dinheiro foi investido para tornar
real o sonho de abrir seu restaurante árabe. No proje-
to Migraflix, case que será detalhado no capítulo 5, Talal
ministra o workshop ‘A Síria sobre a mesa’, em que ensina
as pessoas a cozinharem pratos árabes tradicionais.
Apesardahistóriadesucesso,ocasoéumaexceção.Amaio-
riados refugiados sírios no Brasilvive em situações precárias
e lida diariamente com a problemática da geração de renda.
A falta de parceria com potenciais empregadores no setor
privado também dificulta o processo, mas, ainda assim, a
dificuldade para requalificação profissional continua sen-
do o maior problema. Pensando nisso, várias organizações
não governamentais e iniciativas privadas pensaram em
diferentes maneiras de ajudar os refugiados. São elas:
56 57
a chegada de estrangeiros, porque os outros funcioná-
rios se sensibilizam com a história de vida do imigrante e
têm menos reclamações no dia a dia no trabalho.
As empresas que oferecem emprego devem seguir cri-
térios, para evitar exploração dos trabalhadores. Nas
primeiras etapas, elas não têm acesso a alguns dados
dos candidatos, como nome e endereço. As vagas de-
vem ser com carteira assinada, e o Parr acompanha todo
o processo, desde a seleção até o final do período de
experiência.
“Nossos funcionários refugiados têm
alta capacidade de desenvolvimento, e
alguns já foram promovidos. Ao serem
contratados, são treinados e passam
a receber todos os benefícios dados
aos trabalhadores brasileiros. Com o
salário e os extras, muitos deixam os
abrigos e passam a viver de forma
mais independente, como qualquer
outro cidadão”. (FONSECA, 2011)26
.
26 	 Silvana Fonseca, representante da ID Logistics, empresa contra-
tante, em entrevista ao site da Unhcr/ Acnur, 2011.	
O Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugia-
dos é um projeto pioneiro no Brasil e no mundo, que teve
início em 2011 e, desde sua criação, conseguiu empregar
mais de 160 refugiados. Lançado em Brasília pelo Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (AC-
NUR) em parceria com a empresa de consultoria jurídica
em imigração EMDOC, é basicamente um banco virtual
de currículo de refugiados e solicitantes de refúgio.
Segundo Vinícius Paris, gestor voluntário da Instituição
que tem cunho social, os refugiados costumam sair às
pressas de seu país, esquecendo documentos impor-
tantes. O Parr surge para ajudar os que precisam: reúne
informações profissionais dos refugiados que chegam
ao Brasil em busca de trabalho e faz a ponte com em-
presas públicas e privadas. Segundo dados atualizados
do próprio site do programa, entre os 948 cadastrados
até o final de 2015, cerca de 275 disseram ter ensino su-
perior completo e 278 afirmam ter terminado o ensino
médio. Há ainda 34 que dizem ter pós-graduação.
João Marques, criador do programa, diz que a contra-
tação de refugiados traz benefícios para as empresas,
porque, além da qualificação, são profissionais fiéis ao
emprego, sem tendência de rotatividade. Ele também
afirma que o clima organizacional tende a melhorar com
O Adus, Instituto de reintegração do refugiado, foi criado em 2010 e busca
promover a inserção dos refugiados na sociedade brasileira. Oferece uma
orientação completa e efetiva que os torna autossuficientes para encontrar
novas oportunidades.
Os dirigentes e idealizadores de projetos inovadores, como o Programa Ami-
go Adus e Advocacy, acreditam, por exemplo, que a gastronomia internacio-
nal pode ser uma alternativa altamente rentável e promissora. Partindo das
demandas dos refugiados, foram criados workshops com aulas de gastro-
nomia e procedimentos exigidos pela vigilância sanitária. Através do projeto
“Sabores e Lembranças”, são ministradas aulas para brasileiros. O foodtruck
Picnic também faz parte de umas das etapas do projeto e ajuda na capaci-
tação dos refugiados como chefes de cozinha durante um período de 2 a 3
meses, para que adquiram nome e experiência e se lancem no mercado.
Em resumo, a jornada idealizada pela Adus para as formações de empreen-
dedores envolve também a participação de vários facilitadores e diferentes
profissionais, em 3 diferentes etapas: lançamento em bazares e feiras típicas,
capacitação e vivência na prática do foodtruck e reconhecimento da exce-
lência ministrando aulas oferecidas à comunidade.
O foco principal é a capacitação de refugiados oferecendo a qualificação
necessária para que eles possam seguir na atividade e posteriores parcerias
com investidores. Assim, a instituição fornece ferramentas para que os refu-
giados consigam manter o próprio negócio, tornando-os autossuficientes
e capazes de reconstruir suas vidas de maneira autônoma e independente.
58 59
Um projeto pioneiro, que surgiu em julho de 2015 por
iniciativa da plataforma social Atados e do Adus, tem re-
fugiados como professores de cursos de idioma e cultu-
ra. Os principais objetivos são promover a troca de ex-
periências, a geração de renda e a valorização pessoal e
cultural de refugiados residentes no Brasil. Ao mesmo
tempo, possibilita aos alunos o aprendizado de idiomas,
diminuição das barreiras e a vivência de aspectos cultu-
rais de outros países.
A Abraço Cultural conseguiu, em menos de um ano, in-
serir 40 professores estrangeiros no mercado de traba-
lho. Hoje, são 53 turmas e 480 alunos inscritos (Informa-
ções atualizadas do site do projeto, maio de 2016).
O método inovador de ensino de francês, inglês, espa-
nhol e árabe aposta na troca de experiências culturais
com as comunidades locais. Os alunos têm aulas regu-
lares focadas no idioma duas vezes por semana. Perio-
dicamente, todos os alunos são convidados para um
workshop de tradições, que pode envolver culinária,
dança, literatura, cinema, curiosidades, política e história
de um país tema da semana.
Diante da possibilidade de oferecer ferramentas para que os refugiados te-
nham condições de se estabelecer, o empreendedorismo acaba sendo uma
excelente oportunidade de recomeço. Com a ajuda do Conare e do Sebrae,
a primeira turma do projeto de assistência técnica e profissional a esses imi-
grantes reuniu 250 alunos (Agência Sebrae, 2016)
O projeto Refugiado Empreendedor oferece cursos gratuitos de empreen-
dedorismo aos refugiados, que serão ministrados a distância e presencial-
mente.
O presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, afirma que “o empreen-
dedorismo é uma forma de incluir socialmente e economicamente os milha-
res de refugiados”. Além da capacitação empresarial, a parceria busca es-
timular a formalização dos empreendimentos dirigidos pelos refugiados e
facilitar o acesso ao crédito para esse público.
“É uma ação importante não só pela questão humanitária,
mas porque o fluxo migratório também é um importante vetor
de desenvolvimento social e econômico. Os refugiados são
naturalmente empreendedores e podem ajudar a gerar novos
negócios e empregos, além de oferecer ao país intercâmbio
cultural, científico, tecnológico e laboral”. (VASCONCELLOS, 2016)27
.
27	 Beto Vasconcellos, presidente do Conare, em entrevista para Agência
Sebrae, em abril de 2016.
60 61
4.2 - EMPODERAMENTO E
ATIVAÇÃO DOS POTENCIAIS
Por definição, empoderamento é a ação social coletiva que visa potencializar a cons-
cientização civil sobre os direitos sociais e civis28
. É mais que uma ação de cidadania,
devolve o podere adignidade aquem desejao estatuto de cidadão e, principalmen-
te, aliberdade de decidire controlarseu próprio destino, com responsabilidade e res-
peito à sociedade. Sendo assim, observando a conjuntura de vulnerabilidade social,
inerente a todos os refugiados, independente do país de origem, a necessidade de
integrar os estrangeiros à realidade social do Brasil é latente.
Diante da problemática abordada, o grupo resolveu voltar o foco dos estudos para
a dificuldade na geração de renda. Em resumo, o produto final desta monografia
pretende trazer uma solução de design estratégico que seja relevante e, ao mesmo
tempo, viável. O intuito, diante do estudo de propostas similares e comparativo de
ideias jáexistentes no mercado, é justamente superaros obstáculos paraareintegra-
ção dos refugiados de forma a criar autonomia e trazer as ferramentas necessárias
paraque eles possam buscarsuaprópriainserção nasociedade. Conheceras maiores
dificuldades, trabalhar os potenciais intelectuais e valorizar as diferenças através do
empoderamento se torna o diferencial deste projeto.
Entender a cultura, respeitar as tradições de cada povo e identificar o conhecimento
dos estrangeiros que chegam no Brasil sem amparo e sem orientação é, de fato, um
grande desafio. O intuito, portanto, é valorizar o melhor de cada um e, finalmente,
gerar oportunidades para inserção social, econômica e cultural.
28
	 ROMANO, Jorge O.; ANTUNES, Marta. Empoderamento e direitos no combate à pobreza. Rio de
Janeiro: ActionAid Brasil, 2002. p. 91-116.
62 63
CAPÍTULO 5
COMO UMA
FERRAMENTA SOCIAL
Cada vez mais, as crises sociais, econômicas, ambientais
e culturais que são enfrentadas atualmente tornam evi-
dente a decadência de uma visão moderna de desen-
volvimento estabelecida na exploração de recursos fi-
nitos, acumulação de riquezas e do crescimento do PIB
(Produto Interno Bruto). Tais problemas sociais, frutos
do fracasso do sistema econômico tradicional ou sim-
plesmente suprimidos por ele, hoje, são compreendidos
como oportunidades para a inovação e um mercado
promissor de atuação. Para que isso ocorra, não basta
apenas agir e pensar de forma a reproduzir os padrões
atuais de produção e consumo, é necessário uma ruptu-
ra do modus operandi através de um sistema baseado
em novos valores culturais que empreende, sobretudo,
mais qualidade de vida e ampliação de oportunidades.
Fonte: Danish Design Center, 2003
Gráfico: Processo de Inovação
NENHUM DESIGN
DESIGN COMO PROCESSO
DESIGN COMO ESTILO
DESIGN COMO INOVAÇÃO
64 65
A “Escada do Design” foi desenvolvida pelo Centro de
Design Dinamarquês (DDC) para avaliar o nível de apli-
cação do design dentro de empresas e instituições. A
escada consiste em quatro níveis: 1- Nenhum uso do
Design: quando o design é parte inexpressiva no de-
senvolvimento de produtos e executado por profissio-
nais da empresa que não são designers. As soluções são
baseadas pela percepção dos profissionais envolvidos,
com pouco olhar para o usuário. 2- Design como Esti-
lo: neste estágio o papel do design é entendido como
exclusivamente pelo aspecto estético e o design não
exerce qualquer outro papel no processo de produção;
3- Design como Processo: quando o design deixa de
ser apenas o resultado de um processo, mas incorpo-
rado como um método a ser adotado desde o início do
desenvolvimento de um produto até o fechamento do
projeto. As soluções de design são desenvolvidas com
foco no usuário e envolvem uma equipe multidisciplinar
de diversas áreas da empresa; 4- Design como Inova-
ção: o designer atua com os gestores da empresa para
repensar o modelo de negócio e sua cadeia de valor. As
soluções de design abordam todas as áreas da empresa
auxiliando na adoção de inovações.
Compreende-se que o design, através de um processo
de planejamento estratégico, concebido por uma análise
de cenários complexos como o da crise imigratória atu-
al - abordada nos capítulos anteriores - tem um impor-
tante papel como ferramenta para a inovação visando a
criação de projetos que promovam o desenvolvimento
econômico e a inclusão de comunidades e indivíduos
que se encontram em situação de vulnerabilidade social,
gerando novas oportunidades de trabalho e mobilizan-
do atores sociais locais para formar redes solidárias.
“Não basta incluir. Não há solução se pensarmos
apenas na inclusão social que aí está. Incluir na
esfera do capitalismo – que é um modo de pro-
dução essencialmente exclusivo – é uma contra-
dição evidente. Estaríamos tentando resolver um
problema criado pelo capitalismo por meio do
próprio capitalismo. Na verdade, a inclusão so-
cial não é apenas social. Ela é, necessariamente,
também uma inclusão econômica e tecnológica.
Numa ótica transformadora, a inclusão com quali-
dade social deve respeitar e valorizar as diferenças
e, ainda, possibilitar maiores esperanças de eman-
cipação”. (ESTEVES apud GADOTTI, 2009)29
.
Sob uma nova ótica de modelo de negócio, a inovação so-
cial baseia-se em pequenos empreendimentos e redes de
organizações que, de formasustentável, têm como core do
seu negócio o desenvolvimento social, promovendo solu-
ções para inovação que não surgem do mercado tradicio-
nal e, sim, dos segmentos excluídos por ele, e que, através
29	 ESTEVES 2011, apud GADOTTI 2009, p. 25
devalores e princípios sustentados em umarede solidáriae
colaborativa, possa ser restituída às classes marginalizadas
sua dignidade através da sua inclusão produtiva.
Em seu livro DesignThinking - Uma metodologia poderosa
para decretar o fim das velhas ideias, Tim Brown considera
que o processo de inovação por meio do design thinking,
metodologia aplicada no próximo capítulo, deve conside-
rar a integração de três fatores: sociais, (desejabilidade - o
que faz sentido para as pessoas), técnicos (praticabilidade
- o que é tecnologicamente possível num futuro próximo)
e comerciais (viabilidade - o que poderá fazer parte de um
modelo de negócios sustentável). Ao aplicar uma aborda-
gem não linear sobre estes três fatores, o design thinking
possibilita um novo olhar para os problemas existentes
buscando soluções inovadoras através de uma aborda-
gem centrada, sobretudo, no usuário.
Neste contexto, os conceitos da economia criativa e da
economia colaborativa, que detalharemos a seguir, tor-
nam-se, cada vez mais evidentes como vetores para a
inovação social. A pesquisa realizada para o projeto bus-
cou identificar soluções aplicáveis e sustentáveis com
foco nos setores daindústriacriativacujo ciclo de criação,
produção e distribuição de seus produtos, sejam bens
ou serviços, são frutos da integração entre novas tecno-
logias e produtos culturais. Ao tomar partido da cultura
do refugiado sírio como capital simbólico com potencial
para gerar renda e fomentar o empreendedorismo social
podemos promover a valorização e o resgate cultural do
refugiado a partir da sua inclusão, estabelecendo uma
nova relação e ressignificação da sua cultura perante a
cultura local, gerando autoestima e revelando o seu va-
lor para a sociedade.
Gráfico: Processo de Inovação
Fonte: IDEO
TECNOLOGIA
(feasibility)
SOCIAL
(desirability)
NEGÓCIOS
(viability)
INOVAÇÃO
PELO DESIGN
66 67
5.1 - EMPREENDEDORISMO
E INOVAÇÃO SOCIAL
Segundo a Ashoka, empreendedores sociais são indi-
víduos, agentes transformadores (changemakers), que
identificam necessidades latentes na sociedade e pro-
curam soluções sistêmicas capazes de promover mu-
danças profundas em seu entorno. Empreendedores
sociais não se resignam às regras do mercado tradicional
e buscam a inovação em novas formas de organização
social. Eles também têm o papel de conectarem cida-
dãos, organizações da sociedade civil, comunidades lo-
cais, empresas e servidores e o setor público em prol de
não só satisfazer e atender as necessidades individuais,
como também as coletivas.
O conceito de inovação social pode ser definido como
o desenvolvimento de soluções, sejam produtos, servi-
ços ou modelos de negócio, para atender as necessida-
des sociais, estabelecendo novas relações e formas de
colaboração. Em geral, as iniciativas de inovação social
são multidisciplinares e participativas, promovem a dis-
seminação de conhecimento, estimulando articulações
em rede e empoderando indivíduos, transformando-os
em atores sociais. Cria-se uma inovação bottom-up, de
baixo pra cima, impulsionada pela própria comunidade.
Este tipo de inovação considera todos os atores impac-
tados pela solução do problema, trazendo resultados
que são compartilhados entre a comunidade e seus par-
ticipantes.
Em suma, o processo de inovação social baseia-se em
quatro etapas:
• Identificação de necessidades sociais (não atendidas
ou deficientemente atendidas);
• Desenvolvimento de novas soluções em resposta a es-
sas necessidades sociais;
• Avaliação da eficácia de novas soluções para satisfazer
as necessidades sociais;
• Intensificação das inovações sociais eficazes.
“Os empreendedores sociais não
se contentam apenas em dar o
peixe ou a ensinar a pescar. Eles
não descansarão enquanto não
revolucionarem a indústria da pesca”
(Bill Drayton, fundador da Ashoka)
68 69
ECONOMIA CRIATIVA
A economia criativa atua na dimensão cultural da sus-
tentabilidade, gerando valor a partir de ativos intangíveis
como o conhecimento, a criatividade e a experiência, ou
seja, recursos que não apenas não se esgotam mas que
têm o potencial de se multiplicar e se renovar com o uso.
No Plano da Secretaria da Economia Criativa, elaborado
em 2011 pelo Ministério da Cultura, as indústrias criativas
são definidas como aquelas cujas atividades produtivas
têm como processo principal um ato criativo gerador de
um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é
determinante do seu valor, resultando em produção de
riqueza cultural, econômica e social.
ECONOMIA COMPARTILHADA
A economia compartilhada dá-se na dimensão ambiental ge-
rando valor por meio do compartilhamento de recursos subu-
tilizados, como espaços, equipamentos e, até mesmo, conhe-
cimento, de forma a privilegiar o acesso ao invés de aquisição.
ECONOMIA COLABORATIVA
Na dimensão social, a economia colaborativa dá um
novo olhar para o modelo de gestão, com propósito no
desenvolvimento local, gerando conexão entre pessoas
e empreendimentos de produção, distribuição e finan-
ciamento, articulados por meio de redes distribuídas, em
oposição ao modelo tradicional centralizado, potencia-
lizando resultados em escala e a autossustentabilidade
por meio de um crescimento conjunto.
ECONOMIA MULTIVALOR
Por último, a economia Multivalor atua na dimensão fi-
nanceira, entendida como a dimensão do resultado e
não da moeda, gerando fluxo de valor não apenas mo-
netário para todas as dimensões 4D, considerando re-
sultados sociais, ambientais, financeiros e culturais.
5.2 - FLUXONOMIA 4D
A Fluxonomia 4D é um método proposto por Lala Deheinzelin, uma das pioneiras da economia criativa no Brasil, pelo
qual podemos trabalhar simultaneamente as quatro dimensões da sustentabilidade (cultural, ambiental, social e fi-
nanceira) associadas a quatro economias exponenciais: criativa, compartilhada, colaborativa e multivalor.
INTANGÍVEL
SOCIAL
CULTURAL
AMBIENTAL FINANCEIRO
Economia
COLABORATIVA
Economia
COMPARTILHADA
Economia
MULTIVALOR
Economia
CRIATIVA
TANGÍVEL
70 71
CASE STUDY MIGRAFIX
http:/
/www.migraflix.com.br/
O Migraflix é um projeto de ação social que propõem a
integração social e econômica por meio de workshops
culturais ministrados por imigrantes e refugiados. O
projeto visa ampliar as oportunidades de renda para
imigrantes e refugiados através divulgação e valo-
rização da sua própria cultura. Isso se dá a partir de
workshops oferecidos ao público em geral, predomi-
nantemesnte brasileiros, promovendo intercâmbio cul-
tural e permitindo que seus usuários entrem em con-
tato com uma nova visão de mundo, enquanto aprende
um assunto de seu interesse.
CASE STUDY A WAY TO MARS
https:/
/www.awaytomars.com/
A Way To Mars é uma ma plataforma online colaborati-
va que funciona a base de valores éticos para promover
o pensamento criativo, a co-criação, o crowdfunding e
a divisão de lucros. A plataforma permite que criativos
possam compartilhar suas ideias de produtos, aperfei-
çoá-los com a colaboração de outros usuários e con-
cluir o processo por meio de uma campanha de crowd-
funding para que o projeto de fato saia do papel.
CASE STUDY SKILLSHARE
https:/
/www.skillshare.com/
Skillshare funciona como uma comunidade global de
conhecimento baseada na ideia de crowdlearning onde
os usuários inscritos podem escolher milhares de aulas
on-line ou até mesmo compartilhar seus próprios co-
nhecimentos e habilidades com outros usuários.
A plataforma tem como objetivo oferecer ferramen-
tas para empoderar pessoas para aproveitarem o seu
potencial criativo e a tornarem suas vidas mais interes-
santes.
CASE STUDY CINESE
http:/
/www.cinese.me/
Cinese é uma plataforma digital que promove cone-
xões entre pessoas e saberes coletivos por meio de en-
contros para compartilhar conhecimentos, experiências,
habilidades e debater temas de interesses em comum.
Usuários da plataforma podem buscar ou criar novos
eventos que podem ser gratuitos ou cobrados, a ideia
é que qualquer um pode aprender qualquer coisa, com
qualquer pessoa e em qualquer lugar.
72 73
CASE STUDY HELPING HAND
http:/
/www.helpinghandapp.com.br/)
Helping Hand é um projeto de mapeamento colabo-
rativo como o objetivo fornecer acesso a informações
necessárias de instituições que oferecem apoio aos
imigrantes e refugiados no Brasil, como agências inter-
nacionais, assistência jurídica, centros de apoio, comu-
nidades e sociedades, templos religiosos, órgãos go-
vernamentais, consulados e embaixadas, instituições de
ensino, aulas de português, oportunidades de emprego
e hospitais próximos à região onde você mora.
CASE STUDY OPEN IDEO
https:/
/openideo.com/
Open IDEO é uma plataforma colaborativa onde pes-
soas se conectam para compartilhar experiências e
conhecimentos diversos e, juntos, projetar soluções
para os mais complexos problemas sociais por meio
do design thinking. É uma plataforma online para pen-
sadores criativos de diferentes backgrounds mas com
interesses em comum, o bem social.
CASE STUDY WONOLO
http:/
/www.wonolo.com/
Wonolo, “Trabalhe. Agora. Localmente”, é uma plata-
forma de recrutamento sob demanda onde empresas
podem cadastrar suas necessidades de trabalho flexí-
veis em jornadas diárias ou por hora e encontrar profis-
sionais que podem atender estas demandas. O objetivo
da plataforma é permitir que pessoas possam trabalhar
quando, onde e para quem quiserem, e atender as ne-
cessidades imediatas das empresas com profissionais
qualificados.
CASE STUDY MINHA SAMPA
https:/
/www.minhasampa.org.br/
Minha Sampa é uma iniciativa que faz parte da rede
Nossas Cidades. O minha Sampa reune uma equipe de
de mobilizadores e comunicadores que acompanham
as decisões tomadas pelos poderes executivo e legisla-
tivo municipais e estaduais gerando uma rede de mo-
bilização formada por milhares de cidadãos que que-
rem construir uma São Paulo melhor. A iniciativa busca
fornecer ferramentas e facilitar o processo de influência
do cidadão comum sobre as decisões políticas da cida-
de por meio de campanhas de mobilização e projetos
coletivos que podem ser criados por qualquer cidadão.
74 75
A partir deste estudo, identificamos a necessidade de
proporcionar aos refugiados um ambiente que os levem
a identificar oportunidades para desenvolver suas pró-
prias ideias através do fortalecimento de suas compe-
tências, estabelecendo conexões entre suas habilidades
e interesses comuns, empoderando estes indivíduos e
suas comunidades para buscarem sua inserção produti-
va, estimulando o empreendedorismo formal e informal
e, por fim, impulsionar novas conexões em rede e novas
formas de atuar dentro da sociedade.
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  • 2. Trabalho de Conclusão de Curso de Pós Graduação em Design Estratégico e Inovação São Paulo | 2016 Camila Pons Clarissa Dornelas Lucas Missi Odilon Queiroz YALLA JOBS - oportunidades para uma nova vida
  • 3. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora como exigência para a obtenção do título de Pós Graduação em Design Estratégico e Inovação, do IED-São Paulo Coordenadores: Francisco Albuquerque Orientadores: Prof. Jaakko Tammela Prof. José Carlos Carreira Prof. Rodrigo Vilalba Caniza Camila Pons Clarissa Dornelas Lucas Missi Odilon Queiroz YALLA JOBS - oportunidades para uma nova vida
  • 4. AGRADECIMENTOS DEDICATÓRIA Agradecemos à todas as pessoas que participaram da nossa trajetória durante o processo de desenvolvimento do projeto de conclusão do curso e nos deram suporte, força e conhecimento para que fosse possível realizá-lo. Às nossas famílias que nos deram suporte e nos trouxeram até aqui. Aos nossos colegas de sala e professores que durante todo esse tempo de curso compartilharam conhecimentos e experiências conosco. Mas, principalmente, à todas as instituições, ONG’s e refugiados que permitiram nos aproximar e coletar as informações possíveis para que o trabalho existisse, além de compartilharem suas histórias e vivências que enriqueceram o projeto e nossas experiências pessoais. Aos refugiados que, assim como tantos outros no passado, enxergam no Brasil a possibilidade de uma vida digna e um futuro próspero.
  • 5. O projeto propõe-se a elaborar uma pesquisa acadêmica cuja abordagem é a recente onda de refugiados no Brasil, os impactos futuros e as oportunidades e políticas para geração de renda. Para isso, a análise foi desenvolvida a partir do entendimento histórico do movimento de imigração síria, sendo este o povo escolhido como objeto de estudo, para esclarecer as motivações e compreensão do cenário da atual crise migratória. O entendimento do contexto em que os sírios estão inseridos encaminhou o grupo para a definição das barreiras socioeconômicas e culturais que influen- ciam diretamente na busca por um trabalho. A partir das diretrizes da disciplina de Design Estratégico, com abordagens do Design Thinking e seus métodos, foi idealizada uma solução para gerar renda através do empoderamento, posterior- mente aplicada e testada pelo grupo. O resultado esperado é uma plataforma intuitiva, centralizadora de conexões e um serviço de utilidade pública. Palavras-chave: Movimentos migratórios, refugiados, empoderamento, imigração síria, oportunidade, trabalho. This project proposes to develop an academic research whose approach is the current migratory fluxes coming to Brasil, also the future impacts and oppor- tunities for income generation. Due to this aspects, this analysis was developed from the historical understanding of Syrian migratory movement, and this peo- ple was chosen to be the focus of study, to clarify the motivations and unders- tand the current humanitarian Crisis. To Comprehend the context in which the Syrians are inserted leads the group to define sociocultural and economical issues that directly influence a job search. From Strategic Design point of view, following the guidelines of Design Thinking method, it was created a solution tested and applied by the group, to contribute for income generation by empowering the refugee. The expected result is an intuitive platform that centralizes connections and also a service of public use- fulness. Key-words: Migration, refugees, empowerment, Syrian Crisis, Opportunity, work. RESUMO ABSTRACT
  • 6. 30 52 62 76 120 124 53 40 66 77 60 68 79 81 88 108 SUMÁRIO 4.1 As dificuldades para geração de renda 4.2 Empoderamento e ativação dos potenciais 3.4 As barreiras para a inclusão social 5.1 Empreendedorismo e inovação social 5.2 Fluxonomia 4D PROBLEMATIZAÇÃO DESIGN COMO UMA FERRAMENTA SOCIAL CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS PROJETO DE DESIGN 6.1 Metodologia de Projeto 6.1.1 Discover 6.1.2 Define 6.1.3 Develop 6.1.4 Deliver INTRODUÇÀO A IMIGRAÇÃO SÍRIA NO BRASIL REFUGIADOS SÍRIOS: UMA NOVA ONDA DE IMIGRAÇÃO 12 18 19 31 2.1 Os primeiros conflitos na Síria 3.1 Panorama Geopolítico: a Guerra na Síria 21 35 2.2 O sírio enquanto imigrante no Brasil e sua instalação em São Paulo 3.2 Refugiados sírios: uma nova onda de imigração 25 38 2.3 A inserção da cultura síria na cidade de São Paulo 3.3 O perfil do refugiado sírio
  • 7. 12 13 CAPÍTULO 1 O projeto aborda como tema a chegada de uma nova onda de refugiados sírios e suas relações sociais na cidade de São Paulo. Este tema surge a par- tir das possibilidades que o Design Estratégico consegue acrescentar a um projeto com foco na inserção econômica dos refugiados sírios. Uma análise preliminar de contexto indica ao grupo uma problemática de pesquisa que traz a reflexão quanto ao potencial da identidade cultural dos refugiados sírios como um elemento para gerar renda para os mesmos den- tro de um ambiente de alta diversidade e multiculturalidade como é São Paulo. Para iniciar o projeto de pesquisa, são levantadas algumas hipóteses base- adas nas mesmas análises preliminares que direcionaram à problemática. A primeira delas surge da retomada de um histórico da imigração sírio-libanesa no Brasil e as heranças que surgiram dessas primeiras ondas como um meio para facilitar a integração dos refugiados sírios que chegam agora na cidade. Em seguida, o projeto de pesquisa trata de uma hipótese quanto às poucas políticas públicas destinadas ao suporte dos imigrantes recém-chegados que recebem mais suporte de instituições e entidades não governamen- tais do que do próprio governo que os aceita no país. Outra hipótese traz a identidade cultural dos sírios como uma possibilidade de tornarem-se um ativo econômico de forma a facilitar sua integração no contexto social, além de romper com eventuais barreiras culturais e estabelecer redes de contatos plurais. Por fim, aborda-se o Design Estratégico e suas características multi- disciplinares como uma disciplina promissora para o desenvolvimento de um projeto de geração de renda levando em consideração as necessidades dos atuais refugiados sírios.
  • 8. 14 15 Os objetivos desse projeto serão apresentados em dois níveis, sendo que o primeiro trata de uma maneira geral sobre o que se espera deste projeto e o segundo aborda os níveis mais específicos e que guiam as pesquisas para a concepção das solução apresentadas. Apresentam- -se como objetivos gerais: identificar oportunidades de inovação dentro da economia criativa, partindo da po- tencial identidade cultural como representação de um elemento de geração de renda própria da população em estudo; estabelecer uma conexão entre entidades que dão apoio aos refugiados, à comunidade sírio-libanesa e aos possíveis interessados pela cultura árabe; por fim, a elaboração de um projeto de design para promover a integração econômica dos refugiados sírios hoje em São Paulo por meio de sua identidade cultural e mobilização de redes multiculturais de apoio. Para atingir esses objetivos, é necessário elaborar um panorama histórico sobre as ondas de imigração síria anteriores até o atual movimento; entender quais foram e quais são os atuais estereótipos atribuídos aos refu- giados sírios por parte dos paulistanos; compreender a atual estrutura de assistência e apoio social ao imigrante sírio existente em São Paulo; compreender quais as di- ficuldades que os refugiados sírios enfrentam ao che- garem ao Brasil; mapear a média do nível educacional e profissional dos imigrantes sírios para avaliar as possí- veis formas para geração de renda; identificar as princi- pais barreiras culturais que inibem os refugiados sírios a se inserirem no contexto social de São Paulo; e entender as particularidades da cultura síria para identificar opor- tunidades de inovação inseridas em formas alternativas de economia. Justifica-se esse projeto, primeiramente, pelo estudo dos movimentos imigratórios ser um assunto de inte- resse do grupo e que expõe uma realidade de escassas estruturas para o recebimento de refugiados no Brasil. Além disso, foram observadas poucas práticas eficien- tes quanto ao assunto, o que despertou a vontade do grupo em atender um propósito real para elaboração do projeto de conclusão de curso e instigou pela busca de uma solução viável e eficiente para a comunidade síria. No âmbito social, foi visto que, nos últimos anos, houve um grande aumento da demanda de acolhimento de re- fugiados no Brasil. Apesar de certas facilitações em re- cebê-los, pouco se faz para garantir que os refugiados tenham condições para o seu desenvolvimento econô- mico e social após sua chegada. Baseado em estudos que ajudam a compreender os movimentos imigratórios e, principalmente, as ondas de imigração síria, preten- deu-se estabelecer um modelo de projeto que seja pos- sível ser replicado para demais nacionalidades de refu- giados. Para atender o viés acadêmico, o grupo utilizou-se do design estratégico como um recurso para inovação so- cial, ampliando as oportunidades de inserção econômica dos refugiados sírios em São Paulo. A partir de um pro- jeto de design eficiente e, ao mesmo tempo, cuidadoso quanto à relação que o refugiado estabelece com a ci- dade, o grupo buscou desenvolver uma solução com ali- cerce na cultura síria e nas atividades da economia cria- tiva para propor uma alternativa que auxilie na geração de renda dessas pessoas. Antes de adentrar os capítulos que contextualizam o projeto de design, é preciso deixar claro quais são os objetos de estudo e as abordagens que são destinadas a eles. O projeto busca focar-se em soluções de design estratégico para o refugiados sírios que, apesar de se deslocarem para outros países, possuem diferenças fun- damentalmente distintas e são tratados de maneira di- ferente perante a lei em comparação aos migrantes. De acordo com a ACNUR, Agência da ONU para Refu- giados, são migrantes aqueles que decidem se deslocar para melhorar suas perspectivas e de suas famílias. No caso dos refugiados, são aqueles que necessitam deslo- car-se para salvar suas vidas ou preservar sua liberdade. Vivem em situações de risco e não possuem proteção de seu próprio Estado, quando não é esse que muitas vezes ameaça persegui-los. Para tornar mais clara a diferença entre os dois termos, em 1951, surgiu a Convenção dos Refugiados, estabe- lecida pela ACNUR. A convenção determina que um refugiado é alguém que “temendo ser perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua na- cionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país”. Ainda na Con- venção, estabelece-se a relação que o país que recebe o refugiado deve cumprir, dizendo que “nenhum país deve expulsar ou “devolver” um refugiado, contra a vontade do mesmo, em quaisquer ocasiões, para um território onde ele ou ela sofra perseguição”. Compreendendo as diferenças desses dois atores, é hora de apresentar os capítulos que virão, iniciando-se com um contexto histórico que, de maneira breve, abor- da a Síria e seus primeiros conflitos, passando por um entendimento das primeiras ondas de imigração síria e finalizando com a inserção da cultura síria na cidade de São Paulo e as heranças sírias na construção de uma cul- tura paulistana. Após a abordagem histórica, é o momento de retomar ao panorama geopolítico da Síria, porém no atual con- texto de Guerra Civil. Tendo em vista que isso ajuda a desenhar um perfil do sírio que chega nessa nova onda de imigração, caracterizada pelos refugiados, e sua jor-
  • 9. 16 17 nada até chegar em São Paulo para, então, compreen- der a atual condição do refugiado e as barreiras presen- tes para a inclusão social do mesmo. Tendo o entendimento do macro cenário histórico, as heranças culturais e como isso influenciou a chegada dos refugiados sírios no Brasil, além das condições e di- ficuldades que são encontradas hoje nesse movimento migratório, é possível definir o problema a ser resolvi- do nesse projeto de design com foco nas possibilidades quanto à geração de rendas alternativas que ajudem o refugiado a se estabelecer em São Paulo e conquistar sua independência financeira para seu sustento e de sua família, além de contribuir para a economia da cidade. O grupo identifica, como caminhos possíveis para o de- senvolvimento da solução de design, os conceitos de economia criativa, inovação social e o empreendedoris- mo, que tem papel relevante como suporte para o de- senvolvimento do projeto e embasamento teórico. Por fim, o projeto desenvolvido é apresentado a partir das metodologias que seguem as principais bases da disciplina de Design Estratégico, com o Design Thinking sendo a disciplina básica para seu desenvolvimento e resultando em um modelo de negócio para promover formas para que o refugiado esteja mais próximo das oportunidades de geração de renda.
  • 10. 18 19 CAPÍTULO 2 A PARTIR DO SÉCULO XIX O processo exploratório quanto ao tema do projeto dá- -se primeiramente em compreender as origens dos con- flitos na Síria que influenciam até hoje a situação política no território e que têm motivado tantas pessoas a dei- xarem suas casas e passarem a fazer parte das estatísti- cas dessa nova onda de imigração. O entendimento quanto quem foram os primeiros mi- grantes sírios no Brasil, de onde se formou uma comu- nidade sírio-libanesa tão forte, principalmente em São Paulo, também é explorado e contextualizado. Obser- va-se que a influência árabe em geral foi essencial para a formação da cidade de São Paulo, e esse fator é de extrema relevância ao entender que esta é a cidade de foco para a chegada dos refugiados. O processo de integração dos imigrantes desde o fim do século XIX teve influência direta para a concepção da cultura paulista existente hoje. Desde palavras que fa- zem parte do vocabulário até a comida de rua encontra- da a cada esquina são exemplo de como a cultura síria foi inserida na cultura brasileira, especialmente em São Paulo. Tendo em mãos o contexto histórico do qual o tema do projeto se deriva, é possível compreender me- lhor questões que se mantêm até hoje e retirar apren- dizados enriquecedores quanto à relação daqueles mi- grantes com São Paulo. 2.1 - OS PRIMEIROS CONFLITOS NA SÍRIA A região da Síria é considerada local das mais antigas civilizações no mundo, e sua história de formação en- quanto nação é composta pela passagem e domínio de diversos povos que ajudaram na construção dos prin- cipais elementos da cultura síria. Sua capital, Damasco, está entre as mais antigas cidades habitadas por um pe- ríodo contínuo1 . Dentre essas passagens, também se originaram diver- sos conflitos e guerras, tornando a Síria um terreno de instabilidade contínua. Tais conflitos atravessaram os tempos, marcados por grandes impérios como o Califa- do Omíada - um dos principais califados islâmicos - e o Otomano - que representou o estado muçulmano mais importante da era moderna. Chegando à história moderna da Síria, após a Primeira Guerra Mundial, a França dominou o país durante 20 anos até que sua independência oficial fosse conquis- tada em 1945, junto ao fim da Segunda Guerra Mundial. 1 Mundo Estranho, Abril – As Cidades mais antigas do mundo Dis- ponível em: <http:/ /mundoestranho.abril.com.br/materia/top-10-a-cidades- -mais-antigas-do-mundo>. Acesso em 10 de maio de 2016.
  • 11. 20 21 No anos seguintes, enquanto república, o país passou a sofrer com golpes militares, que tiveram como consequ- ência a eclosão de mais conflitos internos. Esses momen- tos de tensão deram espaço ao surgimento do Partido Baath, que marcou a história contemporânea da Síria. Fundado em 1947, logo após a independência Síria, o partido surgiu a partir da ideologia do Baathismo, que buscava promover a unificação do mundo árabe em um único Estado. O lema do partido era composto pelos termos “Unidade, Liberdade, Socialismo” e referia-se à unidade árabe, liberdade de controle e interferências não-árabes. Ao longo dos próximos anos de sua fundação, o Parti- do Baath se envolveu em diversos desacordos políticos com outros partidos já existentes na época. Os princi- pais atuantes eram o tradicionalista Partido Popular (PP), o Partido Socialista Árabe - que se juntou com o Partido Baath no ano de 1953 - e o Partido Comunista Sírio, que, junto aos partidos tradicionalistas da época e ao próprio Partido Baath, assinou o Pacto Nacional, criando um governo de unidade que levaria à criação da República Árabe Unida (RAU) - a união entre as repú- blicas do Egito e Síria. Esse movimento durou cerca de 3 anos e entrou em colapso por conta de uma gestão ineficiente por causa dos conflitos de interesse entre os partidos integrantes. Após esse marco, o Partido Socialista Baath se fortale- ceu na Síria, e as diversas articulações lideradas por ele resultaram em mais um golpe de governo, conhecido como o Golpe de Estado de 1966, liderado pelo Comitê Militar de Hafez al-Assad. Todos esses conflitos impactaram e influenciaram a atu- al situação de guerra da Síria, que é o principal motivador para o movimento de refugiados sírios estudados nesse projeto. A partir de al-Assad, a história do partido segue para um contexto contemporâneo que será detalhado no capítulo 3 ao abordar o panorama geopolítico atual da Síria com foco na Guerra Civil, iniciada em 2011 e que permanece até hoje como motivador das novas ondas de imigração síria. Mas antes de abordar o que acontece atualmente na Síria e os movimentos de refugiados para o Brasil, será apresentado um breve contexto quanto às primeiras ondas de imigração árabe e a inserção dessa cultura na cidade de São Paulo. 2.2 - O SÍRIO ENQUANTO IMIGRANTE NO BRASIL E SUA INSTALAÇÃO EM SÃO PAULO O final do século XIX é marcado pelos principais movi- mentos imigratórios árabes no Brasil. A situação econô- mica global na época somada às políticas de incentivo à imigração aumentaram o que antes eram pequenos fluxos imigratórios para levas contínuas que desembar- cavam no país. Observa-se o deslocamento árabe em duas grandes etapas: segundo os estudos da pesquisadora Claude Fahd Hajjar, a primeira inicia-se por volta de 1860/1870 e se encerra com o início da Segunda Guerra Mundial. A segunda etapa teve início no pós-guerra, em 1945, e continua até os dias atuais. Um importante ícone da época foi a Hospedaria dos Imi- grantes, situada no bairro do Brás em São Paulo. O loca teve grande relevância nesse momento, pois, além de acolher os imigrantes recém-chegados, também os en- caminhava às oportunidades e negócios na região, tor- nando São Paulo um dos principais polos de mercado de trabalho no país.
  • 12. 22 23 Com esse contingente desembarcando em São Paulo, a cidade já desenvolvia estruturas suficientes para o início de sua industrialização e do comércio, havendo capital necessário para circulação de moedas e um mercado consumidor que ajudava a estabelecer uma infraestru- tura urbana na cidade. O resultado desses movimentos foi uma explosão de- mográfica que determinaria as configurações urbanas atuais ao dividir a cidade em bairros e destinar a eles suas funções dentro da dinâmica urbana. Além disso, os bairros cumpriam o papel de destino e identificação para as diversas etnias que se somavam a cada leva de imigrantes. O bairro ocupou um papel importante como meio para reconstruir a noção de comunidade entre os imigrantes de cada país. Cada bairro era constituído pela predomi- nância de uma nacionalidade, representava um ambien- te familiar em que era possível voltar a ter contato com a língua de origem, os costumes e a cultura de seus países. Mas antes mesmo da formação dos bairros, próximo da virada para o século XX, os sírios já chegavam ao Brasil. Esse movimento costumava ser determinado principal- mente por já existir uma conexão familiar que os encora- java a vir buscar oportunidades para melhorar as condi- ções financeiras no solo brasileiro. Poucas fontes apontam com precisão a chegada dos primeiros sírios no país. Segundo o Boletim do Ministério do Trabalho, os primeiros “turcos”, como eram chamados na época, datam de 1871. O termo “turco” era usado de maneira oficial e surgiu por conta do domínio do Império Turco Otomano na época que emitia passaportes com essa nacionalidade. Apesar do termo parar de ser usado oficialmente para denomi- nar os povos dessa região em 1892, permaneceu como uma herança popular para se referir a quem veio tanto da Síria quanto do Líbano. Este era um termo não apre- ciado pelos sírios e libaneses que tiveram como motiva- ção para saírem de sua terra natal o domínio Otomano. Em um trecho do livro de Jorge Amado, Gabriela Cravo e Canela, o personagem de Nacib demonstra seu descon- tentamento e até o tom de ofensa quando chamado de “turco” em um dos seus diálogos: “De árabe e turco muitos o tratavam, é bem ver- dade. Mas o faziam exatamente seus melhores amigos e o faziam numa expressão de carinho, de intimidade. De turco ele não gostava que o chamassem, repelia irritado o apodo, por vezes chegava a se aborrecer: - Turco é a mãe! - Mas, Nacib... - Tudo que quiser, menos turco. Brasi- leiro – batia com a mão enorme no peito ca- beludo – filho de sírios, graças a Deus. - Árabe, turco, sírio, é tudo a mesma coisa. - A mesma coisa, um corno! Isso é ignorância sua. É não co- nhecer história e geografia [...] - Ora, Nacib, não se zangue. Não foi para lhe ofender. É que es- sas coisas das estranjas pra gente é tudo igual...” (AMADO, Jorge, 1975, p. 43-45). Desde o início do movimento imigratório árabe, os cen- tros urbanos eram a preferência. Segundo os estudos apresentados por Knowlton (1960), 83% da população árabe do Estado de São Paulo, em 1934, era classificada como urbana. Seguindo os estudos de Oswaldo Truzzi (2001) sobre a imigração dos sírios para o Brasil levanta-se a hipótese de que eles já chegavam com um propósito de perma- necer temporariamente com a intenção de acumular ca- pital suficiente para voltar à sua terra e melhorar a condi- ção de vida de sua família. Por conta disso, muitos deles iniciavam suas atividades econômicas como mascates - denominação utilizada para referir-se aos comercian- tes itinerantes. Essa atividade permitia que eles traba- lhassem por conta própria e tivessem autonomia para gerar sua própria renda, além de colocá-los em contato com os brasileiros e, assim, terem acesso fácil à língua portuguesa, ampliando ainda mais as oportunidades de venda. O comércio tornou-se a principal atividade do árabe no Brasil nos meados do século XX, no entanto, com o de- senvolvimento da atividade, os mascates deixaram de ser ambulantes e começaram a criar raízes em regiões específicas da cidade, como foi o caso da rua 25 de Mar- ço. Segundo Knowlton (1960), a principal razão para a rua ser escolhida pelos sírios e libaneses na época deve- -se à existência de uma pequena comunidade árabe já instalada no local que dava assistência aos compatriotas recém-chegados. Essa assistência incluía desde o rece- bimento deles no porto de Santos até o ensinamento dos principais termos da língua portuguesas para iniciar a atividade de mascate. Desde então, nota-se o papel ativo da comunidade síria e sua importância para o es- tabelecimento de novos imigrantes e progresso econô- mico e social de muitos deles em São Paulo. Aqueles que prosperaram por meio do mascate, abri- ram grandes estabelecimentos comerciais na região da rua 25 de Março e passaram a investir também no setor industrial. Esse progresso foi essencial para estabelecer uma comunidade árabe fixa no Brasil que, no final do século XX, já enxergava o país como a possibilidade de lar permanente. A força da comunidade influenciou também na estrutura econômica desses imigrantes, que se desenvolvia de um modo praticamente autossuficiente, em que aqueles que
  • 13. 24 25 se encontravam em melhores condições evoluíam seu pe- queno comércio para lojas de atacado, para então indús- trias que produziam e forneciam novos produtos para os recém-chegados que ainda estavam se estabelecendo. O principal produto comercializado nesse meio era aquele provido da indústria têxtil, como roupas, fitas, rendas e bordados. Essa estrutura funcionava como uma engrena- gem para o fortalecimento da comunidade árabe. A atividade comercial era rentável e suficiente para que esses imigrantes se envolvessem em outros setores da economia, como os movimentos operários e a política. Como citaAlípio Goulart em seu livro O Mascate no Brasil: “Os mascates não se envolviam em políti- cas, nem com partidos políticos. Seu interes- se resumia-se no seu comércio, e, para fa- zê-lo livremente, precisavam estar bem com todos. Dificilmente se aponta um mercador sí- rio ou libanês envolvido em questões políticas”. (GOULART, Alípio, 1967, p. 123) Retomando ao que é apresentado por Knowlton (1960), existe uma jornada árabe e, em especial, síria, que de- monstra seu progresso social e econômico na cidade. Inicia-se com a famosa rua 25 de Março, que cresceu em volta do comércio árabe e ganhou robustez a partir dele, para então um avanço dos sírios para outros distritos, como o Ipiranga, principalmente com os investimentos e industrias da Família Jafet. A ocupação da Vila Mariana demonstrou uma ascensão social, mas, ao mesmo tem- po, permitiu que, ainda assim, se mantivessem próximos à região central e, consequentemente, de seus conterrâ- neos. Por fim, chegaram à Avenida Paulista, sendo esta a expressão máxima do prestígio social na sociedade pau- listana. 2.3 - A INSERÇÃO DA CULTURA SÍRIA NA CIDADE DE SÃO PAULO A Cultura, segundo o dicionário Michaelis, é o “estado ou estágio do desenvolvimento cultural de um povo ou período, caracterizado pelo conjunto das obras, instala- ções e objetos criados pelo homem desse povo ou perí- odo; conteúdo social”. A importância de compreender as influências da cultura síria em São Paulo permite enten- der como se dá a relação atual dos refugiados sírios na cidade, sendo esta uma relação particular e muito pró- pria dos imigrantes dessa nacionalidade. Como já abordado, a expansão da imigração síria em São Paulo deve-se principalmente à existência de uma comunidade árabe bastante ativa que facilitou a vinda
  • 14. 26 27 de seus conterrâneos e os integrou à dinâmica social da cidade. Além disso, destaca-se também a atividade eco- nômica exercida pelos sírios, como o comércio, que pos- sibilitou que eles prosperassem e criassem suas raízes no país. A análise sobre a inserção da cultura síria dá-se antes mesmo da observação feita anteriormente quanto à jor- nada de Knowlton (1960) sobre os árabes pelos bairros da cidade. O papel que cada bairro desempenhou para a comunidade síria demonstra como esta passou a ser parte da cidade e possibilitou que houvessem trocas culturais significativas para manifestação dos elementos árabes na identificação da cultura de São Paulo. A pesquisa histórica sobre a chegada dos sírios em São Paulo aponta o desenvolvimento da comunidade imi- gratória árabe dentro de uma cidade ainda em forma- ção. A apropriação de determinados espaços que de- sempenhavam um papel social para essa comunidade indicou o forte vínculo entre o árabe e o povo brasileiro. Entre os bairros que os receberam, ou mesmo se inicia- ram a partir deles, chama a atenção a representativida- de do Ipiranga, onde, desde sua formação, foi possível observar uma dinâmica diferente quanto às atividades exercidas pelos sírios até então. O Ipiranga começou a tomar forma com a chegada da Família Jafet, mencionada anteriormente, que, com o grande êxito no mercado atacadista nas regiões cen- trais da cidade, possibilitou que os membros da famí- lia diversificassem suas atividades e, com isso, o bairro se desenvolveu através das primeiras indústrias têxteis construídas na região. A importância da Família Jafet vem, principalmente, de seus empreendimentos, que, além de movimentar a economia da cidade, também representaram uma im- portante função para a consolidação da comunidade árabe em São Paulo e aproximação dos paulistanos. Dentre os diversos empreendimentos da família, citam- -se o mais representativos: Fiação, Tecelagem e Estam- paria Ipiranga Jafet S.A., Esporte Clube Sírio (1917), Clu- be Atlético Monte Líbano (1934), Hospital Sírio-Libanês (1961). Tais empreendimentos tiveram grande influência para o empoderamento da comunidade árabe na cidade e cumprem, hoje, com o papel de dar suporte àqueles que chegam em São Paulo em condição de refúgio. O mesmo se pode dizer das Mesquitas que começaram a surgir no Brasil em 1929 com a construção da Mesquita Brasil, primeiro centro islâmico da América Latina. Elas passaram a ganhar espaço muitos anos depois, a par- tir de 2010, com mais de 70 mesquitas espalhadas pelo território nacional. Um levantamento feito pela União Nacional Islâmica aponta que, em 2014, já era mais de 115 o número de mesquitas, sendo 30 concentradas no Estado de São Paulo. Dados mais recentes vindos da Fe- deração das Associações Muçulmanas do Brasil (Fam- bras) dizem que esse número no Estado aumentou 20% apenas em 20152 . Dados complementares do IBGE, mostram que até 2010 eram mais de 30 mil praticantes da religião no país. Além dos espaços físicos marcados pela cultura árabe, é possível identificar elementos que acompanham e tam- bém moldaram a identidade brasileira. Gilberto Freyre é um dos autores que buscou compreender a influência árabe no Brasil. Em seu livro Casa Grande & Senzala, ele retrata as características já existentes desse povo na épo- ca da colonização portuguesa e espanhola, que já havia entrado em contato com a cultura árabe muito tempo antes do Brasil e moldara-se também entorno dela. 2 FAMBRAS. Disponível em: <http:/ /www.fambras.org.br/>. Acessado em 21 de maio de 2016. “Diversos outros valores materiais, absorvidos da cultura moura ou árabe pelos portugue- ses, transmitiram-se ao Brasil: a arte do azu- lejo, que tanto relevo tomou em nossas igre- jas, conventos, residências, banheiros, bicas e chafarizes; a telha mourisca; a janela quadri- culada ou em xadrez.” (FREYRE, 1987, p.221).
  • 15. 28 29 No entanto, quando se refere à cultura árabe, principal- mente síria, o elemento mais popular e que se destaca na cidade de São Paulo é a culinária. De acordo com o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, um quarto das refeições servidas em São Paulo são origina- das da culinária árabe. São receitas tão difundidas na die- ta diária do brasileiro que se apresentam na maioria dos restaurantes do país. É o caso da esfiha, do tabule, do babaganouche, do quibe e, claro, do pão sírio. Os pratos se proliferaram ainda mais com a criação de fast-foods que reproduziam e/ou adaptavam as receitas, ocupando as principais praças de alimentação. Ao circular pela cida- de, é possível notar centenas de estabelecimentos que possuem referências árabes, seja pelos seus nomes, seus produtos oferecidos e, muitas vezes, as figuras presentes em cada um deles, que contam histórias desse processo orgânico da imigração árabe no Brasil.
  • 16. 30 31 CAPÍTULO 3 UMA NOVA ONDA DE IMIGRAÇÃO Após o entendimento do contexto histórico dos confli- tos sírios que influenciaram a atual situação política do país, é hora de entender mais a fundo como se dão es- sas relações e o impacto disso na vida de um sírio até ele se tornar um refugiado em outro país. Além desse entendimento, o capítulo também abordará qual o perfil daquele que chega agora no Brasil, conhecimento este retirado de pesquisas exploratórias em que o grupo esteve em contato com alguns dos refugiados e pôde compreender seus perfis. Só a partir desse aprofundamento é que foi possível compreender quais os problemas que cercam os refu- giados em São Paulo e validar as hipóteses levantadas anteriormente quanto a suas relações com a cidade e os stakeholders presentes nesse sistema. 3.1 - PANORAMA GEOPOLÍTICO: A GUERRA NA SÍRIA Em 1963, o Partido Baath, já apresentado no capítulo 2, instituiu seu domínio sobre a Síria e o Iraque, dando início à nacionalização das companhias petrolíferas com o ob- jetivo de competir igualmente com as maiores empresas do ramo na França, Estados Unidos e Reino Unido. Após um golpe de estado, Hafez al-Assad tornou-se o primeiro ministro da Síria e chegou a presidente do país em 1971. Seu governo durou cerca de 30 anos, período no qual proibiu a criação de partidos de oposição e a participação de candidatos de oposição em eleições. Com sua morte em 2000, Bashar al-Assad, filho de Ha- fez al-Assad, toma o poder também por meio do Partido Baath. Bashar começou seu mandato com promessas de melhoria, libertando cerca de 700 prisioneiros polí- ticos e concedendo licenças de publicação para jornais independentes3 . A partir de 2001, al-Assad começou a controlar o país de forma autoritarista, possivelmente por influência de membros do antigo governo de Hafez, seu pai. Desde sua reeleição em 2007 como único candidato do partido autorizado do país, a população Síria tem vivido uma sé- rie de restrições aos direitos à liberdade. As revoltas con- tra o governo, especificamente contra seu representante Bashar, por conta de uma forte repressão exercida contra as insatisfações populares, resultaram em um clima de tensão por todo o país. Somado a isso, surgiam indícios 3 Canal IG – Conheça a trajetória do presidente da Síria, Bashar al-Assad. Disponível em: <http:/ /ultimosegundo.ig.com.br/revoltamundoa- rabe/2013-09-06/conheca-a-trajetoria-do-presidente-da-siria-bashar-al- -assad.html>. Acesso em 13 de maio de 2016.
  • 17. 32 33 de que as eleições no país haviam sido fraudadas4 . Com a alta dos índices de desemprego, crise econômica e miséria, a população síria se revoltou contra o governo de Bashar, dando início aos conflitos. Em março de 2011, um pequeno grupo de estudantes, incentivados por um pro- fessor, decidiram fazer um ato de protesto na cidade de Deerã, no Sul da Síria. Após picharem frases de protesto ao governo os jovens foram detidos e supostamente tor- turados. Esse incidente foi estopim para ampliar a revolta em todo o país, impulsionando o sentimento de indigna- ção que deu início a uma onda de manifestações. Em 15 de Março de 2011, durante a Insurreição da Pri- mavera Árabe, levantes pacíficos se iniciaram em todo o país com passeatas que tinham como objetivo reivindi- car o direito à liberdade e à democracia. O governo de Bashar não aceitou os protestos e os confrontos dire- tos contra os manifestantes foram inevitáveis. Em um desses confrontos na cidade de Deerã, quatro pessoas foram mortas após o abrir fogo de tropas que tentavam conter os manifestantes. Apenas um dia após o funeral dos manifestantes abatidos, a polícia voltou a fazer uma nova investida contra um grupo de manifestantes e cau- sou mais uma morte. 4 Revista Pré-Univesp – GUERRA CIVIL NA SÍRIA em Entrevista com Márcia Camargos. Disponível em: <http:/ /pre.univesp.br/guerra-civil-na-si- ria#.V1nYe5MrIyl>. Acesso em 13 de maio de 2016 Nos dias seguintes, as revoltas passaram para além das fronteiras da cidade de Deerã e novas manifestações começaram em Damasco e Aleepo. Com o aumento das manifestações, conflitos armados começaram a aconte- cer com maior frequência, se intensificando por todo o país nos meses seguintes. Em Abril de 2011, já haviam sido contabilizados cerca de 200 mortes. Percebendo que a população se recusava a recuar, o governo Sírio intensificou as hostilidades contra os manifestantes, en- viando tanques de guerra às cidades rebeldes de Homs, Hama, Baniyas e Deraã5 . Grupos rebeldes começam a se organizar e formaram frentes armadas por todo o país. Assim, a situação se tornou bastante instável por conta do surgimento des- ses grupos com interesses políticos diferentes e ainda financiados por outros países. Alguns países e grupos de apoio nacionais e internacionais se manifestaram con- tra ou a favor dos grupos envolvidos6 , dando início a um conflito de interesses, inclusive global, que desestabili- zou as forças de atuação. 5 R7 Notícias - Imagens de satélite mostram tanques de guerra ocu- pando cidades na Síria. Disponível em: <http:/ /noticias.r7.com/internacional/ noticias/imagens-de-satelite-mostram-tanques-de-guerra-ocupando-ci- dades-na-siria-20120407.html> . Acesso em 11 de maio de 2016 6 El País - Um guia para entender quem é quem no complexo conflito da Síria. Disponível em: <http:/ /brasil.elpais.com/brasil/2016/01/25/ internacional/1453739657_964290.html>. Acesso em 15 de maio de 2016 SÍRIA Baghdad Mersin Moscow Athens IRAQUE RÚSSIA TURQUIA Milan ITÁLIA FRANÇA UK Calais Rennes Hamburg Linz Frankfurt ÁUSTRIA London Budapest Bucharest Haskovo HUNGRIA ROMÊNIA BULGÁRIA Istanbul Amman JORDÂNIA Madrid ESPANHA ALEMANHA SUÉCIA Göteborg U$ 155 BILHÕES PERDA ESTIMADA NA ECONOMIA PARAONDEVÃO? GUERRADASÍRIA PIOR CRISE HUMANITÁRIA DESDE A 2ª GUERRA MUNDIAL 900 MIL DESDE O INÍCIO DA GUERRA, EM 2011, OS PAÍSES EUROPEUS RECEBEREM APROX. REFUGIADOS ALEMANHA HUNGRIA SÉRVIA E KOSOVO 4.8 MILHÕES DE REFUGIADOS SÍRIOS PELO MUNDO TURQUIA LÍBANO JORDÂNIA IRAQUE EGITO 1.805.255 1.172.753 629.12 249.726 132.375 DINAMARCA PORTUGAL SUÉCIA BÉLGICA HOLANDA ALEMANHA ESPANHA FRANÇA IRLANDA ITÁLIA 221.193 143.009 103.946 270 MIL EUROPA Pedidos de refúgio de sírios na 470MIL 1.9 MILHÃO MORTOS NA GUERRA DE FERIDOS MORTOS NOS CONFLITOS E ATAQUES MORTOS DEVIDO À FALTA D’ÀGUA E CUIDADOS MÉDICOS 70 MIL 400 MIL 5ANOS DE GUERRA CIVIL FONTE: AGÊNCIA DE NOTÍCIAS REUTERS, FEV 2016 MAIS DAMETADE DA POPULAÇÃO DA SÍRIA JÁ DEIXOU O PAÍS
  • 18. 34 35 Os Estados Unidos, por exemplo, se posicionaram contra o governo de Bashar al-Assad e apoiam hoje os grupos rebeldes moderados e os Curdos. A Rússia, que apoia o governo de Bashar, atua, inclusive, com ações militares contra grupos rebeldes. A Turquia, por sua vez, atua em oposição ao governo sírio e em apoio à intervenção dos EUA e grupos rebeldes. O Irã, se posiciona contra o Es- tado Islâmico e os grupos sunitas, dando apoio ao go- verno sírio também; e Arábia Saudita, que desde o início dos conflitos se posicionou a favor dos grupos sunitas para derrubar o governo de Bashar. A declaração da ONU quanto à situação da Síria estar oficialmente em guerra civil7 mobilizou diversos gru- pos rebeldes, milícias e grupos religiosos extremistas a se organizarem em confrontos cada vez mais devas- tadores para a população, sendo já identificados cerca de 100.000 combatentes rebeldes, divididos em 1.000 grupos. Muitos territórios Sírios foram tomados pelos grupos rebeldes, que passaram a ser confrontados por forças militares do governo na tentativa de retomar o controle dessas áreas. 7 Reuters - Syria in civil war, U.N. official says. Disponível em: <http:/ / www.reuters.com/article/us-syria-idUSBRE85B0DZ20120612> Acesso em 25 de maio de 2016 Ficou evidente um fracasso dos governos de todo o mundo para encontrar uma solução à Guerra que, se- gundo a organização Observatório Sírio dos Direitos Hu- manos (OSDH), provocou milhares de mortes e forçou mais da metade da população síria a abandonar suas casas8 . A OSDH anunciou um balanço devastador do conflito, sendo no total, contabilizados 215.518 mortos em 4 anos de guerra (informação atualizada até 2015). Desses, 66.109 eram civis e, entre esses, 10.808 eram crianças. Também é necessário acrescentar às estatísti- cas as 20 mil pessoas que estão nas prisões do regime e são consideradas desaparecidas. Dentre os principais grupos rebeldes está o Estado Is- lâmico (EI), mencionado acima. O EI é liderado por um grupo de extremistas derivados do grupo Al-Qaeda9 . Seus líderes são de origem Sunita, divisão mais tradi- cional da religião muçulmana, que representam cerca de 85% a 90% dos seguidores da religião. Seus seguidores 8 Syriahr - More than 215,000 killed in Syria since 2011. Disponível em: < http:/ /www.syriahr.com/en/2015/03/16/15150> Acesso em 12 de maio de 2016 9 BBC Brasil - Entenda as diferenças e divergências entre su- nitas e xiitas. Disponível em: < http:/ /www.bbc.com/portuguese/noti- cias/2016/01/160104_diferencas_sunitas_xiitas_muculmanos_lab> Acesso em 25 de maio de 2016 são conhecidos como Jihadistas por serem integrantes do Jihad, termo que é traduzido no Ocidente como a “Guerra Santa” Muçulmana. Eles são historicamente ri- vais do grupo Xiita, conhecido como uma vertente do islamismo menos radical e que diverge em práticas, crenças e rituais. Com o objetivo de criar uma nação que tenha como principal orientação religiosa as crenças Su- nitas, por não reconhecer a legitimidade dos Xiitas ao direito de liderar a nação muçulmana, o Estado Islâmico tem liderado importantes conflitos em toda a Síria. 3.2 - REFUGIADOS SÍRIOS: UMA NOVA ONDA DE IMIGRAÇÃO Com crescimento da guerra civil, a partir de 2011, iniciou- -se uma nova fase da emigração Síria. A violência e a fre- quência cada vez maior dos conflitos entre grupos rebel- des e o exército sírio fizeram a população civil sofrer com um risco de morte iminente e, por conta disso, famílias inteiras começaram a sair de suas casas - muitas vezes, o resto delas após os diversos bombardeios que são re- alizados principalmente nas regiões mais periféricas do país - fugindo para regiões onde os conflitos ainda não haviam se intensificado, iniciando primeiramente uma movimentação dentro do próprio território sírio.
  • 19. 36 37 De acordo com relatório publicado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR)10 , durante o ano de 2014, o número de sírios que se deslocaram por conta da guer- ra atingiu a média de aproximadamente 42 mil pessoas que diariamente se tornaram refugiados ou solicitantes de refúgio. A movimentação dessa nação causou impacto em todo o mundo, e muitos países receberam quantidades alar- mantes de refugiados, dentre os quais a maioria é ile- gal e se encontra também em situação de risco, seja por meio do trânsito ou mesmo as condições precárias que outros países os recebem. Ainda de acordo com o mes- mo relatório, na Síria, mais de 7 milhões de sírios aban- donaram suas casas e quase 60% da população vive na pobreza. Os combates destruíram as infraestruturas e, com isso, provocaram uma grande escassez de energia elétrica, água e alimentos, especialmente nas zonas cer- cadas pelo exército. Grande parte dos refugiados segue para países mais distantes, se arriscando em longos trajetos ilegais. Fa 10 ACNUR - Relatório do ACNUR revela 60 milhões de deslocados no mundo por causa de guerras e conflitos. Disponível em: < http:/ /www.acnur. org/t3/portugues/noticias/noticia/relatorio-do-acnur-revela-60-milhoes- -de-deslocados-no-mundo-por-causa-de-guerras-e-conflitos/> Acesso em 13 de maio de 2016 mílias tentam a sorte fugindo em direção à Europa, mas nem sempre conseguem êxito, e, quando pegos nesse trajeto, quase sempre são deportados. No entanto, há países que buscam ajudar essas pessoas nessa situa- ção como é o caso da Alemanha, que destacou-se com sua política de acolhimento e aceitação dos refugiados. Porém, devido às pressões e alvo de críticas de conser- vadores por sua política de portas abertas, a Alemanha mudou de postura e decidiu rever as regras de asilo aos refugiados, dificultando a sua entrada. Em Fevereiro de 2016, Alemanha e Turquia assinaram um acordo que se deu após a visita da chanceler Angela Merkel ao primeiro ministro turco Ahmet Davutoglu. O resultado foi a ado- ção de uma série de medidas com o objetivo de reduzir o fluxo de refugiados Sírios. Dentre as mudanças, está, por exemplo, a atuação conjunta das forças armadas alemãs e turcas no combate ao tráfico de refugiados. Na tentativa de cruzar o Canal da Mancha, muitos refu- giados são mantidos em campos de refugiados na Fran- ça. Enquanto não conseguem fazer o trajeto pegando carona em qualquer tipo de transporte ou após juntar di- nheiro suficiente para pagartraficantes de pessoas, esses imigrantes constroem aos poucos suas vidas ali mesmo. No entanto, as condições são precárias, e a maior parte dos refugiados vive em tendas ou abrigos improvisados sujeitos ao vento, chuvas, lama, lixo e doenças. Nos países vizinhos, os refugiados encontram tantos ou- tros problemas. No Egito, durante os primeiros anos dos conflitos na Síria, muitos refugiados encontraram sérias dificuldades de permanência no país, desde a burocracia com a retirada de documentos até o reconhecimento le- gal enquanto refugiado. De acordo com matéria publicada pela BBC11 , os países mais próximos da Síria são os responsáveis por 95% de acolhimento desses refugiados. De acordo com a Anistia Internacional, cerca de 4,8 milhões de refugiados estão localizados hoje em apenas 5 países: Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito. No caso da Europa, de acordo com a ACNUR12 , desde o início da guerra, os países eu- ropeus receberam cerca de 900 mil refugiados nos se- guintes países: Sérvia, Alemanha, Suécia, Hungria, Áus- tria, Holanda e Dinamarca. Dentre as possibilidades e os acordos internacionais, muitos refugiados têm solicitado refúgio em outros países no continente americano, principalmente Esta- 11 BBC Brasil - Análise: Apesar de crise na Europa, 95% dos refugia- dos estão fora do continente. Disponível em < http:/ /www.bbc.com/portu- guese/noticias/2015/08/150830_analise_imigracao_hb> Acesso em 25 de maio de 2016 12 G1 - Refugiados sírios são 4,8 mi em países vizinhos e 900 mil na Europa, diz ONU. Disponível em: < http:/ /g1.globo.com/mundo/noti- cia/2016/03/refugiados-sirios-sao-48-mi-em-paises-vizinhos-e-900-mil- -na-europa-diz-onu.html> Acesso em 11 de maio de 2016
  • 20. 39 dãos que partilham da cultura do oriente médio, a língua árabe é pouco falada e restrita aos indivíduos que vivem em comunidades sírio-libanesas. Por conta desse fato, a comunidade árabe instalada nos principais centros urbanos do Brasil se tornou uma gran- de força de ajuda aos refugiados, visto que são um gru- po que mantém tradições culturais, práticas religiosas e valores ainda similares à cultura da Síria. O trabalho con- junto entre ONGs, mesquitas e centros de acolhimento tem atuado como um canal para inclusão social dos imi- grantes sírios oferecendo, ainda que em pouca quanti- dade, oportunidades para geração de renda, apoio social e auxílio cultural para adaptação a uma nova realidade. A principal característica de um refugiado é o fato desse indivíduo ser forçado a sair de seu país de origem por decorrência de uma série de fatores, entre eles a misé- ria, perseguição política, religiosa e, no caso dos sírios, uma guerra civil. Sendo assim, sabe-se que eles decidem buscar refúgio no Brasil não por uma escolha, mas como uma única alternativa e, por isso, aceitar essa nova con- juntura social tem sido um grande desafio para muitos sírios que, na maioria dos casos entrevistados pelo gru- po, ainda sonham em voltar para sua terra natal. dos Unidos e Brasil. É nesse cenário que o Brasil passa a ocupar um lugar de destaque como um dos países que mais acolheu refugiados sírios nos últimos anos. No en- tanto, o perfil dos solicitantes de refúgio é bem diferente daqueles que se arriscam em travessias ilegais pelo mar mediterrâneo. Essa diferença chamou atenção do grupo, que buscou entender qual o perfil do refugiado sírio que chega ao Brasil e como isso influencia na dinâmica social. 3.3 - O PERFIL DO REFUGIADO SÍRIO Alguns problemas são comuns a todos os refugiados, pois são pessoas que vêm de outros contextos culturais e, ao chegarem, deparam-se com barreiras de inclusão social, dificuldade de adaptação e geração de renda. As famílias enfrentam problemas para aprender o idioma, independentemente da etnia e da língua nativa. No caso dos sírios, a maioria dos homens falam, além do árabe, o inglês. Embora o conhecimento de outro idioma facili- te bastante a comunicação, ainda hoje no Brasil, poucas pessoas são fluentes em inglês e dificilmente encon- tram-se pessoas que saibam o francês, outra língua fa- lada entre os sírios. Apesar do número elevado de cida- 7 bilhões DE PESSOAS NO MUNDO REFUGIADOS PANORAMA GLOBAL E PERFIL DO REFUGIADO NO BRASIL 8.8 MIL + de 79 nacionalidades R$ 15 MILHÕES REFUGIADOS NO BRASIL + DE 60 MILHÕES DE PESSOAS JÁ SE DESLOCARAM FORÇADAMENTE + DE 20 MILHÕES DESSSAS PESSOAS SÃO REFUGIADOS Em 2015, a presidenta Dilma Rousseff anunciou que o país está de portas abertas para receber refugiados. O Crédito extraordinário liberado foi de R$ 15 milhões para investir em programas de assistência e acolhimento a imigrantes e refugiados. Em setembro de 2013, o Brasil, por meio Conare, publicou Resolução nº. 17, que autorizou as missões diplomáticas brasileiras a emitir visto especial a pessoas afetadas pelo conflito na Síria. Em 21 de setembro de 2015, a Resolução teve sua duração prorrogada por mais dois anos SÍRIOS 2.298 ANGOLANOS 1.420 COLOMBIANOS 1.100 01 02 03 MAIORES COMUNIDADES DE REFUGIADOS RECONHECIDOS NO BRASIL 3 SEGUNDOS UMA PESSOA SE DESCOLA A CADA FONTE: RELATÓRIO CONARE, MAI 2016 22.3% 13.2% 4.8% 42.6% 36.2% 1.8% 2010 966 28.670 2015 51.1% 0-12 anos 13-17 anos 18-29 anos 30-59 anos + de 60 anos 2.868% Solicitações de refúgio no Brasil cresceram 2.868% nos últimos 5 anos Mais da metadade dos refugiados que chegaram ao Brasil entre 2011 e 2015 fugiram de graves violações de direitos humanos. Peserguição política Peserguição por grupo social Peserguição religiosa Grave e generalizada violação de Direitos Humanos Reunão Familiar 22.5% MOTIVAÇÃO DO PEDIDO 3.18% 0.85% REFUGIADOS TOTAL RECONHECIDOS NO BRASIL 2010 3.904 4.035 4.284 4.975 7.262 8.493 8.863 2011 2012 2013 2014 2015 2016 PEDIDOS DE REFÚGIO DOS REFUGIADOS RECONHECIDOS NO BRASIL ORIGEM REFUGIADOS 2010-2015 GÊNERO SÍRIA REP. DEM. DO CONGO ANGOLA COLÔMBIA PALESTINA 2.298 1.420 1.100 968 376 28% 72% HOMENS (3.241) (1.273) MULHERES REFUGIADOS POR FAIXA ETÁRIA 2010-2015 2.3 MIL REFUGIADOS SÍROS RECONHECIDOS NO BRASIL
  • 21. 40 41 3.4 - AS BARREIRAS PARA A INCLUSÃO SOCIAL Uma das principais preocupações das instituições de ajuda humanitária aos refugiados e da Prefeitura da Ci- dade de São Paulo é encontrar formas de integrar aque- les que foram obrigados a deixar seu país e que escolhe- ram a capital paulista para recomeçar a vida. Segundo informações atualizadas em 2016 pelo relató- rio do Conare, o Brasil já recebeu mais de 2.800 refugia- dos. Este número já é superior aos refugiados em países do sul da Europa, por exemplo, que estão na rota dos que buscam fugir da guerra. Segundo a ACNUR e a organização não governamental Open Society Foundation, o Brasil está atrás apenas da Alemanha, que recebeu 45 mil pessoas nos últimos qua- tro anos. Diferentemente da Europa, aqueles que bus- cam refúgio no Brasil não ganham uma casa e não po- dem receber sequer auxílio financeiro até que consigam, pelo menos, todas as documentações e as condições legais de refúgio. Tudo fica por conta do refugiado que, quase sempre, está abandonado pelo governo e precisa contar com a ajuda de ONGs ou grupos de assistência independentes. Além desses problemas, podemos considerar a crise econômica brasileira como fator agravante para a atu- al condição dos refugiados. Afinal de contas, a inclusão deve acontecer dentro da realidade local. O país está em crise, e a taxa de desemprego, segundo o Instituto Bra- sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já supera 10,2% da população, ou seja, desde janeiro de 2016, cerca de 10,4 milhões de brasileiros estão à procura de emprego. Fator este que implica ainda mais na relação do brasileiro com novos integrantes da população. Como visto no segundo capítulo, São Paulo possui uma cultura árabe muito bem estabelecida, herança das pri- meiras imigrações no século XIX e que hoje é parte da identidade cultural da cidade. Por conta deste legado, a comunidade árabe é reconhecida como um dos prin- cipais grupos de assistência aos refugiados, visto que muitos indivíduos que chegam à cidade são acolhidos por alguns integrantes da própria comunidade. Apesar de São Paulo ter uma forte tradição árabe, as di- ferenças culturais são uma relevante barreira para inclu- são social, visto que as tradições sofreram modificações ao longo do tempo e se adaptaram à realidade local abrasileirada, o que acaba por gerar choques de valo- res, mesmo que de maneira sutil e muito mais por parte do refugiado que, até então, esteve menos em contato com a cultura brasileira do que o contrário. Mas o apoio da comunidade árabe local é uma excelente ferramenta de auxílio na adaptação desses novos chegantes. Existe sempre a pre- ocupação em respeitar os costumes e preservar a identidade cultural, mesmo que nos dias de hoje, tais práticas contrariem alguns dos valores culturais brasileiros, como é o caso do papel da mulher na sociedade na visão dos mulçumanos. Em entrevista ao grupo, Robson Siber, voluntá- rio e diretor da organização não governamental Oásis, comentou que, apesar da promessa de auxílio garantido em alguns casos por conta de negociações prévias com as mesquitas e com parentes ou conhecidos, a maioria dos refugia- dos chega sem ter recursos para se estabele- cer. Assim, as famílias recém-chegadas acabam contando com a ajuda de alguns grupos de as- sistência independentes para conseguir abrigo, alimentação e, quando possível, emprego. “O governo federal, em parceria com os governos estaduais e municipais, além de parcerias com organizações da sociedade civil que trabalham com refugiados há muito tempo, tem desenvolvido ações de acolhimento, assistência jurídica, psicológica e social a muitos desses solicitantes (...). A maior dificuldade dos refugiados no país é a língua e a cultura. Por isso, a integração social é muito importante”. (VASCONCELLOS, 2015)13 . 13 Beto Vasconcellos, secretário nacional de Justiça e presidente do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), em entrevista ao repórter Rodrigo Alvares, do portal UOL de notícias, em 19 de setembro de 2015.
  • 22. 42 43 IDIOMA O primeiro obstáculo e talvez o mais difícil deles seja o idioma. Sem saber o português a comunicação é preju- dicada, fator que acaba interferindo diretamente na in- tegração à nova cultura e inclusão social. A barreira inicia-se logo na chegada, em que os refu- giados não entendem os avisos e placas dispostos pela cidade e nos principais locais de acesso, como nas rodo- viárias, portos e aeroportos. Ainda assim, nem sempre podem contar com alguém pra os receber e orientar em seus primeiros passos na cidade. Uma questão estritamente relacionada com o idioma é a validação de seus diplomas no Brasil e a permissão de exercer suas profissões de formação na Síria. A maior parte dos homens tem excelente qualificação profissio- nal, o que lhes garantia boas condições financeiras no país de origem, e seu potencial intelectual seria de gran- de utilidade dentro do mercado de trabalho brasileiro que, muitas vezes, carece de mão de obra qualificada. Porém, em virtude da falta de conhecimento das regras gramaticais do português, muitos acabam desistindo do processo que exige o domínio da língua. Existem casos muito específicos em que algum sírio consegue emprego em sua área de atuação sem a ne- cessidade de validação do seu diploma ou provas feitas em inglês, o que é exceção. “Como não há legislação específica sobre o tema, as universidades públicas brasilei- ras responsáveis pela validação do diplo- ma estabelecem suas próprias regras em um processo que pode levar até dois anos e custar cerca de R$ 2.000.” (ROSSETTO, 2016)14 . 14 Ricardo Rossetto, em matéria Refugiado tem emprego, falta vali- dar diploma, O Estadão de São Paulo, publicada em 16 de abril de 2016. A falta de comunicação mostra a necessidade de uma mudança dos processos de recepção junto com uma padronização dos serviços. Hoje, cada tipo de imigrante tem um diferente acordo de integração no país basea- do na sua classificação de refugiado e acaba tornando o processo ainda mais complexo. O caso dos Sírios, por exemplo, é uma exceção, pois a eles são concedidos vis- tos humanitários especiais. RELIGIÃO E EDUCAÇÃO Para entender a conjuntura da religião e educação, é de fundamental importância compreender a cultura dos países árabes que são essencialmente ligada aos precei- tos religiosos. O Islamismo no Brasil cresceu 29% em dez anos e o número é 2,5 vezes maior que o crescimento da população geral15 . A maioria dos sírios é muçulmana, e a religião determi- na valores e molda comportamentos que se opõem ao que os brasileiros estão acostumados, como é o caso da mulher, que tem papel secundário e extremamente sub- misso, em que o homem e pai é o alicerce da família. É ele quem busca qualificação profissional enquanto ela se ocupa dos filhos e dos afazeres da casa. “O fato de o Islã ser apontado pelos críticos oci- dentais como responsável por uma condição discriminatória sofrida pelas mulheres em socie- dades muçulmanas, ao mesmo tempo em que é invocado por mulheres muçulmanas em sua própria defesa, contra os abusos masculinos” (CASTRO, 2007)16 15 BBC Brasil - Número de centros islâmicos sobe 20% em 2015 em São Paulo. Disponível em: < http:/ /www.bbc.com/portuguese/noti- cias/2015/09/150911_mesquitas_saopaulo_cc > Acesso em 25 de maio de 2016 As meninas que são criadas nas famílias islâmicas mais radicais são proibidas de ir à escola e mulheres são im- pedidas de trabalhar e de andar pelas ruas sozinhas. Elas só deixam à mostra as mãos e o rosto, enquanto o hijab - um véu típico que cobre a cabeça das mulheres muçulmanas e é símbolo religioso de identificação en- tre os semelhantes - as cobre por inteiras. Entretanto, é também uma das principais dificuldades enfrentadas na adaptação à cultura ocidental17 . O papel da mulher no casamento é servir o marido e sa- tisfazer suas vontades, seguindo sempre as ordens es- tabelecidas por ele, que podem restringir a convivência social com amigos e conhecidos e até mesmo o contato com os familiares ou os filhos. A relação de submissão da mulher não se limita apenas à sociedade Síria, sen- do comum também em outros países da cultura árabe como Líbano, Arábia Saudita, Marrocos, Egito e Iraque, por exemplo. 16 CASTRO, Cristina Maria de. A construção de identidades muçul- manas no Brasil: um estudo das comunidades sunitas da cidade de Campi- nas e do bairro paulistano do Brás / Cristina Maria de Castro. --São Carlos : UFSCar, 2007. 17 BONFIM, Isabel - Elástica Abril, O PESO DO VÉU: A VIDA DE MU- ÇULMANAS NO BRASIL. Disponível em: < http:/ /elastica.abril.com.br/o-pe- so-do-veu-a-vida-de-muculmanas-no-brasil > Acesso em 8 de junho de 2016
  • 23. 44 45 “Dentro dos diversos papéis sociais disponí- veis às mulheres no Brasil, há alguns privilegia- dos pelo discurso comum das lideranças muçul- manas: são eles os papéis de mãe e esposa. Na Liga da Juventude Islâmica, há uma preocupação muito grande em chamar a atenção para a dife- rença entre os papéis sociais atribuídos aos ho- mens e às mulheres, pela religião, baseados “na própria natureza fisiológica diferenciada entre os sexos”. Há o argumento de que as mulheres são biologicamente mais adequadas para determi- nados tipos de trabalho (o cuidado dos filhos e da casa), ao mesmo tempo em que, aos homens, em respeito a esta natureza “delicada e frágil da mulher”, caberia o sustento da esposa e filhos.” (CASTRO, 2006)18 . No Brasil, essa realidade é contrastante, em que a fi- gura da mulher nas famílias brasileiras tem muito mais destaque se comparada com as da Síria. Essa diferença cultural causa certo estranhamento aos brasileiros, prin- cipalmente com a chegada cada vez maior de refugiados no território nacional. Sendo assim, as leis brasileiras de proteção e concessão de direitos às mulheres contra- riam diretamente os costumes dos povos árabes, princi- palmente no que diz respeito à violência doméstica. 18 CASTRO, Cristina Maria de. Muçulmanas no Brasil: reflexões sobre a relação entre religião e dominação de gênero. Universidade Federal de São Carlos, 2006. Segundo Marcelo Haydu, criador da organização não governamental Adus19 , um outro choque cultural viven- ciado pelas famílias sírias é o primeiro contato dos filhos com os jovens brasileiros, cuja educação é bem mais li- beral. A preocupação em manter as tradições islâmicas para as gerações seguintes é constante e não é à toa que os pais tentam matricular os filhos em escolas islâ- micas dentro da comunidade síria, atualmente concen- tradas perto das mesquitas: Brás, Pari, São Bernardo e Santo Amaro. SOCIALIZAÇÃO No Brasil, especificamente em São Paulo, a comunidade sírio-libanesa é muito presente e algumas famílias esta- belecidas há décadas no país têm excelentes condições de vida. Surge, consequentemente, uma rede de con- tatos e a possibilidade de suporte financeiro aos con- terrâneos e maior facilidade para integração e convívio com os novos refugiados. Este apoio, sem dúvidas, é um diferencial do povo Sírio, inexistente se analisarmos ou- tras conjunturas, como é o caso de refugiados haitianos e bolivianos, por exemplo. 19 Instituto de Reintegração do Refugiado Brasil. Disponível em: < http:/ /www.adus.org.br/ > O engenheiro Talal Al-tinawi conta que chegou ao país através da ajuda da Liga da Juventude Islâmica Benefi- cente do Brasil. A Mesquita ofereceu hospedagem, cur- sos de português para a família e auxílio jurídico. Em ne- nhum momento houve qualquer tipo de interação com os governos federal, estadual ou municipal20 . Dentro de uma realidade de vulnerabilidade social ine- rente a todos os refugiados, independente do país de origem, os sírios têm uma vantagem em ter suporte da comunidade já estabelecida e bastante atuante e envol- vida. Desta maneira, o contato com as famílias, ONGs e mesquitas é realizado, muitas vezes, antes mesmo da vinda dos refugiados para o Brasil. Os imigrantes che- gam no aeroporto de Guarulhos e são encaminhados pela Polícia Federal para instituições de assistência ao re- fugiado. Quando as famílias têm recursos próprios para se manter durante os meses iniciais, são encaminhadas para os albergues e hotéis até encontrarem um lar. 20 UOL Notícias - Choque de informações e desconfiança dificultam adaptação de sírios ao Brasil. Disponível em: < http:/ /noticias.uol.com.br/inter- nacional/ultimas-noticias/2015/09/19/choque-de-informacoes-dificulta-a- daptacao-de-refugiados-sirios-ao-brasil.htm> Acesso em 5 de maio de 2016 “Eles têm medo de contatar o governo, profunda desconfiança. Por motivos culturais, os sírios preferem não entrar em contato com qualquer instância governamental, já que fugiram de uma guerra civil causada, em grande parte, pelo governo do ditador sírio Bashar Assad”. (ARMEDI, 2015).21 21 Juliana Armedi, coordenadora do Núcleo de Enfrenta- mento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do governo do Estado de São Paulo, em entrevista a Pedro Alvares, portal UOL de notícias, 2015.
  • 24. 46 47 Segundo Robson Siber (Oásis), o refugiado recebe todo o apoio e, muitas vezes, são realizados eventos benefi- centes como bazares e feiras temáticas com toda renda revertida para as famílias participantes, sejam elas sírias ou de outras etnias. Quando chegam, os imigrantes mal trazem roupas e pouco ou nenhum dinheiro. As ações humanitárias ofe- recem vestimentas novas e usadas, cestas básicas, dis- tribuição de leite, pão e fraldas às sextas-feiras. Silmara Salvador, diretora social da instituição Oásis, faz tam- bém o acompanhamento psicológico, bem como aulas de inglês, português e, aos sábados, aulas de árabe para brasileiros. Orientação para retirada dos documentos e apoio jurídico também são providenciados. Apesar de pouco significativas, as ações governamen- tais voltadas aos refugiados têm como principal foco a inclusão social. Assim, a prefeitura de São Paulo tem ga- rantido o acesso à educação das crianças estrangeiras. Exemplo das ações da Secretaria Executiva de Comuni- cação são as escolas da rede municipal, como a Escola de Ensino Fundamental (EMEF) Pari sendo uma referên- cia no atendimento às crianças sírias. Para integrar as famílias com a cultura brasileira, são realizados passeios mensais. Entre os locais já visitados estão o Sesc Inter- lagos, o Parque Ibirapuera, a Oca e a exposição “Maia”. “Há pelo menos um ano e meio, em parceria com entidades religiosas, nos organizamos para fazer um acolhi- mento mais humanizado para famílias refugiadas sírias, que chegam de uma situação de adversidade, em geral com crianças, e não falam nosso idioma. Desde o começo, nossa diretriz sempre foi respeitar suas características cultu- rais, de religião e suas vivências”. (HADDAD, 2015)22 . 22 Ana Estela Haddad, primeira-dama e coordenadora do São Paulo Carinhosa, em depoimento concedido à Secretaria Executiva de Comunica- ção, em setembro de 2015 DOCUMENTAÇÃO Com o aumento do fluxo no Brasil, o governo decidiu tomar medidas facilitadoras para a entrada desses imi- grantes no território e sua inserção na sociedade brasi- leira. Além disso, as autoridades reforçaram a política de assistência e acolhida para todas as nacionalidades. Todas as solicitações de refúgio apresentadas no Brasil são analisadas e decididas pelo CONARE, que é com- posto por representantes dos ministérios da Justiça, das Relações Exteriores, da Educação, do Trabalho e da Saú- de, além de representantes da Polícia Federal e de orga- nizações da sociedade civil que trabalham com o tema dos refugiados. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, facilitou- -se o processo de pedido de refúgio. Em setembro de 2013. Por meio CONARE, foram autorizadas as missões diplomáticas brasileiras a emitirem visto especial às pes- soas afetadas pelo conflito na Síria, diante do quadro de graves violações de direitos humanos. Em setembro de 2015, a Resolução teve sua duração prorrogada por mais dois anos. Como consequência destes fatos, nos últimos cin- co anos, as solicitações de refúgio no Brasil cresceram 2.868%. Passaram de 966, em 2010, para 28.670, em 2015. Os dados foram divulgados em relatório recen- te (maio 2016) que traz ainda um panorama do cenário atual. Hoje, os sírios somam 2.298, sendo considerada a maior comunidade de refugiados reconhecidos no Brasil e a perspectiva é que o Brasil receba mais 6.000 famí- lias, a maioria delas destinadas a São Paulo. ““Não basta permitir que eles entrem e recebam uma carteira de trabalho e deixar a ambientação deles a cargo de ONGs que não recebem nenhuma ajuda do governo” (HAYDU, 2016).23 23 Marcelo Haydu, do Instituto de Reintegração do Refugiado Adus, uma das ONGs que mais tem ajudado os sírios.
  • 25. 48 49 A Lei 9474/97 permite que o pedido seja feito e a soli- citação é avaliada pelos membros do CONARE. Aqueles que pedem refúgio apenas para conseguir documentos e regularizar sua situação no país acabam não conse- guindo, como é o caso da maioria dos imigrantes de et- nia senegalesa, que, por não serem refugiados, não são reconhecidos pela Lei. No caso dos sírios, 100% dos que estão chegando recebem a autorização de permanência. Por meio de acordos com a Polícia Federal e entidades civis e religiosas, os refugiados que chegam a São Paulo possuem prioridade para obtenção do RNE, necessá- rio para a permanência no país. Ainda antes de a do- cumentação ser emitida, com o protocolo de solicitação de refúgio em mãos, eles podem dar entrada no CPF (Cadastro de Pessoa Física) e abrir uma conta no Banco do Brasil, que também é parceiro da Prefeitura de São Paulo no acolhimento aos refugiados. Apesar do processo de emissão ter sido facilitado no últimos tempos, em virtude da alta demanda e poucas pessoas treinadas do Conare para entrevistar os estran- geiros, o processo ainda é considerado lento e burocrá- tico e o prolongamento do mesmo acaba dificultando a vida das pessoas. A demora na emissão do RNE, por exemplo, impede o cadastramento dos refugiados no CadÚnico (cadastro único), porta de entrada para os programas sociais do governo federal, como Bolsa Fa- mília e o Minha Casa, Minha Vida e a possibilidade de concorrer a vagas em universidades públicas brasileiras. MORADIA Segundo fontes de representantes da ACNUR Brasil, não existe uma política de moradia para refugiados no país. Há muitos relatos de estrangeiros que, ao chega- rem, passaram vários dias na rua, sem amparo. Quando encontram ajuda, ela sempre vem de entidades filantró- picas ou pessoas físicas. Em São Paulo, onde estão 65% dos sírios que chega- ram desde 2014, a Sociedade Beneficente Muçulmana (SBM) também reconhece que o acesso à moradia é uma dificuldade, pois não existem políticas habitacionais es- pecíficas e com condições de aluguel que, muitas vezes, exigem fiador ou pagamento de altas quantias para ga- rantia. Com famílias de até 8 pessoas, os refugiados precisam de tempo até juntar os recursos necessários para pagar seu primeiro aluguel, o que se torna uma jornada difícil até mesmo nas regiões mais periféricas encontrar um único quarto por menos de R$ 500. O Terra Livre, Mo- vimento Popular do Campo e da Cidade que defende o direito à moradias populares no país, tem se juntado aos refugiados nas ações de ocupações ilegais. Foram
  • 26. 50 51 ocupados diversos prédios do centro da cidade que es- tavam abandonados e lá vivem dezenas de pessoas em situação precária. Considerados sem-teto, os estrangei- ros dormem em colchões distribuídos pelo chão, próxi- mos às malas, que cruzaram oceanos com roupas, café, cigarros e o Corão, livro sagrado do islã. De fato, os maiores problemas são o alto preço dos alu- guéis - especialmente em São Paulo, onde o valor do- brou nos últimos sete anos com inflação no período de 54%24 . Diante do problema de gerar e comprovar renda, muitos terminam sendo despejados. Uma última barreira foi identificada e, pela sua relevân- cia e forma como permeia todas as outras barreiras, foi escolhida para ser o recorte para o problema a ser resol- vido no projeto de design que será explicado mais para frente. A geração de renda, como será explanada no próximo capítulo, é o problema que ainda recebe poucas ações de incentivo e desenvolvimento e tornou-se uma oportunidade para o grupo quanto à problemática a ser resolvida nesse projeto. 24 Valor Econômico - IPCA-15 é o maior para julho em sete anos. Disponível em: <http:/ /www.valor.com.br/brasil/4144916/ipca-15-e-o-maior- -para-julho-em-sete-anos> Acesso em 27 de maior de 2016
  • 27. 52 53 CAPÍTULO 4 4.1 - AS DIFICULDADES PARA GERAÇÃO DE RENDA Refugiados da Síria e de outras etnias procuram em diferentes países opor- tunidades para recomeçar a vida, e o Brasil é um desses destinos. No entan- to, quem chega enfrenta muitas dificuldades, conforme vimos no capítulo 3. São pessoas que vêm de um cenário de guerra e destruição, perderam suas casas, familiares, bens e também a possibilidade de morar na própria nação. Elas não estão somente em busca de uma oportunidade, estão em busca de poder reconstruir suas vida. Diante das boas condições de vida do sírio em seu país de origem, a mu- dança para o Brasil gera um sentimento de insatisfação para os refugiados, o que dificulta a aceitação de sua nova realidade. O que acontece, muitas vezes, é que eles se sentem humilhados em aceitar condições de vida e tra- balho precárias e subumanas, já que a maior parte deles tem formação aca- dêmica e potencial intelectual adquirido com a graduação. A saída termina sendo se submeter a empregos que subutilizam o poten- cial intelectual e conhecimentos específicos. Trabalham como repositor de estoque, carregador, caixa de supermercado, auxiliar de serviço gerais. Além disso, diante do suporte oferecido pela comunidade síria no Brasil, muitos trabalhadores inicialmente recorrem à consignação de produtos, sendo a maior parte deles no setor de varejo têxtil e confecções. Embora a situação econômica seja crítica, a família estrangeira custa a aceitar novos valores culturais, mesmo assumindo padrões de vida muito inferiores aos que estavam acostumados. Vivendo em condições caóticas de moradia,
  • 28. 54 55 muitas vezes diversas famílias dividem o mesmo teto ou vários refugiados de etnias diferentes compartilham um aluguel de um mesmo apartamento. Ainda assim, a mu- lher dificilmente trabalha. Quando há exceções, elas de- dicam-se ao trabalho em parceria com o marido. Em entrevistas realizadas durante a fase de imersão, vá- rios refugiados mencionaram o sentimento de discrimi- nação por serem estrangeiros ou devido à sua condição de refugiado e de solicitante de refúgio. O preconcei- to por parte dos brasileiros com os refugiados pode ter como causa a desinformação da maioria da população sobre o tema e, consequentemente, reduz as oportuni- dades de trabalho, compromete a geração de renda e dificulta a integração sociocultural. Os entrevistados di- zem conseguir ganhar, no máximo, R$ 1 mil por mês em jornadas de trabalho que começam às 7h e terminam depois das 22h. “Há uma “fantasia” entre muitos empregadores de que imigrantes aceitam qualquer tipo de trabalho, sob quaisquer condições. Muito pelo contrário. Muitos têm nível de politização e formação maior que o do brasileiro médio. E esses sujeitos não podem admitir serem tratados de maneira indigna.” (VAL, 2015)25 25 Rita de Cássia do Val, professora consultora do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, em entrevista concedida à Ricardo Senra, BBC Brasil, publicada em 16 de setembro de 2015. O sírio Talal Al-Tinawi, engenheiro que há dois anos vive com a família toda no Brasil, em entrevista ao grupo, contou das dificuldades financeiras: “trabalhei como en- genheiro, mas não recebia o salário da profissão porque meu diploma só é aceito na Síria. Tudo aqui custa muito. Luz, internet, casa. Precisava receber mais”. Com a ajuda da ADUS, Talal passou a ficar conhecido cozinhando junto com a mulher pratos típicos árabes para eventos e foi chamado para participar de bazares e workshops. Assim que chegou, teve ainda uma ajuda de brasileiros por meio de crowdfunding e conseguiu ar- recadar R$ 60 mil. O dinheiro foi investido para tornar real o sonho de abrir seu restaurante árabe. No proje- to Migraflix, case que será detalhado no capítulo 5, Talal ministra o workshop ‘A Síria sobre a mesa’, em que ensina as pessoas a cozinharem pratos árabes tradicionais. Apesardahistóriadesucesso,ocasoéumaexceção.Amaio- riados refugiados sírios no Brasilvive em situações precárias e lida diariamente com a problemática da geração de renda. A falta de parceria com potenciais empregadores no setor privado também dificulta o processo, mas, ainda assim, a dificuldade para requalificação profissional continua sen- do o maior problema. Pensando nisso, várias organizações não governamentais e iniciativas privadas pensaram em diferentes maneiras de ajudar os refugiados. São elas:
  • 29. 56 57 a chegada de estrangeiros, porque os outros funcioná- rios se sensibilizam com a história de vida do imigrante e têm menos reclamações no dia a dia no trabalho. As empresas que oferecem emprego devem seguir cri- térios, para evitar exploração dos trabalhadores. Nas primeiras etapas, elas não têm acesso a alguns dados dos candidatos, como nome e endereço. As vagas de- vem ser com carteira assinada, e o Parr acompanha todo o processo, desde a seleção até o final do período de experiência. “Nossos funcionários refugiados têm alta capacidade de desenvolvimento, e alguns já foram promovidos. Ao serem contratados, são treinados e passam a receber todos os benefícios dados aos trabalhadores brasileiros. Com o salário e os extras, muitos deixam os abrigos e passam a viver de forma mais independente, como qualquer outro cidadão”. (FONSECA, 2011)26 . 26 Silvana Fonseca, representante da ID Logistics, empresa contra- tante, em entrevista ao site da Unhcr/ Acnur, 2011. O Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugia- dos é um projeto pioneiro no Brasil e no mundo, que teve início em 2011 e, desde sua criação, conseguiu empregar mais de 160 refugiados. Lançado em Brasília pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (AC- NUR) em parceria com a empresa de consultoria jurídica em imigração EMDOC, é basicamente um banco virtual de currículo de refugiados e solicitantes de refúgio. Segundo Vinícius Paris, gestor voluntário da Instituição que tem cunho social, os refugiados costumam sair às pressas de seu país, esquecendo documentos impor- tantes. O Parr surge para ajudar os que precisam: reúne informações profissionais dos refugiados que chegam ao Brasil em busca de trabalho e faz a ponte com em- presas públicas e privadas. Segundo dados atualizados do próprio site do programa, entre os 948 cadastrados até o final de 2015, cerca de 275 disseram ter ensino su- perior completo e 278 afirmam ter terminado o ensino médio. Há ainda 34 que dizem ter pós-graduação. João Marques, criador do programa, diz que a contra- tação de refugiados traz benefícios para as empresas, porque, além da qualificação, são profissionais fiéis ao emprego, sem tendência de rotatividade. Ele também afirma que o clima organizacional tende a melhorar com O Adus, Instituto de reintegração do refugiado, foi criado em 2010 e busca promover a inserção dos refugiados na sociedade brasileira. Oferece uma orientação completa e efetiva que os torna autossuficientes para encontrar novas oportunidades. Os dirigentes e idealizadores de projetos inovadores, como o Programa Ami- go Adus e Advocacy, acreditam, por exemplo, que a gastronomia internacio- nal pode ser uma alternativa altamente rentável e promissora. Partindo das demandas dos refugiados, foram criados workshops com aulas de gastro- nomia e procedimentos exigidos pela vigilância sanitária. Através do projeto “Sabores e Lembranças”, são ministradas aulas para brasileiros. O foodtruck Picnic também faz parte de umas das etapas do projeto e ajuda na capaci- tação dos refugiados como chefes de cozinha durante um período de 2 a 3 meses, para que adquiram nome e experiência e se lancem no mercado. Em resumo, a jornada idealizada pela Adus para as formações de empreen- dedores envolve também a participação de vários facilitadores e diferentes profissionais, em 3 diferentes etapas: lançamento em bazares e feiras típicas, capacitação e vivência na prática do foodtruck e reconhecimento da exce- lência ministrando aulas oferecidas à comunidade. O foco principal é a capacitação de refugiados oferecendo a qualificação necessária para que eles possam seguir na atividade e posteriores parcerias com investidores. Assim, a instituição fornece ferramentas para que os refu- giados consigam manter o próprio negócio, tornando-os autossuficientes e capazes de reconstruir suas vidas de maneira autônoma e independente.
  • 30. 58 59 Um projeto pioneiro, que surgiu em julho de 2015 por iniciativa da plataforma social Atados e do Adus, tem re- fugiados como professores de cursos de idioma e cultu- ra. Os principais objetivos são promover a troca de ex- periências, a geração de renda e a valorização pessoal e cultural de refugiados residentes no Brasil. Ao mesmo tempo, possibilita aos alunos o aprendizado de idiomas, diminuição das barreiras e a vivência de aspectos cultu- rais de outros países. A Abraço Cultural conseguiu, em menos de um ano, in- serir 40 professores estrangeiros no mercado de traba- lho. Hoje, são 53 turmas e 480 alunos inscritos (Informa- ções atualizadas do site do projeto, maio de 2016). O método inovador de ensino de francês, inglês, espa- nhol e árabe aposta na troca de experiências culturais com as comunidades locais. Os alunos têm aulas regu- lares focadas no idioma duas vezes por semana. Perio- dicamente, todos os alunos são convidados para um workshop de tradições, que pode envolver culinária, dança, literatura, cinema, curiosidades, política e história de um país tema da semana. Diante da possibilidade de oferecer ferramentas para que os refugiados te- nham condições de se estabelecer, o empreendedorismo acaba sendo uma excelente oportunidade de recomeço. Com a ajuda do Conare e do Sebrae, a primeira turma do projeto de assistência técnica e profissional a esses imi- grantes reuniu 250 alunos (Agência Sebrae, 2016) O projeto Refugiado Empreendedor oferece cursos gratuitos de empreen- dedorismo aos refugiados, que serão ministrados a distância e presencial- mente. O presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, afirma que “o empreen- dedorismo é uma forma de incluir socialmente e economicamente os milha- res de refugiados”. Além da capacitação empresarial, a parceria busca es- timular a formalização dos empreendimentos dirigidos pelos refugiados e facilitar o acesso ao crédito para esse público. “É uma ação importante não só pela questão humanitária, mas porque o fluxo migratório também é um importante vetor de desenvolvimento social e econômico. Os refugiados são naturalmente empreendedores e podem ajudar a gerar novos negócios e empregos, além de oferecer ao país intercâmbio cultural, científico, tecnológico e laboral”. (VASCONCELLOS, 2016)27 . 27 Beto Vasconcellos, presidente do Conare, em entrevista para Agência Sebrae, em abril de 2016.
  • 31. 60 61 4.2 - EMPODERAMENTO E ATIVAÇÃO DOS POTENCIAIS Por definição, empoderamento é a ação social coletiva que visa potencializar a cons- cientização civil sobre os direitos sociais e civis28 . É mais que uma ação de cidadania, devolve o podere adignidade aquem desejao estatuto de cidadão e, principalmen- te, aliberdade de decidire controlarseu próprio destino, com responsabilidade e res- peito à sociedade. Sendo assim, observando a conjuntura de vulnerabilidade social, inerente a todos os refugiados, independente do país de origem, a necessidade de integrar os estrangeiros à realidade social do Brasil é latente. Diante da problemática abordada, o grupo resolveu voltar o foco dos estudos para a dificuldade na geração de renda. Em resumo, o produto final desta monografia pretende trazer uma solução de design estratégico que seja relevante e, ao mesmo tempo, viável. O intuito, diante do estudo de propostas similares e comparativo de ideias jáexistentes no mercado, é justamente superaros obstáculos paraareintegra- ção dos refugiados de forma a criar autonomia e trazer as ferramentas necessárias paraque eles possam buscarsuaprópriainserção nasociedade. Conheceras maiores dificuldades, trabalhar os potenciais intelectuais e valorizar as diferenças através do empoderamento se torna o diferencial deste projeto. Entender a cultura, respeitar as tradições de cada povo e identificar o conhecimento dos estrangeiros que chegam no Brasil sem amparo e sem orientação é, de fato, um grande desafio. O intuito, portanto, é valorizar o melhor de cada um e, finalmente, gerar oportunidades para inserção social, econômica e cultural. 28 ROMANO, Jorge O.; ANTUNES, Marta. Empoderamento e direitos no combate à pobreza. Rio de Janeiro: ActionAid Brasil, 2002. p. 91-116.
  • 32. 62 63 CAPÍTULO 5 COMO UMA FERRAMENTA SOCIAL Cada vez mais, as crises sociais, econômicas, ambientais e culturais que são enfrentadas atualmente tornam evi- dente a decadência de uma visão moderna de desen- volvimento estabelecida na exploração de recursos fi- nitos, acumulação de riquezas e do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Tais problemas sociais, frutos do fracasso do sistema econômico tradicional ou sim- plesmente suprimidos por ele, hoje, são compreendidos como oportunidades para a inovação e um mercado promissor de atuação. Para que isso ocorra, não basta apenas agir e pensar de forma a reproduzir os padrões atuais de produção e consumo, é necessário uma ruptu- ra do modus operandi através de um sistema baseado em novos valores culturais que empreende, sobretudo, mais qualidade de vida e ampliação de oportunidades. Fonte: Danish Design Center, 2003 Gráfico: Processo de Inovação NENHUM DESIGN DESIGN COMO PROCESSO DESIGN COMO ESTILO DESIGN COMO INOVAÇÃO
  • 33. 64 65 A “Escada do Design” foi desenvolvida pelo Centro de Design Dinamarquês (DDC) para avaliar o nível de apli- cação do design dentro de empresas e instituições. A escada consiste em quatro níveis: 1- Nenhum uso do Design: quando o design é parte inexpressiva no de- senvolvimento de produtos e executado por profissio- nais da empresa que não são designers. As soluções são baseadas pela percepção dos profissionais envolvidos, com pouco olhar para o usuário. 2- Design como Esti- lo: neste estágio o papel do design é entendido como exclusivamente pelo aspecto estético e o design não exerce qualquer outro papel no processo de produção; 3- Design como Processo: quando o design deixa de ser apenas o resultado de um processo, mas incorpo- rado como um método a ser adotado desde o início do desenvolvimento de um produto até o fechamento do projeto. As soluções de design são desenvolvidas com foco no usuário e envolvem uma equipe multidisciplinar de diversas áreas da empresa; 4- Design como Inova- ção: o designer atua com os gestores da empresa para repensar o modelo de negócio e sua cadeia de valor. As soluções de design abordam todas as áreas da empresa auxiliando na adoção de inovações. Compreende-se que o design, através de um processo de planejamento estratégico, concebido por uma análise de cenários complexos como o da crise imigratória atu- al - abordada nos capítulos anteriores - tem um impor- tante papel como ferramenta para a inovação visando a criação de projetos que promovam o desenvolvimento econômico e a inclusão de comunidades e indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade social, gerando novas oportunidades de trabalho e mobilizan- do atores sociais locais para formar redes solidárias. “Não basta incluir. Não há solução se pensarmos apenas na inclusão social que aí está. Incluir na esfera do capitalismo – que é um modo de pro- dução essencialmente exclusivo – é uma contra- dição evidente. Estaríamos tentando resolver um problema criado pelo capitalismo por meio do próprio capitalismo. Na verdade, a inclusão so- cial não é apenas social. Ela é, necessariamente, também uma inclusão econômica e tecnológica. Numa ótica transformadora, a inclusão com quali- dade social deve respeitar e valorizar as diferenças e, ainda, possibilitar maiores esperanças de eman- cipação”. (ESTEVES apud GADOTTI, 2009)29 . Sob uma nova ótica de modelo de negócio, a inovação so- cial baseia-se em pequenos empreendimentos e redes de organizações que, de formasustentável, têm como core do seu negócio o desenvolvimento social, promovendo solu- ções para inovação que não surgem do mercado tradicio- nal e, sim, dos segmentos excluídos por ele, e que, através 29 ESTEVES 2011, apud GADOTTI 2009, p. 25 devalores e princípios sustentados em umarede solidáriae colaborativa, possa ser restituída às classes marginalizadas sua dignidade através da sua inclusão produtiva. Em seu livro DesignThinking - Uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias, Tim Brown considera que o processo de inovação por meio do design thinking, metodologia aplicada no próximo capítulo, deve conside- rar a integração de três fatores: sociais, (desejabilidade - o que faz sentido para as pessoas), técnicos (praticabilidade - o que é tecnologicamente possível num futuro próximo) e comerciais (viabilidade - o que poderá fazer parte de um modelo de negócios sustentável). Ao aplicar uma aborda- gem não linear sobre estes três fatores, o design thinking possibilita um novo olhar para os problemas existentes buscando soluções inovadoras através de uma aborda- gem centrada, sobretudo, no usuário. Neste contexto, os conceitos da economia criativa e da economia colaborativa, que detalharemos a seguir, tor- nam-se, cada vez mais evidentes como vetores para a inovação social. A pesquisa realizada para o projeto bus- cou identificar soluções aplicáveis e sustentáveis com foco nos setores daindústriacriativacujo ciclo de criação, produção e distribuição de seus produtos, sejam bens ou serviços, são frutos da integração entre novas tecno- logias e produtos culturais. Ao tomar partido da cultura do refugiado sírio como capital simbólico com potencial para gerar renda e fomentar o empreendedorismo social podemos promover a valorização e o resgate cultural do refugiado a partir da sua inclusão, estabelecendo uma nova relação e ressignificação da sua cultura perante a cultura local, gerando autoestima e revelando o seu va- lor para a sociedade. Gráfico: Processo de Inovação Fonte: IDEO TECNOLOGIA (feasibility) SOCIAL (desirability) NEGÓCIOS (viability) INOVAÇÃO PELO DESIGN
  • 34. 66 67 5.1 - EMPREENDEDORISMO E INOVAÇÃO SOCIAL Segundo a Ashoka, empreendedores sociais são indi- víduos, agentes transformadores (changemakers), que identificam necessidades latentes na sociedade e pro- curam soluções sistêmicas capazes de promover mu- danças profundas em seu entorno. Empreendedores sociais não se resignam às regras do mercado tradicional e buscam a inovação em novas formas de organização social. Eles também têm o papel de conectarem cida- dãos, organizações da sociedade civil, comunidades lo- cais, empresas e servidores e o setor público em prol de não só satisfazer e atender as necessidades individuais, como também as coletivas. O conceito de inovação social pode ser definido como o desenvolvimento de soluções, sejam produtos, servi- ços ou modelos de negócio, para atender as necessida- des sociais, estabelecendo novas relações e formas de colaboração. Em geral, as iniciativas de inovação social são multidisciplinares e participativas, promovem a dis- seminação de conhecimento, estimulando articulações em rede e empoderando indivíduos, transformando-os em atores sociais. Cria-se uma inovação bottom-up, de baixo pra cima, impulsionada pela própria comunidade. Este tipo de inovação considera todos os atores impac- tados pela solução do problema, trazendo resultados que são compartilhados entre a comunidade e seus par- ticipantes. Em suma, o processo de inovação social baseia-se em quatro etapas: • Identificação de necessidades sociais (não atendidas ou deficientemente atendidas); • Desenvolvimento de novas soluções em resposta a es- sas necessidades sociais; • Avaliação da eficácia de novas soluções para satisfazer as necessidades sociais; • Intensificação das inovações sociais eficazes. “Os empreendedores sociais não se contentam apenas em dar o peixe ou a ensinar a pescar. Eles não descansarão enquanto não revolucionarem a indústria da pesca” (Bill Drayton, fundador da Ashoka)
  • 35. 68 69 ECONOMIA CRIATIVA A economia criativa atua na dimensão cultural da sus- tentabilidade, gerando valor a partir de ativos intangíveis como o conhecimento, a criatividade e a experiência, ou seja, recursos que não apenas não se esgotam mas que têm o potencial de se multiplicar e se renovar com o uso. No Plano da Secretaria da Economia Criativa, elaborado em 2011 pelo Ministério da Cultura, as indústrias criativas são definidas como aquelas cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social. ECONOMIA COMPARTILHADA A economia compartilhada dá-se na dimensão ambiental ge- rando valor por meio do compartilhamento de recursos subu- tilizados, como espaços, equipamentos e, até mesmo, conhe- cimento, de forma a privilegiar o acesso ao invés de aquisição. ECONOMIA COLABORATIVA Na dimensão social, a economia colaborativa dá um novo olhar para o modelo de gestão, com propósito no desenvolvimento local, gerando conexão entre pessoas e empreendimentos de produção, distribuição e finan- ciamento, articulados por meio de redes distribuídas, em oposição ao modelo tradicional centralizado, potencia- lizando resultados em escala e a autossustentabilidade por meio de um crescimento conjunto. ECONOMIA MULTIVALOR Por último, a economia Multivalor atua na dimensão fi- nanceira, entendida como a dimensão do resultado e não da moeda, gerando fluxo de valor não apenas mo- netário para todas as dimensões 4D, considerando re- sultados sociais, ambientais, financeiros e culturais. 5.2 - FLUXONOMIA 4D A Fluxonomia 4D é um método proposto por Lala Deheinzelin, uma das pioneiras da economia criativa no Brasil, pelo qual podemos trabalhar simultaneamente as quatro dimensões da sustentabilidade (cultural, ambiental, social e fi- nanceira) associadas a quatro economias exponenciais: criativa, compartilhada, colaborativa e multivalor. INTANGÍVEL SOCIAL CULTURAL AMBIENTAL FINANCEIRO Economia COLABORATIVA Economia COMPARTILHADA Economia MULTIVALOR Economia CRIATIVA TANGÍVEL
  • 36. 70 71 CASE STUDY MIGRAFIX http:/ /www.migraflix.com.br/ O Migraflix é um projeto de ação social que propõem a integração social e econômica por meio de workshops culturais ministrados por imigrantes e refugiados. O projeto visa ampliar as oportunidades de renda para imigrantes e refugiados através divulgação e valo- rização da sua própria cultura. Isso se dá a partir de workshops oferecidos ao público em geral, predomi- nantemesnte brasileiros, promovendo intercâmbio cul- tural e permitindo que seus usuários entrem em con- tato com uma nova visão de mundo, enquanto aprende um assunto de seu interesse. CASE STUDY A WAY TO MARS https:/ /www.awaytomars.com/ A Way To Mars é uma ma plataforma online colaborati- va que funciona a base de valores éticos para promover o pensamento criativo, a co-criação, o crowdfunding e a divisão de lucros. A plataforma permite que criativos possam compartilhar suas ideias de produtos, aperfei- çoá-los com a colaboração de outros usuários e con- cluir o processo por meio de uma campanha de crowd- funding para que o projeto de fato saia do papel. CASE STUDY SKILLSHARE https:/ /www.skillshare.com/ Skillshare funciona como uma comunidade global de conhecimento baseada na ideia de crowdlearning onde os usuários inscritos podem escolher milhares de aulas on-line ou até mesmo compartilhar seus próprios co- nhecimentos e habilidades com outros usuários. A plataforma tem como objetivo oferecer ferramen- tas para empoderar pessoas para aproveitarem o seu potencial criativo e a tornarem suas vidas mais interes- santes. CASE STUDY CINESE http:/ /www.cinese.me/ Cinese é uma plataforma digital que promove cone- xões entre pessoas e saberes coletivos por meio de en- contros para compartilhar conhecimentos, experiências, habilidades e debater temas de interesses em comum. Usuários da plataforma podem buscar ou criar novos eventos que podem ser gratuitos ou cobrados, a ideia é que qualquer um pode aprender qualquer coisa, com qualquer pessoa e em qualquer lugar.
  • 37. 72 73 CASE STUDY HELPING HAND http:/ /www.helpinghandapp.com.br/) Helping Hand é um projeto de mapeamento colabo- rativo como o objetivo fornecer acesso a informações necessárias de instituições que oferecem apoio aos imigrantes e refugiados no Brasil, como agências inter- nacionais, assistência jurídica, centros de apoio, comu- nidades e sociedades, templos religiosos, órgãos go- vernamentais, consulados e embaixadas, instituições de ensino, aulas de português, oportunidades de emprego e hospitais próximos à região onde você mora. CASE STUDY OPEN IDEO https:/ /openideo.com/ Open IDEO é uma plataforma colaborativa onde pes- soas se conectam para compartilhar experiências e conhecimentos diversos e, juntos, projetar soluções para os mais complexos problemas sociais por meio do design thinking. É uma plataforma online para pen- sadores criativos de diferentes backgrounds mas com interesses em comum, o bem social. CASE STUDY WONOLO http:/ /www.wonolo.com/ Wonolo, “Trabalhe. Agora. Localmente”, é uma plata- forma de recrutamento sob demanda onde empresas podem cadastrar suas necessidades de trabalho flexí- veis em jornadas diárias ou por hora e encontrar profis- sionais que podem atender estas demandas. O objetivo da plataforma é permitir que pessoas possam trabalhar quando, onde e para quem quiserem, e atender as ne- cessidades imediatas das empresas com profissionais qualificados. CASE STUDY MINHA SAMPA https:/ /www.minhasampa.org.br/ Minha Sampa é uma iniciativa que faz parte da rede Nossas Cidades. O minha Sampa reune uma equipe de de mobilizadores e comunicadores que acompanham as decisões tomadas pelos poderes executivo e legisla- tivo municipais e estaduais gerando uma rede de mo- bilização formada por milhares de cidadãos que que- rem construir uma São Paulo melhor. A iniciativa busca fornecer ferramentas e facilitar o processo de influência do cidadão comum sobre as decisões políticas da cida- de por meio de campanhas de mobilização e projetos coletivos que podem ser criados por qualquer cidadão.
  • 38. 74 75 A partir deste estudo, identificamos a necessidade de proporcionar aos refugiados um ambiente que os levem a identificar oportunidades para desenvolver suas pró- prias ideias através do fortalecimento de suas compe- tências, estabelecendo conexões entre suas habilidades e interesses comuns, empoderando estes indivíduos e suas comunidades para buscarem sua inserção produti- va, estimulando o empreendedorismo formal e informal e, por fim, impulsionar novas conexões em rede e novas formas de atuar dentro da sociedade.