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Resumo: O Serviço Social surge como profissão atrelada à ideologia dominante e à doutrina social da Igreja Católica como resposta ao
acirramento das contradições capitalistas em sua fase monopolista para o controle da classe trabalhadora e a legitimação dos setores dominantes e
do Estado. Este artigo busca reconstruir a trajetória do Serviço Social e sua ética profissional, cujo marco foi a consolidação do Código de Ética
de 1993 que, fruto de um fértil e democrático debate da categoria, instituiu como valor central a liberdade, sinalizando, por seus princípios para
uma direção social que busca a construção de uma nova ordem social. Para tanto, exige-se uma atuação crítica e competência teórica dos
assistentes sociais de modo que possam desmistificar o cotidiano e suas relações reificadas pela sociedade capitalista, buscando, através da
reflexão ética, construir estratégias que superem os limites impostos à cidadania, tendo como objetivos a justiça social e a democracia; contudo,
vale destacar a importância da interlocução deste Código com os demais mecanismos e instrumentos legais instituídos na e pela sociedade para
maior abrangência e efetividade do mesmo.
Introdução
Representando um fenômeno típico da sociedade capitalista em sua fase monopolista, o Serviço Social surge de modo a garantir a reprodução
desse modo de produção e das relações sociais que sustentam o trabalho alienado.
Mesmo sendo polarizado por interesses divergentes, a tendência histórica do Serviço Social foi, até a década de 1980, a de ser polarizado pela
classe dominante, igualmente a ética profissional foi influenciada pelos projetos societários aos quais esteve articulada.
Todavia, o debate ético, iniciado nos anos 1990, pautado sobre uma reflexão ético-crítica, que buscava romper com o tradicional
conservadorismo a que a profissão vinculou-se - cujas intenções de ruptura com o mesmo adentraram a profissão ainda na década de 1960 -,
promoveu a construção do Código de Ética Profissional de 1993 que, tendo como valor ético-central a liberdade, se propõe a erigir as bases para
construção de uma nova ordem societária e defende a promoção do homem na sua condição humano-genérica.
Este artigo busca retratar a trajetória da ética profissional do Serviço Social que culminou com a formulação do Código de 1993, o qual, apesar
de ter sido gestado em um momento de reformulação do capitalismo e do seu padrão de dominação vigente, agora sob a égide do neoliberalismo
– fruto da crise estrutural que o capitalismo assistiu a partir do final da década de 1960, início da década de 1970 – tem como princípios básicos a
defesa da democracia, dos direitos sócio-políticos, da eqüidade e justiça social, bem como a importância de sua articulação com os demais
mecanismos existentes na sociedade, de modo a conduzir para sua maior aplicabilidade e eficiência do exercício profissional.
Construindo a ética profissional do Serviço Social
O surgimento do Serviço Social no Brasil se dá vinculado à Igreja para a recuperação e a defesa de seus interesses junto às classes subalternas e à
família operária “ameaçada” pelas idéias comunistas. Como estratégia dos setores dominantes para sua legitimação, o Estado irá incorporá-lo
posteriormente para a implementação de políticas assistenciais buscando atenuar os conflitos de classe e é através desse enfrentamento da
questão social que ocorre sua institucionalização e se altera sua “clientela” para o atendimento da classe operária.
A questão social e suas múltiplas expressões são a matéria-prima ou o objeto do trabalho profissional e sua gênese encontra-se enraizada na
contradição fundamental que demarca a sociedade capitalista - a produção é cada vez mais social e a apropriação do trabalho, suas condições e
seus resultados, são cada vez mais privadas -, assumindo distintas roupagens em cada época.
Igualmente, tem-se, neste modo de produção, mediante o trabalho alienado e suas relações sociais antagônicas, garantidas tanto a reprodução das
condições de exploração e apropriação da riqueza produzida quanto de seus mecanismos ideológicos.
A profissão do Serviço Social, que participa dessa reprodução da sociedade, é historicamente determinada, sendo a atuação dessa categoria
articulada de maneiras distintas conforme a conjuntura social, política e econômica.
Segundo Netto (1996: 89):
As profissões não podem ser tomadas apenas como resultados dos processos sociais macroscópicos – devem também ser tratadas cada qual como
corpus teóricos e práticos que, condensando projetos sociais (donde as suas inelimináveis dimensões ídeo-políticas), articulam respostas
(teleológicas) aos mesmos processos sociais.
Ética - do grego ethiké e do latim ethica - está associada, de acordo com Silva (2002), à moral, ou seja, a um conjunto de normas tidas como
ideais na e pela sociedade, no entanto, como afirma Barroco (2003), tais valores éticos tendem, na sociedade capitalista, a se fixar mais por
valores e sentimentos individualistas e de consumo e menos pelos chamados interesses coletivos, favoráveis a uma convivência social mais
igualitária e que representariam a intenção primeira da instituição da ética e da moral.
Quanto à categoria dos assistentes sociais, sua ética profissional e, mais particularmente, seus Códigos de Ética refletiram bem os
posicionamentos defendidos nas épocas distintas, sendo marcante, até a década de 1980, o conservadorismo sob o qual a profissão foi
engendrada. Para Brites e Sales (2004), a ética profissional está associada à ética social, assim como aos projetos sociais.
Compartilhando da mesma idéia, segundo Barroco (2003: 66-67):
Os projetos societários estabelecem mediações com as profissões na medida em que ambos têm estratégias definidas em relação ao atendimento
de necessidades sociais, com direções éticas e políticas determinadas. Isso fica evidente quando analisamos a profissão Serviço Social, em sua
gênese. Suas determinações históricas são mediadas pelas necessidades dadas na relação entre o capital e o trabalho, pelos projetos das forças
sociais que buscam enfrentar as seqüelas da “questão social” como questão moral.
Se percorrermos a trajetória histórica da profissão, constataremos sua adesão a projetos societários, dominantes ou não. Assim, embora a
ideologia não seja a única mediação da profissão, ela está presente nas orientações de valor ético-moral e na direção política da ética profissional,
seja ela conscientemente dirigida, seja como reprodução acrítica de normas, valores e modos de comportamento.
Quando emergiu no Brasil, nas décadas de 1930 e 1940, o Serviço Social possuía uma característica assistencial e controladora que buscou
favorecer o capitalismo monopolista e o desenvolvimento industrial, conformando uma atuação imediatista e acrítica. Nos anos 1940, a
bipolarização ideológica, o Welfare State e o modelo fordista de produção vão exigir uma nova forma de controle por parte do Estado - pautada
no consenso/coesão entre as classes, daí o uso da perspectiva da anormalidade que exigia uma ação psicologizante - fato que conduziu à
ampliação das grandes instituições assistenciais.
Nos anos 1950 surge o método ou processo de organização e/ou desenvolvimento de comunidade que se propunha a conduzir a melhoria nas
condições imediatas do meio, contando, para tanto, com a participação dos grupos como co-participantes na execução dos projetos e das
atividades, unidos pelo bem-comum, porém deslocados de suas elaborações e proposições.
Tais intervenções buscaram criar um padrão ético-moralizador do trabalhador e de sua família, ajustando o mesmo à ordem capitalista
monopolista. Assim, o trabalho que permite que o homem deixe de ser apenas ser biológico e se torne ser social, através das relações que
estabelece com a natureza e com os outros homens, passa a aliená-lo - processo que se engendra desde o século passado com a Grande Indústria -
, uma vez que o resultado/produto do seu trabalho, assim como a mão-de-obra do trabalhador, já não lhe pertence, pois adquiriu forma mercantil,
ou seja, possui valor de uso e de troca, e esse fetiche das mercadorias e do trabalho irá obscurecer o processo de exploração capitalista e negar as
potencialidades emancipadoras do homem.
Para Marx, o trabalho é o fundamento ontológico-social do ser social; é ele que permite o desenvolvimento de mediações que instituem a
diferencialidade do ser social em face de outros seres da natureza. As mediações, capacidades essenciais postas em movimento através de sua
atividade vital, não são dadas a ele; são conquistadas no processo histórico de sua autoconstrução pelo trabalho. São elas: a sociabilidade, a
consciência, a universalidade e a liberdade (BARROCO, 2003: 26).
Através da difusão de sua ideologia dominante, a sociedade burguesa capitalista aliena o cotidiano, vela suas contradições, singulariza e
desumaniza o homem impedindo a realização objetiva dos valores humano-genéricos, este passa a agir acriticamente, desconhecendo as
mediações que o cercam e desconstruindo sua capacidade criativa livre.
Assim, apesar da reflexão ética poder levar a uma suspensão do fetiche da cotidianidade e da moral imposta pela ideologia dominante, para
Barroco (Ibidem, Idem), se ela desconsidera a perspectiva totalizante não será capaz de desmistificar o que está obscurecido e funcionará como
reprodutora desses componentes alienantes.
A práxis política permite - se não hegemonicamente, ao menos parcialmente - a desalienação do cotidiano. Contudo, se a prática social não se
revela na sua imediaticidade, exigindo do profissional que deseje compreendê-la uma postura crítica, tal postura não era congruente com o
projeto de classe ao qual o Serviço Social estava vinculado naquele momento e que lhe conduzia a uma direção conservadora, impedindo-lhe de
vislumbrar uma direção de transformação ou de confronto com esse estrato hegemônico.
Consoante à defesa do status que enfocando uma educação moralizadora que objetivava superar os desajustamentos individuais, o primeiro
Código de Ética da profissão, datado de 1947, caracterizou-se por seu aspecto normativo e conservador vinculado ao pensamento católico, bem
como por uma visão da profissão como algo homogêneo.
A crise ideológica, política e de eficácia da profissão surge na década de 1960, questionando a burocratização do Serviço Social, seu caráter
importado e sua ligação com as classes dominantes. Apontava-se para três projetos: um que se propunha manter a matriz conservadora e
tradicional, outro que intencionava uma modernização conservadora e um último que apresentava a direção de ruptura com o conservadorismo,
um dos marcos desta época foi o Movimento de Reconceituação.
Nesta época o Serviço Social fixou-se sob mudanças técnicas, a chamada modernização conservadora que colocou a questão do método em
debate, e enveredou por caminhos distintos, fundamentando-se ora por uma aproximação com o marxismo, porém sob a ótica de leituras
incompletas e de outras fontes; ora recusando o teoricismo pela prática e, por fim, resgatando posteriormente o marxismo pelo estudo direto da
obra de Marx.
Em meio à repressão política implantada pela ditadura, o Código de Ética de 1965 pautou-se na defesa da família, na integração entre as classes
mediante o estabelecimento de uma ordem justa e solidária que propunha o desenvolvimento harmônico e manteve o moralismo e o
conservadorismo do código anterior, porém sob as bases neotomistas; nele reforça-se o aspecto de profissão liberal do Serviço Social e
paradoxalmente há a configuração de espaço para o pluralismo e a defesa de uma atuação imparcial.
As discussões sobre um método único de intervenção com diagnóstico/tratamento/avaliação que reatualiza o projeto profissional conservador,
visão liberal da intervenção social embasada no esforço individual - a liberdade é subjetivada - marcaram a década de 1970 e o Código de Ética
de 1975 será norteado pela permanência da moral acrítica, a neutralidade e pela ideologia estrutural-funcionalista que defende o bem comum, a
ordem e a coesão social.
Todavia, em 1979, no “Congresso da virada”, há a conformação de novas reflexões sobre a formação e o exercício profissional com a introdução
do marxismo (compatível com a ruptura do conservadorismo político), o estabelecimento de uma maturidade teórica e o enriquecimento do
debate filosófico, cujas críticas ao caráter conservador da prática profissional marcaram a década de 1980 - na qual emergiram novas condições
econômicas, políticas e sociais na sociedade brasileira - quando a categoria vinculou sua identidade aos movimentos sociais.
Contudo, apesar do Código de Ética de 1986 constituir-se como um avanço em relação aos anteriores, recusar a neutralidade da prática
profissional, reconhecer a dimensão histórica e política da profissão - esta em favor da classe trabalhadora - e das relações de força, superando a
análise do objeto sob a perspectiva da anormalidade, e de reconhecer também o historicismo da moral, a ética foi tomada apenas em sua
dimensão política.
Ramos (2003: 51), em alusão ao Código de Ética de 1986 e sua vinculação à classe trabalhadora, perscruta:
A forma como esse compromisso foi exposto, expressa uma concepção ética mecanicista, que deriva imediatamente a moral da produção
econômica e dos interesses de classe; uma ausência da mediação dos valores próprios à ética; um comprometimento com uma classe, como se
esta, a priori, fosse detentora dos valores positivos; uma visão idealista e desvinculada da questão da alienação.
De acordo com Antunes (2000), acompanhando a crise do Welfare State, a limitação do padrão de acumulação taylorista/fordista e o
deslocamento do capital produtivo para o capital financeiro, o capitalismo assistiu, a partir do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, à queda
de seus elementos constitutivos e a uma crescente estagnação da economia, fato que levou a uma crise estrutural do capital e a sua reorganização,
mediante uma ruptura com o padrão de dominação de classe vigente, sua ideologia e política que havia se formado entre as décadas de 1920 e
1930.
Em razão dessa crise, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, houve a criação de uma atmosfera favorável ao ressurgimento das idéias
liberais, preparando as bases para um capitalismo livre de regras e regido pelo mercado, onde o papel do Estado seria mínimo.
Como resultado da divulgação do ideário neoliberal houve, a partir da década de 1980, a contenção dos salários, a perda da influência sindical, a
terceirização e a vulnerabilização do trabalho e da classe trabalhadora com a precarização das suas condições de vida, o que, para Castel (2001)
tem configurado uma metamorfose da questão social e para Netto (2001) representa as novas expressões da questão social.
No Brasil, a abertura econômica iniciada nos anos 1990 montou um cenário econômico marcado pelas taxas de juros elevadas, desregulação e
privatização do Estado. A orientação da política macroeconômica e da política interna por meio da retração das políticas públicas efetuou
mudanças significativas no mercado de trabalho brasileiro, onde, pela via da terceirização e externalização da produção, há a exclusão da mão-
de-obra do trabalho socialmente protegido e a sua inclusão nos setores caracterizados pela insegurança e desregulamentação do trabalho.
Entretanto, mesmo com a instauração, na década de 1980, do contexto neoliberal no país e dos avanços e discussões nas últimas décadas, para
Barroco (2003), somente nos anos 1990 houve um debate ético realizado pela categoria, inclusive deflagrando uma discussão que segue a
tendência mundial em favor dos direitos humanos.
Se o código de 1986 rompia com o tradicionalismo, com o personalismo cristão e com os princípios abstratos e neutros – característicos do
neotomismo -; o código de 1993 preconiza uma apropriação teórica da produção marxiana, pautando-se na ontologia social de Marx e no seu
projeto societário, o que se constitui como embasamento filosófico à leitura da realidade e atuação profissional (MUSTAFÁ, 2003: 64).
Com o acirramento do ideário neoliberal no Brasil, após a década de 1990, o Serviço Social percebeu a necessidade de romper com o
tradicionalismo e buscar construir um projeto ético-político que se posicione em favor da reflexão ética, da democracia e da liberdade como
pressuposto fundamental para a construção de uma nova ordem societária que se oponha à discriminação e exploração próprias do sistema
capitalista.
Portanto, sendo expressão de um processo de renovação teórica – ligada à vertente marxista – e política da categoria e de suas entidades
representativas, iniciado nos anos 1960, o Código de Ética de 1993 – que incita uma emancipação do ser social e estabelece uma dimensão
política que viceja transformar a ordem social posta e seus princípios, defendendo a liberdade como seu valor ético-central – é, segundo
Iamamoto (1999), também fruto das transformações ocorridas na sociedade brasileira nos anos 1980 e entrada dos anos 1990.
A liberdade por ele retomada exerce papel central porque, como bem define Barroco (2003: 59-60) “é, ao mesmo tempo, capacidade de escolha
consciente dirigida a uma finalidade, e, capacidade prática de criar condições para a realização objetiva de escolhas, para que novas escolhas
sejam criadas”.
Nele, aponta-se para a ética não apenas no sentido do dever ser, mas para a possibilidade de vir a ser, mediante a apreensão crítica da realidade
social na sua totalidade - o que exige um permanente debate teórico e uma constante atualização profissional - e a exposição e enunciação de
possibilidades de ação que busquem a emancipação do homem, rompendo com a coisificação e a mercantilização das relações sociais da
sociedade capitalista.
Contra o moralismo conservador e a moralidade burguesa, as perspectivas éticas oriundas do processo de lutas das classes trabalhadoras apontam
para projetos de emancipação humana, colocados no horizonte de uma nova moral e de uma sociedade, capaz de criar condições para a vivência e
universalização da liberdade. (BARROCO, 2004a: 33)
Referindo-se à direção social estratégica apontada pela profissão e sua consolidação, Netto (1996: 116) afirma:
É preciso enfatizar que não basta a uma direção social estratégica o enunciado do seu horizonte ídeo-político; para que esse transcenda o plano da
petição de princípio (ou da mera intencionalidade), é necessário que se articule congruentemente aos traços mais determinantes da cultura
profissional; se ele carece dessa articulação ou se, à sua revelia, metamorfoseia-se a cultura profissional, a direção perde vigência.
No caso do Código de Ética profissional do Serviço Social, há uma interconexão com a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei 8.662/93) e
com as novas Diretrizes Curriculares (1982) que compõem o projeto-ético político profissional e que elaboram a direção social estratégica para a
categoria (SALES, 1999).
Somados à liberdade, temos como princípios validados no Código de 1993 (CRESS-RN, 1999: 49-50) a defesa intransigente dos direitos
humanos - fundamental à noção de igualdade dos sujeitos sociais, bem como a uma prática profissional que rompa com conservadorismos,
clientelismos e formas de preconceito; a ampliação e consolidação da cidadania – que deve ser inerente ao exercício profissional cotidiano, posto
que trabalhamos com direitos e políticas sociais, hoje minimizados pelas reformas do Estado neoliberal e pelo novo padrão de acumulação
capitalista; a defesa do aprofundamento da democracia, sem a qual não há como o sujeito auto-realizar-se.
Temos os princípios favoráveis à eqüidade e justiça social e o respeito à diversidade – que se opondo ao preconceito, não ignora as diferenças,
mas busca igualdade e universalidade de direitos e de acesso aos mesmos. A relevância desses princípios torna-se ainda maior nestes tempos de
discriminação positiva e de políticas sociais compensatórias e excludentes. Há ainda os princípios de garantia do pluralismo – cujas expressões
teóricas sejam coerentes com a direção social estratégica erigida pela profissão e em oposição à pretensa neutralidade que historicamente marcou
a categoria e de opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-
exploração de classe, etnia ou gênero, onde as relações coletivas e individuais possam ser humanizadas.
Além destes, defende-se a articulação com os movimentos sociais de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e
com a luta geral dos trabalhadores – o que representa uma oposição à lógica capitalista -, o compromisso com a qualidade dos serviços prestados
à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional – sem os quais o Código não teria validação prática,
nem condições de se consolidar e se manter e, por último, propõe o exercício do Serviço Social, sem ser discriminado, nem discriminar – cuja
ocorrência de práticas discriminatórias tornaria o Código mera expressão legal ou declaração de intenção, sem representatividade junto à
categoria e à sociedade.
As condutas éticas e os preceitos definidos no Código de Ética supramencionado representam:
Uma luta contra as desigualdades sociais, as degradações das condições de vida, as diversas e múltiplas faces da violência em nossa sociedade. É,
ainda, lutar contra a negação da dimensão do indivíduo como sujeito não idêntico, com direito à liberdade, que deve ter respeitado seu direito
humano, sua cidadania, seu direito à eqüidade e à justiça social. É, fundamentalmente, lutar contra o que está a manietar o espaço democrático e
faz de seus princípios meros pressupostos formais e jurídicos, determinados pelos limites da ordem social vigente, guiada pela lógica e
racionalidade do mercado, senhor de uma pseudo-ética. (BRASIL, 2001: 168)
Desse modo, vale ressaltar a importância da apropriação da ética, não como uma convenção castradora, ou sob o ponto de vista messiânico, mas
como um rumo orientador, sendo esta apropriação fundamental ao Serviço Social para que possa desenvolver possibilidades de atuação coerentes
com seu projeto ídeo-político, fazendo, assim, um intercâmbio entre as demandas imediatas postas cotidianamente com sua dimensão coletiva,
buscando a explicitação e efetivação dos direitos políticos e sociais dos usuários.
Código de Ética de 1993: uma conquista, vários desafios
O Código de Ética do Serviço Social de 1993 representa um marco para a categoria, pois, elaborado democraticamente, afirma não apenas um
conjunto de normas, mas um novo perfil profissional, cuja direção social, fundamentada sob a Teoria Social Crítica, postula o enfrentamento de
antigas e novas expressões da questão social através da montagem de estratégias que ampliem os limites impostos à cidadania e democratizem as
políticas públicas e seu acesso diante do padrão de acumulação vigente e do modelo de proteção que lhe é inerente.
Contudo, para atingir tais objetivos é preciso dirigir não apenas a ética, mas também o conhecimento e o saber profissionais à construção dessas
novas estratégias de poder que possibilitem o enfrentamento concreto das desigualdades sociais, entendendo-se que todas as condutas
profissionais têm implicações práticas e podem concorrer para distintos projetos e soluções.
Além disso, há segundo Sales (1999) um outro fator importante a ser considerado: a expectativa, por parte dos usuários dos serviços prestados
pelos profissionais de Serviço Social, de que suas decisões concorram efetiva e eticamente para a eficácia dos projetos aos quais sua prática se
direciona.
Solicitação que requer uma postura propositiva dos assistentes sociais e que é conjugada pela opinião de Iamamoto (1999: 80) a qual afirma que:
Tal perspectiva reforça a preocupação com a qualidade dos serviços prestados, como o respeito aos usuários, investindo na melhoria dos
programas institucionais, na rede de abrangência dos serviços públicos, reagindo contra a imposição de crivos de seletividade no acesso aos
atendimentos. Volta-se para a formulação de propostas (ou contra propostas) de políticas institucionais criativas e viáveis, que alarguem os
horizontes indicados, zelando pela eficácia dos serviços prestados. Enfim, requer uma nova natureza do trabalho profissional, que não recusa as
tarefas socialmente atribuídas a esse profissional, mas lhes atribui um tratamento teórico-metodológico e ético-político diferenciado.
No entanto, a utilização do Código de Ética só pode ser carregada de sentido na medida em que, como mecanismo de respaldo legal às respostas
dadas pelo profissional na sua intervenção para o enfrentamento da questão social e alcance da qualidade e abrangência dos serviços, seja
incorporado conscientemente pela categoria e objetive-se concretamente através da análise crítica da realidade e da reflexão ética, de modo que
seja evitada o que Sousa (2002: 123) denomina “naturalização das questões cotidianas” que é reproduzida quando, em detrimento da dimensão
humano-genérica - que considera o ser social na sua coletividade -, a singularidade dos sujeitos - eixo central da sociedade contemporânea
capitalista, perpassada pelo ideário neoliberal e pós-moderno - é enaltecida.
Ou ainda, como atesta Barroco (2004b: 31):
a ética não se esgota na afirmação do compromisso ético-profissional. É preciso que o compromisso seja mediado por estratégias concretas,
articulado à competência teórico/técnica e à capacidade de objetivá-las praticamente por meio da realização dos direitos sociais.
Portanto, se defendemos, nessa nova fase de consolidação da ética profissional, um novo projeto societário, é preciso considerar o desafio que se
impõe à categoria, bem como aos demais profissionais que trabalham na área social que é o crescimento do processo de exclusão social no Brasil
o qual, de acordo com Yasbek (2001), tem produzido no país a inclusão pela exclusão, ou seja, mediante a não socialização da riqueza acrescida
da marginalização de grande parte da população que é posta como alheia aos processos de participação, decisão, produção e reprodução sociais.
Tal situação vai de encontro ao que propõe Oliveira (1998: 30), segundo o qual:
o processo de conquista do homem passa por essa forma de reconhecimento da dignidade de todo ser humano. Portanto, liberdade só se conquista
por intermédio de solidariedade, de reconhecimento, o que significa dizer que a humanidade do homem, a humanização da vida humana, do
ponto de vista ético, passa pela eliminação de qualquer tipo de opressão do outro e se efetiva enquanto reconhecimento recíproco de liberdade.
Outrossim, numa época em que há um agravamento das expressões da questão social e crescimento das demandas sociais, fruto de um contexto
de mudanças na sociedade capitalista que, aliadas à globalização trouxeram à tona transformações no mundo do trabalho e mudanças no padrão
de acumulação, fragmentando os vínculos de sociabilidade e, inclusive, de organização da classe trabalhadora, para que a cidadania social –
incluída como um dos princípios do Código de Ética de 1993 – possa ser possível, é preciso ter como horizonte a promoção da justiça social,
sendo, para tanto, fundamental a desvinculação da política social da econômica – principalmente no que tange à sua atual orientação macro –
além da preservação, como bem atesta Netto (2004), da autonomia profissional.
Neste contexto, apesar de sua singular importância, merece destaque frisarmos que o Código de Ética não pode ser visto isoladamente, devendo
ser articulado aos demais mecanismos e instrumentos legais instituídos na e pela sociedade, tais como a Constituição Federal - que prevê, de
acordo com seu Art. 193, o bem-estar e a justiça sociais como objetivos da ordem social, e compreende, pelo Art. 194, a assistência social, a
saúde e a previdência como tripé da seguridade social -, as Leis Orgânicas da Saúde (Lei 8.080/90 e Lei 8.142 – que, entre outras providências,
dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde) e da Assistência (Lei 8.742/93), os Estatutos da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90) e do Idoso (Lei 10.741/2003), além dos Conselhos de Saúde, Assistência, entre outros.
Além destes mecanismos, é necessário fazer referência ao Sistema Único de Assistência Social – SUAS que, em seu modelo de gestão
descentralizado e participativo, se propõe a executar a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, efetivando a assistência social como política
pública e direito social e sem contrapartida.
Em sua dimensão ética, o SUAS (BRASIL, 2004) busca a inclusão e a eqüidade dos sujeitos – progressivamente vulnerabilizados – apreendendo-
os em sua coletividade – enfocando a família em seu contexto natural como eixo central da assistência – e considerando não apenas suas
necessidades, mas também suas capacidades, rejeitando, ao menos na retórica, aproximações seletivistas e individualistas.
Todavia, apesar de ser, em certos aspectos, falacioso, dado seu caráter restritivo e seletivista, como no que se refere ao acesso – que, apesar de
pregar a garantia da oferta da assistência social “a todos, que dela necessitem” (Ibidem, Idem: 11), é comprovadamente insuficiente em relação à
demanda, enveredando mais para a questão da oferta dos mínimos sociais como mínimo de renda e menos para a proteção social (PEREIRA,
2002) -, o SUAS representa mais um mecanismo que favorece a luta para reivindicação da ampliação dos canais de participação da sociedade,
contra o cooptação da ideologia neoliberal e abre espaço para uma intervenção mais qualificada do Serviço Social junto à sociedade civil.
Assim, se o assistente social trabalha em determinadas condições objetivas, não tendo trabalhos, recursos e, por conseguinte, produtos idênticos,
tais contextos revelam a importância do comportamento ético-político no exercício da profissão para a definição de suas possibilidades de
atuação e das estratégias para enfrentamento das forças sociais em confronto, para tanto, a competência teórica é iniludível.
Esta reflexão ética é fundamental, porque representa uma tomada de decisão em relação à realidade, uma revisão da realidade na sua totalidade,
apontando para alternativas que levem a uma sociedade humana, ao exercício da plena liberdade e à supressão de formas de alienação e opressão.
Considerações finais
Partindo do pressuposto que o homem é um ser social que valora e que a ética social permeia a ética profissional, pode-se dizer que a ética no
Serviço Social esteve intimamente vinculada aos projetos societários e à ideologia aos quais a profissão esteve vinculada na sua trajetória.
A questão social, objeto do Serviço Social foi, portanto, durante vasto período, naturalizada pelos profissionais, posto estarem atrelados ao
pensamento conservador.
Todavia, tendo em vista que ela é determinada pela exploração resultante da relação capital/trabalho e que, no Brasil, a restauração democrática
nos anos 1980 coincidiu com a introdução do ideário neoliberal e a conseqüente degradação do mundo do trabalho, gerando, portanto, uma
agonização da questão social, temos que a conjuntura social, política e econômica, bem como a efervescência dos sujeitos sociais criam uma
atmosfera que, no âmbito interno da profissão, reforça as críticas ao conservadorismo, pretensa neutralidade e tradicionalismo - que já haviam
sido instauradas desde os anos 1960 - cujos preceitos dominaram a categoria até a década de 1970, desembocando em um debate ético na entrada
dos anos 1990.
Este debate ético não foi estéril, pois, recuperando as categorias história, política e a liberdade - em detrimento da impessoalidade e do
politicismo antes marcantes – e pautado sobre a teoria marxista, culminou não apenas com a produção do Código de Ética Profissional de 1993 –
tendo em vista que o pretenso debate ético da profissão esteve sempre restrito à sua elaboração como código de normas – mas, sobretudo, com a
construção do novo projeto ético-político para o Serviço Social.
Sobre o novo código, é preciso destacar o avanço significativo que representou para a categoria, quando se propõe a analisar a realidade na sua
totalidade, desmistificando a alienação do cotidiano na sociedade capitalista, defendendo a ética crítica que busca a liberdade e a emancipação
humana e a construção de uma nova ordem societária.
Assim, é que, defendendo princípios como democracia, cidadania, justiça social e aprimoramento intelectual, o assistente social se opõe à lógica
econômica contemporânea que tende a fragmentar as políticas sociais e a reduzir os direitos sociais conquistados historicamente,
comprometendo-se com a qualidade e a abrangência da prestação de serviços que assegurem a dimensão coletiva dos mesmos, sinalizando para a
defesa dos sujeitos sociais e de uma nova ordem social.
Além disso, como rumo norteador, estipula direitos que garantem relativa autonomia ao Assistente Social e deveres, principalmente em sua
relação com o usuário a quem se destinam seus serviços, o que, contudo, está longe de uma visão messiânica, uma vez que acena para uma
articulação entre teoria e prática - para que possa decifrar a realidade e criar alternativas que transcendam a individualidade -, funcionando como
um impulsionador de mudanças consonantes à direção estratégica estipulada pelo projeto ético-político hegemônico, rompendo com práticas
tuteladoras e ampliando os canais de cidadania e participação dos usuários como sujeitos políticos.
Referências bibliográficas
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Construindo a ética do Serviço Social

  • 1. Resumo: O Serviço Social surge como profissão atrelada à ideologia dominante e à doutrina social da Igreja Católica como resposta ao acirramento das contradições capitalistas em sua fase monopolista para o controle da classe trabalhadora e a legitimação dos setores dominantes e do Estado. Este artigo busca reconstruir a trajetória do Serviço Social e sua ética profissional, cujo marco foi a consolidação do Código de Ética de 1993 que, fruto de um fértil e democrático debate da categoria, instituiu como valor central a liberdade, sinalizando, por seus princípios para uma direção social que busca a construção de uma nova ordem social. Para tanto, exige-se uma atuação crítica e competência teórica dos assistentes sociais de modo que possam desmistificar o cotidiano e suas relações reificadas pela sociedade capitalista, buscando, através da reflexão ética, construir estratégias que superem os limites impostos à cidadania, tendo como objetivos a justiça social e a democracia; contudo, vale destacar a importância da interlocução deste Código com os demais mecanismos e instrumentos legais instituídos na e pela sociedade para maior abrangência e efetividade do mesmo. Introdução Representando um fenômeno típico da sociedade capitalista em sua fase monopolista, o Serviço Social surge de modo a garantir a reprodução desse modo de produção e das relações sociais que sustentam o trabalho alienado. Mesmo sendo polarizado por interesses divergentes, a tendência histórica do Serviço Social foi, até a década de 1980, a de ser polarizado pela classe dominante, igualmente a ética profissional foi influenciada pelos projetos societários aos quais esteve articulada. Todavia, o debate ético, iniciado nos anos 1990, pautado sobre uma reflexão ético-crítica, que buscava romper com o tradicional conservadorismo a que a profissão vinculou-se - cujas intenções de ruptura com o mesmo adentraram a profissão ainda na década de 1960 -, promoveu a construção do Código de Ética Profissional de 1993 que, tendo como valor ético-central a liberdade, se propõe a erigir as bases para construção de uma nova ordem societária e defende a promoção do homem na sua condição humano-genérica. Este artigo busca retratar a trajetória da ética profissional do Serviço Social que culminou com a formulação do Código de 1993, o qual, apesar de ter sido gestado em um momento de reformulação do capitalismo e do seu padrão de dominação vigente, agora sob a égide do neoliberalismo – fruto da crise estrutural que o capitalismo assistiu a partir do final da década de 1960, início da década de 1970 – tem como princípios básicos a defesa da democracia, dos direitos sócio-políticos, da eqüidade e justiça social, bem como a importância de sua articulação com os demais mecanismos existentes na sociedade, de modo a conduzir para sua maior aplicabilidade e eficiência do exercício profissional.
  • 2. Construindo a ética profissional do Serviço Social O surgimento do Serviço Social no Brasil se dá vinculado à Igreja para a recuperação e a defesa de seus interesses junto às classes subalternas e à família operária “ameaçada” pelas idéias comunistas. Como estratégia dos setores dominantes para sua legitimação, o Estado irá incorporá-lo posteriormente para a implementação de políticas assistenciais buscando atenuar os conflitos de classe e é através desse enfrentamento da questão social que ocorre sua institucionalização e se altera sua “clientela” para o atendimento da classe operária. A questão social e suas múltiplas expressões são a matéria-prima ou o objeto do trabalho profissional e sua gênese encontra-se enraizada na contradição fundamental que demarca a sociedade capitalista - a produção é cada vez mais social e a apropriação do trabalho, suas condições e seus resultados, são cada vez mais privadas -, assumindo distintas roupagens em cada época. Igualmente, tem-se, neste modo de produção, mediante o trabalho alienado e suas relações sociais antagônicas, garantidas tanto a reprodução das condições de exploração e apropriação da riqueza produzida quanto de seus mecanismos ideológicos. A profissão do Serviço Social, que participa dessa reprodução da sociedade, é historicamente determinada, sendo a atuação dessa categoria articulada de maneiras distintas conforme a conjuntura social, política e econômica. Segundo Netto (1996: 89): As profissões não podem ser tomadas apenas como resultados dos processos sociais macroscópicos – devem também ser tratadas cada qual como corpus teóricos e práticos que, condensando projetos sociais (donde as suas inelimináveis dimensões ídeo-políticas), articulam respostas (teleológicas) aos mesmos processos sociais. Ética - do grego ethiké e do latim ethica - está associada, de acordo com Silva (2002), à moral, ou seja, a um conjunto de normas tidas como ideais na e pela sociedade, no entanto, como afirma Barroco (2003), tais valores éticos tendem, na sociedade capitalista, a se fixar mais por valores e sentimentos individualistas e de consumo e menos pelos chamados interesses coletivos, favoráveis a uma convivência social mais igualitária e que representariam a intenção primeira da instituição da ética e da moral. Quanto à categoria dos assistentes sociais, sua ética profissional e, mais particularmente, seus Códigos de Ética refletiram bem os posicionamentos defendidos nas épocas distintas, sendo marcante, até a década de 1980, o conservadorismo sob o qual a profissão foi engendrada. Para Brites e Sales (2004), a ética profissional está associada à ética social, assim como aos projetos sociais.
  • 3. Compartilhando da mesma idéia, segundo Barroco (2003: 66-67): Os projetos societários estabelecem mediações com as profissões na medida em que ambos têm estratégias definidas em relação ao atendimento de necessidades sociais, com direções éticas e políticas determinadas. Isso fica evidente quando analisamos a profissão Serviço Social, em sua gênese. Suas determinações históricas são mediadas pelas necessidades dadas na relação entre o capital e o trabalho, pelos projetos das forças sociais que buscam enfrentar as seqüelas da “questão social” como questão moral. Se percorrermos a trajetória histórica da profissão, constataremos sua adesão a projetos societários, dominantes ou não. Assim, embora a ideologia não seja a única mediação da profissão, ela está presente nas orientações de valor ético-moral e na direção política da ética profissional, seja ela conscientemente dirigida, seja como reprodução acrítica de normas, valores e modos de comportamento. Quando emergiu no Brasil, nas décadas de 1930 e 1940, o Serviço Social possuía uma característica assistencial e controladora que buscou favorecer o capitalismo monopolista e o desenvolvimento industrial, conformando uma atuação imediatista e acrítica. Nos anos 1940, a bipolarização ideológica, o Welfare State e o modelo fordista de produção vão exigir uma nova forma de controle por parte do Estado - pautada no consenso/coesão entre as classes, daí o uso da perspectiva da anormalidade que exigia uma ação psicologizante - fato que conduziu à ampliação das grandes instituições assistenciais. Nos anos 1950 surge o método ou processo de organização e/ou desenvolvimento de comunidade que se propunha a conduzir a melhoria nas condições imediatas do meio, contando, para tanto, com a participação dos grupos como co-participantes na execução dos projetos e das atividades, unidos pelo bem-comum, porém deslocados de suas elaborações e proposições. Tais intervenções buscaram criar um padrão ético-moralizador do trabalhador e de sua família, ajustando o mesmo à ordem capitalista monopolista. Assim, o trabalho que permite que o homem deixe de ser apenas ser biológico e se torne ser social, através das relações que estabelece com a natureza e com os outros homens, passa a aliená-lo - processo que se engendra desde o século passado com a Grande Indústria - , uma vez que o resultado/produto do seu trabalho, assim como a mão-de-obra do trabalhador, já não lhe pertence, pois adquiriu forma mercantil, ou seja, possui valor de uso e de troca, e esse fetiche das mercadorias e do trabalho irá obscurecer o processo de exploração capitalista e negar as potencialidades emancipadoras do homem. Para Marx, o trabalho é o fundamento ontológico-social do ser social; é ele que permite o desenvolvimento de mediações que instituem a diferencialidade do ser social em face de outros seres da natureza. As mediações, capacidades essenciais postas em movimento através de sua atividade vital, não são dadas a ele; são conquistadas no processo histórico de sua autoconstrução pelo trabalho. São elas: a sociabilidade, a consciência, a universalidade e a liberdade (BARROCO, 2003: 26).
  • 4. Através da difusão de sua ideologia dominante, a sociedade burguesa capitalista aliena o cotidiano, vela suas contradições, singulariza e desumaniza o homem impedindo a realização objetiva dos valores humano-genéricos, este passa a agir acriticamente, desconhecendo as mediações que o cercam e desconstruindo sua capacidade criativa livre. Assim, apesar da reflexão ética poder levar a uma suspensão do fetiche da cotidianidade e da moral imposta pela ideologia dominante, para Barroco (Ibidem, Idem), se ela desconsidera a perspectiva totalizante não será capaz de desmistificar o que está obscurecido e funcionará como reprodutora desses componentes alienantes. A práxis política permite - se não hegemonicamente, ao menos parcialmente - a desalienação do cotidiano. Contudo, se a prática social não se revela na sua imediaticidade, exigindo do profissional que deseje compreendê-la uma postura crítica, tal postura não era congruente com o projeto de classe ao qual o Serviço Social estava vinculado naquele momento e que lhe conduzia a uma direção conservadora, impedindo-lhe de vislumbrar uma direção de transformação ou de confronto com esse estrato hegemônico. Consoante à defesa do status que enfocando uma educação moralizadora que objetivava superar os desajustamentos individuais, o primeiro Código de Ética da profissão, datado de 1947, caracterizou-se por seu aspecto normativo e conservador vinculado ao pensamento católico, bem como por uma visão da profissão como algo homogêneo. A crise ideológica, política e de eficácia da profissão surge na década de 1960, questionando a burocratização do Serviço Social, seu caráter importado e sua ligação com as classes dominantes. Apontava-se para três projetos: um que se propunha manter a matriz conservadora e tradicional, outro que intencionava uma modernização conservadora e um último que apresentava a direção de ruptura com o conservadorismo, um dos marcos desta época foi o Movimento de Reconceituação. Nesta época o Serviço Social fixou-se sob mudanças técnicas, a chamada modernização conservadora que colocou a questão do método em debate, e enveredou por caminhos distintos, fundamentando-se ora por uma aproximação com o marxismo, porém sob a ótica de leituras incompletas e de outras fontes; ora recusando o teoricismo pela prática e, por fim, resgatando posteriormente o marxismo pelo estudo direto da obra de Marx. Em meio à repressão política implantada pela ditadura, o Código de Ética de 1965 pautou-se na defesa da família, na integração entre as classes mediante o estabelecimento de uma ordem justa e solidária que propunha o desenvolvimento harmônico e manteve o moralismo e o conservadorismo do código anterior, porém sob as bases neotomistas; nele reforça-se o aspecto de profissão liberal do Serviço Social e paradoxalmente há a configuração de espaço para o pluralismo e a defesa de uma atuação imparcial. As discussões sobre um método único de intervenção com diagnóstico/tratamento/avaliação que reatualiza o projeto profissional conservador, visão liberal da intervenção social embasada no esforço individual - a liberdade é subjetivada - marcaram a década de 1970 e o Código de Ética de 1975 será norteado pela permanência da moral acrítica, a neutralidade e pela ideologia estrutural-funcionalista que defende o bem comum, a ordem e a coesão social. Todavia, em 1979, no “Congresso da virada”, há a conformação de novas reflexões sobre a formação e o exercício profissional com a introdução
  • 5. do marxismo (compatível com a ruptura do conservadorismo político), o estabelecimento de uma maturidade teórica e o enriquecimento do debate filosófico, cujas críticas ao caráter conservador da prática profissional marcaram a década de 1980 - na qual emergiram novas condições econômicas, políticas e sociais na sociedade brasileira - quando a categoria vinculou sua identidade aos movimentos sociais. Contudo, apesar do Código de Ética de 1986 constituir-se como um avanço em relação aos anteriores, recusar a neutralidade da prática profissional, reconhecer a dimensão histórica e política da profissão - esta em favor da classe trabalhadora - e das relações de força, superando a análise do objeto sob a perspectiva da anormalidade, e de reconhecer também o historicismo da moral, a ética foi tomada apenas em sua dimensão política. Ramos (2003: 51), em alusão ao Código de Ética de 1986 e sua vinculação à classe trabalhadora, perscruta: A forma como esse compromisso foi exposto, expressa uma concepção ética mecanicista, que deriva imediatamente a moral da produção econômica e dos interesses de classe; uma ausência da mediação dos valores próprios à ética; um comprometimento com uma classe, como se esta, a priori, fosse detentora dos valores positivos; uma visão idealista e desvinculada da questão da alienação. De acordo com Antunes (2000), acompanhando a crise do Welfare State, a limitação do padrão de acumulação taylorista/fordista e o deslocamento do capital produtivo para o capital financeiro, o capitalismo assistiu, a partir do final dos anos 1960 e início dos anos 1970, à queda de seus elementos constitutivos e a uma crescente estagnação da economia, fato que levou a uma crise estrutural do capital e a sua reorganização, mediante uma ruptura com o padrão de dominação de classe vigente, sua ideologia e política que havia se formado entre as décadas de 1920 e 1930. Em razão dessa crise, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, houve a criação de uma atmosfera favorável ao ressurgimento das idéias liberais, preparando as bases para um capitalismo livre de regras e regido pelo mercado, onde o papel do Estado seria mínimo. Como resultado da divulgação do ideário neoliberal houve, a partir da década de 1980, a contenção dos salários, a perda da influência sindical, a terceirização e a vulnerabilização do trabalho e da classe trabalhadora com a precarização das suas condições de vida, o que, para Castel (2001) tem configurado uma metamorfose da questão social e para Netto (2001) representa as novas expressões da questão social. No Brasil, a abertura econômica iniciada nos anos 1990 montou um cenário econômico marcado pelas taxas de juros elevadas, desregulação e privatização do Estado. A orientação da política macroeconômica e da política interna por meio da retração das políticas públicas efetuou mudanças significativas no mercado de trabalho brasileiro, onde, pela via da terceirização e externalização da produção, há a exclusão da mão- de-obra do trabalho socialmente protegido e a sua inclusão nos setores caracterizados pela insegurança e desregulamentação do trabalho. Entretanto, mesmo com a instauração, na década de 1980, do contexto neoliberal no país e dos avanços e discussões nas últimas décadas, para
  • 6. Barroco (2003), somente nos anos 1990 houve um debate ético realizado pela categoria, inclusive deflagrando uma discussão que segue a tendência mundial em favor dos direitos humanos. Se o código de 1986 rompia com o tradicionalismo, com o personalismo cristão e com os princípios abstratos e neutros – característicos do neotomismo -; o código de 1993 preconiza uma apropriação teórica da produção marxiana, pautando-se na ontologia social de Marx e no seu projeto societário, o que se constitui como embasamento filosófico à leitura da realidade e atuação profissional (MUSTAFÁ, 2003: 64). Com o acirramento do ideário neoliberal no Brasil, após a década de 1990, o Serviço Social percebeu a necessidade de romper com o tradicionalismo e buscar construir um projeto ético-político que se posicione em favor da reflexão ética, da democracia e da liberdade como pressuposto fundamental para a construção de uma nova ordem societária que se oponha à discriminação e exploração próprias do sistema capitalista. Portanto, sendo expressão de um processo de renovação teórica – ligada à vertente marxista – e política da categoria e de suas entidades representativas, iniciado nos anos 1960, o Código de Ética de 1993 – que incita uma emancipação do ser social e estabelece uma dimensão política que viceja transformar a ordem social posta e seus princípios, defendendo a liberdade como seu valor ético-central – é, segundo Iamamoto (1999), também fruto das transformações ocorridas na sociedade brasileira nos anos 1980 e entrada dos anos 1990. A liberdade por ele retomada exerce papel central porque, como bem define Barroco (2003: 59-60) “é, ao mesmo tempo, capacidade de escolha consciente dirigida a uma finalidade, e, capacidade prática de criar condições para a realização objetiva de escolhas, para que novas escolhas sejam criadas”. Nele, aponta-se para a ética não apenas no sentido do dever ser, mas para a possibilidade de vir a ser, mediante a apreensão crítica da realidade social na sua totalidade - o que exige um permanente debate teórico e uma constante atualização profissional - e a exposição e enunciação de possibilidades de ação que busquem a emancipação do homem, rompendo com a coisificação e a mercantilização das relações sociais da sociedade capitalista. Contra o moralismo conservador e a moralidade burguesa, as perspectivas éticas oriundas do processo de lutas das classes trabalhadoras apontam para projetos de emancipação humana, colocados no horizonte de uma nova moral e de uma sociedade, capaz de criar condições para a vivência e universalização da liberdade. (BARROCO, 2004a: 33) Referindo-se à direção social estratégica apontada pela profissão e sua consolidação, Netto (1996: 116) afirma: É preciso enfatizar que não basta a uma direção social estratégica o enunciado do seu horizonte ídeo-político; para que esse transcenda o plano da petição de princípio (ou da mera intencionalidade), é necessário que se articule congruentemente aos traços mais determinantes da cultura profissional; se ele carece dessa articulação ou se, à sua revelia, metamorfoseia-se a cultura profissional, a direção perde vigência. No caso do Código de Ética profissional do Serviço Social, há uma interconexão com a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei 8.662/93) e
  • 7. com as novas Diretrizes Curriculares (1982) que compõem o projeto-ético político profissional e que elaboram a direção social estratégica para a categoria (SALES, 1999). Somados à liberdade, temos como princípios validados no Código de 1993 (CRESS-RN, 1999: 49-50) a defesa intransigente dos direitos humanos - fundamental à noção de igualdade dos sujeitos sociais, bem como a uma prática profissional que rompa com conservadorismos, clientelismos e formas de preconceito; a ampliação e consolidação da cidadania – que deve ser inerente ao exercício profissional cotidiano, posto que trabalhamos com direitos e políticas sociais, hoje minimizados pelas reformas do Estado neoliberal e pelo novo padrão de acumulação capitalista; a defesa do aprofundamento da democracia, sem a qual não há como o sujeito auto-realizar-se. Temos os princípios favoráveis à eqüidade e justiça social e o respeito à diversidade – que se opondo ao preconceito, não ignora as diferenças, mas busca igualdade e universalidade de direitos e de acesso aos mesmos. A relevância desses princípios torna-se ainda maior nestes tempos de discriminação positiva e de políticas sociais compensatórias e excludentes. Há ainda os princípios de garantia do pluralismo – cujas expressões teóricas sejam coerentes com a direção social estratégica erigida pela profissão e em oposição à pretensa neutralidade que historicamente marcou a categoria e de opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação- exploração de classe, etnia ou gênero, onde as relações coletivas e individuais possam ser humanizadas. Além destes, defende-se a articulação com os movimentos sociais de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores – o que representa uma oposição à lógica capitalista -, o compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional – sem os quais o Código não teria validação prática, nem condições de se consolidar e se manter e, por último, propõe o exercício do Serviço Social, sem ser discriminado, nem discriminar – cuja ocorrência de práticas discriminatórias tornaria o Código mera expressão legal ou declaração de intenção, sem representatividade junto à categoria e à sociedade. As condutas éticas e os preceitos definidos no Código de Ética supramencionado representam: Uma luta contra as desigualdades sociais, as degradações das condições de vida, as diversas e múltiplas faces da violência em nossa sociedade. É, ainda, lutar contra a negação da dimensão do indivíduo como sujeito não idêntico, com direito à liberdade, que deve ter respeitado seu direito humano, sua cidadania, seu direito à eqüidade e à justiça social. É, fundamentalmente, lutar contra o que está a manietar o espaço democrático e faz de seus princípios meros pressupostos formais e jurídicos, determinados pelos limites da ordem social vigente, guiada pela lógica e racionalidade do mercado, senhor de uma pseudo-ética. (BRASIL, 2001: 168) Desse modo, vale ressaltar a importância da apropriação da ética, não como uma convenção castradora, ou sob o ponto de vista messiânico, mas como um rumo orientador, sendo esta apropriação fundamental ao Serviço Social para que possa desenvolver possibilidades de atuação coerentes com seu projeto ídeo-político, fazendo, assim, um intercâmbio entre as demandas imediatas postas cotidianamente com sua dimensão coletiva,
  • 8. buscando a explicitação e efetivação dos direitos políticos e sociais dos usuários. Código de Ética de 1993: uma conquista, vários desafios O Código de Ética do Serviço Social de 1993 representa um marco para a categoria, pois, elaborado democraticamente, afirma não apenas um conjunto de normas, mas um novo perfil profissional, cuja direção social, fundamentada sob a Teoria Social Crítica, postula o enfrentamento de antigas e novas expressões da questão social através da montagem de estratégias que ampliem os limites impostos à cidadania e democratizem as políticas públicas e seu acesso diante do padrão de acumulação vigente e do modelo de proteção que lhe é inerente. Contudo, para atingir tais objetivos é preciso dirigir não apenas a ética, mas também o conhecimento e o saber profissionais à construção dessas novas estratégias de poder que possibilitem o enfrentamento concreto das desigualdades sociais, entendendo-se que todas as condutas profissionais têm implicações práticas e podem concorrer para distintos projetos e soluções. Além disso, há segundo Sales (1999) um outro fator importante a ser considerado: a expectativa, por parte dos usuários dos serviços prestados pelos profissionais de Serviço Social, de que suas decisões concorram efetiva e eticamente para a eficácia dos projetos aos quais sua prática se direciona. Solicitação que requer uma postura propositiva dos assistentes sociais e que é conjugada pela opinião de Iamamoto (1999: 80) a qual afirma que: Tal perspectiva reforça a preocupação com a qualidade dos serviços prestados, como o respeito aos usuários, investindo na melhoria dos programas institucionais, na rede de abrangência dos serviços públicos, reagindo contra a imposição de crivos de seletividade no acesso aos atendimentos. Volta-se para a formulação de propostas (ou contra propostas) de políticas institucionais criativas e viáveis, que alarguem os horizontes indicados, zelando pela eficácia dos serviços prestados. Enfim, requer uma nova natureza do trabalho profissional, que não recusa as tarefas socialmente atribuídas a esse profissional, mas lhes atribui um tratamento teórico-metodológico e ético-político diferenciado. No entanto, a utilização do Código de Ética só pode ser carregada de sentido na medida em que, como mecanismo de respaldo legal às respostas dadas pelo profissional na sua intervenção para o enfrentamento da questão social e alcance da qualidade e abrangência dos serviços, seja incorporado conscientemente pela categoria e objetive-se concretamente através da análise crítica da realidade e da reflexão ética, de modo que seja evitada o que Sousa (2002: 123) denomina “naturalização das questões cotidianas” que é reproduzida quando, em detrimento da dimensão humano-genérica - que considera o ser social na sua coletividade -, a singularidade dos sujeitos - eixo central da sociedade contemporânea capitalista, perpassada pelo ideário neoliberal e pós-moderno - é enaltecida. Ou ainda, como atesta Barroco (2004b: 31): a ética não se esgota na afirmação do compromisso ético-profissional. É preciso que o compromisso seja mediado por estratégias concretas, articulado à competência teórico/técnica e à capacidade de objetivá-las praticamente por meio da realização dos direitos sociais.
  • 9. Portanto, se defendemos, nessa nova fase de consolidação da ética profissional, um novo projeto societário, é preciso considerar o desafio que se impõe à categoria, bem como aos demais profissionais que trabalham na área social que é o crescimento do processo de exclusão social no Brasil o qual, de acordo com Yasbek (2001), tem produzido no país a inclusão pela exclusão, ou seja, mediante a não socialização da riqueza acrescida da marginalização de grande parte da população que é posta como alheia aos processos de participação, decisão, produção e reprodução sociais. Tal situação vai de encontro ao que propõe Oliveira (1998: 30), segundo o qual: o processo de conquista do homem passa por essa forma de reconhecimento da dignidade de todo ser humano. Portanto, liberdade só se conquista por intermédio de solidariedade, de reconhecimento, o que significa dizer que a humanidade do homem, a humanização da vida humana, do ponto de vista ético, passa pela eliminação de qualquer tipo de opressão do outro e se efetiva enquanto reconhecimento recíproco de liberdade. Outrossim, numa época em que há um agravamento das expressões da questão social e crescimento das demandas sociais, fruto de um contexto de mudanças na sociedade capitalista que, aliadas à globalização trouxeram à tona transformações no mundo do trabalho e mudanças no padrão de acumulação, fragmentando os vínculos de sociabilidade e, inclusive, de organização da classe trabalhadora, para que a cidadania social – incluída como um dos princípios do Código de Ética de 1993 – possa ser possível, é preciso ter como horizonte a promoção da justiça social, sendo, para tanto, fundamental a desvinculação da política social da econômica – principalmente no que tange à sua atual orientação macro – além da preservação, como bem atesta Netto (2004), da autonomia profissional. Neste contexto, apesar de sua singular importância, merece destaque frisarmos que o Código de Ética não pode ser visto isoladamente, devendo ser articulado aos demais mecanismos e instrumentos legais instituídos na e pela sociedade, tais como a Constituição Federal - que prevê, de acordo com seu Art. 193, o bem-estar e a justiça sociais como objetivos da ordem social, e compreende, pelo Art. 194, a assistência social, a saúde e a previdência como tripé da seguridade social -, as Leis Orgânicas da Saúde (Lei 8.080/90 e Lei 8.142 – que, entre outras providências, dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde) e da Assistência (Lei 8.742/93), os Estatutos da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e do Idoso (Lei 10.741/2003), além dos Conselhos de Saúde, Assistência, entre outros. Além destes mecanismos, é necessário fazer referência ao Sistema Único de Assistência Social – SUAS que, em seu modelo de gestão descentralizado e participativo, se propõe a executar a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, efetivando a assistência social como política pública e direito social e sem contrapartida. Em sua dimensão ética, o SUAS (BRASIL, 2004) busca a inclusão e a eqüidade dos sujeitos – progressivamente vulnerabilizados – apreendendo- os em sua coletividade – enfocando a família em seu contexto natural como eixo central da assistência – e considerando não apenas suas necessidades, mas também suas capacidades, rejeitando, ao menos na retórica, aproximações seletivistas e individualistas. Todavia, apesar de ser, em certos aspectos, falacioso, dado seu caráter restritivo e seletivista, como no que se refere ao acesso – que, apesar de pregar a garantia da oferta da assistência social “a todos, que dela necessitem” (Ibidem, Idem: 11), é comprovadamente insuficiente em relação à demanda, enveredando mais para a questão da oferta dos mínimos sociais como mínimo de renda e menos para a proteção social (PEREIRA,
  • 10. 2002) -, o SUAS representa mais um mecanismo que favorece a luta para reivindicação da ampliação dos canais de participação da sociedade, contra o cooptação da ideologia neoliberal e abre espaço para uma intervenção mais qualificada do Serviço Social junto à sociedade civil. Assim, se o assistente social trabalha em determinadas condições objetivas, não tendo trabalhos, recursos e, por conseguinte, produtos idênticos, tais contextos revelam a importância do comportamento ético-político no exercício da profissão para a definição de suas possibilidades de atuação e das estratégias para enfrentamento das forças sociais em confronto, para tanto, a competência teórica é iniludível. Esta reflexão ética é fundamental, porque representa uma tomada de decisão em relação à realidade, uma revisão da realidade na sua totalidade, apontando para alternativas que levem a uma sociedade humana, ao exercício da plena liberdade e à supressão de formas de alienação e opressão. Considerações finais Partindo do pressuposto que o homem é um ser social que valora e que a ética social permeia a ética profissional, pode-se dizer que a ética no Serviço Social esteve intimamente vinculada aos projetos societários e à ideologia aos quais a profissão esteve vinculada na sua trajetória. A questão social, objeto do Serviço Social foi, portanto, durante vasto período, naturalizada pelos profissionais, posto estarem atrelados ao pensamento conservador. Todavia, tendo em vista que ela é determinada pela exploração resultante da relação capital/trabalho e que, no Brasil, a restauração democrática nos anos 1980 coincidiu com a introdução do ideário neoliberal e a conseqüente degradação do mundo do trabalho, gerando, portanto, uma agonização da questão social, temos que a conjuntura social, política e econômica, bem como a efervescência dos sujeitos sociais criam uma atmosfera que, no âmbito interno da profissão, reforça as críticas ao conservadorismo, pretensa neutralidade e tradicionalismo - que já haviam sido instauradas desde os anos 1960 - cujos preceitos dominaram a categoria até a década de 1970, desembocando em um debate ético na entrada dos anos 1990. Este debate ético não foi estéril, pois, recuperando as categorias história, política e a liberdade - em detrimento da impessoalidade e do politicismo antes marcantes – e pautado sobre a teoria marxista, culminou não apenas com a produção do Código de Ética Profissional de 1993 – tendo em vista que o pretenso debate ético da profissão esteve sempre restrito à sua elaboração como código de normas – mas, sobretudo, com a construção do novo projeto ético-político para o Serviço Social. Sobre o novo código, é preciso destacar o avanço significativo que representou para a categoria, quando se propõe a analisar a realidade na sua totalidade, desmistificando a alienação do cotidiano na sociedade capitalista, defendendo a ética crítica que busca a liberdade e a emancipação humana e a construção de uma nova ordem societária.
  • 11. Assim, é que, defendendo princípios como democracia, cidadania, justiça social e aprimoramento intelectual, o assistente social se opõe à lógica econômica contemporânea que tende a fragmentar as políticas sociais e a reduzir os direitos sociais conquistados historicamente, comprometendo-se com a qualidade e a abrangência da prestação de serviços que assegurem a dimensão coletiva dos mesmos, sinalizando para a defesa dos sujeitos sociais e de uma nova ordem social. Além disso, como rumo norteador, estipula direitos que garantem relativa autonomia ao Assistente Social e deveres, principalmente em sua relação com o usuário a quem se destinam seus serviços, o que, contudo, está longe de uma visão messiânica, uma vez que acena para uma articulação entre teoria e prática - para que possa decifrar a realidade e criar alternativas que transcendam a individualidade -, funcionando como um impulsionador de mudanças consonantes à direção estratégica estipulada pelo projeto ético-político hegemônico, rompendo com práticas tuteladoras e ampliando os canais de cidadania e participação dos usuários como sujeitos políticos. Referências bibliográficas ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000. BARROCO, M. L. S. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2003. Ética e Sociedade: Curso de Capacitação Ética para Agentes Multiplicadores. 2ª ed. Brasília: CFESS, 2004a. A inscrição da ética e dos direitos humanos no projeto ético-político do Serviço Social. In Revista Serviço Social e Sociedade, nº 79, São Paulo: Cortez, 2004b. BRASIL, M. G. M. A ética na profissão como estética da existência. In Revista Serviço Social e Sociedade, nº 65, São Paulo: Cortez, 2001. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Organizado por Cláudio Brandão de Oliveira. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Secretaria Nacional de Assistência Social, 2004.
  • 12. BRITES, C. M. & SALES, M. A. Ética e Práxis Profissional: Curso de Capacitação Ética para Agentes Multiplicadores. 2ª ed. vol. 2. Brasília: CFESS, 2004. CASTEL, R. A nova questão social. In As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Tradução Iraci D. Poleti. Cap. 10, 3. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2001. CRESS-RN. Código de Ética Profissional. In Coletânea e leis: LOAS – SUS - ECA – LEI DE REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO – CÓDIGO DE ÉTICA – POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO. Natal: CRESS, 1999. IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1999. MUSTAFÁ, A. M. Reflexões sobre o Projeto Ético-Político-Profissional do Serviço Social. In Presença Ética: Ética, política e emancipação humana, Ano III, n. 3. Recife: GEPE-UFPE, dez. 2003. NETTO, J. P. Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. In Revista Serviço Social e Sociedade, n. 50, São Paulo: Cortez, 1996. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 3ª ed. ampliada. São Paulo: Cortez, 2001. A conjuntura brasileira: o Serviço Social posto à prova. In Revista Serviço Social e Sociedade, nº 79, São Paulo; Cortez, 2004. OLIVEIRA, M. A. de. Os desafios éticos da sociedade brasileira. In Revista Serviço Social e Sociedade, nº 56, São Paulo: Cortez, 1998. PEREIRA, P. A. P. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002. RAMOS, S. R. 10 anos de Código de Ética dos (as) Assistentes Sociais: dimensão histórica, lutas e desafios. In Presença Ética: Ética, política e emancipação humana, Ano III, n. 3. Recife: GEPE-UFPE, dez. 2003. SALES, M. A. Questão social e defesa de direitos no horizonte da ética profissional. In Capacitação em Serviço Social: Crise contemporânea, Questão Social e Serviço Social. Módulo 2. Brasília, CEAD/UNB – CFESS – ABEPSS, 1999. SILVA, D. da. A vida íntima das palavras: origens e curiosidades da língua portuguesa. São Paulo: Arx, 2002. SOUSA, A. M. da C. A ética e o trabalho cotidiano do assistente social. In Presença Ética, Ano II, n. 2. Recife: UNIPRESS, 2002. YASBEK, M. C. Pobreza e exclusão social: expressões da questão social no Brasil. In: Temporalis – Revista da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), Ano II, n. 3. Brasília: ABEPSS-