O documento discute as dificuldades de amar e a origem do amor desordenado. Apenas por meio de Cristo o homem é capaz de amar, pois a iniciativa de amar parte de Deus, que amou primeiro. O homem só pode amar ordenadamente quando crê que foi criado e é amado por Deus, e ama a si mesmo e ao próximo por Ele.
1. Direção Espiritual: A dificuldade de amar
Somente por meio de Cristo o homem é capaz de amar
Uma das queixas básicas das pessoas que se apresentam no confessionário ou na
direção espiritual é a dificuldade de amar. Apesar de desejarem a santidade, não sabem
como amar concretamente. Isso se dá por causa do amor desordenado que sentem por si
mesmas e as impede de amar.
O amor desordenado de si por si mesmo tem um nome: filáucia, e possui um mecanismo
psicológico próprio. Não se trata de psicologismo, pois, é sabido que para amar é
necessário a graça divina, ela é que torna o ser humano capaz de amar. E é justamente na
natureza humana decaída que a graça de Deus deve agir. Por causa do pecado, o homem
possui de si mesmo um conceito negativo que se reflete quando ele ama. Ele crê que a
iniciativa de amar é sua, pensa que é o Número 1. Assim, toma a iniciativa e passa a
realizar atos positivos porque deseja ser amável.
Tais atos, no entanto, permanecem exteriores, não alcançam aquele que deseja ser
amado (mesmo que haja manifestação de retribuição do amor), pois o que está sendo
“amado” é apenas um personagem criado através dos atos positivos para ser amado e não
a pessoa real, que deseja ser amada.
Dessa mecânica nasce a chamada “carência”, pois aquele que rea liza os atos positivos
com a intenção de ser amado de volta, espera que isso ocorra, espera a retribuição.
Nosso Senhor Jesus Cristo lutou contra a filáucia, contra o amor desordenado ao
combater o chamado farisaismo. O fariseu é aquele homem que quer ser amado pela sua
obediência à lei. No fundo, o que deseja é comprar o amor obedecendo aos preceitos.
Essa atitude se aplica também ao homem moderno em seu relacionamento com Deus. Ao
empenhar-se em jejuns, terços, romarias, novenas, visa causar o amor Deus.
É evidente que todos esses atos são necessários à vida cristã, no entanto, é preciso
analisar a motivação em realizá-los, que é o que se pretende aqui. Quando a pessoa crê
que é a Número 1 do relacionamento com Deus, sem sombra de dúvida, está doente, pois
tomou o lugar que é Dele. ELE é o Número 1.
A Sagrada Escritura é taxativa em afirmar que Deus é Amor. São João, em sua primeira
carta, fala sobre o amor de Deus e explica como é o amor sadio. Ele diz:
2. Nisso consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e
enviou seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados. (1Jo 4, 10)
Portanto, a iniciativa de amar partiu de Deus. Ele amou por primeiro. O amor ordenado
consiste no encontro do homem com o amor de Deus que é manifestado em Jesus Cristo
na cruz. É por isso que Jesus manifesta uma rejeição total por aqueles homens
aparentemente tão virtuosos, que somente desejavam obedecer à lei. Eles se esqueceram
quem é o Número 1.
Se o Número 1 é Deus, ou seja, se Ele amou por primeiro, quando o homem crê que a
iniciativa de amar é sua, na verdade, está se colocando no lugar de Deus. Sob essa ótica,
o que se tem é a idolatria. E assim, o “amor” que brota dela só pode ser desordenado.
Nesse momento, alguns poderiam dizer: “Ah, então o homem é o Número 2!”. Não é
verdade. Deus ama o homem e, porque é amado por Deus, o homem se ama. Este é o
Número 2. A relação de causalidade existente entre o amor de Deus e o motivo pelo qual o
homem deve se amar é também um ato de fé.
Trata-se de um ato de fé, pois implica crer que Deus não erra, portanto, se ele criou o ser
humano como criou, está correto. E se o fez assim, a pessoa só pode ser boa, só pode ser
um presente para os outros. No entanto, o homem desordenado acredita que Deus errou
ao criá-lo como criou, revolta-se contra Deus e quer corrigi-Lo. É evidente que diante
disso, toda a afetividade e sexualidade se torna desregrada.
Portanto, o primeiro passo é um ato de fé e de humildade, aceitando que Deus não erra,
logo, se criou os homens como criou e os ama, os homens são bons, são amáveis. Ser
bom e amável, portanto, é algo que está enraizado no ser do homem. Enquanto o amor
desordenado está fixado no fazer. É preciso, pois, entender que Deus fez o homem, por
isso, na raiz do ser existe algo de bom, assim, a pessoa deve se amar.
A partir da constatação de que eu amo porque sou bom, pois Deus assim me criou, é que
surge o Número 3: eu amo o próximo por Deus. Fecha-se, então, o ciclo: eu me amo, amo
o próximo e amo a Deus no próximo. Essa é a dinâmica ordenada, conforme diz São João:
“Se alguém disse: ‘Amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a
Deus, a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus,
ame também seu irmão.” (1Jo 4, 20)
3. Deste modo é preciso derrubar o muro existente entre a vida Igreja e a vida fora dela. Da
mesma forma com que nos aproximamos do sacrário para amar Jesus Eucarístico
devemos nos aproximar do nosso irmão, para amar Jesus nele.
Para tanto é preciso olhar para dentro do próprio coração e observar o que existe nele que
possibilite a vazão desse amor. Ora, se Deus amou a humanidade através da Cruz, que é
a manifestação eterna de Deus pelos homens, o que nasce e brota do coração só pode
ser a gratidão.
Para amar o outro, o pobre, é preciso que haja a configuração a Cristo, uma mortificação
de si mesmo em favor do outro, que só se dá como consequência da ação da graça. São
João continua dizendo que foi assim que o amor de Deus se manifestou: “Deus enviou seu
Filho único para que tenhamos a vida por meio dele”(9). Somente por meio Dele é que o
homem é capaz de amar.
Para algumas pessoas pode parecer muito teórico, mas a explicação é fundamental para
dar passos na vida espiritual, pois muitas desordens de natureza sexual e também afetiva
acontecem por causa de um amor que deveria ser ordenado, mas que na verdade é
desordenado. São Paulo explica por que ocorre a desordem, na Carta aos Romanos:
De fato, desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como o seu
poder eterno e sua divindade, podem ser contempladas, através da inteligência, nas obras
que ele realizou. Os homens, portanto, não têm desculpa. Porque, embora conhecendo a
Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, perderam-se
em raciocínios vazios, e sua mente ficou obscurecida. Pretendendo ser sábios, tornaram-se
tolos, trocando a glória do Deus imortal por estátuas de homem mortal, de pássaros,
animais e répteis. Foi por isso que Deus os entregou, conforme os desejos do coração
deles, à impureza com que desonram seus próprios corpos. Eles trocaram a verdade de
Deus pela mentira, e adoraram e serviram à criatura em lugar do Criador, que é bem dito
para sempre. Amém. Por isso, Deus entregou os homens a paixões vergonhosas: suas
mulheres mudaram a relação natural em relação contra a natureza. Os homens fizeram o
mesmo: deixaram a relação natural com a mulher e arderam de paixão uns com os outr os,
cometendo atos torpes entre si, recebendo dessa maneira em si próprios a paga pela sua
aberração.Os homens desprezaram o conhecimento de Deus; por isso, Deus os
abandonou ao sabor de uma mente incapaz de julgar. Desse modo, eles fazem o que não
deveriam fazer;estão cheios de todo tipo de injustiça, perversidade, avidez e malícia;
cheios de inveja, homicídio, rixas, fraudes e malvadezas; são difamadores, caluniadores,
inimigos de Deus, insolentes, soberbos, fanfarrões, engenhosos no mal, rebeldes para
com os pais, insensatos, desleais, gente sem coração e sem misericórdia. E apesar de
conhecerem o julgamento de Deus, que considera digno de morte quem pratica tais
4. coisas, eles não só as cometem, mas também aprovam quem se comporta assim. (Rm 1,
20-31)
A capacidade de amar do homem é doente porque cada um que não se ama entra na
dinâmica de criar um personagem sexual amável, capaz de grandes performances, o que
leva sempre a autodestruição. O relacionamento sexual se transforma em algo vazio,
destruidor psíquica e físicamente, por consequência, destrói também a sociedade.
Infelizmente, Deus abandona o homem à miséria de seu coração quando Ele é retirado de
seu lugar.
Santo Tomás de Aquino afirma que a caridade sempre tem um objeto formal que é Deus:
eu amo Deus por causa de Deus, amor a mim mesmo por causa de Deus e amo o próximo
por causa de Deus. Esta é a dinâmica correta do amor.
De modo prático, todos devem meditar constantemente sobre o amor de Cristo
manifestado da cruz. a partir disso, a aproximação com os irmãos, com o próximo por
causa de Jesus, por gratidão ao seu sacrifício na cruz.