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Sinopse
Emma Davis e Sebastian Harris têm um contratempo que só um contrato
pode resolver. O problema? Eles se odeiam e a proposta inclui casamento.
Depois de uma morte inesperada e um testamento surpreendente, os dois
precisam unir forças em uma união de conveniência para levar adiante o
negócio da família. Mas o que começou com um acordo pode se tornar amor
quando se dá a chance de recomeçar.
Acompanhe o romance de estreia de Sarah Summers em parceria com
Victória London que mostra que perdoar o passado é o primeiro passo para
viver um grande amor.
Sumário
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo
Prólogo
Emma
10 anos antes
Existe algo diferente em uma primeira vez.
A primeira vez que tomei um sorvete de menta. A primeira vez que
escutei minha banda favorita e agora minha primeira vez em uma festa.
Completo 17 anos muito em breve e para minha total humilhação, nunca
havia ido a uma festa de verdade. Não que as outras pessoas saibam, mas eu
sei e isso é humilhante o suficiente. Nos últimos meses, minha vida está
sendo recheada de primeiras vezes.
Minha mãe se casou (não pela primeira vez), mas sim com o primeiro
homem que não tentou me agredir ou não se insinuou sexualmente para mim,
o que em minha experiência já conta como um grande avanço. Ela conseguiu
um peixe grande (palavras dela, sério), dono de uma rede de hotéis no país e
que nos levou para morar em uma mansão em Nova York. Eles se
conheceram uma noite, enquanto ela trabalhava de recepcionista em um
evento de gala no hotel cinco estrelas de Edward, o Harris Palace.
Três meses atrás eles oficializaram a relação, após seis meses de “tórrida
paixão”, (palavras dela outra vez, juro). Era a primeira vez que eu entrava em
uma casa tão grande, nada comparado aos pequenos apartamentos
percorridos nos últimos anos, o que para minha mãe não deixava de ser um
mero detalhe. Não havia nada que pudesse fazer os olhos de Madelline Davis
cintilarem... Nada além de diamantes. Foi a partir de então que pela primeira
vez pude ver as brilhantes pedras no pescoço de minha mãe.
Passei a explorar o mundo dos ricos que minha mãe tanto amava.
Madelline estava sempre ocupada demais indo a eventos com Edward e como
sempre acontecia quando ela estava investindo em um novo casamento, não
havia tempo disponível para mim em sua agenda, a não ser é claro para
demonstrar a relação mãe e filha durante os jantares em família ou os
passeios de fim de semana junto ao marido. Edward, que por sinal parecia
querer me dar mais atenção do que minha própria mãe, sempre que estava em
casa tentava se aproximar, de um jeito bom, perguntando se eu estava me
divertindo ou então se precisava de ajuda para acompanhar as matérias na
nova escola.
Três semanas atrás resolvi aceitar a ajuda e ele passou umas duas horas e
meia tentando me fazer entender álgebra. O homem merecia um prêmio por
isso, foi mais paciente que todos os meus professores em todos esses anos. É
apenas que, números e eu não costumamos ser muito amigos.
Desde então, Edward e eu estamos mais amigáveis um com o outro.
Todos os dias ele vem me perguntar sobre as tarefas e até sugeriu um tutor
particular para tudo que envolvesse cálculos.
Mamãe parecia não enxergar essa nova aproximação entre eu e o meu
novo padrasto, e após passar o dia entre o cabeleireiro, as galerias de arte e o
shopping, ela estava mais preocupada em contar as novas compras no closet.
Três meses de casamento e eu a ouvi pedindo um segundo cartão de
crédito na semana passada. Mais alguns meses e Edward provavelmente
precisará estudar matemática financeira com mais alguém aqui nessa casa, de
verdade.
Eu acho o comportamento da minha mãe um tanto entendível. É a
primeira vez que ela alcança o status que sempre quis: Muito dinheiro, zero
preocupações.
Eu tenho outras preocupações, e a de agora é ajeitar a maquiagem em
meu rosto.
Uma festa de verdade, com pessoas da minha idade, música deste século
e a chance de saber o que é ter uma vida social. Acompanhar Madelline e
Edward a passeios no clube, ou a esporádicos jantares fora de casa não é vida
social para alguém da minha idade e só tive esse gostinho do que era se
divertir com gente com muito mais dinheiro do que eu sonharia na vida.
A festa será na casa de Naomi, uma garota que encontrei ontem enquanto
fazia um tour na minha nova escola.
Eu estava admirando as longas portas do prédio da biblioteca quando
alguém esbarrou algo gelado em minhas costas. Ao me virar, dei de cara com
uma garota de pele negra e olhos brilhantes. Ela usava calças rasgadas
enquanto sua blusa era recheada de correntes. Tinha uma casquinha na mão,
cujo sorvete provavelmente, estava agora em minhas costas. Ela sorriu
enquanto falhava miseravelmente em disfarçar o olhar de: “Você com certeza
não é daqui”.
― Oi, foi mal. Eu estava distraída. - Ela disse e então me bruscamente e
começou a passar um guardanapo em minha blusa como se fosse a coisa mais
normal a se fazer. Em sua defesa, ela parecia um pouco constrangida pelo
incidente - Qual o seu nome?
― Emma… Ei, pare, está tudo bem! - Eu disse, assustada de ter uma
desconhecida me tocando. Ela se separou imediatamente e me encarou com
um sorriso largo, mostrando seu lado amigável. “Nova vida, novos amigos”,
pensei. Decidida, perguntei de volta: - Qual o seu?
― É Naomi. Olha só, vamos lá ao banheiro porque só com o guardanapo
essa mancha não vai dar jeito.
Sem me deixar responder ela me levou pelo braço ao banheiro.
Esqueça a parte do constrangimento, Naomi só puxou minha camiseta
tentando tirar minha blusa enquanto eu reclamava uma segunda vez.
― Ei, ei. O que você está fazendo? - Perguntei assustada enquanto ela me
olhava divertida.
― Vou limpar sua blusa, é mais fácil se você não a estiver vestindo.
Nunca esteve em um vestiário antes?
Eu poderia responder Naomi com as tristes histórias da minha
infância/adolescência em que me mudei tantas vezes por conta dos rolos da
minha mãe e que não ficava tempo suficiente para ter amigas a ponto de
trocarmos de roupa juntas, ou que não cheguei a ter amizades porque eu
sempre era a esquisitona da sala, pelos péssimos cortes de cabelo ou as
roupas que minha mãe não se lembrava de comprar para mim e terminavam
sendo de tamanhos menores.
Mordi o lábio e preferi espantar esse pensamento da minha mente.
― Eu apenas me assustei. Me desculpe… - Suspirei. Não assuste amigos
em potencial, murmurei mentalmente como um mantra.
― Você é desse planeta? - Ela perguntou enquanto limpava bem a parte
suja da blusa com um pano úmido.
― O que você quer dizer? - Habilidade social zero, sim eu sei.
― Nada, deixa para lá. - Ela suspirou e continuou em sua tarefa.
Ficamos em silêncio por alguns instantes. Naomi me encarou séria e eu
decidi quebrar o gelo com um sorriso.
― Você não precisava limpar. Está tudo bem, de verdade. - Eu disse.
― Não se preocupe, faço questão. Aluna nova? - Ela disse enquanto me
devolvia a blusa.
― Sim. Acabei de fazer minha matrícula.
― De onde você é?
― Bom, meu último endereço foi New Jersey... - Eu disse, enquanto
imaginava o quanto aquilo devia soar ridículo.
― Credo! Agora está explicado. Há quanto chegou aqui?
― Cheguei faz algumas semanas.
― Eu vou te mostrar o colégio, é um lugar de ricos e esnobes, mas você
não parece ser nenhum dos dois, desculpe a franqueza, então considero como
um dever cívico deixá-la preparada. - Ela começou a me conduzir para fora
do banheiro. - Não se preocupe, a blusa vai secar rapidinho no sol.
Fomos dar uma volta pela escola e fiquei sabendo que ela já estudava ali
há dois anos e que morava perto da minha casa, ou da casa de Edward...
Estava difícil de me acostumar com isso. Naomi me mostrou algumas salas e
acabamos sentadas no jardim. Foi quando ela me convidou para a festa na
casa dela no dia seguinte, em homenagem a viagem dos pais. No começo
achei que iria ser uma festa de adultos como as que minha mãe e Edward
frequentam, mas conforme Naomi foi descrevendo o que ela tinha comprado
e como ela roubou algumas vodcas da mãe, entendi que a festa era porque
realmente os pais dela estavam viajando e isso era uma excelente coisa.
Não quis me aprofundar no assunto, mas aparentemente classe social não
define se você terá problemas com os pais ou não. E comemorar algumas
horas de liberdade parecia uma ideia excelente para Naomi.
Me olhando no espelho pela última vez, me perguntei se o que eu estava
vestindo estava bom. Naomi deixou bem especificado que eu deveria me
vestir de uma forma que me deixasse mais velha e com algo que
definitivamente não tenha sido usado enquanto eu morava em Nova Jersey.
Aproveitei que Madelline estava em mais um de seus eventos e fui ao
quarto dela. Havia um vestido preto entre os primeiros cabides do closet. Era
curto e justo, acho que iria servir. Minha mãe e eu somos da mesma altura,
mas apesar de ter um quadril mais largo que o meu, acho que o vestido era
justo o suficiente para se encaixar em mim.
Passei o batom vermelho, também presente do closet de Madelline, e me
dirigi para fora de casa em meus sapatos novos, sem salto.
Tudo bem, eu estava me arriscando em fazer coisas novas pela primeira
vez em minha vida, mas eu achei os saltos altos da minha mãe uma coisa
radical demais para essa noite. Nunca havia calçado um Jimmy Choo antes e
o fato deles serem indecentemente caros me deixou ainda mais assustada. Um
vestido talvez passasse despercebido pela minha mãe, mas um sapato
estragado? Seria o meu fim.
O táxi estava me esperando. Dei o endereço que Naomi havia anotado
para mim no dia anterior e tremi por todo o caminho.
Quando cheguei, duas coisas me chamaram a atenção: A quantidade de
pessoas e as luzes. A casa de Naomi era tão grande ou maior que a de Edward
e mesmo assim eu consegui pensar que havia gente demais para pouco
espaço. Os portões estavam abertos e tinha gente dançando e bebendo no
jardim que levava ao interior da mansão.
Assim que subi as escadas da entrada e cheguei ao hall, entendi porque
havia tanta gente do lado de fora. Naomi colocou uma fita de segurança,
dessas que a polícia usa para isolar o perímetro do crime, em volta de toda a
sala assim as pessoas eram obrigadas a se divertirem apenas da grande sala
para fora. O que não era impedimento nenhum com um palco enorme
montado pelo DJ lá no jardim.
Não vi nenhum rosto conhecido, até que as trancinhas afro de Naomi
entraram em meu campo de visão. Consegui alcançá-la e fui recebida por um
entusiasmado abraço. Acho que deveria ser culpa da garrafa nas mãos de
minha mais recente amiga, mesmo assim fiquei comovida dela realmente ter
gostado de me ver ali. Em seguida Naomi me apresentou para quase todos na
sala. Colocou um copo contendo um líquido escuro em minhas mãos e saiu
me arrastando para o jardim.
Foi estranho ser o centro das atenções enquanto recebia tratamento
especial da anfitriã da casa. Okay, eu disse “anfitriã” e isso me fez sentir ter
40 anos. Mesmo assim, se Naomi não havia me surpreendido me abordando
da forma abrupta do dia anterior, o fato de descobrir que ela é a adolescente
mais popular a qual tive contato em toda vida, me deixou bastante chocada.
Nada me impediu de colocar as mãos para ao alto e dançar junto às
pessoas à minha volta. As luzes, o som, a bebida, era o que eu sempre havia
visto nos filmes de Hollywood em toda a vida, eu estava fazendo meu debute
(outra palavra que me faz sentir ter 40 anos) como uma adolescente comum e
normal, era a minha primeira vez tendo a chance de ser eu mesma.
Algum tempo depois, Naomi me levou para dentro da mansão e me
deixou sentada no sofá. Eu havia tomado dois copos de algo que parecia
Coca― Cola e vodca, e ela disse que ia me buscar algo para comer porque eu
parecia verde.
Para falar a verdade, eu estava um pouco enjoada, mas não sabia se era
por conta da festa ou da bebida que Naomi tinha me oferecido. Ainda sentada
no grande sofá, vi um grupo de pessoas se aproximando, conversando
animadamente. Fiquei no meu canto, fingindo que mexia no celular quando
na verdade só achava aquela normalidade incrível. Alguns minutos depois o
pessoal a minha volta se sentou no chão e me vi sendo arrastada e sentada ao
redor de um círculo. Não havia nenhum rosto familiar a minha volta.
Havia uns cinco caras mais ou menos da minha idade e algumas garotas,
no máximo dois anos mais velhas do que eu. Havia uma loira em um vestido
roxo que com certeza devia estar imitando o aperto da justiça divina, além de
estar com um bronzeado bizarro, e, aparentemente, era ela que comandava o
jogo. Todo mundo ria e fazia uma piada sobre se trancar em um quarto. Eu
não entendi nada. Minha boca estava seca e a falta de familiaridade com o
ambiente estava me deixando desconfortável. Olhei para os lados e não vi
Naomi em nenhum lugar, ela disse que voltaria e decidi esperar exatamente
onde eu estava, até porque tive medo de levantar e ficar tonta.
No momento seguinte vi a loira rodar uma garrafa no meio do círculo
onde estávamos sentados e em seguida vi o objeto parar exatamente na minha
direção e de uma ruiva que podia competir com uma maquiagem de panda no
Halloween. Todo mundo estava rindo e ouvi a ruiva me perguntar:
― Verdade ou desafio?
Ah não, isso era sério? Se isso seguir o roteiro dos filmes, a pergunta
seria embaraçosa o bastante para me fazer sentir mais à vontade no inferno.
Eu odeio falar sobre mim mesma com os outros, e sempre há como mentir,
mas o problema é que... Eu sou terrível com mentiras.
― Desafio? - Respondi com a boca ainda mais seca em um tom não
muito confiante... Mas afinal... Eu dei uma afirmação... Uma pergunta...?
Vi todos ao meu redor baterem palmas acompanhadas de gritinhos. A
loira embalada a vácuo veio em minha direção e me pegou pelos braços. Eu
não consegui levantar de primeira porque sim, eu estava certa, levantar iria
me deixar tonta. Tive que levantar ficando primeiro de quatro e em seguida
ser amparada pela loira. Que cena deve ter sido, eu sempre consigo me
superar no quesito humilhação pública. Me vi sendo guiada a um corredor e
então a loira abriu uma pequena porta a esquerda. Fui enfiada lá dentro e
acabei batendo a cabeça na parede, o lugar era apertado e quente.
Estava escuro e eu não atrevi me mexer. Eu estava tonta o suficiente para
considerar aquilo uma crise de labirintite. Era oficial, eu havia conseguido me
colocar em uma situação degradante mais uma vez, sem ajuda de terceiros.
Eu queria me estapear, de verdade.
Ouvi barulho do lado de fora e duas pessoas rindo.
― O que você quer que eu faça? - Uma voz masculina - Que brincadeira
estúpida!
― São dois minutos, faz o que você quiser! - Era a voz da loira.
A porta se abriu e alguém acendeu a luz. Eu não tive tempo de me mexer,
um cara entrou e a porta foi fechada novamente.
Eu não estava preparada quando ele se virou ainda sorrindo e me encarou.
― Então, quem é você? Mais uma patricinha querendo diversão com os
caras da faculdade? - Eu o vi suspirar lamentando - Eles só vão abrir essa
merda depois de dois minutos. – Ele suspirou mais uma vez - Não sei como
caí nisso!
Enquanto ele olhava para a porta, eu o observava. Aos 16 anos, trancada
em um quartinho de baixo de uma escada, tendo o primeiro contato visual
íntimo com o sexo oposto na vida, era óbvio que eu não sabia o que fazer.
Eu estava com a cabeça um pouco baixa e vi suas calças jeans moldando
perfeitamente o que parecia ser o maior conjunto de pernas que já vi. Uma
camiseta preta que dava contorno a um tronco forte e proporcional ao que...
Bom... Se minhas contas, que não são muito boas, estiverem certas, esse cara
deve ter cerca de 1,80 no mínimo. Impossível de ele ser menor de idade, eu
apostaria dinheiro pesado nisso.
Quando encarei seu rosto, eu preciso dizer que seus dentes foram a
primeira coisa a me chamar a atenção. Era um sorriso fatal. Do tipo que ele
com certeza reservava para situações especiais... Como essa. Seus olhos
eram de um verde claro, que aparentemente estavam se ajustando a baixa
iluminação do local.
― Gostando do que vê? - Ele disse com um riso malvado me encarando.
Eu tinha um busto grande para alguém da minha idade. Sempre fui consciente
disso, ao que tudo indica o gigante a minha frente tomou nota disso também.
Meu estado de embriaguez não sabia dizer se seu tom de voz era perigoso ou
não, e eu precisava sair daqui e de toda essa coisa o mais rápido possível.
Continuei encarando seu rosto e tive a clara sensação de estar olhando
uma versão do Henry Cavill em The Tudors, da vida real. Ele tem traços
fortes e o cabelo do tipo cortado em máquina, sem fios longos para
emaranhar nos dedos. Havia um rastro de barba por fazer, muito suave. Eu
tentava captar cada pedaço de seu rosto enquanto ele continuava a sorrir, mas
agora um pouco mais reservado.
O que fazer quando o cara mais bonito ao qual já tive contato está comigo
em um quartinho mal iluminado? Não deve existir esse item em um manual.
Cada vez que ele respira, eu fico consciente dos músculos dele ao meu redor.
“Haja naturalmente”.
Sim, agir naturalmente... O que é agir naturalmente?
Madelline costuma dizer que toda vez que ela fala com um cara que ela
tem interesse... Se não sabe o que dizer, ela apenas sorri. O quanto ela não
deve ter sorrido para Edward, não é mesmo?
Bom, eu não sou louca a ponto de me arriscar a falar alguma coisa aqui.
Existe uma grande possibilidade de eu balbuciar, ou começar a cuspir
enquanto falo por tamanho nervosismo, eu não posso passar por essa situação
mais uma vez em minha vida.
Meu quilo de coragem foi usado devolvendo o sorriso.
Tímido.
Breve.
E suave.
Sorri e vi seus olhos aquecerem. Foi agora que eu me perdi. Ele me olhou
de uma forma que me deixou quente dos pés à cabeça.
“Sensação nova e viciante no corpo?”
Check.
“Derretimento cerebral?”
Check duas vezes.
― Você não fala nada? - Ele disse e vi sua mão pousar sobre meu ombro.
Eu sorri outra vez e dei de ombros. Ele colocou suas grandes mãos em
minha cintura e colou nossos rostos. Ele parecia divertido com tudo aquilo.
Eu sentia calor em todo local que sua mão me tocava. Ele cheirava bem, não
o típico perfume de garotos do colegial. Era algo penetrante, maduro, quase
uma droga, me deixou ainda mais tonta.
― O que você quer? - Ele sussurrou em meu ouvido. - Um beijo? - Ele
começou a acariciar levemente meu pescoço com o dedo e eu senti um
calafrio percorrer todo o meu corpo. Ele riu ao perceber minha sensação. -
Quer algo mais? - Sua voz era dura e rouca em meus ouvidos e eu não fazia
ideia do que eu queria.
― Eu…
― Você precisa crescer primeiro, querida. Não se deixe cair nessas
merdas da Alisson, ok? Um dia você pode cair em uma enrascada muito pior
do que ficar comigo em um quarto pequeno.
Eu o encarei chocada. Aquilo era uma lição sobre como eu deveria me
comportar? Alguma piada com a garota nova?
Eu sempre caia nessas coisas.
Um barulho me chamou a atenção, e a voz de Naomi falando um sonoro
“Porra nenhuma que não posso abrir essa porta!” do lado de fora me tira do
transe olho― no― olho com meu gigante.
― Droga, eu sabia que não devia ter deixado você sozinha - Naomi diz
puta da vida abrindo a porta bruscamente. Ela empurra o gigante e me puxa
para fora do quarto. O ar fresco do corredor me indica o quão alta a
temperatura corporal estava debaixo da escada.
Fui levada para fora da casa, foi um milagre não ter caído por que Naomi
me puxava como se estivéssemos fugindo do inferno.
Paramos no jardim perto dos portões. Ela me encarou com um olhar
zangado:
― Quem colocou você naquele quarto? - Ela perguntou enquanto tirava
alguma coisa do bolso.
― Foi uma loira, igual um salaminho a vácuo.
Naomi riu alto e me abraçou.
― Eu adorei você, mas acho que foram muitas emoções para uma noite
só. Vai para casa, a gente se fala na escola semana que vem.
― Obrigada por me convidar. Foi tudo tão legal...
― Sim, e você está semi-bêbada e quase foi molestada em um quarto.
― Não Naomi... Quer dizer... Eu não sei...
― A gente fala sobre isso depois. Preciso tirar essa gente daqui e ainda
limpar tudo, essa festa tomou proporções não esperadas.
Havia um táxi na entrada da casa. Naomi me colocou no carro e pagou ao
taxista. Ganhei um beijo no rosto e um “Se cuida”, da minha nova amiga, que
me acenava no meio da confusão de pessoas em sua porta.
Cheguei em casa e entrei pelos fundos. Deus protege as crianças (isso
inclui adolescentes menores de idade) e os bêbados, e por esse motivo
Edward e Madelline ainda não haviam chegado.
Tirei o vestido e devolvi ao closet da minha mãe. Tomei um banho e
coloquei meu pijama. Me olhei no espelho antes de dormir e refleti sobre essa
noite louca.
Definitivamente, primeiras vezes nos deixam diferentes.
Acordei na manhã seguinte mais tarde que o habitual. Cheguei à mesa do
café e encontrei Edward lendo o jornal.
― Minha mãe já acordou? - Perguntei enquanto tentava agir
naturalmente, e não como alguém que saiu furtivamente na noite anterior.
― Sim. Ela disse que precisava se preparar para receber nossas visitas e
saiu para comprar algumas coisas. - Ele disse enquanto tirava a atenção do
jornal e me encarava.
― Visitas?
― Meu irmão chegou à cidade há dois dias e está em um hotel. - Edward
revirou os olhos. - Ele virá ficar conosco por alguns dias até que termine de
resolver uns assuntos.
― Você tem um irmão? Eu não sabia.
― Sim, ele se chama George e virá com o filho. Você vai conhecê-los.
Aliás, acho que será uma boa companhia para Sebastian. Ele é uns três anos
mais velho que você, mas vocês têm cabeças parecidas, vão se dar bem.
Sorri concordando. Edward ainda não havia percebido que não consigo
socializar com facilidade, pelo simples fato de nunca haver feito isso antes.
Ou então ele sabia e colocava fé demais em mim.
― Me fale, pronta para a nova escola?
― Depois de tudo isso que tive que estudar só para entrar nela? Estou
aterrorizada!
― Vai dar tudo certo. Vamos estar juntos em álgebra não se preocupe.
Mas então, você só fica dentro de casa, não tem vontade de fazer alguma
atividade fora do currículo? Você sabe que pode pedir ao motorista para te
levar onde quiser. Espera, você já tem 16 anos, não quer tirar a carteira?
Edward realmente estava se candidatando a ser alguém importante em
minha vida. Era difícil admitir o fato de que ter alguém me perguntando o
que eu queria fazer, e se importando sobre isso de verdade, me deixava
comovida. Nunca tive tanta atenção antes. Eu tinha medo de minha mãe
brigar comigo por estar ganhando atenção do marido dela. Ele era gentil e
sempre conversava comigo de igual para igual. Não como qualquer outro
adulto conversa com um adolescente, com descrença em qualquer coisa dita.
Era como se eu fosse importante para ele de verdade, e não apenas a mala de
16 anos que veio junto com a esposa jovem e bonita.
― Eu nunca pensei nisso antes. Mas mesmo que eu tire a carteira, eu não
tenho carro para andar por aí...
― Você sabe que para mim isso é um problema fácil de resolver.
Tudo bem, estamos falando sobre comprar um carro para mim... Posso ter
hiperventilado em pensamento... Um alerta surgiu.
Com certeza minha mãe não iria gostar disso.
― Eu acho melhor não tirar minha carteira por enquanto. Mas obrigada
Edward. Vou pensar em alguma outra coisa que eu queira fazer e te aviso.
― Qualquer coisa querida. Um novo idioma, uma viagem, aulas de
música. Qualquer coisa é só falar.
― Vou pensar, de verdade. Obrigada.
Sorrimos um para o outro e continuamos a tomar o café. Edward me
avisou que seu irmão estaria conosco para o almoço e resolvi voltar para o
meu quarto e me aprontar para estar apresentável. Era um dos pedidos da
minha mãe, não fazê-la passar vergonha.
Eu tomei banho e me arrumei tentando ignorar o turbilhão de
acontecimentos da noite passada.
Decidi pesquisar na internet alguns cursos que poderiam me interessar.
Edward com certeza me perguntaria em breve se pensei sobre isso, e eu teria
que dar uma resposta convincente.
Já era hora do almoço quando minha mãe entrou no meu quarto com seu
perfume adocicado, a verdadeira imagem da esposa da alta sociedade.
Em uma blusa de seda e saia lápis ela tinha pressa em me fazer descer.
― Vamos Emma, o irmão de Edward acabou de chegar. O almoço será
servido. Lembre-se, o mais calada possível.
― Pode deixar, Madelline.
Descemos as escadas em uma sincronia perfeita de mãe e filha elegantes e
educadas. Eu vestia um conjunto Chanel que não deixava negar isso.
Encontramos Edward ao lado de um homem alto e grisalho na biblioteca.
Ele devia ter no máximo 45 anos, distante dos quase 60 de Edward. Era
inegável que os dois eram irmãos. Mesmos olhos claros e o rosto amistoso,
com a diferença que George era mais forte e com traços mais firmes que
Edward.
― Aí estão minhas garotas! George, essa é minha esposa e minha querida
enteada.
George encarou minha mãe por vários segundos antes de cumprimentá-la
com um beijo no rosto e um aperto de mão. Se mais alguém notou aquele
momento desconfortável, todos se fizeram de desentendidos. George veio
logo em seguida para o meu lado e repetiu o processo, dessa vez em uma
velocidade muito maior.
― É um prazer finalmente conhecê-las.
― Digo o mesmo. Edward sempre me fala de você, já me perguntava
quando iria nos fazer uma visita. - Minha mãe diz no seu tom mais cortês e
fino. Era um tom de voz completamente novo para mim. Eu acho que
possivelmente ela estava puxando um leve sotaque britânico no fim de
algumas palavras. Eu não sabia o que pensar.
- Bom, não é tão tarde assim não é mesmo. Edward, eu sei que você não
gosta que a família fique no hotel, mas Sebastian e eu podemos nos virar...
― Você sabe que não é por causa do dinheiro, vocês no hotel ou aqui dá
no mesmo, mas família é família, ninguém deve ficar longe de casa. Ah, aí
está você meu rapaz. Venha dar um abraço em seu velho tio.
― Cuidado ao usar esse “velho tio”. - Uma voz profunda disse as minhas
costas. Eu a achei familiar, mas foi só quando me virei para acompanhar o
recém-chegado passar ao meu lado na entrada da biblioteca que recebi uma
avalanche em forma de reconhecimento.
O gigante do quarto era o sobrinho e Edward e estava ali, na minha
frente. Quando na verdade há um pouco mais de 12 horas atrás ele estava
grudado em mim em um quarto mal iluminado.
Meu mundo virou um borrão a partir daí.
Tudo à minha frente parecia acontecer em câmera lenta. Vi minha mãe se
colocar ao lado de George e Edward abraçar o sobrinho com força. Posso ter
visto os olhos do meu padrasto marejados por um momento, mas passou
rápido o suficiente para me deixar na dúvida. Minha mãe cumprimentou o
recém-chegado com bastante pompa e então todos os olhos se viraram para
mim.
Sebastian olhou para mim.
Sebastian que há horas atrás tinha sido o primeiro cara a me deixar
excitada, de verdade.
Sebastian que tem o corpo tão quente que deveria ser proibido de sair em
público em todos os estados do país.
O gigante desconhecido do quarto que ganhou nome, vida e forma nos
últimos minutos me olhou e sorriu. Eu procurei qualquer sinal de
reconhecimento, ou surpresa, ou qualquer outra coisa, mas os olhos dele só
indicavam o olhar cortês para uma apresentação em família.
― Você deve ser Emma, muito prazer. - Vi seu braço se estendendo para
me cumprimentar.
― Muito prazer. - Duas palavras. Era o máximo que conseguiria dizer
sem me jogar no chão me debatendo.
Nossas mãos se apertaram e o senti circular minha pele com o polegar.
Um movimento simples, sutil e íntimo ao mesmo tempo.
Minha mãe bateu palmas com entusiasmo nos convidando a ir para a sala
de jantar.
Me afundei na cadeira e brinquei com a comida por horas. Não ousei
levantar a cabeça. Não consegui prestar atenção em nenhuma conversa no
decorrer do almoço. Quando a sobremesa foi servida, todos receberam uma
fatia de torta de chocolate e amendoim, e comecei a ensaiar minha falta de
interesse pelo doce quando para minha surpresa quando uma taça com
sorvete de menta foi posta bem na minha frente.
Eu sou alérgica a amendoim e um pedaço qualquer daquela torta poderia
me levar ao pronto socorro. Aparentemente Edward prestou atenção quando
lhe contei a respeito em uma de nossas conversas, olhei ao redor vi Edward
sorrir com o canto da boca e me dar uma piscadinha, enquanto minha mãe
parecia não desgrudar os olhos de George enquanto ele explicava algo sobre
construir um hotel em Dubai. Não ousei olhar para Sebastian, esperei até o
fim do café e mais alguns minutos e então pedi licença para ir ao meu quarto.
O jantar foi a mesma tortura e não pensei outra coisa além de fugir par
meu quarto o mais rápido possível. Os dias seguintes foram uma total prova
de resistência. Me escondi o máximo possível naquela semana com a
desculpa de que estava com cólicas, além de dor de cabeça. Minha mãe
pareceu aliviada por poder ser o centro das atenções, em cinco dias acho que
ela veio me visitar umas três vezes.
No fim de semana não pude mais continuar com a mesma desculpa. Mas
ao que tudo indicava, Sebastian e o pai ficariam até o final da semana.
No almoço de domingo percebi que havia algo diferente no ar. Edward
tentava fazer com que eu e Sebastian déssemos opiniões sobre o que
poderíamos fazer em família nas próximas férias, enquanto George dava
atenção a minha mãe que dizia como se engajou a vida toda por causas
sociais.
É claro, nossa própria vida foi feita a base de caridades, ela podia muito
bem ser expert no assunto, se o alvo da caridade não tivesse sido ela.
Horas depois, vi Sebastian e o pai irem embora pela janela do meu quarto
mais tarde. Consegui voltar a respirar novamente e tentei acalmar a mim
mesma mais uma vez, como havia feito, inutilmente, na última semana.
Eu tinha sobrevivido aos dias no mesmo teto que Sebastian.
Minhas aulas começaram na semana seguinte e eu caí em uma rotina
puxada de estudos durante o dia, enquanto só via minha mãe durante o jantar.
Edward tomava café da manhã comigo todos os dias, além de me levar a
escola e a noite verificar meus exercícios de álgebra. Era fácil falar com ele.
Eu não conseguia me abrir, mas ele guardava cada informação a mais que eu
dava com esmero. Foi assim que ele conseguiu colher que eu nunca havia
pensado que faculdade fazer e que eu tinha muita vontade de conhecer outros
países, além da minha facilidade com idiomas e minha total negação com
aparelhos eletrônicos.
Minha mãe parecia cada vez mais ocupada consigo mesma. Ela nem mais
fingia se interessar pelos assuntos do marido. Aparentemente, ter vários
cartões de crédito já era mais que suficiente. Ela fez amizades com vizinhas
do condomínio de luxo onde vivíamos, além de sair para sessões
intermináveis de compras, ou o cabeleireiro e clínicas de estética. Ela chegou
a viajar várias vezes para conhecer cirurgiões plásticos pelo país e passava
dias fora de casa.
Sebastian veio visitar o tio algumas vezes no decorrer do ano. Eu fazia o
meu máximo para parecer invisível quando ele estava na casa. Um dia
cheguei do colégio e o encontrei na biblioteca. Eu dei meia volta e já saia
pela porta, esperançosa de que ele não me visse quando ouvi sua voz pelas
minhas costas.
― Vai continuar fugindo até quando? - A voz dele estava zangada.
Estava bravo comigo? Ou por não ter encontrado o tio em casa?
O encarei com desconfiança.
― Não estou fugindo. - Mentira
Ele revirou os olhos demonstrando ainda mais impaciência.
― Você mente tão mal como a sua mãe. - Como assim? Será que ele
descobriu a verdadeira história da minha mãe?
― Como é que é?
― Quantas vezes você já deram esse golpe?
Sebastian se aproximou e eu dei um passo para trás. Aparentemente, nem
todo mundo era tão passivo como Edward para as extravagâncias da minha
mãe.
― É nojento de assistir. E agora o quê? Querem destruir meu tio por que
meu pai é um partido melhor?
― Do que você está falando? - Eu coloquei as mãos em uma cadeira para
me apoiar. Sobre o que era aquilo tudo?
― Vai continuar se fazendo de desentendida? Eu acho que percebi seu
jogo. É impossível que tenham conseguido acertar tio Edward sem analisar os
possíveis alvos mais próximos. Com certeza essa sua timidez faz parte do
plano para que eu seja a sua caça. - Naquele momento eu já havia prendido e
a respiração, não estava conseguindo lidar com a hostilidade dele. - Vamos
lá, admita que foi um plano e tanto me trancar naquele quarto com você.
Você tem 16 anos, o que estava fazendo naquela festa bancando a virgem
sedutora?
Eu queria fugir e correr para fora daquilo tudo. Ele continuou falando e
eu não conseguia mais aceitar as ofensas dele gratuitamente.
― Eu não tenho culpa de qualquer coisa que você está falando, o que
você quer? Contar ao Edward que minha mãe pode estar dando em cima do
seu pai? Vá em frente!
Empurrei Sebastian e ele revidou com a voz elevada.
― Você vai continuar negando não é mesmo? Eles já estão juntos, você
sabe disso. Eles são amantes há meses.
Aquilo me atingiu como um raio.
Mil quilowatts de verdades estampadas na minha cara. Os olhos claros de
Sebastian me encaram com ódio. Escutei o barulho do carro de Edward
chegando. Encarei Sebastian mais uma vez e sai correndo para o meu quarto.
Eu esperei por barulho, confusão, gritos, mas nada aconteceu naquela
noite. Sebastian foi embora minutos depois da minha saída da biblioteca.
Edward minha mãe e eu jantamos normalmente e eu não consegui parar de
pensar nem por um momento nas palavras que ouvi.
Passei a noite em claro e reanalisei os últimos meses. A empolgação de
minha mãe com o mundo novo de luxo e compras logo após se casar com
Edward. Em como ela foi se mostrando distante de todos nós nos últimos
meses, após a primeira visita de George e Sebastian. Os dias inteiros em que
ela saiu para ir fazer compras, mas como voltava com poucas sacolas, ou
como ela não aparentava ter mudado o cabelo após ficar uma tarde inteira no
salão, e por fim as viagens para escolher um cirurgião plástico. Eu estava
cheia de dúvidas, decepção e pena, por Edward.
A confirmação veio uma semana depois.
Eu dormia profundamente quando senti o abajur aceso e alguém se
sentando aos pés da minha cama.
Era Edward.
Às três da manhã, completamente vestido em um de seus ternos
impecáveis, ele tinha um rosto cansado e um olhar perdido. Ele esperou que
eu aparentasse estar completamente acordada para começar dizendo:
“Querida, desculpe acordá-la assim. Aconteceu uma coisa”.
Nada poderia ter me preparado para o que vinha a seguir. Aparentemente
minha mãe havia ido embora de casa naquela noite. Ela esperou todos
dormirem e com uma mala saiu pelos fundos. Ela estava em um carro que ia
a alta velocidade pela interestadual, o carro perdeu o controle e capotou
matando os dois passageiros. Minha mãe estava no carona, o motorista era
ninguém menos que George Harris. Os pertences dos dois foram encontrados
no bagageiro cujas malas indicavam que iam fazer uma longa viagem.
Edward não meu escondeu nada. Ele segurava minha mão enquanto dizia
que eu precisava ser forte e que ele estava lá para o que eu precisasse. Eu o
encarei e comecei a chorar. Minha mãe estava morta e por incrível que
pareça, nada doía tanto em mim quanto ter que encarar ele naquele momento
e imaginar no tamanho da decepção que ele devia estar sentindo. A esposa e
o irmão. Sebastian estava certo, e a pessoa mais prejudicada de toda a
situação estava preocupada em consolar a filha da mulher que o traiu e o
envergonhou.
O sepultamento ocorreu na tarde do dia seguinte. Edward segurou minha
mão todo o tempo e não ouvi um comentário desagradável sobre as
circunstâncias da morte de George e Madelline. A sociedade nova―iorquina
compareceu e transformou tudo em uma despedida suntuosa. Minha mãe com
certeza teria gostado de tamanha pompa. Edward não poupou gastos e
esforços. Acho que fez mais por mim do que pela esposa em si. Era um
enterro digno, sem traumas para uma garota que perdeu a mãe. George
recebeu ainda mais homenagens, pelo grande empresário que era. Sebastian
se manteve quieto e distante por todo o velório. Os óculos escuros escondiam
os olhos claros que me encararam com a mesma dureza de uma semana atrás.
Os primeiros dias sem Madelline e George foram silenciosos. Edward
disse que eu poderia faltar ao colégio quantos dias eu achasse que fosse
necessário, mas a verdade é que eu me resignei muito rápido e preferi voltar a
minhas atividades dois dias depois. Naomi foi a melhor ajuda que pude ter
para encarar os olhares de: ‘Olha, a garota que a mãe morreu”.
Uma tarde Edward me chamou ao escritório. Eu percebi que ele estava
aguentando bem... Por fora. Haviam linhas em seu rosto que não estavam
presentes antes do acidente, eu fiquei preocupada.
Ele me deu o olhar amistoso de sempre e perguntou como eu estava, eu
respondi que estava bem. Ele pediu para ver meus deveres de álgebra e eu
mostrei a ele meus cadernos. Ficamos dando voltas em assuntos sem
importância até que ele resolveu quebrar o gelo.
― Sua mãe não está mais aqui. - Eu sabia que esse momento ia chegar.
Tudo tem um limite, um cara aguentar uma enteada ao se casar com uma
mulher mais jovem é normal. Mas continuar bancando a filha de outro cara
quando se é viúvo e corno... Ninguém faz isso - Mas eu ainda estou aqui.
Quando me casei com ela eu fiz um voto. Eu não costumo quebrar minhas
promessas, não importa o que aconteça. E nós formamos uma família, que
ganhou meu coração. Sua mãe se foi, não interessa as circunstâncias, nós
ainda somos uma família, ainda estou aqui por você. Para o que você
precisar. Você também pertence a isso tudo aqui.
Eu não esperava por isso, nem em um milhão de anos. Eu comecei a
chorar outra vez, não porque senti falta da minha mãe ou por que estava
sendo muito difícil viver sem ela apesar de tudo. Mas sim porque pela
primeira vez eu era importante para alguém, de verdade. Era uma nova forma
de ver o mundo.
Sebastian chegou poucos dias depois com malas e uma cara fechada.
Houve abraços entre ele e Edward e um simples aceno de cabeça para mim.
Alguns dias antes eu ouvi Edward e o advogado o senhor Louis
conversando sobre o testamento de George. Sebastian só teria direito a
qualquer coisa após os vinte e um anos, o tio era o escolhido como tutor, sem
a permissão de Edward, Sebastian não conseguiria movimentar nenhuma
conta, muito menos se manter na faculdade. Sendo assim, estamos sob o
mesmo teto por pelo menos um ano.
As primeiras semanas foram sem grandes acontecimentos. Se eu estava
no jardim, Sebastian ficava na piscina, e vice ― versa. Era um acordo
silencioso. Mas aos poucos nossa situação foi mudando. O olhar de ódio
sobre mim virou desprezo. Não havia sinal dos olhos claros limpos e
divertidos que um dia encontrei no quartinho na casa de Naomi.
Edward não forçava a barra e respeitava nossa falta de diálogo na mesa.
Esporadicamente respondíamos perguntas e falávamos de nosso dia.
As férias de Sebastian acabaram e ele passou a vir para casa da faculdade
apenas nos fins de semana. Vivíamos em uma pequena guerra fria. Ele
chegava de cabeça quente dos problemas do curso e procurava um alvo fácil.
Eu não me permitia ficar no meio do caminho e tentava me esconder entre as
paredes, em uma vida miserável de tentar ser invisível ao humor de
Sebastian. Edward fazia o possível para apaziguar os ânimos, cansado de me
ver pelos cantos, subjugada onde ele mesmo dizia ser a minha casa, ele
começou a me levar para seu escritório no seu hotel mais importante em
Nova York para equilibrar a situação dentro de casa.
O ano passava depressa. Um pequeno insulto no corredor ali, uma troca
de farpas na mesa de jantar aqui, alguns gritos na biblioteca, olhares de
desprezo pelos corredores... E estávamos como uma bomba relógio prestes a
explodir. Luto, rancor, puro ódio gratuito faziam de Sebastian um verdadeiro
gigante aterrorizante em minha vida. Mas minha atual liberdade e o fato de
estar longe das garras da minha mãe e suas regras sobre como me comportar,
eu não era mais obrigada a aguentar tudo calada, o resultado não podia ser
pior.
Era mais um jantar no fim de semana quando as investidas de Sebastian
para me tirar do sério fizeram um dano irreparável.
― Vocês vão continuar assim por mais quanto tempo? - Edward disse
com seriedade. - Meses e meses de silêncio. Estamos perdendo um tempo
precioso enquanto ainda se deixam perder pelo passado. Ainda somos uma
família, caramba.
Eu nunca havia visto Edward perder a paciência. Ele estava perto disso e
eu não queria ver. Decidi ficar calada.
― Vocês não estão dando nenhuma chance ao que formamos agora.
Precisamos um do outro aqui.
Vi Sebastian revirar os olhos. O estilo bad boy estava caindo
perfeitamente bem nele.
― O que você quer de mim, tio? Estou aqui aos fins de semana. Presto
contas de tudo o que faço.
― Por que não dá uma chance a Emma? Ela também é da família.
Sebastian terminou de tomar a taça de vinho e colocou um sorriso
diabólico no rosto.
― Dar uma chance a ela?
― Sim, é claro.
― Edward, não precisa fazer isso... – Eu só queria que aquilo acabasse.
Edward pediu que eu esperasse e continuou falando com o sobrinho.
― Façam algo. Conversem. Se tratem como gente civilizada. Emma
precisa aprender a dirigir, porque não dá umas aulas a ela?
Sebastian riu.
― É claro que dou, e daí, que tal colocarmos umas malas no carro e
saímos pela estrada para ver no que dá?
Levantei e pedi licença a Edward. Ele não merecia aquela cena.
― Emma você fica. Sebastian, peça desculpas agora.
Ele voltou a rir.
― Desculpe Emma, é verdade. Vamos nos tratar bem, afinal, gente
civilizada não age assim. - Vi Sebastian olhar Edward e dizer com uma
maldade que pertencia somente a ele: - Gente civilizada só rouba cinco
milhões do marido para fugir com o amante. Já olhou no colchão dela tio? Às
vezes você encontra algumas notas perdidas por lá.
Como? Cinco milhões? Minha mãe fez isso? Eu senti a bile subir por
minha garganta. Edward se levantou em um só movimento e apontou o dedo
para o sobrinho.
― Pare com isso já Sebastian. Você não tinha o direito de revelar isso.
Você está sendo mal e mesquinho.
― Eu estou sendo mesquinho? Não foram as minhas pernas que se
abriram para conquistar o irmão do marido por que ele era mais rico. Você
não percebeu? Essa pequena rata vai fazer o mesmo com você!
― Cale a boca Sebastian! Eu já aturei muito de você.
― Como você pode preferir ela em vez de mim? Eu sou o seu sangue.
― Eu a escolhi para ser da minha família. Respeite isso!
As vozes estavam exaltadas, eu tenho certeza que os empregados da casa
deviam estar em completo estado de alerta. Toda aquela cena estava me
deixando enjoada.
― Você a escolheu? Ela já está esquentando sua cama no lugar da mãe,
assim tão rápido?
A cena na minha frente se desenrolou de uma forma que me fez saltar da
cadeira. Edward avançou em direção a Sebastian e o atingiu com um tapa.
Tio e sobrinho brigando por minha causa. Por culpa da vaidade de nossos
pais. Eu não consegui mais suportar aquilo. Levantei da cadeira e corri para o
meu quarto. Não fiquei para ver o resto.
Vi o carro de Sebastian sair em alta velocidade para fora dos portões da
mansão enquanto eu dava a trigésima penteada em meu cabelo.
Eu vou confessar, me senti um lixo. Não sabia o que fazer. Eu era uma
intrusa.
Eu queria fugir, e tentei. Coloquei algumas roupas em uma mochila, tirei
minhas economias guardadas da mesada de Edward e sai do meu quarto
silenciosamente. Cheguei apenas até o jardim.
Fui pega por Edward que me levou de volta para dentro de casa e me
acalmou e fez sentir como alguém especial como só ele podia fazer. Só como
um pai faz com uma filha.
No dia seguinte, sobrinho e tio se trancaram na biblioteca por horas. A
decisão final foi que Sebastian iria se mudar em definitivo. Ele precisava de
tempo e espaço, Edward daria.
Foi assim que começamos a superar a tragédia e não fazíamos ideia das
consequências em nossas vidas.
Capítulo 1
Emma
Dias Atuais
Eu estava chegando tarde do trabalho mais uma vez naquela semana. Já
se passavam das onze da noite quando passei pela porta e joguei os sapatos
para longe dos meus pés.
Meu apartamento me recebeu com a promessa de uma noite calma e
relaxante de descanso, era tudo que eu precisava após ficar concentrada em
contratos por mais de 12h.
Eu amo o que eu faço. Ter uma agência de viagens em Nova York toma
todo o meu tempo. É verdade que não estou sozinha, Naomi, minha melhor
amiga e sócia, divide comigo as preocupações que só quem tem o próprio
negócio pode entender, o que na maioria das vezes torna tudo muito mais
divertido quando se tem que ficar fazendo a parte mais chata do trabalho,
como hoje, em que passamos o dia conferindo todos os nossos contratos para
decidir com quem renovar para o próximo semestre. Eram parcerias com
redes hoteleiras, restaurantes, locadoras, tudo que envolve dar uma boa
estadia a nossos clientes.
É um ramo difícil nos dias de hoje, mas os clientes, em sua maioria
empresas que buscam por segurança e um pacote de viagens para seus
funcionários a longo prazo, nos buscam pela praticidade e o suporte que
fornecemos. Mais do que um escritório físico, a empresa oferece o serviço de
ofertas online, de qualquer lugar do mundo é possível montar o pacote de
viagem usando nossos descontos e indicações. Nós crescemos bastante nos
últimos três anos, o que tem me mantido bastante ocupada.
O que me leva ao dia de hoje e em como me faz pensar que preciso
desligar a cabeça. Largo a bolsa no sofá da sala e me jogo em um demorado
banho quente. Depois de recuperar minhas energias na banheira, coloco
minha camisola mais leve e vou para a cozinha procurar o que comer.
Não encontrei nada de interessante para comer e já buscava o número do
Delivery na porta da geladeira quando escuto o som do meu celular tocando.
Vou até o sofá mentalizando que qualquer problema do trabalho pode ser
resolvido amanhã e agora preciso dormir. O problema é que não é Naomi, e
faço uma careta quando encaro um número estranho na tela.
― Alô.
― Olá, Senhorita Davis? Meu nome é Kaitlyn Mason, eu falo do hospital
Saint Rose. Seu nome aparece como um dos contatos de emergência do
senhor Edward Harris. A senhora o conhece?
― Sim, o que... O que houve com Edward? - Minha voz falhou e eu
comecei a fazer uma prece mentalmente. Senti um frio correr por todo o meu
corpo enquanto eu pensava uma lista de coisas que Edward tinha reclamado
nos últimos meses. Ele estava ótimo, saudável, por que uma ligação do
hospital?
― Não posso dar maiores informações senhorita, preciso que venha ao
hospital para que possa conversar diretamente com o médico.
― Sim, já estou a caminho.
Desliguei a chamada e movi minhas pernas que pareciam feitas de
gelatina até meu quarto. Troquei de roupa como um autômato e parti em
direção ao hospital. Havia falado com Edward hoje pela manhã, ele iria viajar
para Boston em uma convenção.
“Que não seja nada grave, que não seja nada grave, que não seja nada
grave”.
Eu mentalizava enquanto decidi pegar um táxi.
Cheguei ao hospital após eternos 30 minutos de ansiedade e conjecturas
formuladas por mim durante a viagem, com todos os piores cenários
possíveis se passando em minha mente. Me sentia impotente! O que poderia
ter acontecido? Edward comeu algo e não se sentiu bem? Ele caiu? Foi
atropelado? Teve um infarto?
O que poderia ter dado de errado para um homem de mais de 60 anos?
A verdade é que muita coisa.
Entrei desesperada pelo pronto socorro e busquei a recepção. Debrucei
sob o balcão sem fôlego.
― Boa noite, estou aqui pelo Sr. Edward Harris.
A recepcionista, uma ruiva baixinha me olhou e sorriu com cortesia.
― Senhorita Davis? Fui eu que liguei para a senhora. Vou avisar ao
médico que a senhorita chegou para que vocês possam ser atendidos.
― Vocês? - Aquele plural me confundiu e a recepcionista apontou para o
lado direito enquanto pegava o telefone.
― Sim, vocês dois estavam no contato de emergência do senhor Harris.
Meu olhar disparou na direção que ela mostrou e o vi.
Apesar dos anos sem vê-lo, era difícil não reconhecer Sebastian, mesmo
com ele estando de costas, enquanto olhava para outra direção. Ele vestia
uma camisa de manga longa azul e calça jeans preta e sapato social,
parecendo como se soubesse que o estava encarando, se virou e nossos
olhares se fixaram um no outro.
Se eu fui chamada para uma emergência com Edward, é claro que ele
também seria.
Sebastian caminhou em minha direção com o mesmo olhar de desprezo
de sempre, só que dessa vez uma ruga de preocupação pairava em sua testa.
Nós não nos demos as mãos, nem acenamos. Apenas ficamos um de
frente para o outro, sérios, tensos e a situação com Edward pairando em
nosso meio. Nada diferente de como sempre estivemos nos últimos 10 anos.
― Sebastian. - Foi minha forma de dizer: “Olá, como vai”.
― Emma. - Foi a vez dele dizer entre os dentes.
Nunca conseguimos disfarçar o quão desconfortáveis ficávamos quando
estávamos um perto do outro. Edward sempre fez de tudo para evitarmos os
conflitos e achou a melhor maneira, fazendo de tudo para não nos colocar no
mesmo recinto.
O fato de Sebastian ter vivido grande parte da última década fora do país
ajudou bastante. Mas ainda era possível nos esbarrarmos nos eventos das
empresas de Edward ou mesmo na mansão, quando um de nós chegava e o
outro estava de saída. Sempre furtivamente, sempre em um acordo mudo.
Sem maiores cenas como antigamente, afinal, uma hora precisávamos
começar a agir como adultos.
Havia quase dois anos que eu não o encontrava. Pensar nisso me fez
reparar nos traços duros em seu rosto. Os olhos claros ainda estavam lá e o
cabelo ainda era cortado com máquina. Naomi tinha o costume de dizer que
ele parecia com Tom Hardy, pelos lábios finos e a cara amarrada. Era a
primeira vez que eu tinha chance de reparar nisso e tinha que concordar.
Estava prestes a perguntar por quanto tempo ele estava aguardando
notícias quando escutei uma voz no saguão.
― Parentes do senhor Edward Harris?
― Sim! - Dissemos ao mesmo tempo Sebastian e eu.
O médico não mantinha uma expressão facial fácil de ler, o que pela
minha experiência com programas de televisão médicos, não indicava um
bom sinal.
Fomos levados para uma sala reservada, o doutor esperou que nos
sentássemos confortavelmente e começou a falar.
― Vocês são da família do Senhor Harris? - Ele segurava um envelope
nas mãos.
― Sou o sobrinho dele. - Pode ter havido um tom profundo de indireta
para mim. Algo como “A única família aqui sou eu”. Apenas Sebastian sendo
babaca como de costume.
― Ele é meu padrasto. O que houve? Podemos vê-lo? - Eu sentia minhas
mãos tremerem e algo no fundo de minha mente gritava que eu não iria
gostar da notícia a seguir. Eu me recusava a pensar na palavra com “M”. Não
para Edward, não hoje, e nem tão cedo.
O médico pigarreou por algumas vezes.
― O senhor Harris deu entrada no hospital 5 horas atrás. Ele passou mal
no aeroporto e foi trazido para cá inconsciente. Assim que chegou, nós
fizemos todos os exames possíveis e detectamos que ele havia sofrido um
AVC. Nós preparamos uma sala de cirurgia, mas infelizmente....
Não, não podia ser. Alguém faça esse homem parar de falar.
― Infelizmente ele não resistiu.
Ah meu Deus, Edward.
― Nós fizemos tudo que era possível. Eu sinto muito. - O médico
terminou de falar e colocou o envelope em cima da mesa.
Eu senti como se alguém enfiasse a mão em meu peito e apertasse meu
coração com toda a força. Estava difícil de respirar. Eu provavelmente estava
soluçando em busca de ar, pois o médico veio em meu auxílio. Eu me
desvencilhei ficando de pé e coloquei minha mão em uma das paredes. As
lágrimas começaram a rolar e um embrulho em meu estômago me trouxe
náuseas.
― Não, não pode ser. Como... Como ele pode estar morto? Eu falei com
ele essa manhã... Nós... Não pode ser.... - Eu tinha certeza que ninguém podia
entender o que eu estava falando e em minha visão embaçada pelas lágrimas
vi Sebastian com a cabeça abaixada e as mãos em punho.
Capítulo 2
Emma
O médico me segurou pelos ombros e me sentou outra vez na cadeira. Eu
vi uma enfermeira chegar com copos de água e a porta ser fechada
novamente. A única coisa audível na sala eram meus soluços. Eu não
conseguia me concentrar em nada, apenas o flashback em minha mente.
Edward e eu nos conhecendo, estudando juntos minhas tarefas de álgebra,
quando entrei correndo no escritório dele com minha carta de aprovação na
faculdade... A forma como os olhos dele se encheram de lágrimas quando me
mudei da mansão, ou o olhar intensamente orgulhoso dele na minha
formatura. Ele foi a única pessoa que um dia acreditou em mim quando eu
não era nada, quando ninguém se importava comigo. Ele me fez acreditar em
mim mesma, ele me ensinou tudo o que eu sei. Ele não se importava em se
doar, ou me levar para o seu escritório e me explicar vez após vez como o
ramo do turismo funcionava. Edward foi a única pessoa que lutou por mim,
quando nem eu mesma sabia que era possível vencer. Ele foi o que
extraordinariamente mais se aproximou de ser um pai para mim. E agora...
Tudo havia acabado. Assim. Tão fácil e tão rápido. E ele estava sozinho, sem
ninguém que o conhecesse e velasse por ele.
Meus soluços diminuíram e eu pude respirar normalmente e me controlar.
Aquela cena parecia um pesadelo horrível e sem fim. As lágrimas saiam
agora tímidas e silenciosas dos meus olhos. O médico ainda esperava na sala
como quem precisa terminar uma obrigação.
― Eu sei que esse é um momento muito difícil para vocês, mas o senhor
Harris chegou desacompanhado no hospital e esses foram os documentos que
encontramos na pasta que veio junto à ambulância. Preciso que um de vocês
faça o reconhecimento e confirmem a identidade dele. Eu sei como isso será
doloroso, mas é um procedimento necessário a fim de começarmos os
trâmites para a liberação do corpo.
― Eu irei vê-lo. - Sebastian se prontificou. Ele estava com os lábios
firmemente cerrados e o olhar sem nenhuma expressão.
Ele e o doutor estavam começando a se preparar para irem ao necrotério
quando decidi me prontificar a ir junto. Eu também precisava vê-lo, mesmo
que morto. Não porque eu não acreditasse que ele não estivesse lá, mas sim
porque de alguma forma meu cérebro não estava processando a morte de
Edward. Eu enxergava tudo em câmera lenta, vê-lo me traria de volta à
realidade, por mais dura que fosse.
― Eu também vou.
Sebastian e o médico me encararam como se eu tivesse duas cabeças.
― Senhorita, isso será muito doloroso, apenas uma pessoa é necessária
para o reconhecimento e...
― Eu tenho o direito de vê-lo.
O médico não resistiu a deixar ― me ir. Passei pela porta e não ousei
encarar Sebastian. Nós nos dirigimos a um elevador e eu permaneci de
cabeça baixa todo o tempo, acho que ficaria tonta se tivesse que encarar tudo
de cima. Olhar para o chão acalmava bastante o embrulho em meu estômago.
Chegamos a uma porta com as indicações do necrotério. Havia um
silêncio perturbador no corredor e nossos passos ainda ecoavam quando a
porta foi aberta. Uma mesa de aço era coberta por um lençol branco, um
ambiente todo esterilizado em volta, ao além do cheiro de éter. Eu voltei a
tremer e a respirar com dificuldade. O doutor nos esperou entrar e disse que
estaria do lado de fora para qualquer coisa, poderíamos ter quanto tempo e
privacidade precisássemos.
Eu não consegui dar longos passos para longe da porta. Tudo era novo e
assustador demais. Eu queria que tudo acabasse, eu queria um abraço de
Edward e um beijo na cabeça como ele sempre me dava. Eu queria segurar
em suas mãos firmes e pouco enrugadas para pedir um conselho pela última
vez.
Pela primeira vez em toda a nossa convivência eu vi Sebastian hesitar.
Ele estava parado de frente para a mesa enquanto uma mão segurava a ponta
do lençol. A mão dele tremia e ele fechou os olhos. Seu rosto transparecia
raiva, dor e algo mais que não pude identificar.
Ele afastou uma parte do lençol e senti meu coração ser esmagado outra
vez.
― Ah não, por favor, não. - Eu gritei e me apoiei na parede. Meus
soluços voltaram e uma febre invadiu meu corpo dos pés à cabeça. Edward
inerte jazia sob a mesa. Ele parecia estar dormindo, a feição serena e doce
como sempre, sem vida. Uma dor latente percorria meu corpo em ondas indo
e voltando sem parar, um barulho chamou minha atenção.
Eu pensei estar ouvindo os meus próprios soluços, mas olhei para cima e
um Sebastian desolado derramava suas próprias lágrimas. As mãos ainda em
punho, mas os olhos avermelhados e o rosto coberto de lágrimas, ele me
lembrou um menino assustado, quase abandonado, sem esperanças. Cheguei
a poucos centímetros da mesa e nos olhamos. É claro que não éramos as
pessoas prediletas um do outro, mas nossa pessoa favorita estava morta bem
ali na nossa frente. Edward que fez de nós os adultos de sucesso que somos
hoje, não existia mais, e Sebastian e eu, por maior ressentimento que
guardássemos um do outro não podíamos fabricar a cura para aplacar a
avalanche de tormento pela qual passávamos agora.
Edward mudou nossas vidas de forma sem igual, era um ser humano
extraordinário e generoso. Nós sabíamos disso, e por sabermos e por darmos
tanto valor é que talvez, nesse momento, e apenas por esse momento nos
permitimos baixar a guarda um com o outro. Eu estendi minha mão, dando e
procurando consolo ao apertar com força a mão de Sebastian e ele atravessou
a distância e as barreiras que tínhamos levantado uma década atrás, me
abraçando forte. Soluços, dor e saudade cabiam em nossos braços e pesavam
o peso do mundo em nossas costas. Houve um conforto estranho e irracional.
O calor do corpo de Sebastian trazia paz e segurança naquele estranho
momento. As lágrimas dele pareciam iguais ou mais que as minhas, e
permanecemos assim por vários instantes até o médico regressar
abruptamente, fazendo um barulho alto ao abrir a porta.
Nos soltamos como se o corpo um do outro estivesse em brasa.
Eu não podia mais raciocinar direito e não conseguia me imaginar
preparando um funeral. Sebastian me acompanhou em silêncio até o saguão
do hospital e disse que me manteria informada e cuidaria de tudo daqui para
frente enquanto conseguia um taxi para mim. O corpo seria liberado
imediatamente e enterraríamos Edward o mais rápido possível.
Sai do hospital atordoada e voltei para casa em um estado catatônico.
Liguei para Naomi e minha melhor amiga apareceu na minha porta em tempo
recorde. Logo em seguida eu não sabia como, mas estava deitada em minha
cama com um chá em minhas mãos.
Eu chorei pelo resto da noite, enquanto Naomi me abraçava e prometia
que tudo ia ficar bem. Ela provavelmente deve ter colocado algum sedativo
no maldito chá, porque pouco tempo depois eu não tinha mais forças nem
para levar a xícara à boca. Adormeci e sonhos confusos me desestabilizaram,
me despertando abruptamente com um pesadelo.
Alguns raios de sol transpassando a persiana de meu apartamento. Minha
cabeça parecia pesar como chumbo e toda a desgraça da noite anterior me
atingiu como uma flecha. Naomi me observava da porta com atenção.
― Foi um sonho? - Eu perguntei baixinho, com medo de que dizer mais
alto tornaria a morte de Edward muito mais real.
― Não, sinto muito. - Ela se sentou ao meu lado na cama e segurou
minha mão. - Sebastian ligou, o funeral será em três horas.
― Eu ainda não consigo acreditar que ele tenha morrido.
― Eu sei o quanto tudo isso é esmagador. Eu estou aqui, não se esqueça
disso. Sempre vou estar.
Abracei minha amiga e dei início a primeira rodada de lágrimas do que
seria um longo dia. Naomi me fez vestir um vestido tubinho preto e sapatos
confortáveis. Tomei um café da manhã forçado, o que incluiu um pedaço de
queijo e algumas torradas com suco de laranja, e torci para que meu enjoo do
dia anterior não voltasse.
Chegamos ao cemitério e me sentei no lugar reservado para mim. Foi
impressionante ver a quantidade de funcionários que vieram se despedir de
Edward. Eu já esperava pelos empresários, os socialites e os políticos locais.
Mas foram as pessoas que conviviam com ele todos os dias, que realmente o
conheciam como o ser humano decente e de bom coração que ele era que
realmente conseguiram dar dimensão a perda a nossas vistas. Eram discursos
e mais discursos que eu pouco absorvi por sentir que tudo era um grande
borrão. Sebastian do outro lado da área reservada ao funeral cumprimentava a
todos com seriedade. Os óculos escuros e o terno preto impecável
conseguiram mascarar bem a dor e o desespero que estávamos passando.
Eu vi o caixão ser coberto de terra e fiz minha última prece por Edward
em pensamento. Não demorou muito as pessoas começaram a se dissipar e eu
não conseguia sair do lugar. Pedi que Naomi me esperasse no carro e me
aproximei da lápide.
Eu fiquei em um silêncio triste e vazio por vários minutos. Sem lágrimas
e sem a sensação de aperto no peito, apenas uma reflexão triste sobre meu
melhor amigo que tinha ido embora.
― Não era para ter sido assim. Não tão rápido, e sem se despedir.
Eu sussurrei para a lápide como se de alguma forma Edward ainda
pudesse me ouvir. Joguei a rosa em minhas mãos sob a terra e me virei em
direção a saída. Sebastian estava logo a minha frente, me observando por trás
de seus óculos escuros. Ficamos um de frente para o outro, nos encarando
presos dentro de nossa própria guerra fria. Não havia mais Edward para
interferir ou aplacar e ditar as regras do nosso jogo de feridas. Perder Edward
foi o suficiente, não precisaríamos nos beliscar verbalmente para infligir dor
um ao outro como era nosso costume fazer. Parecíamos haver chegado ao fim
da guerra onde descobrimos que como em todo conflito, não há vencedores.
Ele colocou a mão em meu rosto e retirou meus óculos escuros. Vi um
músculo em seu rosto se retesar. Eu não havia chorado durante o funeral, eu
não tinha mais forças para isso, mas tinha o rosto inchado e massacrado das
lágrimas que derramei desde que recebi a notícia. Do que ele precisava
então? Uma confirmação da minha tristeza?
Peguei meus óculos de sua mão e comecei a caminhar para longe dele.
Não havia mais nada que nos ligasse, apenas a doce memória do homem
maravilhoso que nos amou. Eu já estava a passos largos de distância quando
a voz de Louis chamou minha atenção.
― Sebastian! Emma! Que bom que ainda estão por aqui!
Havia algo de bom nisso tudo?
Sebastian e eu ficamos frente a frente com Louis e esperamos o advogado
recuperar o fôlego para começar a falar. Ele já era de idade, eu fiquei
preocupada com um senhor daqueles correndo para me alcançar.
― Eu sei que a situação é muito triste e... Nem eu mesmo estava
preparado para dizer adeus a meu melhor amigo...
― O que foi Louis? - Sebastian, com sua estranha maneira de ser
educado perguntou ao pobre homem.
― Preciso que vocês estejam amanhã pela manhã em meu escritório. Há
muita coisa envolvida com as empresas e a leitura do testamento não pode
esperar.
Tudo bem, eu estava no testamento. Provavelmente Edward teria me
deixado alguma coisa. Eu não queria começar a surtar com aquilo, da mesma
forma que não poderia me deixar surtar com o olhar de Sebastian ao meu
lado. Por que eu conseguia lidar muito bem com todos os olhares de desprezo
de Sebastian, o que era difícil de lidar era o olhar de desprezo enlutado dele.
Nós já havíamos ido por esse caminho antes, nada de bom saía disso.
Louis terminou de marcar nosso encontro para a manhã seguinte e fui
deixada mais uma vez ao lado de Sebastian. Eu não fiquei para esperar a
retaliação que eu sabia que viria, ou a onda de ódio vestida de preto com
1,80m ao meu lado. Parti em disparada para a saída, mas não consegui
avançar muitos metros. Uma mão segurou em meu braço e me fez retroceder.
― Uma década de investimentos e finalmente terá os lucros, hein! -
Sebastian disse com o olhar frio e atento a cada expressão facial minha.
Ele não segurava mais meu braço, e eu queria ir embora, mas de certa
forma eu não podia ir sem dar a última palavra, não quando não tinha mais 16
anos e não era alguém sem lugar no mundo.
― Eu posso ser o que você quiser nessa sua mente distorcida, mas ao
menos eu tenho respeito pelos mortos.
O deixei para trás e fui para o carro encontrar Naomi. Eu disse que ela
não precisava ficar comigo hoje e ela respeitou isso, como sempre fazia.
Eu não precisei de chás ou calmantes para o resto do dia. Uma resignação
estranha começou a tomar do meu corpo e a processar que Edward havia ido
embora. Minhas últimas lágrimas caíram naquela noite e eu só precisava ter
certeza que após a leitura do testamento, eu iria colocar minha vida no lugar
outra vez.
Capítulo 3
Sebastian
Eu não costumo passar muito tempo em meu apartamento em Nova York,
mas eu estava indo para descansar a cabeça dos últimos dias que fiquei fora a
trabalho e lá parecia um bom lugar.
O táxi já se aproximava do meu quarteirão e resolvi checar meu celular.
Havia várias chamadas perdidas de um número desconhecido. Um sinal de
mensagem de voz piscava no canto superior da tela. Levei o aparelho ao
ouvido e uma voz feminina invadiu minha mente.
“Olá, aqui é do hospital Saint Rose. O seu número está marcado como o
contato de emergência do senhor Edward Harris, se puder vir ao hospital
para maiores informações, agradeceria muito”.
No mesmo instante pedi ao taxista que desse a volta e fosse em direção ao
hospital.
Eu não quis ficar imaginando o que poderia ter acontecido com Edward.
Meu tio apesar de ter mais de 60 anos é forte e saudável. Nós havíamos nos
falado três dias antes e combinamos de assistir um jogo do New York Giants
na próxima semana.
Eu me senti sortudo por não pegar nenhum congestionamento. Poucos
minutos depois eu entrava no saguão do hospital em busca de notícias.
A recepcionista pareceu surpresa ao descobrir minha identidade. Ela disse
que o médico estava ocupado e que iria avisá-lo da minha presença. Eu decidi
por me afastar do balcão e sentar enquanto aguardava.
Eu nunca fui um cara que gosta de esperar pelas coisas. Mais de vinte
minutos se passaram e comecei a desconfiar da demora do médico. Não havia
como não ser algo grave, se não já teriam me permitido ver meu tio logo de
cara.
Uma figura de cabelos negros entrou em meu campo de visão no saguão e
a reconheci de imediato. O que aquela fulaninha estava fazendo aqui?
Eu a escutei falar com a recepcionista e basicamente ela também era um
contato de emergência de Edward. Eu revirei os olhos. Há 10 anos ela é
intragável como um “membro da família”.
Meu tio cometeu apenas dois erros em sua vida. O primeiro foi se casar
com Madelline Davis, e o segundo foi fazer da filha dela, melhor dizendo, da
filha da mulher que o traiu e roubou, uma protegida. Todo aquele ar inocente
e humilde numa garota de 16 anos nunca me enganou. Ela bancou a vítima e
continuou sob as asas do meu tio.
O que me custou muito a entender, ou melhor... Respeitar. Afinal, a vida
era dele, o dinheiro era dele, o que mais eu poderia fazer além de gritar aos
quatros ventos o que sentia e pensava?
Eu passei boa parte dos últimos 10 anos trabalhando na Itália. Eu não quis
usar a fama do meu sobrenome aqui e decidi viver por minha conta lá fora
por um bom tempo. Abri minha própria construtora e tirei todos os rastros da
gestão de George Harris nos negócios que ele me deixou. Foi uma forma de
expurgar toda a decepção que ele sempre me trouxe. A única coisa a qual
ainda não podia tirar completamente da minha vida era a mulher que vinha
em minha direção.
Não foi difícil ficarmos longe um do outro na última década. Edward
entendeu que jamais conseguiria fazer de nós uma grande e feliz família e
também cuidou de não nos obrigar a estar no mesmo lugar. Fazia um par de
anos que eu não a encontrava e Emma Davis havia se tornado uma réplica de
sua mãe, com a diferença é claro dos cabelos escuros.
― Sebastian - Ela disse com um olhar que parecia impaciente.
― Emma.
Nós não iríamos trocar apertos de mão ou abraços, não éramos hipócritas,
pelos menos nisso ela era honesta. Não gostávamos um do outro e ponto.
Jamais fingimos uma falsa cordialidade quando ficamos por perto ao longo
desses últimos anos. Sempre fiz de tudo para ficar o mínimo possível perto
dela porque sabia o quanto meu tio ficava chateado com nossas trocas de
farpas, e eu havia prometido uma vez e não iria falhar com ele. Podia não
aceitá-la, mas eu devia respeitá-la.
Assim que nos raríssimos eventos dos hotéis de tio Edward que eu
frequentava, apenas acenava a cabeça e tentava ir embora o mais rápido
possível, ou então quando eu ia visitá-lo na mansão durante os feriados. Eu
chegava, ela saía. Tio Edward às vezes acidentalmente me informava que
Emma não iria poder passar o natal ou o dia de ação de graças com ele...
Bem, ele sempre foi um ótimo intermediador. O acordo era mútuo e nos
ajeitamos bem. Mas todas as vezes que nos encontrávamos, me incomodava o
fato da presença dela ainda me afetar de uma forma tão forte, que era como se
o passado ainda estivesse aqui e tudo tivesse acontecido ontem.
Se não fosse por nosso histórico, às vezes eu pensava que poderia ter
caído nas garras de Emma. Era a mulher mais bonita que já tinha visto, mas
eu sabia que grande parte dessa atração era ela fingindo inocência, essa
personalidade brilhante e tímida ao mesmo tempo. Era tudo sobre como ela
era tão boa em fingir como a mãe e conseguir o grande prêmio. Passei parte
desses nossos encontros fortuitos com essa explicação para evitar que meu
corpo tomasse vantagem nesses momentos. Eu sabia que Emma era uma
manipuladora fria, mas meu pau sempre despertava querendo mais dela, essa
tensão que emanava entre nós como se algo pudesse acontecer a qualquer
momento.
Ficamos encarando um ao outro até que um médico de meia idade veio
nos chamar. Não era possível ler a expressão facial do homem, o que arrepiou
os cabelos da minha nuca de preocupação.
Sentamos em uma sala e ele começou o discurso. Tio Edward estava no
aeroporto, passou mal e foi levado para o hospital. Era um AVC. Eles não
conseguiram fazer muita coisa e Edward estava morto.
Simples assim.
Eu senti um apagão em minha mente, era como se estilhaços grudados em
minha pele fizessem meu corpo inteiro pinicar, respirei fundo tentando sair
dessa realidade. Isso não podia estar acontecendo.
A única família que me restava havia acabado de desaparecer. Nós demos
gargalhadas ao telefone três dias atrás e ficamos de nos encontrar. Eu nunca
mais iria poder escutar meu tio rir. Meu tio que fez mais por mim que meu
verdadeiro pai. Tio Edward que sempre foi minha consciência e minha fonte
de sabedoria.
Havia uma pressão latente em meu peito e eu não sabia por quanto tempo
iria aguentar para colocar aquilo para fora. Olhei para Emma sentada ao meu
lado, e apenas se ela fosse uma versão bizarra e mais nova de uma atriz como
Meryl Streep, ela conseguiria fingir um choro como aquele. Os soluços dela
invadiram a sala a ponto de o médico ter que auxiliá-la. Ele esperou que ela
se acalmasse para voltar a falar.
― Eu sei que esse é um momento muito difícil para vocês, mas o senhor
Harris chegou desacompanhado no hospital e esses foram os documentos que
encontramos na pasta que veio junto na ambulância. Preciso que um de vocês
faça o reconhecimento e confirmem a identidade dele. Eu sei como isso será
doloroso, mas é um procedimento necessário a fim de começarmos os
trâmites para a liberação do corpo.
― Eu irei vê-lo. - É claro que seria eu, duvidava muito que a senhora
lágrimas iria querer.
Levantei para sair junto ao médico quando ela se decidiu por ir junto.
Aquilo era sério? O que ela queria provar com aquilo?
Capítulo 4
Sebastian
Nós fomos para o necrotério e a sala me arrepiou dos pés à cabeça. Eu só
havia visto uma cena daquelas em filme. Um corpo sob um lençol, uma cama
fria de metal, gavetas para corpos espalhados na parede. Era tudo muito
impessoal. Eu coloquei minhas mãos no lençol e me lembrei de quem
esperava ver ali. Não era assim que eu havia imaginado meu último encontro
com meu tio. As pessoas que amo, sempre vão embora muito rápido.
Destampei o corpo e vi o rosto sereno de tio Edward. Aquilo me quebrou. Eu
não esperava pelo que vinha a seguir e não reconheci o soluço que partiu da
minha garganta, arrombando uma represa de lágrimas dos meus olhos. Eu
nunca pude chorar pela morte da minha mãe, e estava zangado demais para
chorar pela do meu pai. Mas aquele era o tio Edward, o homem mais legal e
paciente do mundo. Era inaceitável ele ter ido embora sem se despedir.
Eu olhei para Emma e ela me encarava aos prantos. Edward sempre
esteve no meio de nós, se importando com os dois, sem levar em conta nossa
infantilidade, nossos defeitos e nosso eterno conflito. E agora ele está morto e
a única pessoa que sabe a grandiosidade do homem que acabo de perder é ela.
Nós nos abraçamos e choramos juntos. Nós concordamos em alguma
coisa pela primeira vez em 10 anos. E é sobre a coisa mais triste de nossas
vidas.
O médico voltou e nos separamos deixando de lado nosso momento de
trégua. Eu digo a ela que irei cuidar dos detalhes para o funeral e que amanhã
mesmo ele seria sepultado. Ela concorda sem nenhuma objeção enquanto a
acompanho até a saída do hospital.
Liguei para Louis, o advogado de tio Edward logo em seguida para dar a
notícia. O homem ficou devastado. Ele me encontrou no hospital logo em
seguida e me ajudou com os trâmites funerários. Estaria perdido sem ele, me
sentia incapaz de raciocinar e apenas conseguia colocar um pé na frente do
outro.
Consegui chegar em casa por volta das 4 da manhã. O apartamento escuro
e frio me recebeu. Com vontade de fazer nada, me sentei no sofá e acabei
chorando mais uma vez revivendo as últimas horas.
Acordei todo torto no sofá poucas horas depois com o celular tocando, era
Louis me confirmando o horário do sepultamento. O corpo de Edward já
estava sendo levado para o local. Me lembrei de que havia ficado de avisar
Emma, procurei entre os pertences de Edward que ficaram comigo e achei o
número dela nos contatos do celular.
O celular chamou algumas vezes e uma mulher atendeu, não era a voz de
Emma. Ela disse ser uma amiga e que iria dar o recado. Ela perguntou qual
era o meu nome no fim da conversa e quando eu respondi ela desligou na
minha cara. Aparentemente Emma vivia cercada de pessoas mal-educadas.
Me arrumei sem nenhum entusiasmo e comecei a sentir os efeitos da
noite mal dormida enquanto tirava o carro da garagem. Era estranho pensar
que estava dirigindo para o funeral de tio Edward. Nada disso fazia sentido.
A área cercada para o funeral estava vazia quando cheguei. Algumas
horas depois todos começaram a chegar e eu comecei a cumprimentar as
pessoas mecanicamente, era o último local ao qual eu gostaria de estar.
As horas se passaram, os discursos foram feitos e tio Edward foi
enterrado com toda a glória que merecia. As pessoas se retiraram e eu estava
prestes a ir embora quando reparei em Emma parada feita uma pedra próxima
a lápide. Eu não me deixei baixar a guarda sobre ela nas últimas horas, apesar
de nosso momento no necrotério. Ela parecia realmente haver amado tio
Edward, mas isso não retirava o fato dela ainda ser uma golpista que, aliás,
sempre foi o primeiro motivo pelo qual ela se aproximou do meu tio.
Ela se virou para ir embora e deu de cara comigo. Esperei para ver a
reação, talvez agora que tio Edward se foi ela iria finalmente começar a
mostrar as garras. Ela ficou de óculos escuros por toda a cerimônia e os
soluços de ontem à noite haviam sumido. Eu sentia vontade de fazê-la
confessar tudo. Do plano da mãe, de como ela conseguiu estar na barra de tio
Edward por todo esse tempo. Mas pareceu mesquinho demais fazer isso com
alguém que parecia devastado. Mesmo assim eu tirei os óculos escuros dela
esperando ver alguma ganância, mas era outra coisa. Olhos não mentem, e os
dela me revelaram uma escuridão profunda. Eu a vi respirar fundo,
provavelmente com raiva da minha ousadia. Por um momento, e apenas com
um vislumbre de dor em seus olhos, eu vi sua fragilidade. Ela parecia
quebrada.
Emma não esperou por um confronto e partiu em direção a saída, tirando
seus óculos de minhas mãos.
Louis decidiu vir em nossa direção nesse momento, e fiquei preocupado
com os quadris do homem se deslocar bem na minha frente. Não existia
algum tipo de lei para prevenir acidentes com pessoas idosas?
― Sebastian! Emma! Que bom que ainda estão por aqui!
Emma se reaproximou e tivemos que esperar o advogado voltar a ter
fôlego.
― Eu sei que a situação é muito triste e... Nem eu mesmo estava
preparado para dizer adeus a meu melhor amigo...
― O que foi Louis? - Eu estava impaciente e Louis era o tipo de cara que
fazia uma palestra para qualquer coisa.
― Preciso que vocês estejam amanhã pela manhã em meu escritório. Há
muita coisa envolvida com as empresas e a leitura do testamento não pode
esperar.
Eu ouvi o que Louis disse e fiz questão de observar cada detalhe do rosto
de Emma ao meu lado. Foi meio decepcionante o fato dela não demonstrar
nenhum sorriso de vitória ou fingir que estava surpresa com o fato. Ela
continuou impassível e triste. Mas com certeza isso era algo que ela estava
esperando. Louis finalmente terminou de falar e partiu. Ao meu lado Emma
se precipitou a ir embora com uma pressa culposa. Eu não a iria deixar
escapar tão fácil.
― Uma década de investimentos e finalmente terá os lucros, hein!
Eu posso ser direto quando quero, e no momento eu queria uma reação
dela. Qualquer coisa que indicasse a fulaninha interesseira que tio Edward
nunca aceitou ver. Eu estive muito perto dela nas últimas horas e isso estava
me deixando irritado de uma forma que me impulsionava a provocá-la. Nossa
antipatia um pelo outro estava ligada no automático há uma década, como
mudar de uma hora para outra?
Emma se manteve impassível quando me retrucou:
― Eu posso ser o que você quiser nessa sua mente distorcida, mas ao
menos eu tenho respeito pelos mortos.
Uau ela apelou para o clássico “bancando a boa moça”. Inacreditável!
Nós fomos cada um para um lado e tudo que eu queria fazer era esquecer
esse dia. Meu apartamento me recebeu como sempre, quieto e frio. Eu não
tinha o hábito de passar muito tempo por aqui, e eu nunca havia me
preocupado com decoração e compras.
Não tinha vontade de comer nada e passei o resto do dia trocando os
canais da televisão de forma automática, sem prestar atenção em nada. Minha
mente parecia presa aquele dia terrível e a imagem de tio Edward no
necrotério. Eu fechava os olhos e era a primeira coisa que vinha na cabeça. Já
era tarde da noite e eu não conseguia pegar no sono, com a mente em um
turbilhão de pensamentos. Coloquei moletom e sai para correr pelo Central
Park. Eu sentia meus músculos se aquecerem e tentei canalizar toda minha
aceleração mental em minha corrida. Eu estava querendo me desligar de tudo
e não importava, quanto mais eu corresse mais minha mente me perturbava.
Voltei para casa quando meus pulmões começaram a queimar de
exaustão. Foi duro fazer aquilo comigo mesmo. Tomei um banho e me deitei
mais uma vez no sofá, dessa vez fui vencido pela exaustão e um reality sobre
cirurgias plásticas, consegui dormir, finalmente.
Acordei pela segunda vez seguida com o corpo dolorido por conta da má
postura em estar sofá. Era como se minha coluna estivesse tentando formar o
símbolo do infinito. Consultei meu relógio e se não me adiantasse chegaria
atrasado ao escritório de Louis. Tomei um banho, me vesti e busquei um café
e donuts na cafeteria mais próxima.
O trânsito estava caótico como sempre e demorei quarenta minutos para
chegar ao menos perto da quadra onde o escritório de Louis ficava. Paguei o
taxista e decidi fazer o restante do caminho a pé. Entrei no prédio com pressa
e subi preocupado com a hora enquanto esperava o elevador me levar ao
décimo primeiro andar.
Quando as portas se abriram dei de cara com uma secretária baixinha e de
óculos sentada em uma mesa do lado direito da grande recepção. Ela sorriu e
após me identificar me levou a sala de reuniões. Entrei na sala e encontrei
uma distraída Emma, que olhava pelas enormes janelas de vidro da sala a
barulhenta Wall Street, onze andares abaixo.
Era nesses momentos que eu pensava o quão bonita ela era e como era
absurdo esse buraco que a mãe dela e ela nos levaram. Se ela fosse uma
pessoa boa, rapidamente teria alguém a querendo e ela seria rica como
sempre sonhou sem apelar para esquemas sujos. Sua beleza brilhava demais
para todo o resto, era uma pena.
― Pensando em como gastar o dinheiro que vai ganhar? - Falei enquanto
entrava e escolhia um lugar para sentar. Ela pareceu se assustar e torceu o
nariz quando se virou.
― Meus pensamentos são apenas meus Sebastian. Já é desagradável o
suficiente ter de dividir o mesmo planeta com você.
― Tenho certeza que teve tempo suficiente para fazer os planos com os
cifrões que estão por vir.
Emma revirou os olhos e se sentou em uma cadeira do outro lado da
grande mesa. Ela parecia menos abatida que no dia anterior, o sarcasmo e
nossa falsa cordialidade estavam no ar nos lembrando quem éramos.
Estávamos praticamente prontos para uma rodada de farpas quando Louis
entrou pela porta carregando uma tonelada de pastas.
― Bom dia vocês dois. Obrigado por estarem aqui, apesar de tudo.
Ele colocou cada uma das pastas a mesa e se sentou na cabeceira entre eu
e Emma.
― Vocês sabem para que estamos aqui. Vocês são os únicos herdeiros de
Edward e estou aqui para fazer valer a última vontade dele, como amigo e
advogado. Eu poderia ler todas as dezenas de documentos e passarmos uma
manhã inteira esperando pelos últimos parágrafos que são os que mais
interessam então, eu vou ser sucinto.
Isso. Era. Uma. Novidade.
Louis não ia aproveitar a chance de falar para um público
obrigatoriamente cativo e dar um de seus intermináveis discursos? Eu pagaria
uma rodada no bar apenas por esse motivo.
― Edward me fez consultar centenas de leis e artigos para montar esse
testamento. E eu preciso que vocês entendam que eu tentei dissuadi-lo
intermináveis vezes. O que está aqui não é nada ortodoxo e vai mudar a vida
de vocês por pelo menos os próximos doze meses.
Capítulo 5
Sebastian
Nada ortodoxo?
Eu e Emma não ousamos falar nada. Ela parecia intrigada e eu já estava
ficando assustado. Tio Edward não era o tipo de pessoa excêntrica, ele não
podia colocar alguma coisa tão fora do comum em seu testamento.
Podia?
― Emma, Sebastian. Edward deixou 50% de tudo que ele possuía em
valor líquido para cada um de vocês. Os carros e a mansão serão doados para
a caridade. - Louis falou e começou a pigarrear por alguns instantes.
― É isso, isso é tudo? O que tem de não ortodoxo nisso? - Emma falou
enquanto colocava um copo d'água na frente de Louis.
― Emma, tentar afogar o advogado não vai fazer o dinheiro cair mais
rápido na sua conta.
Ela me encarou com cara feia e Louis voltou a respirar normalmente.
― Edward possui uma grande porcentagem investida em cada uma das
empresas de vocês, e vocês sabem bem disso.
― Tio Edward me ajudou com alguns contratos nos últimos anos, ele me
ajudou com alguns projetos, mas isso não quer dizer...
― Sim Sebastian, isso quer dizer que ele é o maior investidor da sua
empresa e que ele tem documentos que comprovam que ele é dono de uma
porcentagem da DBA Constructor. A mesma coisa acontece com você
Emma. E é aí que chegamos à parte mais difícil do testamento. Tudo que
Edward investiu em vocês não estava no nome dele, e sim no nome do Harris
Palace, seu hotel favorito. Todo o conglomerado de hotéis ficará a cargo dos
outros sócios de Edward e após terminarmos as transições o dinheiro das
vendas das ações virá para vocês, mas o Harris Palace era o único hotel ao
qual ele era o único proprietário. E ele agora pertence a vocês, meio a meio.
― Como é que é? - Emma disse enquanto se mexia desconfortavelmente
na cadeira.
― Me deixem terminar, por favor. A questão é a seguinte, o hotel agora é
de vocês dois. Tudo que está em nome do hotel, pertence a vocês dois
igualmente agora... Incluindo as contas, os patrocínios, os rendimentos e
principalmente... Os investimentos.
Se eu não estava errado, e eu duvidava muito estar, isso quer dizer que de
alguma forma louca, Emma era agora uma das proprietárias da minha
empresa. Eu comecei a sentir uma pontada de dor na nuca... Existia alguma
chance daquela cena toda ser uma viagem minha? Talvez eu tenha ingerido
alguma droga nas últimas horas e não estava me lembrando... Porque se esse
testamento era possível, qualquer outra coisa também era.
― Louis... Você está dizendo que ela... - Eu não conseguia olhá-la, eu
apenas apontava incrédulo - Ela e eu somos sócios, um da empresa do outro
agora? Mesmo que indiretamente?
― Eu vendo sua parte agora mesmo se quiser, apenas pare de apontar
esse dedo acusador para mim. - Emma disse e eu a vi ficar vermelha e
nervosa.
― Você acha que eu estou te acusando de alguma coisa? Por algum acaso
você sabia disso tudo? Foi você quem sugeriu ao meu tio esse absurdo?
― Você realmente se acha muito importante...
― Eu não terminei! Vocês podem me deixar terminar o que tenho a dizer
antes de começarem a... A fazer o que quer que vocês sempre fazem quando
estão perto um do outro. - Louis nos interrompeu e se ajeitou na cadeira. Ele
retirou os óculos de leitura e os apoiou sobre a mesa. - Sim, pelos olhos
legais vocês são donos um da empresa do outro. E não, vocês não podem
vender ou fazer transações legais sobre isso por pelo menos um ano. Edward
deixou especificando que o futuro do Harris Palace será decidido por vocês
dois. Vocês têm um ano para conhecer o negócio, pensar em uma estratégia e
acharem um jeito digno de continuarem com o que era o hotel mais
importante da vida dele. E para garantir que vocês estarão cooperando, que
vão trabalhar como uma equipe, que vão usar a racionalidade para isso, vocês
devem ficar casados por 12 meses. Ao fim desse período vocês podem fazer
o que quiserem com o hotel, com as empresas e com suas vidas. Caso essa
cláusula não seja aceita, o hotel será vendido imediatamente em tantas partes
e porcentagens que tudo que envolve o hotel, os lucros e suas empresas
ficarão tão perdidos e embargados legalmente que não haverá como vocês
reaverem, e como já perceberam isso inclui as empresas de vocês.
A cada palavra de Louis minha nuca latejava tão forte como se uma
marreta estivesse esmagando meu corpo.
― Casar? É algum tipo de piada? - Emma ficou de pé e começou a andar
de um lado para o outro.
― Infelizmente não. - Louis fechou seus livros e retirou dois envelopes
de dentro das pastas.
― Louis, Edward está morto, ele quer nos colocar em uma situação
absurda. Existe alguma forma de contestarmos esse testamento? - Eu
precisava de uma esperança, qualquer coisa que me desse uma luz sobre
como sair dessa enrascada.
― Infelizmente não Sebastian. Seu tio pensou em todas as brechas
possíveis, e afinal é um testamento, somente a vontade do falecido é levada
em questão.
― E onde fica nossa vontade em meio a tudo isso? – Ouvi Emma dizer
enquanto eu mesmo me levantava e me movimentava pela sala.
― Sebastian e Emma, o testamento é esse. Edward ditou as regras do
jogo, cabe a vocês decidirem agora como querem proceder. - Louis entregou
a cada um de nós uma pasta com um envelope resplandecendo na lateral. -
São as cópias do testamento e uma carta. Vocês sabem por quem ela foi
escrita. - Ele juntou o restante de seus pertences que ainda estavam sobre a
mesa e se dirigiu a porta. - Me avisem quando tiverem tomado uma decisão.
Vi Louis saindo pela porta enquanto os resmungos de uma hiperativa
Emma ecoavam pela sala. Havia uma sensação de desespero crescendo em
meu peito, afinal, que espécie de enrascada era aquela preparada pelo meu
tio? De onde ele inventaria tamanho absurdo? A não ser que…
Merda de vadia louca.
Agora ela foi longe demais.
― Você tem cinco segundos para admitir que influenciou Edward a fazer
esse testamento. Cinco segundos, e eu prometo que não a deixarei falida após
os processos... Não muito. - Eu falei, ao mesmo tempo em que a ideia de
Emma sugerindo aquele absurdo para meu tio brotou em minha mente.
― Como é? Do que você está falando? - Ela me olhou, como se apenas
naquele momento tivesse enxergado minha presença na sala.
―Eu estou dizendo que eu quero a verdade, se você tem alguma coisa a
ver com isso eu quero que você admita, vamos nos tratar como adultos vamos
resolver isso e cortar tudo pela raiz.
― Ah pelo amor de Deus! Um vale de ida para o inferno seria mais
agradável que passar qualquer tempo amarrada a você e a sua arrogância.
― Não somente a mim, mas também a toda minha conta bancária e o
status de...
― Você pode pegar a sua conta bancária e enfiar no...
― Olha só! Onde está sua sofisticação, Emma? Esse seu nariz empinado
a cada capa de revista como a empresária em ascensão?
Ela pareceu incomodada com minha declaração.
― Você se mantém muito ocupado com a vida de alguém a qual
despreza.
― Não há nada mais interessante para ler naquelas revistas de bairro na
sala de espera de um dentista.
― Na Itália? Conta outra, Sebastian! O que é que você não consegue
aceitar? - Ela começou a se aproximar com um olhar ardiloso - O fato de o
seu pai ter tanta culpa quanto a minha mãe naquela fuga, ou você nunca ter
conseguido encontrar nada sujo sobre mim para me envenenar Edward?
Eu rangi os dentes, ela estava tentando me provocar e eu sabia que não
podia cair nessa.
― Eu nunca precisei de provas sobre você. Mas teria sido excelente
desmascará-la para meu pobre tio. Eu ainda me impressiono com o fato dele
nunca ter desconfiado na trama que você o envolveu. Vamos lá, me conte
Emma, a partir de que momento você percebeu que seria mais vantajoso para
você puxar o saco do velho rico do que ser levada pela sua mãe junto com o
próximo milionário? Foi ela quem teve a ideia? Ou ela chegou no seu quarto
um dia esbravejando sobre o fato de que não iria te levar para o próximo
golpe e que era o momento de você se virar sozinha? Ela dava aulas sobre
como influenciar os caras grisalhos... - Eu fui interrompido com a mão de
Emma que vinha em minha direção como um raio. Foi por muito pouco e
pelo meu reflexo que o tapa não me acertou. Seu pulso estava encaixado em
minha mão enquanto pura fúria brilhava em seus olhos.
― Nada, ouviu bem? Nada te dá o direito de falar da minha mãe dessa
maneira. Ela está morta, ela não está aqui para se defender. Você quer
continuar com suas acusações? Com o seu festival de insultos? Pode dirigi-
los a mim. Apenas a mim. - Emma puxou sua mão de volta e se afastou.
Eu estava sendo infantil? Sim, eu estava.
Mas havia essa coisa que me deixava à flor da pele cada vez que
ficávamos no mesmo recinto. Rancor? Ódio? Decepção? Uma década de luto
mal trabalhado?
Sim, para tudo isso também. Mas nós estávamos no limite aqui. Ela podia
ser de certa forma a dona da empresa que eu dei meu sangue nos últimos
anos, e ela definitivamente não iria ser a mulher que eu esperei a vida inteira
para chamar de esposa.
De que outra forma eu poderia me comportar?
― Você não quer falar dos mortos? Tudo bem! - Eu falei enquanto
respirava fundo e me aproximava de você outra vez.
― Não, não quero e não quero continuar falando com você também. -
Ela pegou as pastas sob a mesa junto com a bolsa e passou por mim com um
esbarrão. - Sob nenhuma hipótese você colocará as mãos na minha empresa,
e muito menos dividirei um sobrenome com você. Nos vemos no tribunal,
Sebastian Harris.
Eu a vi sair pela porta e tive que me sentar para processar tudo que
aconteceu naquela sala durante a última hora. A lei de Murphy agia em minha
vida como um trem descarrilado recheado de surpresas... Desagradáveis.
Afrouxei o nó da minha gravata e me sentei em uma das cadeiras com a
pasta que Louis havia deixado para mim. O testamento era grande, e eu
consegui reconhecer várias leis do direito à vontade do falecido sob um
testamento. Eu realmente queria poder entender o real sentido que Edward se
motivou para planejar tudo aquilo tão sorrateiramente. Nunca eu poderia
esperar por tamanha bagunça.
Eu passei os últimos anos da minha vida com noites sem dormir, viagens
e prazos absurdos, tudo isso para fazer da minha construtora algo que eu
pudesse me orgulhar, algo que não tivesse a mancha que minha vida
carregava pela morte do meu pai. E eu havia conseguido. Eu havia confiado
em tio Edward para me ajudar com muitas coisas que eu não queria admitir
para mim mesmo que me deixavam inseguro. Eu montei a DBA Constructor
dois anos depois que saí da faculdade. Eu cheguei a Europa com algum
dinheiro e com vontade de trabalhar. Foi quando eu conheci o Deluca, melhor
dizendo, conheci o Deluca e o cérebro dele. Ele tinha uma facilidade genial
de imaginar um projeto e colocá-los no papel. Nós nos tornamos amigos
muito facilmente e quando unimos sua habilidade em projetos com a minha
em construir, só precisávamos de alguém que acreditasse em nós.
No início eu usei um pouco do dinheiro que havia recebido de herança,
mas logo percebi que precisava de uma maior contribuição e menos risco no
capital da empresa. Assim, que busquei investidores e meu dinheiro ficava
como um salva vidas caso algo desse errado. Tio Edward não me deixou
terminar de falar quando comecei a explicar para ele minhas ideias e planos.
Ele me cortou e com um sorriso nos lábios enquanto se espreguiçava em sua
cadeira no escritório me disse:
― Meu filho, é só preparar os documentos e assinamos o cheque.
Qualquer hotel idealizado por um Harris é garantia certa de sucesso, está no
sangue!
Ele nunca duvidou. Não era pelo sobrenome, era pelo coração.
O envelope entre as pastas me chamou a atenção.
Estava sendo difícil aceitar que tio Edward havia ido embora sem se
despedir. A última lembrança que eu tinha era um telefonema onde
combinávamos de nos encontrar. Havia um vazio no tempo sobre isso, uma
coisa inacabada. Talvez aquela carta me desse a conclusão de que eu tanta
necessitava.
“Sebastian,
Eu consigo imaginar as rugas de estresse que devem estar delineando seu
rosto nesse momento. E eu gostaria de começar minha carta pedindo perdão,
se de alguma forma eu o decepcionei.
Quando você nasceu, eu não podia imaginar a grandeza em ser humano
que iria permear minha vida pelos meus longos anos. Cada nova conquista,
cada novo tropeço, cada novo desafio. Tudo que envolvia você, sempre me
importou.
Eu nunca quis o título de seu pai. Eu sempre lidei muito bem com ser
chamado de tio e em receber os telefonemas e as visitas nos feriados.
Você se tornou alguém extraordinário, que me encheu de orgulho a ponto
de confiar a você minhas duas coisas mais preciosas: O Harris Palace e
Emma.
Existe um motivo para o Palace ser o meu hotel favorito. Além de nunca
ter envolvido nenhum sócio na administração do mesmo, fui eu quem plantou
a primeira viga de sustentação nesse lugar quarenta anos atrás, com minhas
próprias mãos. Eu tinha menos de alguns milhares de dólares na conta e
estava investindo tudo em meu sonho de hospedar pessoas. Essa sempre foi
minha primeira paixão.
A segunda surgiu uma década atrás. Tímida, inteligente e abandonada.
Emma é um oceano de descobertas e você nunca deu uma chance para
conhecê-la. Nunca, nem por um momento eu consegui convencê-lo a parar e
encará-la como ela é de verdade, sem os horrores da tragédia e as mentiras
que você criou para si mesmo, para se proteger. Vê-la como eu vejo.
Nunca houve uma chance, meu filho.
Eu nunca tive preferência por nenhum de vocês dois, aliás, meu grande
pecado talvez tenha sido amá-los demais, sem ter nenhum direito legal, ou de
sangue. Vocês me trouxeram tanta alegria que não houve uma só vez que eu
não lamentasse o fato de vocês nunca terem se dado nenhuma chance.
Apenas uma chance.
É tudo que eu peço.
Escolha bem o futuro das vigas do Palace, eu ainda posso sentir os calos
que cada uma me deixou.
Sinto muito haver partido.
Eu também sinto a sua falta.
Com amor,
Tio
Edward”.
Eu precisei de muitos minutos para secar as lágrimas e respirar com
tranquilidade. Coloquei a carta de volta no envelope e reli algumas partes do
contrato mais uma vez, apenas para desencargo de consciência.
Liguei para Deluca e avisei que não estaria indo para Denver visitar a
obra no fim de semana e passei na sala de Louis e pedi que me enviasse um
endereço pelo telefone o mais rápido possível.
Sai do prédio e encarei a barulhenta Nova York com obstinação. Eu havia
tomado uma decisão e nada me faria voltar atrás, eu só precisava esfriar a
cabeça. Passei em casa, tomei um banho e pedi um almoço. Louis me enviou
uma mensagem pela tarde.
Pensei pela última vez no que iria fazer e em todos os riscos que estava
correndo.
Era claramente um caminho sem volta.
O táxi me deixou no endereço indicado 45 minutos depois. Apertei a
campainha e ouvi passos. A porta se abriu e uma Emma vestida com o que
parecia roupas de yoga me encarou surpresa.
― O que você está fazendo aqui? - A voz dela soava zangada, o olhar
estava indecifrável.
― Vim para te pedir que se case comigo.
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  • 2.
  • 3. Sinopse Emma Davis e Sebastian Harris têm um contratempo que só um contrato pode resolver. O problema? Eles se odeiam e a proposta inclui casamento. Depois de uma morte inesperada e um testamento surpreendente, os dois precisam unir forças em uma união de conveniência para levar adiante o negócio da família. Mas o que começou com um acordo pode se tornar amor quando se dá a chance de recomeçar. Acompanhe o romance de estreia de Sarah Summers em parceria com Victória London que mostra que perdoar o passado é o primeiro passo para viver um grande amor.
  • 4. Sumário Prólogo Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Epílogo
  • 5. Prólogo Emma 10 anos antes Existe algo diferente em uma primeira vez. A primeira vez que tomei um sorvete de menta. A primeira vez que escutei minha banda favorita e agora minha primeira vez em uma festa. Completo 17 anos muito em breve e para minha total humilhação, nunca havia ido a uma festa de verdade. Não que as outras pessoas saibam, mas eu sei e isso é humilhante o suficiente. Nos últimos meses, minha vida está sendo recheada de primeiras vezes. Minha mãe se casou (não pela primeira vez), mas sim com o primeiro homem que não tentou me agredir ou não se insinuou sexualmente para mim, o que em minha experiência já conta como um grande avanço. Ela conseguiu um peixe grande (palavras dela, sério), dono de uma rede de hotéis no país e que nos levou para morar em uma mansão em Nova York. Eles se conheceram uma noite, enquanto ela trabalhava de recepcionista em um evento de gala no hotel cinco estrelas de Edward, o Harris Palace. Três meses atrás eles oficializaram a relação, após seis meses de “tórrida paixão”, (palavras dela outra vez, juro). Era a primeira vez que eu entrava em uma casa tão grande, nada comparado aos pequenos apartamentos percorridos nos últimos anos, o que para minha mãe não deixava de ser um mero detalhe. Não havia nada que pudesse fazer os olhos de Madelline Davis cintilarem... Nada além de diamantes. Foi a partir de então que pela primeira vez pude ver as brilhantes pedras no pescoço de minha mãe. Passei a explorar o mundo dos ricos que minha mãe tanto amava. Madelline estava sempre ocupada demais indo a eventos com Edward e como sempre acontecia quando ela estava investindo em um novo casamento, não havia tempo disponível para mim em sua agenda, a não ser é claro para demonstrar a relação mãe e filha durante os jantares em família ou os passeios de fim de semana junto ao marido. Edward, que por sinal parecia querer me dar mais atenção do que minha própria mãe, sempre que estava em casa tentava se aproximar, de um jeito bom, perguntando se eu estava me divertindo ou então se precisava de ajuda para acompanhar as matérias na
  • 6. nova escola. Três semanas atrás resolvi aceitar a ajuda e ele passou umas duas horas e meia tentando me fazer entender álgebra. O homem merecia um prêmio por isso, foi mais paciente que todos os meus professores em todos esses anos. É apenas que, números e eu não costumamos ser muito amigos. Desde então, Edward e eu estamos mais amigáveis um com o outro. Todos os dias ele vem me perguntar sobre as tarefas e até sugeriu um tutor particular para tudo que envolvesse cálculos. Mamãe parecia não enxergar essa nova aproximação entre eu e o meu novo padrasto, e após passar o dia entre o cabeleireiro, as galerias de arte e o shopping, ela estava mais preocupada em contar as novas compras no closet. Três meses de casamento e eu a ouvi pedindo um segundo cartão de crédito na semana passada. Mais alguns meses e Edward provavelmente precisará estudar matemática financeira com mais alguém aqui nessa casa, de verdade. Eu acho o comportamento da minha mãe um tanto entendível. É a primeira vez que ela alcança o status que sempre quis: Muito dinheiro, zero preocupações. Eu tenho outras preocupações, e a de agora é ajeitar a maquiagem em meu rosto. Uma festa de verdade, com pessoas da minha idade, música deste século e a chance de saber o que é ter uma vida social. Acompanhar Madelline e Edward a passeios no clube, ou a esporádicos jantares fora de casa não é vida social para alguém da minha idade e só tive esse gostinho do que era se divertir com gente com muito mais dinheiro do que eu sonharia na vida. A festa será na casa de Naomi, uma garota que encontrei ontem enquanto fazia um tour na minha nova escola. Eu estava admirando as longas portas do prédio da biblioteca quando alguém esbarrou algo gelado em minhas costas. Ao me virar, dei de cara com uma garota de pele negra e olhos brilhantes. Ela usava calças rasgadas enquanto sua blusa era recheada de correntes. Tinha uma casquinha na mão, cujo sorvete provavelmente, estava agora em minhas costas. Ela sorriu enquanto falhava miseravelmente em disfarçar o olhar de: “Você com certeza não é daqui”. ― Oi, foi mal. Eu estava distraída. - Ela disse e então me bruscamente e começou a passar um guardanapo em minha blusa como se fosse a coisa mais normal a se fazer. Em sua defesa, ela parecia um pouco constrangida pelo
  • 7. incidente - Qual o seu nome? ― Emma… Ei, pare, está tudo bem! - Eu disse, assustada de ter uma desconhecida me tocando. Ela se separou imediatamente e me encarou com um sorriso largo, mostrando seu lado amigável. “Nova vida, novos amigos”, pensei. Decidida, perguntei de volta: - Qual o seu? ― É Naomi. Olha só, vamos lá ao banheiro porque só com o guardanapo essa mancha não vai dar jeito. Sem me deixar responder ela me levou pelo braço ao banheiro. Esqueça a parte do constrangimento, Naomi só puxou minha camiseta tentando tirar minha blusa enquanto eu reclamava uma segunda vez. ― Ei, ei. O que você está fazendo? - Perguntei assustada enquanto ela me olhava divertida. ― Vou limpar sua blusa, é mais fácil se você não a estiver vestindo. Nunca esteve em um vestiário antes? Eu poderia responder Naomi com as tristes histórias da minha infância/adolescência em que me mudei tantas vezes por conta dos rolos da minha mãe e que não ficava tempo suficiente para ter amigas a ponto de trocarmos de roupa juntas, ou que não cheguei a ter amizades porque eu sempre era a esquisitona da sala, pelos péssimos cortes de cabelo ou as roupas que minha mãe não se lembrava de comprar para mim e terminavam sendo de tamanhos menores. Mordi o lábio e preferi espantar esse pensamento da minha mente. ― Eu apenas me assustei. Me desculpe… - Suspirei. Não assuste amigos em potencial, murmurei mentalmente como um mantra. ― Você é desse planeta? - Ela perguntou enquanto limpava bem a parte suja da blusa com um pano úmido. ― O que você quer dizer? - Habilidade social zero, sim eu sei. ― Nada, deixa para lá. - Ela suspirou e continuou em sua tarefa. Ficamos em silêncio por alguns instantes. Naomi me encarou séria e eu decidi quebrar o gelo com um sorriso. ― Você não precisava limpar. Está tudo bem, de verdade. - Eu disse. ― Não se preocupe, faço questão. Aluna nova? - Ela disse enquanto me devolvia a blusa. ― Sim. Acabei de fazer minha matrícula. ― De onde você é? ― Bom, meu último endereço foi New Jersey... - Eu disse, enquanto imaginava o quanto aquilo devia soar ridículo.
  • 8. ― Credo! Agora está explicado. Há quanto chegou aqui? ― Cheguei faz algumas semanas. ― Eu vou te mostrar o colégio, é um lugar de ricos e esnobes, mas você não parece ser nenhum dos dois, desculpe a franqueza, então considero como um dever cívico deixá-la preparada. - Ela começou a me conduzir para fora do banheiro. - Não se preocupe, a blusa vai secar rapidinho no sol. Fomos dar uma volta pela escola e fiquei sabendo que ela já estudava ali há dois anos e que morava perto da minha casa, ou da casa de Edward... Estava difícil de me acostumar com isso. Naomi me mostrou algumas salas e acabamos sentadas no jardim. Foi quando ela me convidou para a festa na casa dela no dia seguinte, em homenagem a viagem dos pais. No começo achei que iria ser uma festa de adultos como as que minha mãe e Edward frequentam, mas conforme Naomi foi descrevendo o que ela tinha comprado e como ela roubou algumas vodcas da mãe, entendi que a festa era porque realmente os pais dela estavam viajando e isso era uma excelente coisa. Não quis me aprofundar no assunto, mas aparentemente classe social não define se você terá problemas com os pais ou não. E comemorar algumas horas de liberdade parecia uma ideia excelente para Naomi. Me olhando no espelho pela última vez, me perguntei se o que eu estava vestindo estava bom. Naomi deixou bem especificado que eu deveria me vestir de uma forma que me deixasse mais velha e com algo que definitivamente não tenha sido usado enquanto eu morava em Nova Jersey. Aproveitei que Madelline estava em mais um de seus eventos e fui ao quarto dela. Havia um vestido preto entre os primeiros cabides do closet. Era curto e justo, acho que iria servir. Minha mãe e eu somos da mesma altura, mas apesar de ter um quadril mais largo que o meu, acho que o vestido era justo o suficiente para se encaixar em mim. Passei o batom vermelho, também presente do closet de Madelline, e me dirigi para fora de casa em meus sapatos novos, sem salto. Tudo bem, eu estava me arriscando em fazer coisas novas pela primeira vez em minha vida, mas eu achei os saltos altos da minha mãe uma coisa radical demais para essa noite. Nunca havia calçado um Jimmy Choo antes e o fato deles serem indecentemente caros me deixou ainda mais assustada. Um vestido talvez passasse despercebido pela minha mãe, mas um sapato estragado? Seria o meu fim. O táxi estava me esperando. Dei o endereço que Naomi havia anotado para mim no dia anterior e tremi por todo o caminho.
  • 9. Quando cheguei, duas coisas me chamaram a atenção: A quantidade de pessoas e as luzes. A casa de Naomi era tão grande ou maior que a de Edward e mesmo assim eu consegui pensar que havia gente demais para pouco espaço. Os portões estavam abertos e tinha gente dançando e bebendo no jardim que levava ao interior da mansão. Assim que subi as escadas da entrada e cheguei ao hall, entendi porque havia tanta gente do lado de fora. Naomi colocou uma fita de segurança, dessas que a polícia usa para isolar o perímetro do crime, em volta de toda a sala assim as pessoas eram obrigadas a se divertirem apenas da grande sala para fora. O que não era impedimento nenhum com um palco enorme montado pelo DJ lá no jardim. Não vi nenhum rosto conhecido, até que as trancinhas afro de Naomi entraram em meu campo de visão. Consegui alcançá-la e fui recebida por um entusiasmado abraço. Acho que deveria ser culpa da garrafa nas mãos de minha mais recente amiga, mesmo assim fiquei comovida dela realmente ter gostado de me ver ali. Em seguida Naomi me apresentou para quase todos na sala. Colocou um copo contendo um líquido escuro em minhas mãos e saiu me arrastando para o jardim. Foi estranho ser o centro das atenções enquanto recebia tratamento especial da anfitriã da casa. Okay, eu disse “anfitriã” e isso me fez sentir ter 40 anos. Mesmo assim, se Naomi não havia me surpreendido me abordando da forma abrupta do dia anterior, o fato de descobrir que ela é a adolescente mais popular a qual tive contato em toda vida, me deixou bastante chocada. Nada me impediu de colocar as mãos para ao alto e dançar junto às pessoas à minha volta. As luzes, o som, a bebida, era o que eu sempre havia visto nos filmes de Hollywood em toda a vida, eu estava fazendo meu debute (outra palavra que me faz sentir ter 40 anos) como uma adolescente comum e normal, era a minha primeira vez tendo a chance de ser eu mesma. Algum tempo depois, Naomi me levou para dentro da mansão e me deixou sentada no sofá. Eu havia tomado dois copos de algo que parecia Coca― Cola e vodca, e ela disse que ia me buscar algo para comer porque eu parecia verde. Para falar a verdade, eu estava um pouco enjoada, mas não sabia se era por conta da festa ou da bebida que Naomi tinha me oferecido. Ainda sentada no grande sofá, vi um grupo de pessoas se aproximando, conversando animadamente. Fiquei no meu canto, fingindo que mexia no celular quando na verdade só achava aquela normalidade incrível. Alguns minutos depois o
  • 10. pessoal a minha volta se sentou no chão e me vi sendo arrastada e sentada ao redor de um círculo. Não havia nenhum rosto familiar a minha volta. Havia uns cinco caras mais ou menos da minha idade e algumas garotas, no máximo dois anos mais velhas do que eu. Havia uma loira em um vestido roxo que com certeza devia estar imitando o aperto da justiça divina, além de estar com um bronzeado bizarro, e, aparentemente, era ela que comandava o jogo. Todo mundo ria e fazia uma piada sobre se trancar em um quarto. Eu não entendi nada. Minha boca estava seca e a falta de familiaridade com o ambiente estava me deixando desconfortável. Olhei para os lados e não vi Naomi em nenhum lugar, ela disse que voltaria e decidi esperar exatamente onde eu estava, até porque tive medo de levantar e ficar tonta. No momento seguinte vi a loira rodar uma garrafa no meio do círculo onde estávamos sentados e em seguida vi o objeto parar exatamente na minha direção e de uma ruiva que podia competir com uma maquiagem de panda no Halloween. Todo mundo estava rindo e ouvi a ruiva me perguntar: ― Verdade ou desafio? Ah não, isso era sério? Se isso seguir o roteiro dos filmes, a pergunta seria embaraçosa o bastante para me fazer sentir mais à vontade no inferno. Eu odeio falar sobre mim mesma com os outros, e sempre há como mentir, mas o problema é que... Eu sou terrível com mentiras. ― Desafio? - Respondi com a boca ainda mais seca em um tom não muito confiante... Mas afinal... Eu dei uma afirmação... Uma pergunta...? Vi todos ao meu redor baterem palmas acompanhadas de gritinhos. A loira embalada a vácuo veio em minha direção e me pegou pelos braços. Eu não consegui levantar de primeira porque sim, eu estava certa, levantar iria me deixar tonta. Tive que levantar ficando primeiro de quatro e em seguida ser amparada pela loira. Que cena deve ter sido, eu sempre consigo me superar no quesito humilhação pública. Me vi sendo guiada a um corredor e então a loira abriu uma pequena porta a esquerda. Fui enfiada lá dentro e acabei batendo a cabeça na parede, o lugar era apertado e quente. Estava escuro e eu não atrevi me mexer. Eu estava tonta o suficiente para considerar aquilo uma crise de labirintite. Era oficial, eu havia conseguido me colocar em uma situação degradante mais uma vez, sem ajuda de terceiros. Eu queria me estapear, de verdade. Ouvi barulho do lado de fora e duas pessoas rindo. ― O que você quer que eu faça? - Uma voz masculina - Que brincadeira estúpida!
  • 11. ― São dois minutos, faz o que você quiser! - Era a voz da loira. A porta se abriu e alguém acendeu a luz. Eu não tive tempo de me mexer, um cara entrou e a porta foi fechada novamente. Eu não estava preparada quando ele se virou ainda sorrindo e me encarou. ― Então, quem é você? Mais uma patricinha querendo diversão com os caras da faculdade? - Eu o vi suspirar lamentando - Eles só vão abrir essa merda depois de dois minutos. – Ele suspirou mais uma vez - Não sei como caí nisso! Enquanto ele olhava para a porta, eu o observava. Aos 16 anos, trancada em um quartinho de baixo de uma escada, tendo o primeiro contato visual íntimo com o sexo oposto na vida, era óbvio que eu não sabia o que fazer. Eu estava com a cabeça um pouco baixa e vi suas calças jeans moldando perfeitamente o que parecia ser o maior conjunto de pernas que já vi. Uma camiseta preta que dava contorno a um tronco forte e proporcional ao que... Bom... Se minhas contas, que não são muito boas, estiverem certas, esse cara deve ter cerca de 1,80 no mínimo. Impossível de ele ser menor de idade, eu apostaria dinheiro pesado nisso. Quando encarei seu rosto, eu preciso dizer que seus dentes foram a primeira coisa a me chamar a atenção. Era um sorriso fatal. Do tipo que ele com certeza reservava para situações especiais... Como essa. Seus olhos eram de um verde claro, que aparentemente estavam se ajustando a baixa iluminação do local. ― Gostando do que vê? - Ele disse com um riso malvado me encarando. Eu tinha um busto grande para alguém da minha idade. Sempre fui consciente disso, ao que tudo indica o gigante a minha frente tomou nota disso também. Meu estado de embriaguez não sabia dizer se seu tom de voz era perigoso ou não, e eu precisava sair daqui e de toda essa coisa o mais rápido possível. Continuei encarando seu rosto e tive a clara sensação de estar olhando uma versão do Henry Cavill em The Tudors, da vida real. Ele tem traços fortes e o cabelo do tipo cortado em máquina, sem fios longos para emaranhar nos dedos. Havia um rastro de barba por fazer, muito suave. Eu tentava captar cada pedaço de seu rosto enquanto ele continuava a sorrir, mas agora um pouco mais reservado. O que fazer quando o cara mais bonito ao qual já tive contato está comigo em um quartinho mal iluminado? Não deve existir esse item em um manual. Cada vez que ele respira, eu fico consciente dos músculos dele ao meu redor. “Haja naturalmente”.
  • 12. Sim, agir naturalmente... O que é agir naturalmente? Madelline costuma dizer que toda vez que ela fala com um cara que ela tem interesse... Se não sabe o que dizer, ela apenas sorri. O quanto ela não deve ter sorrido para Edward, não é mesmo? Bom, eu não sou louca a ponto de me arriscar a falar alguma coisa aqui. Existe uma grande possibilidade de eu balbuciar, ou começar a cuspir enquanto falo por tamanho nervosismo, eu não posso passar por essa situação mais uma vez em minha vida. Meu quilo de coragem foi usado devolvendo o sorriso. Tímido. Breve. E suave. Sorri e vi seus olhos aquecerem. Foi agora que eu me perdi. Ele me olhou de uma forma que me deixou quente dos pés à cabeça. “Sensação nova e viciante no corpo?” Check. “Derretimento cerebral?” Check duas vezes. ― Você não fala nada? - Ele disse e vi sua mão pousar sobre meu ombro. Eu sorri outra vez e dei de ombros. Ele colocou suas grandes mãos em minha cintura e colou nossos rostos. Ele parecia divertido com tudo aquilo. Eu sentia calor em todo local que sua mão me tocava. Ele cheirava bem, não o típico perfume de garotos do colegial. Era algo penetrante, maduro, quase uma droga, me deixou ainda mais tonta. ― O que você quer? - Ele sussurrou em meu ouvido. - Um beijo? - Ele começou a acariciar levemente meu pescoço com o dedo e eu senti um calafrio percorrer todo o meu corpo. Ele riu ao perceber minha sensação. - Quer algo mais? - Sua voz era dura e rouca em meus ouvidos e eu não fazia ideia do que eu queria. ― Eu… ― Você precisa crescer primeiro, querida. Não se deixe cair nessas merdas da Alisson, ok? Um dia você pode cair em uma enrascada muito pior do que ficar comigo em um quarto pequeno. Eu o encarei chocada. Aquilo era uma lição sobre como eu deveria me comportar? Alguma piada com a garota nova? Eu sempre caia nessas coisas. Um barulho me chamou a atenção, e a voz de Naomi falando um sonoro
  • 13. “Porra nenhuma que não posso abrir essa porta!” do lado de fora me tira do transe olho― no― olho com meu gigante. ― Droga, eu sabia que não devia ter deixado você sozinha - Naomi diz puta da vida abrindo a porta bruscamente. Ela empurra o gigante e me puxa para fora do quarto. O ar fresco do corredor me indica o quão alta a temperatura corporal estava debaixo da escada. Fui levada para fora da casa, foi um milagre não ter caído por que Naomi me puxava como se estivéssemos fugindo do inferno. Paramos no jardim perto dos portões. Ela me encarou com um olhar zangado: ― Quem colocou você naquele quarto? - Ela perguntou enquanto tirava alguma coisa do bolso. ― Foi uma loira, igual um salaminho a vácuo. Naomi riu alto e me abraçou. ― Eu adorei você, mas acho que foram muitas emoções para uma noite só. Vai para casa, a gente se fala na escola semana que vem. ― Obrigada por me convidar. Foi tudo tão legal... ― Sim, e você está semi-bêbada e quase foi molestada em um quarto. ― Não Naomi... Quer dizer... Eu não sei... ― A gente fala sobre isso depois. Preciso tirar essa gente daqui e ainda limpar tudo, essa festa tomou proporções não esperadas. Havia um táxi na entrada da casa. Naomi me colocou no carro e pagou ao taxista. Ganhei um beijo no rosto e um “Se cuida”, da minha nova amiga, que me acenava no meio da confusão de pessoas em sua porta. Cheguei em casa e entrei pelos fundos. Deus protege as crianças (isso inclui adolescentes menores de idade) e os bêbados, e por esse motivo Edward e Madelline ainda não haviam chegado. Tirei o vestido e devolvi ao closet da minha mãe. Tomei um banho e coloquei meu pijama. Me olhei no espelho antes de dormir e refleti sobre essa noite louca. Definitivamente, primeiras vezes nos deixam diferentes. Acordei na manhã seguinte mais tarde que o habitual. Cheguei à mesa do café e encontrei Edward lendo o jornal. ― Minha mãe já acordou? - Perguntei enquanto tentava agir naturalmente, e não como alguém que saiu furtivamente na noite anterior. ― Sim. Ela disse que precisava se preparar para receber nossas visitas e saiu para comprar algumas coisas. - Ele disse enquanto tirava a atenção do
  • 14. jornal e me encarava. ― Visitas? ― Meu irmão chegou à cidade há dois dias e está em um hotel. - Edward revirou os olhos. - Ele virá ficar conosco por alguns dias até que termine de resolver uns assuntos. ― Você tem um irmão? Eu não sabia. ― Sim, ele se chama George e virá com o filho. Você vai conhecê-los. Aliás, acho que será uma boa companhia para Sebastian. Ele é uns três anos mais velho que você, mas vocês têm cabeças parecidas, vão se dar bem. Sorri concordando. Edward ainda não havia percebido que não consigo socializar com facilidade, pelo simples fato de nunca haver feito isso antes. Ou então ele sabia e colocava fé demais em mim. ― Me fale, pronta para a nova escola? ― Depois de tudo isso que tive que estudar só para entrar nela? Estou aterrorizada! ― Vai dar tudo certo. Vamos estar juntos em álgebra não se preocupe. Mas então, você só fica dentro de casa, não tem vontade de fazer alguma atividade fora do currículo? Você sabe que pode pedir ao motorista para te levar onde quiser. Espera, você já tem 16 anos, não quer tirar a carteira? Edward realmente estava se candidatando a ser alguém importante em minha vida. Era difícil admitir o fato de que ter alguém me perguntando o que eu queria fazer, e se importando sobre isso de verdade, me deixava comovida. Nunca tive tanta atenção antes. Eu tinha medo de minha mãe brigar comigo por estar ganhando atenção do marido dela. Ele era gentil e sempre conversava comigo de igual para igual. Não como qualquer outro adulto conversa com um adolescente, com descrença em qualquer coisa dita. Era como se eu fosse importante para ele de verdade, e não apenas a mala de 16 anos que veio junto com a esposa jovem e bonita. ― Eu nunca pensei nisso antes. Mas mesmo que eu tire a carteira, eu não tenho carro para andar por aí... ― Você sabe que para mim isso é um problema fácil de resolver. Tudo bem, estamos falando sobre comprar um carro para mim... Posso ter hiperventilado em pensamento... Um alerta surgiu. Com certeza minha mãe não iria gostar disso. ― Eu acho melhor não tirar minha carteira por enquanto. Mas obrigada Edward. Vou pensar em alguma outra coisa que eu queira fazer e te aviso. ― Qualquer coisa querida. Um novo idioma, uma viagem, aulas de
  • 15. música. Qualquer coisa é só falar. ― Vou pensar, de verdade. Obrigada. Sorrimos um para o outro e continuamos a tomar o café. Edward me avisou que seu irmão estaria conosco para o almoço e resolvi voltar para o meu quarto e me aprontar para estar apresentável. Era um dos pedidos da minha mãe, não fazê-la passar vergonha. Eu tomei banho e me arrumei tentando ignorar o turbilhão de acontecimentos da noite passada. Decidi pesquisar na internet alguns cursos que poderiam me interessar. Edward com certeza me perguntaria em breve se pensei sobre isso, e eu teria que dar uma resposta convincente. Já era hora do almoço quando minha mãe entrou no meu quarto com seu perfume adocicado, a verdadeira imagem da esposa da alta sociedade. Em uma blusa de seda e saia lápis ela tinha pressa em me fazer descer. ― Vamos Emma, o irmão de Edward acabou de chegar. O almoço será servido. Lembre-se, o mais calada possível. ― Pode deixar, Madelline. Descemos as escadas em uma sincronia perfeita de mãe e filha elegantes e educadas. Eu vestia um conjunto Chanel que não deixava negar isso. Encontramos Edward ao lado de um homem alto e grisalho na biblioteca. Ele devia ter no máximo 45 anos, distante dos quase 60 de Edward. Era inegável que os dois eram irmãos. Mesmos olhos claros e o rosto amistoso, com a diferença que George era mais forte e com traços mais firmes que Edward. ― Aí estão minhas garotas! George, essa é minha esposa e minha querida enteada. George encarou minha mãe por vários segundos antes de cumprimentá-la com um beijo no rosto e um aperto de mão. Se mais alguém notou aquele momento desconfortável, todos se fizeram de desentendidos. George veio logo em seguida para o meu lado e repetiu o processo, dessa vez em uma velocidade muito maior. ― É um prazer finalmente conhecê-las. ― Digo o mesmo. Edward sempre me fala de você, já me perguntava quando iria nos fazer uma visita. - Minha mãe diz no seu tom mais cortês e fino. Era um tom de voz completamente novo para mim. Eu acho que possivelmente ela estava puxando um leve sotaque britânico no fim de algumas palavras. Eu não sabia o que pensar.
  • 16. - Bom, não é tão tarde assim não é mesmo. Edward, eu sei que você não gosta que a família fique no hotel, mas Sebastian e eu podemos nos virar... ― Você sabe que não é por causa do dinheiro, vocês no hotel ou aqui dá no mesmo, mas família é família, ninguém deve ficar longe de casa. Ah, aí está você meu rapaz. Venha dar um abraço em seu velho tio. ― Cuidado ao usar esse “velho tio”. - Uma voz profunda disse as minhas costas. Eu a achei familiar, mas foi só quando me virei para acompanhar o recém-chegado passar ao meu lado na entrada da biblioteca que recebi uma avalanche em forma de reconhecimento. O gigante do quarto era o sobrinho e Edward e estava ali, na minha frente. Quando na verdade há um pouco mais de 12 horas atrás ele estava grudado em mim em um quarto mal iluminado. Meu mundo virou um borrão a partir daí. Tudo à minha frente parecia acontecer em câmera lenta. Vi minha mãe se colocar ao lado de George e Edward abraçar o sobrinho com força. Posso ter visto os olhos do meu padrasto marejados por um momento, mas passou rápido o suficiente para me deixar na dúvida. Minha mãe cumprimentou o recém-chegado com bastante pompa e então todos os olhos se viraram para mim. Sebastian olhou para mim. Sebastian que há horas atrás tinha sido o primeiro cara a me deixar excitada, de verdade. Sebastian que tem o corpo tão quente que deveria ser proibido de sair em público em todos os estados do país. O gigante desconhecido do quarto que ganhou nome, vida e forma nos últimos minutos me olhou e sorriu. Eu procurei qualquer sinal de reconhecimento, ou surpresa, ou qualquer outra coisa, mas os olhos dele só indicavam o olhar cortês para uma apresentação em família. ― Você deve ser Emma, muito prazer. - Vi seu braço se estendendo para me cumprimentar. ― Muito prazer. - Duas palavras. Era o máximo que conseguiria dizer sem me jogar no chão me debatendo. Nossas mãos se apertaram e o senti circular minha pele com o polegar. Um movimento simples, sutil e íntimo ao mesmo tempo. Minha mãe bateu palmas com entusiasmo nos convidando a ir para a sala de jantar. Me afundei na cadeira e brinquei com a comida por horas. Não ousei
  • 17. levantar a cabeça. Não consegui prestar atenção em nenhuma conversa no decorrer do almoço. Quando a sobremesa foi servida, todos receberam uma fatia de torta de chocolate e amendoim, e comecei a ensaiar minha falta de interesse pelo doce quando para minha surpresa quando uma taça com sorvete de menta foi posta bem na minha frente. Eu sou alérgica a amendoim e um pedaço qualquer daquela torta poderia me levar ao pronto socorro. Aparentemente Edward prestou atenção quando lhe contei a respeito em uma de nossas conversas, olhei ao redor vi Edward sorrir com o canto da boca e me dar uma piscadinha, enquanto minha mãe parecia não desgrudar os olhos de George enquanto ele explicava algo sobre construir um hotel em Dubai. Não ousei olhar para Sebastian, esperei até o fim do café e mais alguns minutos e então pedi licença para ir ao meu quarto. O jantar foi a mesma tortura e não pensei outra coisa além de fugir par meu quarto o mais rápido possível. Os dias seguintes foram uma total prova de resistência. Me escondi o máximo possível naquela semana com a desculpa de que estava com cólicas, além de dor de cabeça. Minha mãe pareceu aliviada por poder ser o centro das atenções, em cinco dias acho que ela veio me visitar umas três vezes. No fim de semana não pude mais continuar com a mesma desculpa. Mas ao que tudo indicava, Sebastian e o pai ficariam até o final da semana. No almoço de domingo percebi que havia algo diferente no ar. Edward tentava fazer com que eu e Sebastian déssemos opiniões sobre o que poderíamos fazer em família nas próximas férias, enquanto George dava atenção a minha mãe que dizia como se engajou a vida toda por causas sociais. É claro, nossa própria vida foi feita a base de caridades, ela podia muito bem ser expert no assunto, se o alvo da caridade não tivesse sido ela. Horas depois, vi Sebastian e o pai irem embora pela janela do meu quarto mais tarde. Consegui voltar a respirar novamente e tentei acalmar a mim mesma mais uma vez, como havia feito, inutilmente, na última semana. Eu tinha sobrevivido aos dias no mesmo teto que Sebastian. Minhas aulas começaram na semana seguinte e eu caí em uma rotina puxada de estudos durante o dia, enquanto só via minha mãe durante o jantar. Edward tomava café da manhã comigo todos os dias, além de me levar a escola e a noite verificar meus exercícios de álgebra. Era fácil falar com ele. Eu não conseguia me abrir, mas ele guardava cada informação a mais que eu dava com esmero. Foi assim que ele conseguiu colher que eu nunca havia
  • 18. pensado que faculdade fazer e que eu tinha muita vontade de conhecer outros países, além da minha facilidade com idiomas e minha total negação com aparelhos eletrônicos. Minha mãe parecia cada vez mais ocupada consigo mesma. Ela nem mais fingia se interessar pelos assuntos do marido. Aparentemente, ter vários cartões de crédito já era mais que suficiente. Ela fez amizades com vizinhas do condomínio de luxo onde vivíamos, além de sair para sessões intermináveis de compras, ou o cabeleireiro e clínicas de estética. Ela chegou a viajar várias vezes para conhecer cirurgiões plásticos pelo país e passava dias fora de casa. Sebastian veio visitar o tio algumas vezes no decorrer do ano. Eu fazia o meu máximo para parecer invisível quando ele estava na casa. Um dia cheguei do colégio e o encontrei na biblioteca. Eu dei meia volta e já saia pela porta, esperançosa de que ele não me visse quando ouvi sua voz pelas minhas costas. ― Vai continuar fugindo até quando? - A voz dele estava zangada. Estava bravo comigo? Ou por não ter encontrado o tio em casa? O encarei com desconfiança. ― Não estou fugindo. - Mentira Ele revirou os olhos demonstrando ainda mais impaciência. ― Você mente tão mal como a sua mãe. - Como assim? Será que ele descobriu a verdadeira história da minha mãe? ― Como é que é? ― Quantas vezes você já deram esse golpe? Sebastian se aproximou e eu dei um passo para trás. Aparentemente, nem todo mundo era tão passivo como Edward para as extravagâncias da minha mãe. ― É nojento de assistir. E agora o quê? Querem destruir meu tio por que meu pai é um partido melhor? ― Do que você está falando? - Eu coloquei as mãos em uma cadeira para me apoiar. Sobre o que era aquilo tudo? ― Vai continuar se fazendo de desentendida? Eu acho que percebi seu jogo. É impossível que tenham conseguido acertar tio Edward sem analisar os possíveis alvos mais próximos. Com certeza essa sua timidez faz parte do plano para que eu seja a sua caça. - Naquele momento eu já havia prendido e a respiração, não estava conseguindo lidar com a hostilidade dele. - Vamos lá, admita que foi um plano e tanto me trancar naquele quarto com você.
  • 19. Você tem 16 anos, o que estava fazendo naquela festa bancando a virgem sedutora? Eu queria fugir e correr para fora daquilo tudo. Ele continuou falando e eu não conseguia mais aceitar as ofensas dele gratuitamente. ― Eu não tenho culpa de qualquer coisa que você está falando, o que você quer? Contar ao Edward que minha mãe pode estar dando em cima do seu pai? Vá em frente! Empurrei Sebastian e ele revidou com a voz elevada. ― Você vai continuar negando não é mesmo? Eles já estão juntos, você sabe disso. Eles são amantes há meses. Aquilo me atingiu como um raio. Mil quilowatts de verdades estampadas na minha cara. Os olhos claros de Sebastian me encaram com ódio. Escutei o barulho do carro de Edward chegando. Encarei Sebastian mais uma vez e sai correndo para o meu quarto. Eu esperei por barulho, confusão, gritos, mas nada aconteceu naquela noite. Sebastian foi embora minutos depois da minha saída da biblioteca. Edward minha mãe e eu jantamos normalmente e eu não consegui parar de pensar nem por um momento nas palavras que ouvi. Passei a noite em claro e reanalisei os últimos meses. A empolgação de minha mãe com o mundo novo de luxo e compras logo após se casar com Edward. Em como ela foi se mostrando distante de todos nós nos últimos meses, após a primeira visita de George e Sebastian. Os dias inteiros em que ela saiu para ir fazer compras, mas como voltava com poucas sacolas, ou como ela não aparentava ter mudado o cabelo após ficar uma tarde inteira no salão, e por fim as viagens para escolher um cirurgião plástico. Eu estava cheia de dúvidas, decepção e pena, por Edward. A confirmação veio uma semana depois. Eu dormia profundamente quando senti o abajur aceso e alguém se sentando aos pés da minha cama. Era Edward. Às três da manhã, completamente vestido em um de seus ternos impecáveis, ele tinha um rosto cansado e um olhar perdido. Ele esperou que eu aparentasse estar completamente acordada para começar dizendo: “Querida, desculpe acordá-la assim. Aconteceu uma coisa”. Nada poderia ter me preparado para o que vinha a seguir. Aparentemente minha mãe havia ido embora de casa naquela noite. Ela esperou todos dormirem e com uma mala saiu pelos fundos. Ela estava em um carro que ia
  • 20. a alta velocidade pela interestadual, o carro perdeu o controle e capotou matando os dois passageiros. Minha mãe estava no carona, o motorista era ninguém menos que George Harris. Os pertences dos dois foram encontrados no bagageiro cujas malas indicavam que iam fazer uma longa viagem. Edward não meu escondeu nada. Ele segurava minha mão enquanto dizia que eu precisava ser forte e que ele estava lá para o que eu precisasse. Eu o encarei e comecei a chorar. Minha mãe estava morta e por incrível que pareça, nada doía tanto em mim quanto ter que encarar ele naquele momento e imaginar no tamanho da decepção que ele devia estar sentindo. A esposa e o irmão. Sebastian estava certo, e a pessoa mais prejudicada de toda a situação estava preocupada em consolar a filha da mulher que o traiu e o envergonhou. O sepultamento ocorreu na tarde do dia seguinte. Edward segurou minha mão todo o tempo e não ouvi um comentário desagradável sobre as circunstâncias da morte de George e Madelline. A sociedade nova―iorquina compareceu e transformou tudo em uma despedida suntuosa. Minha mãe com certeza teria gostado de tamanha pompa. Edward não poupou gastos e esforços. Acho que fez mais por mim do que pela esposa em si. Era um enterro digno, sem traumas para uma garota que perdeu a mãe. George recebeu ainda mais homenagens, pelo grande empresário que era. Sebastian se manteve quieto e distante por todo o velório. Os óculos escuros escondiam os olhos claros que me encararam com a mesma dureza de uma semana atrás. Os primeiros dias sem Madelline e George foram silenciosos. Edward disse que eu poderia faltar ao colégio quantos dias eu achasse que fosse necessário, mas a verdade é que eu me resignei muito rápido e preferi voltar a minhas atividades dois dias depois. Naomi foi a melhor ajuda que pude ter para encarar os olhares de: ‘Olha, a garota que a mãe morreu”. Uma tarde Edward me chamou ao escritório. Eu percebi que ele estava aguentando bem... Por fora. Haviam linhas em seu rosto que não estavam presentes antes do acidente, eu fiquei preocupada. Ele me deu o olhar amistoso de sempre e perguntou como eu estava, eu respondi que estava bem. Ele pediu para ver meus deveres de álgebra e eu mostrei a ele meus cadernos. Ficamos dando voltas em assuntos sem importância até que ele resolveu quebrar o gelo. ― Sua mãe não está mais aqui. - Eu sabia que esse momento ia chegar. Tudo tem um limite, um cara aguentar uma enteada ao se casar com uma mulher mais jovem é normal. Mas continuar bancando a filha de outro cara
  • 21. quando se é viúvo e corno... Ninguém faz isso - Mas eu ainda estou aqui. Quando me casei com ela eu fiz um voto. Eu não costumo quebrar minhas promessas, não importa o que aconteça. E nós formamos uma família, que ganhou meu coração. Sua mãe se foi, não interessa as circunstâncias, nós ainda somos uma família, ainda estou aqui por você. Para o que você precisar. Você também pertence a isso tudo aqui. Eu não esperava por isso, nem em um milhão de anos. Eu comecei a chorar outra vez, não porque senti falta da minha mãe ou por que estava sendo muito difícil viver sem ela apesar de tudo. Mas sim porque pela primeira vez eu era importante para alguém, de verdade. Era uma nova forma de ver o mundo. Sebastian chegou poucos dias depois com malas e uma cara fechada. Houve abraços entre ele e Edward e um simples aceno de cabeça para mim. Alguns dias antes eu ouvi Edward e o advogado o senhor Louis conversando sobre o testamento de George. Sebastian só teria direito a qualquer coisa após os vinte e um anos, o tio era o escolhido como tutor, sem a permissão de Edward, Sebastian não conseguiria movimentar nenhuma conta, muito menos se manter na faculdade. Sendo assim, estamos sob o mesmo teto por pelo menos um ano. As primeiras semanas foram sem grandes acontecimentos. Se eu estava no jardim, Sebastian ficava na piscina, e vice ― versa. Era um acordo silencioso. Mas aos poucos nossa situação foi mudando. O olhar de ódio sobre mim virou desprezo. Não havia sinal dos olhos claros limpos e divertidos que um dia encontrei no quartinho na casa de Naomi. Edward não forçava a barra e respeitava nossa falta de diálogo na mesa. Esporadicamente respondíamos perguntas e falávamos de nosso dia. As férias de Sebastian acabaram e ele passou a vir para casa da faculdade apenas nos fins de semana. Vivíamos em uma pequena guerra fria. Ele chegava de cabeça quente dos problemas do curso e procurava um alvo fácil. Eu não me permitia ficar no meio do caminho e tentava me esconder entre as paredes, em uma vida miserável de tentar ser invisível ao humor de Sebastian. Edward fazia o possível para apaziguar os ânimos, cansado de me ver pelos cantos, subjugada onde ele mesmo dizia ser a minha casa, ele começou a me levar para seu escritório no seu hotel mais importante em Nova York para equilibrar a situação dentro de casa. O ano passava depressa. Um pequeno insulto no corredor ali, uma troca de farpas na mesa de jantar aqui, alguns gritos na biblioteca, olhares de
  • 22. desprezo pelos corredores... E estávamos como uma bomba relógio prestes a explodir. Luto, rancor, puro ódio gratuito faziam de Sebastian um verdadeiro gigante aterrorizante em minha vida. Mas minha atual liberdade e o fato de estar longe das garras da minha mãe e suas regras sobre como me comportar, eu não era mais obrigada a aguentar tudo calada, o resultado não podia ser pior. Era mais um jantar no fim de semana quando as investidas de Sebastian para me tirar do sério fizeram um dano irreparável. ― Vocês vão continuar assim por mais quanto tempo? - Edward disse com seriedade. - Meses e meses de silêncio. Estamos perdendo um tempo precioso enquanto ainda se deixam perder pelo passado. Ainda somos uma família, caramba. Eu nunca havia visto Edward perder a paciência. Ele estava perto disso e eu não queria ver. Decidi ficar calada. ― Vocês não estão dando nenhuma chance ao que formamos agora. Precisamos um do outro aqui. Vi Sebastian revirar os olhos. O estilo bad boy estava caindo perfeitamente bem nele. ― O que você quer de mim, tio? Estou aqui aos fins de semana. Presto contas de tudo o que faço. ― Por que não dá uma chance a Emma? Ela também é da família. Sebastian terminou de tomar a taça de vinho e colocou um sorriso diabólico no rosto. ― Dar uma chance a ela? ― Sim, é claro. ― Edward, não precisa fazer isso... – Eu só queria que aquilo acabasse. Edward pediu que eu esperasse e continuou falando com o sobrinho. ― Façam algo. Conversem. Se tratem como gente civilizada. Emma precisa aprender a dirigir, porque não dá umas aulas a ela? Sebastian riu. ― É claro que dou, e daí, que tal colocarmos umas malas no carro e saímos pela estrada para ver no que dá? Levantei e pedi licença a Edward. Ele não merecia aquela cena. ― Emma você fica. Sebastian, peça desculpas agora. Ele voltou a rir. ― Desculpe Emma, é verdade. Vamos nos tratar bem, afinal, gente civilizada não age assim. - Vi Sebastian olhar Edward e dizer com uma
  • 23. maldade que pertencia somente a ele: - Gente civilizada só rouba cinco milhões do marido para fugir com o amante. Já olhou no colchão dela tio? Às vezes você encontra algumas notas perdidas por lá. Como? Cinco milhões? Minha mãe fez isso? Eu senti a bile subir por minha garganta. Edward se levantou em um só movimento e apontou o dedo para o sobrinho. ― Pare com isso já Sebastian. Você não tinha o direito de revelar isso. Você está sendo mal e mesquinho. ― Eu estou sendo mesquinho? Não foram as minhas pernas que se abriram para conquistar o irmão do marido por que ele era mais rico. Você não percebeu? Essa pequena rata vai fazer o mesmo com você! ― Cale a boca Sebastian! Eu já aturei muito de você. ― Como você pode preferir ela em vez de mim? Eu sou o seu sangue. ― Eu a escolhi para ser da minha família. Respeite isso! As vozes estavam exaltadas, eu tenho certeza que os empregados da casa deviam estar em completo estado de alerta. Toda aquela cena estava me deixando enjoada. ― Você a escolheu? Ela já está esquentando sua cama no lugar da mãe, assim tão rápido? A cena na minha frente se desenrolou de uma forma que me fez saltar da cadeira. Edward avançou em direção a Sebastian e o atingiu com um tapa. Tio e sobrinho brigando por minha causa. Por culpa da vaidade de nossos pais. Eu não consegui mais suportar aquilo. Levantei da cadeira e corri para o meu quarto. Não fiquei para ver o resto. Vi o carro de Sebastian sair em alta velocidade para fora dos portões da mansão enquanto eu dava a trigésima penteada em meu cabelo. Eu vou confessar, me senti um lixo. Não sabia o que fazer. Eu era uma intrusa. Eu queria fugir, e tentei. Coloquei algumas roupas em uma mochila, tirei minhas economias guardadas da mesada de Edward e sai do meu quarto silenciosamente. Cheguei apenas até o jardim. Fui pega por Edward que me levou de volta para dentro de casa e me acalmou e fez sentir como alguém especial como só ele podia fazer. Só como um pai faz com uma filha. No dia seguinte, sobrinho e tio se trancaram na biblioteca por horas. A decisão final foi que Sebastian iria se mudar em definitivo. Ele precisava de tempo e espaço, Edward daria.
  • 24. Foi assim que começamos a superar a tragédia e não fazíamos ideia das consequências em nossas vidas.
  • 25. Capítulo 1 Emma Dias Atuais Eu estava chegando tarde do trabalho mais uma vez naquela semana. Já se passavam das onze da noite quando passei pela porta e joguei os sapatos para longe dos meus pés. Meu apartamento me recebeu com a promessa de uma noite calma e relaxante de descanso, era tudo que eu precisava após ficar concentrada em contratos por mais de 12h. Eu amo o que eu faço. Ter uma agência de viagens em Nova York toma todo o meu tempo. É verdade que não estou sozinha, Naomi, minha melhor amiga e sócia, divide comigo as preocupações que só quem tem o próprio negócio pode entender, o que na maioria das vezes torna tudo muito mais divertido quando se tem que ficar fazendo a parte mais chata do trabalho, como hoje, em que passamos o dia conferindo todos os nossos contratos para decidir com quem renovar para o próximo semestre. Eram parcerias com redes hoteleiras, restaurantes, locadoras, tudo que envolve dar uma boa estadia a nossos clientes. É um ramo difícil nos dias de hoje, mas os clientes, em sua maioria empresas que buscam por segurança e um pacote de viagens para seus funcionários a longo prazo, nos buscam pela praticidade e o suporte que fornecemos. Mais do que um escritório físico, a empresa oferece o serviço de ofertas online, de qualquer lugar do mundo é possível montar o pacote de viagem usando nossos descontos e indicações. Nós crescemos bastante nos últimos três anos, o que tem me mantido bastante ocupada. O que me leva ao dia de hoje e em como me faz pensar que preciso desligar a cabeça. Largo a bolsa no sofá da sala e me jogo em um demorado banho quente. Depois de recuperar minhas energias na banheira, coloco minha camisola mais leve e vou para a cozinha procurar o que comer. Não encontrei nada de interessante para comer e já buscava o número do Delivery na porta da geladeira quando escuto o som do meu celular tocando. Vou até o sofá mentalizando que qualquer problema do trabalho pode ser resolvido amanhã e agora preciso dormir. O problema é que não é Naomi, e
  • 26. faço uma careta quando encaro um número estranho na tela. ― Alô. ― Olá, Senhorita Davis? Meu nome é Kaitlyn Mason, eu falo do hospital Saint Rose. Seu nome aparece como um dos contatos de emergência do senhor Edward Harris. A senhora o conhece? ― Sim, o que... O que houve com Edward? - Minha voz falhou e eu comecei a fazer uma prece mentalmente. Senti um frio correr por todo o meu corpo enquanto eu pensava uma lista de coisas que Edward tinha reclamado nos últimos meses. Ele estava ótimo, saudável, por que uma ligação do hospital? ― Não posso dar maiores informações senhorita, preciso que venha ao hospital para que possa conversar diretamente com o médico. ― Sim, já estou a caminho. Desliguei a chamada e movi minhas pernas que pareciam feitas de gelatina até meu quarto. Troquei de roupa como um autômato e parti em direção ao hospital. Havia falado com Edward hoje pela manhã, ele iria viajar para Boston em uma convenção. “Que não seja nada grave, que não seja nada grave, que não seja nada grave”. Eu mentalizava enquanto decidi pegar um táxi. Cheguei ao hospital após eternos 30 minutos de ansiedade e conjecturas formuladas por mim durante a viagem, com todos os piores cenários possíveis se passando em minha mente. Me sentia impotente! O que poderia ter acontecido? Edward comeu algo e não se sentiu bem? Ele caiu? Foi atropelado? Teve um infarto? O que poderia ter dado de errado para um homem de mais de 60 anos? A verdade é que muita coisa. Entrei desesperada pelo pronto socorro e busquei a recepção. Debrucei sob o balcão sem fôlego. ― Boa noite, estou aqui pelo Sr. Edward Harris. A recepcionista, uma ruiva baixinha me olhou e sorriu com cortesia. ― Senhorita Davis? Fui eu que liguei para a senhora. Vou avisar ao médico que a senhorita chegou para que vocês possam ser atendidos. ― Vocês? - Aquele plural me confundiu e a recepcionista apontou para o lado direito enquanto pegava o telefone. ― Sim, vocês dois estavam no contato de emergência do senhor Harris. Meu olhar disparou na direção que ela mostrou e o vi.
  • 27. Apesar dos anos sem vê-lo, era difícil não reconhecer Sebastian, mesmo com ele estando de costas, enquanto olhava para outra direção. Ele vestia uma camisa de manga longa azul e calça jeans preta e sapato social, parecendo como se soubesse que o estava encarando, se virou e nossos olhares se fixaram um no outro. Se eu fui chamada para uma emergência com Edward, é claro que ele também seria. Sebastian caminhou em minha direção com o mesmo olhar de desprezo de sempre, só que dessa vez uma ruga de preocupação pairava em sua testa. Nós não nos demos as mãos, nem acenamos. Apenas ficamos um de frente para o outro, sérios, tensos e a situação com Edward pairando em nosso meio. Nada diferente de como sempre estivemos nos últimos 10 anos. ― Sebastian. - Foi minha forma de dizer: “Olá, como vai”. ― Emma. - Foi a vez dele dizer entre os dentes. Nunca conseguimos disfarçar o quão desconfortáveis ficávamos quando estávamos um perto do outro. Edward sempre fez de tudo para evitarmos os conflitos e achou a melhor maneira, fazendo de tudo para não nos colocar no mesmo recinto. O fato de Sebastian ter vivido grande parte da última década fora do país ajudou bastante. Mas ainda era possível nos esbarrarmos nos eventos das empresas de Edward ou mesmo na mansão, quando um de nós chegava e o outro estava de saída. Sempre furtivamente, sempre em um acordo mudo. Sem maiores cenas como antigamente, afinal, uma hora precisávamos começar a agir como adultos. Havia quase dois anos que eu não o encontrava. Pensar nisso me fez reparar nos traços duros em seu rosto. Os olhos claros ainda estavam lá e o cabelo ainda era cortado com máquina. Naomi tinha o costume de dizer que ele parecia com Tom Hardy, pelos lábios finos e a cara amarrada. Era a primeira vez que eu tinha chance de reparar nisso e tinha que concordar. Estava prestes a perguntar por quanto tempo ele estava aguardando notícias quando escutei uma voz no saguão. ― Parentes do senhor Edward Harris? ― Sim! - Dissemos ao mesmo tempo Sebastian e eu. O médico não mantinha uma expressão facial fácil de ler, o que pela minha experiência com programas de televisão médicos, não indicava um bom sinal. Fomos levados para uma sala reservada, o doutor esperou que nos
  • 28. sentássemos confortavelmente e começou a falar. ― Vocês são da família do Senhor Harris? - Ele segurava um envelope nas mãos. ― Sou o sobrinho dele. - Pode ter havido um tom profundo de indireta para mim. Algo como “A única família aqui sou eu”. Apenas Sebastian sendo babaca como de costume. ― Ele é meu padrasto. O que houve? Podemos vê-lo? - Eu sentia minhas mãos tremerem e algo no fundo de minha mente gritava que eu não iria gostar da notícia a seguir. Eu me recusava a pensar na palavra com “M”. Não para Edward, não hoje, e nem tão cedo. O médico pigarreou por algumas vezes. ― O senhor Harris deu entrada no hospital 5 horas atrás. Ele passou mal no aeroporto e foi trazido para cá inconsciente. Assim que chegou, nós fizemos todos os exames possíveis e detectamos que ele havia sofrido um AVC. Nós preparamos uma sala de cirurgia, mas infelizmente.... Não, não podia ser. Alguém faça esse homem parar de falar. ― Infelizmente ele não resistiu. Ah meu Deus, Edward. ― Nós fizemos tudo que era possível. Eu sinto muito. - O médico terminou de falar e colocou o envelope em cima da mesa. Eu senti como se alguém enfiasse a mão em meu peito e apertasse meu coração com toda a força. Estava difícil de respirar. Eu provavelmente estava soluçando em busca de ar, pois o médico veio em meu auxílio. Eu me desvencilhei ficando de pé e coloquei minha mão em uma das paredes. As lágrimas começaram a rolar e um embrulho em meu estômago me trouxe náuseas. ― Não, não pode ser. Como... Como ele pode estar morto? Eu falei com ele essa manhã... Nós... Não pode ser.... - Eu tinha certeza que ninguém podia entender o que eu estava falando e em minha visão embaçada pelas lágrimas vi Sebastian com a cabeça abaixada e as mãos em punho.
  • 29. Capítulo 2 Emma O médico me segurou pelos ombros e me sentou outra vez na cadeira. Eu vi uma enfermeira chegar com copos de água e a porta ser fechada novamente. A única coisa audível na sala eram meus soluços. Eu não conseguia me concentrar em nada, apenas o flashback em minha mente. Edward e eu nos conhecendo, estudando juntos minhas tarefas de álgebra, quando entrei correndo no escritório dele com minha carta de aprovação na faculdade... A forma como os olhos dele se encheram de lágrimas quando me mudei da mansão, ou o olhar intensamente orgulhoso dele na minha formatura. Ele foi a única pessoa que um dia acreditou em mim quando eu não era nada, quando ninguém se importava comigo. Ele me fez acreditar em mim mesma, ele me ensinou tudo o que eu sei. Ele não se importava em se doar, ou me levar para o seu escritório e me explicar vez após vez como o ramo do turismo funcionava. Edward foi a única pessoa que lutou por mim, quando nem eu mesma sabia que era possível vencer. Ele foi o que extraordinariamente mais se aproximou de ser um pai para mim. E agora... Tudo havia acabado. Assim. Tão fácil e tão rápido. E ele estava sozinho, sem ninguém que o conhecesse e velasse por ele. Meus soluços diminuíram e eu pude respirar normalmente e me controlar. Aquela cena parecia um pesadelo horrível e sem fim. As lágrimas saiam agora tímidas e silenciosas dos meus olhos. O médico ainda esperava na sala como quem precisa terminar uma obrigação. ― Eu sei que esse é um momento muito difícil para vocês, mas o senhor Harris chegou desacompanhado no hospital e esses foram os documentos que encontramos na pasta que veio junto à ambulância. Preciso que um de vocês faça o reconhecimento e confirmem a identidade dele. Eu sei como isso será doloroso, mas é um procedimento necessário a fim de começarmos os trâmites para a liberação do corpo. ― Eu irei vê-lo. - Sebastian se prontificou. Ele estava com os lábios firmemente cerrados e o olhar sem nenhuma expressão. Ele e o doutor estavam começando a se preparar para irem ao necrotério quando decidi me prontificar a ir junto. Eu também precisava vê-lo, mesmo que morto. Não porque eu não acreditasse que ele não estivesse lá, mas sim
  • 30. porque de alguma forma meu cérebro não estava processando a morte de Edward. Eu enxergava tudo em câmera lenta, vê-lo me traria de volta à realidade, por mais dura que fosse. ― Eu também vou. Sebastian e o médico me encararam como se eu tivesse duas cabeças. ― Senhorita, isso será muito doloroso, apenas uma pessoa é necessária para o reconhecimento e... ― Eu tenho o direito de vê-lo. O médico não resistiu a deixar ― me ir. Passei pela porta e não ousei encarar Sebastian. Nós nos dirigimos a um elevador e eu permaneci de cabeça baixa todo o tempo, acho que ficaria tonta se tivesse que encarar tudo de cima. Olhar para o chão acalmava bastante o embrulho em meu estômago. Chegamos a uma porta com as indicações do necrotério. Havia um silêncio perturbador no corredor e nossos passos ainda ecoavam quando a porta foi aberta. Uma mesa de aço era coberta por um lençol branco, um ambiente todo esterilizado em volta, ao além do cheiro de éter. Eu voltei a tremer e a respirar com dificuldade. O doutor nos esperou entrar e disse que estaria do lado de fora para qualquer coisa, poderíamos ter quanto tempo e privacidade precisássemos. Eu não consegui dar longos passos para longe da porta. Tudo era novo e assustador demais. Eu queria que tudo acabasse, eu queria um abraço de Edward e um beijo na cabeça como ele sempre me dava. Eu queria segurar em suas mãos firmes e pouco enrugadas para pedir um conselho pela última vez. Pela primeira vez em toda a nossa convivência eu vi Sebastian hesitar. Ele estava parado de frente para a mesa enquanto uma mão segurava a ponta do lençol. A mão dele tremia e ele fechou os olhos. Seu rosto transparecia raiva, dor e algo mais que não pude identificar. Ele afastou uma parte do lençol e senti meu coração ser esmagado outra vez. ― Ah não, por favor, não. - Eu gritei e me apoiei na parede. Meus soluços voltaram e uma febre invadiu meu corpo dos pés à cabeça. Edward inerte jazia sob a mesa. Ele parecia estar dormindo, a feição serena e doce como sempre, sem vida. Uma dor latente percorria meu corpo em ondas indo e voltando sem parar, um barulho chamou minha atenção. Eu pensei estar ouvindo os meus próprios soluços, mas olhei para cima e um Sebastian desolado derramava suas próprias lágrimas. As mãos ainda em
  • 31. punho, mas os olhos avermelhados e o rosto coberto de lágrimas, ele me lembrou um menino assustado, quase abandonado, sem esperanças. Cheguei a poucos centímetros da mesa e nos olhamos. É claro que não éramos as pessoas prediletas um do outro, mas nossa pessoa favorita estava morta bem ali na nossa frente. Edward que fez de nós os adultos de sucesso que somos hoje, não existia mais, e Sebastian e eu, por maior ressentimento que guardássemos um do outro não podíamos fabricar a cura para aplacar a avalanche de tormento pela qual passávamos agora. Edward mudou nossas vidas de forma sem igual, era um ser humano extraordinário e generoso. Nós sabíamos disso, e por sabermos e por darmos tanto valor é que talvez, nesse momento, e apenas por esse momento nos permitimos baixar a guarda um com o outro. Eu estendi minha mão, dando e procurando consolo ao apertar com força a mão de Sebastian e ele atravessou a distância e as barreiras que tínhamos levantado uma década atrás, me abraçando forte. Soluços, dor e saudade cabiam em nossos braços e pesavam o peso do mundo em nossas costas. Houve um conforto estranho e irracional. O calor do corpo de Sebastian trazia paz e segurança naquele estranho momento. As lágrimas dele pareciam iguais ou mais que as minhas, e permanecemos assim por vários instantes até o médico regressar abruptamente, fazendo um barulho alto ao abrir a porta. Nos soltamos como se o corpo um do outro estivesse em brasa. Eu não podia mais raciocinar direito e não conseguia me imaginar preparando um funeral. Sebastian me acompanhou em silêncio até o saguão do hospital e disse que me manteria informada e cuidaria de tudo daqui para frente enquanto conseguia um taxi para mim. O corpo seria liberado imediatamente e enterraríamos Edward o mais rápido possível. Sai do hospital atordoada e voltei para casa em um estado catatônico. Liguei para Naomi e minha melhor amiga apareceu na minha porta em tempo recorde. Logo em seguida eu não sabia como, mas estava deitada em minha cama com um chá em minhas mãos. Eu chorei pelo resto da noite, enquanto Naomi me abraçava e prometia que tudo ia ficar bem. Ela provavelmente deve ter colocado algum sedativo no maldito chá, porque pouco tempo depois eu não tinha mais forças nem para levar a xícara à boca. Adormeci e sonhos confusos me desestabilizaram, me despertando abruptamente com um pesadelo. Alguns raios de sol transpassando a persiana de meu apartamento. Minha cabeça parecia pesar como chumbo e toda a desgraça da noite anterior me
  • 32. atingiu como uma flecha. Naomi me observava da porta com atenção. ― Foi um sonho? - Eu perguntei baixinho, com medo de que dizer mais alto tornaria a morte de Edward muito mais real. ― Não, sinto muito. - Ela se sentou ao meu lado na cama e segurou minha mão. - Sebastian ligou, o funeral será em três horas. ― Eu ainda não consigo acreditar que ele tenha morrido. ― Eu sei o quanto tudo isso é esmagador. Eu estou aqui, não se esqueça disso. Sempre vou estar. Abracei minha amiga e dei início a primeira rodada de lágrimas do que seria um longo dia. Naomi me fez vestir um vestido tubinho preto e sapatos confortáveis. Tomei um café da manhã forçado, o que incluiu um pedaço de queijo e algumas torradas com suco de laranja, e torci para que meu enjoo do dia anterior não voltasse. Chegamos ao cemitério e me sentei no lugar reservado para mim. Foi impressionante ver a quantidade de funcionários que vieram se despedir de Edward. Eu já esperava pelos empresários, os socialites e os políticos locais. Mas foram as pessoas que conviviam com ele todos os dias, que realmente o conheciam como o ser humano decente e de bom coração que ele era que realmente conseguiram dar dimensão a perda a nossas vistas. Eram discursos e mais discursos que eu pouco absorvi por sentir que tudo era um grande borrão. Sebastian do outro lado da área reservada ao funeral cumprimentava a todos com seriedade. Os óculos escuros e o terno preto impecável conseguiram mascarar bem a dor e o desespero que estávamos passando. Eu vi o caixão ser coberto de terra e fiz minha última prece por Edward em pensamento. Não demorou muito as pessoas começaram a se dissipar e eu não conseguia sair do lugar. Pedi que Naomi me esperasse no carro e me aproximei da lápide. Eu fiquei em um silêncio triste e vazio por vários minutos. Sem lágrimas e sem a sensação de aperto no peito, apenas uma reflexão triste sobre meu melhor amigo que tinha ido embora. ― Não era para ter sido assim. Não tão rápido, e sem se despedir. Eu sussurrei para a lápide como se de alguma forma Edward ainda pudesse me ouvir. Joguei a rosa em minhas mãos sob a terra e me virei em direção a saída. Sebastian estava logo a minha frente, me observando por trás de seus óculos escuros. Ficamos um de frente para o outro, nos encarando presos dentro de nossa própria guerra fria. Não havia mais Edward para interferir ou aplacar e ditar as regras do nosso jogo de feridas. Perder Edward
  • 33. foi o suficiente, não precisaríamos nos beliscar verbalmente para infligir dor um ao outro como era nosso costume fazer. Parecíamos haver chegado ao fim da guerra onde descobrimos que como em todo conflito, não há vencedores. Ele colocou a mão em meu rosto e retirou meus óculos escuros. Vi um músculo em seu rosto se retesar. Eu não havia chorado durante o funeral, eu não tinha mais forças para isso, mas tinha o rosto inchado e massacrado das lágrimas que derramei desde que recebi a notícia. Do que ele precisava então? Uma confirmação da minha tristeza? Peguei meus óculos de sua mão e comecei a caminhar para longe dele. Não havia mais nada que nos ligasse, apenas a doce memória do homem maravilhoso que nos amou. Eu já estava a passos largos de distância quando a voz de Louis chamou minha atenção. ― Sebastian! Emma! Que bom que ainda estão por aqui! Havia algo de bom nisso tudo? Sebastian e eu ficamos frente a frente com Louis e esperamos o advogado recuperar o fôlego para começar a falar. Ele já era de idade, eu fiquei preocupada com um senhor daqueles correndo para me alcançar. ― Eu sei que a situação é muito triste e... Nem eu mesmo estava preparado para dizer adeus a meu melhor amigo... ― O que foi Louis? - Sebastian, com sua estranha maneira de ser educado perguntou ao pobre homem. ― Preciso que vocês estejam amanhã pela manhã em meu escritório. Há muita coisa envolvida com as empresas e a leitura do testamento não pode esperar. Tudo bem, eu estava no testamento. Provavelmente Edward teria me deixado alguma coisa. Eu não queria começar a surtar com aquilo, da mesma forma que não poderia me deixar surtar com o olhar de Sebastian ao meu lado. Por que eu conseguia lidar muito bem com todos os olhares de desprezo de Sebastian, o que era difícil de lidar era o olhar de desprezo enlutado dele. Nós já havíamos ido por esse caminho antes, nada de bom saía disso. Louis terminou de marcar nosso encontro para a manhã seguinte e fui deixada mais uma vez ao lado de Sebastian. Eu não fiquei para esperar a retaliação que eu sabia que viria, ou a onda de ódio vestida de preto com 1,80m ao meu lado. Parti em disparada para a saída, mas não consegui avançar muitos metros. Uma mão segurou em meu braço e me fez retroceder. ― Uma década de investimentos e finalmente terá os lucros, hein! - Sebastian disse com o olhar frio e atento a cada expressão facial minha.
  • 34. Ele não segurava mais meu braço, e eu queria ir embora, mas de certa forma eu não podia ir sem dar a última palavra, não quando não tinha mais 16 anos e não era alguém sem lugar no mundo. ― Eu posso ser o que você quiser nessa sua mente distorcida, mas ao menos eu tenho respeito pelos mortos. O deixei para trás e fui para o carro encontrar Naomi. Eu disse que ela não precisava ficar comigo hoje e ela respeitou isso, como sempre fazia. Eu não precisei de chás ou calmantes para o resto do dia. Uma resignação estranha começou a tomar do meu corpo e a processar que Edward havia ido embora. Minhas últimas lágrimas caíram naquela noite e eu só precisava ter certeza que após a leitura do testamento, eu iria colocar minha vida no lugar outra vez.
  • 35. Capítulo 3 Sebastian Eu não costumo passar muito tempo em meu apartamento em Nova York, mas eu estava indo para descansar a cabeça dos últimos dias que fiquei fora a trabalho e lá parecia um bom lugar. O táxi já se aproximava do meu quarteirão e resolvi checar meu celular. Havia várias chamadas perdidas de um número desconhecido. Um sinal de mensagem de voz piscava no canto superior da tela. Levei o aparelho ao ouvido e uma voz feminina invadiu minha mente. “Olá, aqui é do hospital Saint Rose. O seu número está marcado como o contato de emergência do senhor Edward Harris, se puder vir ao hospital para maiores informações, agradeceria muito”. No mesmo instante pedi ao taxista que desse a volta e fosse em direção ao hospital. Eu não quis ficar imaginando o que poderia ter acontecido com Edward. Meu tio apesar de ter mais de 60 anos é forte e saudável. Nós havíamos nos falado três dias antes e combinamos de assistir um jogo do New York Giants na próxima semana. Eu me senti sortudo por não pegar nenhum congestionamento. Poucos minutos depois eu entrava no saguão do hospital em busca de notícias. A recepcionista pareceu surpresa ao descobrir minha identidade. Ela disse que o médico estava ocupado e que iria avisá-lo da minha presença. Eu decidi por me afastar do balcão e sentar enquanto aguardava. Eu nunca fui um cara que gosta de esperar pelas coisas. Mais de vinte minutos se passaram e comecei a desconfiar da demora do médico. Não havia como não ser algo grave, se não já teriam me permitido ver meu tio logo de cara. Uma figura de cabelos negros entrou em meu campo de visão no saguão e a reconheci de imediato. O que aquela fulaninha estava fazendo aqui? Eu a escutei falar com a recepcionista e basicamente ela também era um contato de emergência de Edward. Eu revirei os olhos. Há 10 anos ela é intragável como um “membro da família”. Meu tio cometeu apenas dois erros em sua vida. O primeiro foi se casar com Madelline Davis, e o segundo foi fazer da filha dela, melhor dizendo, da
  • 36. filha da mulher que o traiu e roubou, uma protegida. Todo aquele ar inocente e humilde numa garota de 16 anos nunca me enganou. Ela bancou a vítima e continuou sob as asas do meu tio. O que me custou muito a entender, ou melhor... Respeitar. Afinal, a vida era dele, o dinheiro era dele, o que mais eu poderia fazer além de gritar aos quatros ventos o que sentia e pensava? Eu passei boa parte dos últimos 10 anos trabalhando na Itália. Eu não quis usar a fama do meu sobrenome aqui e decidi viver por minha conta lá fora por um bom tempo. Abri minha própria construtora e tirei todos os rastros da gestão de George Harris nos negócios que ele me deixou. Foi uma forma de expurgar toda a decepção que ele sempre me trouxe. A única coisa a qual ainda não podia tirar completamente da minha vida era a mulher que vinha em minha direção. Não foi difícil ficarmos longe um do outro na última década. Edward entendeu que jamais conseguiria fazer de nós uma grande e feliz família e também cuidou de não nos obrigar a estar no mesmo lugar. Fazia um par de anos que eu não a encontrava e Emma Davis havia se tornado uma réplica de sua mãe, com a diferença é claro dos cabelos escuros. ― Sebastian - Ela disse com um olhar que parecia impaciente. ― Emma. Nós não iríamos trocar apertos de mão ou abraços, não éramos hipócritas, pelos menos nisso ela era honesta. Não gostávamos um do outro e ponto. Jamais fingimos uma falsa cordialidade quando ficamos por perto ao longo desses últimos anos. Sempre fiz de tudo para ficar o mínimo possível perto dela porque sabia o quanto meu tio ficava chateado com nossas trocas de farpas, e eu havia prometido uma vez e não iria falhar com ele. Podia não aceitá-la, mas eu devia respeitá-la. Assim que nos raríssimos eventos dos hotéis de tio Edward que eu frequentava, apenas acenava a cabeça e tentava ir embora o mais rápido possível, ou então quando eu ia visitá-lo na mansão durante os feriados. Eu chegava, ela saía. Tio Edward às vezes acidentalmente me informava que Emma não iria poder passar o natal ou o dia de ação de graças com ele... Bem, ele sempre foi um ótimo intermediador. O acordo era mútuo e nos ajeitamos bem. Mas todas as vezes que nos encontrávamos, me incomodava o fato da presença dela ainda me afetar de uma forma tão forte, que era como se o passado ainda estivesse aqui e tudo tivesse acontecido ontem. Se não fosse por nosso histórico, às vezes eu pensava que poderia ter
  • 37. caído nas garras de Emma. Era a mulher mais bonita que já tinha visto, mas eu sabia que grande parte dessa atração era ela fingindo inocência, essa personalidade brilhante e tímida ao mesmo tempo. Era tudo sobre como ela era tão boa em fingir como a mãe e conseguir o grande prêmio. Passei parte desses nossos encontros fortuitos com essa explicação para evitar que meu corpo tomasse vantagem nesses momentos. Eu sabia que Emma era uma manipuladora fria, mas meu pau sempre despertava querendo mais dela, essa tensão que emanava entre nós como se algo pudesse acontecer a qualquer momento. Ficamos encarando um ao outro até que um médico de meia idade veio nos chamar. Não era possível ler a expressão facial do homem, o que arrepiou os cabelos da minha nuca de preocupação. Sentamos em uma sala e ele começou o discurso. Tio Edward estava no aeroporto, passou mal e foi levado para o hospital. Era um AVC. Eles não conseguiram fazer muita coisa e Edward estava morto. Simples assim. Eu senti um apagão em minha mente, era como se estilhaços grudados em minha pele fizessem meu corpo inteiro pinicar, respirei fundo tentando sair dessa realidade. Isso não podia estar acontecendo. A única família que me restava havia acabado de desaparecer. Nós demos gargalhadas ao telefone três dias atrás e ficamos de nos encontrar. Eu nunca mais iria poder escutar meu tio rir. Meu tio que fez mais por mim que meu verdadeiro pai. Tio Edward que sempre foi minha consciência e minha fonte de sabedoria. Havia uma pressão latente em meu peito e eu não sabia por quanto tempo iria aguentar para colocar aquilo para fora. Olhei para Emma sentada ao meu lado, e apenas se ela fosse uma versão bizarra e mais nova de uma atriz como Meryl Streep, ela conseguiria fingir um choro como aquele. Os soluços dela invadiram a sala a ponto de o médico ter que auxiliá-la. Ele esperou que ela se acalmasse para voltar a falar. ― Eu sei que esse é um momento muito difícil para vocês, mas o senhor Harris chegou desacompanhado no hospital e esses foram os documentos que encontramos na pasta que veio junto na ambulância. Preciso que um de vocês faça o reconhecimento e confirmem a identidade dele. Eu sei como isso será doloroso, mas é um procedimento necessário a fim de começarmos os trâmites para a liberação do corpo. ― Eu irei vê-lo. - É claro que seria eu, duvidava muito que a senhora
  • 38. lágrimas iria querer. Levantei para sair junto ao médico quando ela se decidiu por ir junto. Aquilo era sério? O que ela queria provar com aquilo?
  • 39. Capítulo 4 Sebastian Nós fomos para o necrotério e a sala me arrepiou dos pés à cabeça. Eu só havia visto uma cena daquelas em filme. Um corpo sob um lençol, uma cama fria de metal, gavetas para corpos espalhados na parede. Era tudo muito impessoal. Eu coloquei minhas mãos no lençol e me lembrei de quem esperava ver ali. Não era assim que eu havia imaginado meu último encontro com meu tio. As pessoas que amo, sempre vão embora muito rápido. Destampei o corpo e vi o rosto sereno de tio Edward. Aquilo me quebrou. Eu não esperava pelo que vinha a seguir e não reconheci o soluço que partiu da minha garganta, arrombando uma represa de lágrimas dos meus olhos. Eu nunca pude chorar pela morte da minha mãe, e estava zangado demais para chorar pela do meu pai. Mas aquele era o tio Edward, o homem mais legal e paciente do mundo. Era inaceitável ele ter ido embora sem se despedir. Eu olhei para Emma e ela me encarava aos prantos. Edward sempre esteve no meio de nós, se importando com os dois, sem levar em conta nossa infantilidade, nossos defeitos e nosso eterno conflito. E agora ele está morto e a única pessoa que sabe a grandiosidade do homem que acabo de perder é ela. Nós nos abraçamos e choramos juntos. Nós concordamos em alguma coisa pela primeira vez em 10 anos. E é sobre a coisa mais triste de nossas vidas. O médico voltou e nos separamos deixando de lado nosso momento de trégua. Eu digo a ela que irei cuidar dos detalhes para o funeral e que amanhã mesmo ele seria sepultado. Ela concorda sem nenhuma objeção enquanto a acompanho até a saída do hospital. Liguei para Louis, o advogado de tio Edward logo em seguida para dar a notícia. O homem ficou devastado. Ele me encontrou no hospital logo em seguida e me ajudou com os trâmites funerários. Estaria perdido sem ele, me sentia incapaz de raciocinar e apenas conseguia colocar um pé na frente do outro. Consegui chegar em casa por volta das 4 da manhã. O apartamento escuro e frio me recebeu. Com vontade de fazer nada, me sentei no sofá e acabei chorando mais uma vez revivendo as últimas horas. Acordei todo torto no sofá poucas horas depois com o celular tocando, era
  • 40. Louis me confirmando o horário do sepultamento. O corpo de Edward já estava sendo levado para o local. Me lembrei de que havia ficado de avisar Emma, procurei entre os pertences de Edward que ficaram comigo e achei o número dela nos contatos do celular. O celular chamou algumas vezes e uma mulher atendeu, não era a voz de Emma. Ela disse ser uma amiga e que iria dar o recado. Ela perguntou qual era o meu nome no fim da conversa e quando eu respondi ela desligou na minha cara. Aparentemente Emma vivia cercada de pessoas mal-educadas. Me arrumei sem nenhum entusiasmo e comecei a sentir os efeitos da noite mal dormida enquanto tirava o carro da garagem. Era estranho pensar que estava dirigindo para o funeral de tio Edward. Nada disso fazia sentido. A área cercada para o funeral estava vazia quando cheguei. Algumas horas depois todos começaram a chegar e eu comecei a cumprimentar as pessoas mecanicamente, era o último local ao qual eu gostaria de estar. As horas se passaram, os discursos foram feitos e tio Edward foi enterrado com toda a glória que merecia. As pessoas se retiraram e eu estava prestes a ir embora quando reparei em Emma parada feita uma pedra próxima a lápide. Eu não me deixei baixar a guarda sobre ela nas últimas horas, apesar de nosso momento no necrotério. Ela parecia realmente haver amado tio Edward, mas isso não retirava o fato dela ainda ser uma golpista que, aliás, sempre foi o primeiro motivo pelo qual ela se aproximou do meu tio. Ela se virou para ir embora e deu de cara comigo. Esperei para ver a reação, talvez agora que tio Edward se foi ela iria finalmente começar a mostrar as garras. Ela ficou de óculos escuros por toda a cerimônia e os soluços de ontem à noite haviam sumido. Eu sentia vontade de fazê-la confessar tudo. Do plano da mãe, de como ela conseguiu estar na barra de tio Edward por todo esse tempo. Mas pareceu mesquinho demais fazer isso com alguém que parecia devastado. Mesmo assim eu tirei os óculos escuros dela esperando ver alguma ganância, mas era outra coisa. Olhos não mentem, e os dela me revelaram uma escuridão profunda. Eu a vi respirar fundo, provavelmente com raiva da minha ousadia. Por um momento, e apenas com um vislumbre de dor em seus olhos, eu vi sua fragilidade. Ela parecia quebrada. Emma não esperou por um confronto e partiu em direção a saída, tirando seus óculos de minhas mãos. Louis decidiu vir em nossa direção nesse momento, e fiquei preocupado com os quadris do homem se deslocar bem na minha frente. Não existia
  • 41. algum tipo de lei para prevenir acidentes com pessoas idosas? ― Sebastian! Emma! Que bom que ainda estão por aqui! Emma se reaproximou e tivemos que esperar o advogado voltar a ter fôlego. ― Eu sei que a situação é muito triste e... Nem eu mesmo estava preparado para dizer adeus a meu melhor amigo... ― O que foi Louis? - Eu estava impaciente e Louis era o tipo de cara que fazia uma palestra para qualquer coisa. ― Preciso que vocês estejam amanhã pela manhã em meu escritório. Há muita coisa envolvida com as empresas e a leitura do testamento não pode esperar. Eu ouvi o que Louis disse e fiz questão de observar cada detalhe do rosto de Emma ao meu lado. Foi meio decepcionante o fato dela não demonstrar nenhum sorriso de vitória ou fingir que estava surpresa com o fato. Ela continuou impassível e triste. Mas com certeza isso era algo que ela estava esperando. Louis finalmente terminou de falar e partiu. Ao meu lado Emma se precipitou a ir embora com uma pressa culposa. Eu não a iria deixar escapar tão fácil. ― Uma década de investimentos e finalmente terá os lucros, hein! Eu posso ser direto quando quero, e no momento eu queria uma reação dela. Qualquer coisa que indicasse a fulaninha interesseira que tio Edward nunca aceitou ver. Eu estive muito perto dela nas últimas horas e isso estava me deixando irritado de uma forma que me impulsionava a provocá-la. Nossa antipatia um pelo outro estava ligada no automático há uma década, como mudar de uma hora para outra? Emma se manteve impassível quando me retrucou: ― Eu posso ser o que você quiser nessa sua mente distorcida, mas ao menos eu tenho respeito pelos mortos. Uau ela apelou para o clássico “bancando a boa moça”. Inacreditável! Nós fomos cada um para um lado e tudo que eu queria fazer era esquecer esse dia. Meu apartamento me recebeu como sempre, quieto e frio. Eu não tinha o hábito de passar muito tempo por aqui, e eu nunca havia me preocupado com decoração e compras. Não tinha vontade de comer nada e passei o resto do dia trocando os canais da televisão de forma automática, sem prestar atenção em nada. Minha mente parecia presa aquele dia terrível e a imagem de tio Edward no necrotério. Eu fechava os olhos e era a primeira coisa que vinha na cabeça. Já
  • 42. era tarde da noite e eu não conseguia pegar no sono, com a mente em um turbilhão de pensamentos. Coloquei moletom e sai para correr pelo Central Park. Eu sentia meus músculos se aquecerem e tentei canalizar toda minha aceleração mental em minha corrida. Eu estava querendo me desligar de tudo e não importava, quanto mais eu corresse mais minha mente me perturbava. Voltei para casa quando meus pulmões começaram a queimar de exaustão. Foi duro fazer aquilo comigo mesmo. Tomei um banho e me deitei mais uma vez no sofá, dessa vez fui vencido pela exaustão e um reality sobre cirurgias plásticas, consegui dormir, finalmente. Acordei pela segunda vez seguida com o corpo dolorido por conta da má postura em estar sofá. Era como se minha coluna estivesse tentando formar o símbolo do infinito. Consultei meu relógio e se não me adiantasse chegaria atrasado ao escritório de Louis. Tomei um banho, me vesti e busquei um café e donuts na cafeteria mais próxima. O trânsito estava caótico como sempre e demorei quarenta minutos para chegar ao menos perto da quadra onde o escritório de Louis ficava. Paguei o taxista e decidi fazer o restante do caminho a pé. Entrei no prédio com pressa e subi preocupado com a hora enquanto esperava o elevador me levar ao décimo primeiro andar. Quando as portas se abriram dei de cara com uma secretária baixinha e de óculos sentada em uma mesa do lado direito da grande recepção. Ela sorriu e após me identificar me levou a sala de reuniões. Entrei na sala e encontrei uma distraída Emma, que olhava pelas enormes janelas de vidro da sala a barulhenta Wall Street, onze andares abaixo. Era nesses momentos que eu pensava o quão bonita ela era e como era absurdo esse buraco que a mãe dela e ela nos levaram. Se ela fosse uma pessoa boa, rapidamente teria alguém a querendo e ela seria rica como sempre sonhou sem apelar para esquemas sujos. Sua beleza brilhava demais para todo o resto, era uma pena. ― Pensando em como gastar o dinheiro que vai ganhar? - Falei enquanto entrava e escolhia um lugar para sentar. Ela pareceu se assustar e torceu o nariz quando se virou. ― Meus pensamentos são apenas meus Sebastian. Já é desagradável o suficiente ter de dividir o mesmo planeta com você. ― Tenho certeza que teve tempo suficiente para fazer os planos com os cifrões que estão por vir. Emma revirou os olhos e se sentou em uma cadeira do outro lado da
  • 43. grande mesa. Ela parecia menos abatida que no dia anterior, o sarcasmo e nossa falsa cordialidade estavam no ar nos lembrando quem éramos. Estávamos praticamente prontos para uma rodada de farpas quando Louis entrou pela porta carregando uma tonelada de pastas. ― Bom dia vocês dois. Obrigado por estarem aqui, apesar de tudo. Ele colocou cada uma das pastas a mesa e se sentou na cabeceira entre eu e Emma. ― Vocês sabem para que estamos aqui. Vocês são os únicos herdeiros de Edward e estou aqui para fazer valer a última vontade dele, como amigo e advogado. Eu poderia ler todas as dezenas de documentos e passarmos uma manhã inteira esperando pelos últimos parágrafos que são os que mais interessam então, eu vou ser sucinto. Isso. Era. Uma. Novidade. Louis não ia aproveitar a chance de falar para um público obrigatoriamente cativo e dar um de seus intermináveis discursos? Eu pagaria uma rodada no bar apenas por esse motivo. ― Edward me fez consultar centenas de leis e artigos para montar esse testamento. E eu preciso que vocês entendam que eu tentei dissuadi-lo intermináveis vezes. O que está aqui não é nada ortodoxo e vai mudar a vida de vocês por pelo menos os próximos doze meses.
  • 44. Capítulo 5 Sebastian Nada ortodoxo? Eu e Emma não ousamos falar nada. Ela parecia intrigada e eu já estava ficando assustado. Tio Edward não era o tipo de pessoa excêntrica, ele não podia colocar alguma coisa tão fora do comum em seu testamento. Podia? ― Emma, Sebastian. Edward deixou 50% de tudo que ele possuía em valor líquido para cada um de vocês. Os carros e a mansão serão doados para a caridade. - Louis falou e começou a pigarrear por alguns instantes. ― É isso, isso é tudo? O que tem de não ortodoxo nisso? - Emma falou enquanto colocava um copo d'água na frente de Louis. ― Emma, tentar afogar o advogado não vai fazer o dinheiro cair mais rápido na sua conta. Ela me encarou com cara feia e Louis voltou a respirar normalmente. ― Edward possui uma grande porcentagem investida em cada uma das empresas de vocês, e vocês sabem bem disso. ― Tio Edward me ajudou com alguns contratos nos últimos anos, ele me ajudou com alguns projetos, mas isso não quer dizer... ― Sim Sebastian, isso quer dizer que ele é o maior investidor da sua empresa e que ele tem documentos que comprovam que ele é dono de uma porcentagem da DBA Constructor. A mesma coisa acontece com você Emma. E é aí que chegamos à parte mais difícil do testamento. Tudo que Edward investiu em vocês não estava no nome dele, e sim no nome do Harris Palace, seu hotel favorito. Todo o conglomerado de hotéis ficará a cargo dos outros sócios de Edward e após terminarmos as transições o dinheiro das vendas das ações virá para vocês, mas o Harris Palace era o único hotel ao qual ele era o único proprietário. E ele agora pertence a vocês, meio a meio. ― Como é que é? - Emma disse enquanto se mexia desconfortavelmente na cadeira. ― Me deixem terminar, por favor. A questão é a seguinte, o hotel agora é de vocês dois. Tudo que está em nome do hotel, pertence a vocês dois igualmente agora... Incluindo as contas, os patrocínios, os rendimentos e principalmente... Os investimentos.
  • 45. Se eu não estava errado, e eu duvidava muito estar, isso quer dizer que de alguma forma louca, Emma era agora uma das proprietárias da minha empresa. Eu comecei a sentir uma pontada de dor na nuca... Existia alguma chance daquela cena toda ser uma viagem minha? Talvez eu tenha ingerido alguma droga nas últimas horas e não estava me lembrando... Porque se esse testamento era possível, qualquer outra coisa também era. ― Louis... Você está dizendo que ela... - Eu não conseguia olhá-la, eu apenas apontava incrédulo - Ela e eu somos sócios, um da empresa do outro agora? Mesmo que indiretamente? ― Eu vendo sua parte agora mesmo se quiser, apenas pare de apontar esse dedo acusador para mim. - Emma disse e eu a vi ficar vermelha e nervosa. ― Você acha que eu estou te acusando de alguma coisa? Por algum acaso você sabia disso tudo? Foi você quem sugeriu ao meu tio esse absurdo? ― Você realmente se acha muito importante... ― Eu não terminei! Vocês podem me deixar terminar o que tenho a dizer antes de começarem a... A fazer o que quer que vocês sempre fazem quando estão perto um do outro. - Louis nos interrompeu e se ajeitou na cadeira. Ele retirou os óculos de leitura e os apoiou sobre a mesa. - Sim, pelos olhos legais vocês são donos um da empresa do outro. E não, vocês não podem vender ou fazer transações legais sobre isso por pelo menos um ano. Edward deixou especificando que o futuro do Harris Palace será decidido por vocês dois. Vocês têm um ano para conhecer o negócio, pensar em uma estratégia e acharem um jeito digno de continuarem com o que era o hotel mais importante da vida dele. E para garantir que vocês estarão cooperando, que vão trabalhar como uma equipe, que vão usar a racionalidade para isso, vocês devem ficar casados por 12 meses. Ao fim desse período vocês podem fazer o que quiserem com o hotel, com as empresas e com suas vidas. Caso essa cláusula não seja aceita, o hotel será vendido imediatamente em tantas partes e porcentagens que tudo que envolve o hotel, os lucros e suas empresas ficarão tão perdidos e embargados legalmente que não haverá como vocês reaverem, e como já perceberam isso inclui as empresas de vocês. A cada palavra de Louis minha nuca latejava tão forte como se uma marreta estivesse esmagando meu corpo. ― Casar? É algum tipo de piada? - Emma ficou de pé e começou a andar de um lado para o outro. ― Infelizmente não. - Louis fechou seus livros e retirou dois envelopes
  • 46. de dentro das pastas. ― Louis, Edward está morto, ele quer nos colocar em uma situação absurda. Existe alguma forma de contestarmos esse testamento? - Eu precisava de uma esperança, qualquer coisa que me desse uma luz sobre como sair dessa enrascada. ― Infelizmente não Sebastian. Seu tio pensou em todas as brechas possíveis, e afinal é um testamento, somente a vontade do falecido é levada em questão. ― E onde fica nossa vontade em meio a tudo isso? – Ouvi Emma dizer enquanto eu mesmo me levantava e me movimentava pela sala. ― Sebastian e Emma, o testamento é esse. Edward ditou as regras do jogo, cabe a vocês decidirem agora como querem proceder. - Louis entregou a cada um de nós uma pasta com um envelope resplandecendo na lateral. - São as cópias do testamento e uma carta. Vocês sabem por quem ela foi escrita. - Ele juntou o restante de seus pertences que ainda estavam sobre a mesa e se dirigiu a porta. - Me avisem quando tiverem tomado uma decisão. Vi Louis saindo pela porta enquanto os resmungos de uma hiperativa Emma ecoavam pela sala. Havia uma sensação de desespero crescendo em meu peito, afinal, que espécie de enrascada era aquela preparada pelo meu tio? De onde ele inventaria tamanho absurdo? A não ser que… Merda de vadia louca. Agora ela foi longe demais. ― Você tem cinco segundos para admitir que influenciou Edward a fazer esse testamento. Cinco segundos, e eu prometo que não a deixarei falida após os processos... Não muito. - Eu falei, ao mesmo tempo em que a ideia de Emma sugerindo aquele absurdo para meu tio brotou em minha mente. ― Como é? Do que você está falando? - Ela me olhou, como se apenas naquele momento tivesse enxergado minha presença na sala. ―Eu estou dizendo que eu quero a verdade, se você tem alguma coisa a ver com isso eu quero que você admita, vamos nos tratar como adultos vamos resolver isso e cortar tudo pela raiz. ― Ah pelo amor de Deus! Um vale de ida para o inferno seria mais agradável que passar qualquer tempo amarrada a você e a sua arrogância. ― Não somente a mim, mas também a toda minha conta bancária e o status de... ― Você pode pegar a sua conta bancária e enfiar no... ― Olha só! Onde está sua sofisticação, Emma? Esse seu nariz empinado
  • 47. a cada capa de revista como a empresária em ascensão? Ela pareceu incomodada com minha declaração. ― Você se mantém muito ocupado com a vida de alguém a qual despreza. ― Não há nada mais interessante para ler naquelas revistas de bairro na sala de espera de um dentista. ― Na Itália? Conta outra, Sebastian! O que é que você não consegue aceitar? - Ela começou a se aproximar com um olhar ardiloso - O fato de o seu pai ter tanta culpa quanto a minha mãe naquela fuga, ou você nunca ter conseguido encontrar nada sujo sobre mim para me envenenar Edward? Eu rangi os dentes, ela estava tentando me provocar e eu sabia que não podia cair nessa. ― Eu nunca precisei de provas sobre você. Mas teria sido excelente desmascará-la para meu pobre tio. Eu ainda me impressiono com o fato dele nunca ter desconfiado na trama que você o envolveu. Vamos lá, me conte Emma, a partir de que momento você percebeu que seria mais vantajoso para você puxar o saco do velho rico do que ser levada pela sua mãe junto com o próximo milionário? Foi ela quem teve a ideia? Ou ela chegou no seu quarto um dia esbravejando sobre o fato de que não iria te levar para o próximo golpe e que era o momento de você se virar sozinha? Ela dava aulas sobre como influenciar os caras grisalhos... - Eu fui interrompido com a mão de Emma que vinha em minha direção como um raio. Foi por muito pouco e pelo meu reflexo que o tapa não me acertou. Seu pulso estava encaixado em minha mão enquanto pura fúria brilhava em seus olhos. ― Nada, ouviu bem? Nada te dá o direito de falar da minha mãe dessa maneira. Ela está morta, ela não está aqui para se defender. Você quer continuar com suas acusações? Com o seu festival de insultos? Pode dirigi- los a mim. Apenas a mim. - Emma puxou sua mão de volta e se afastou. Eu estava sendo infantil? Sim, eu estava. Mas havia essa coisa que me deixava à flor da pele cada vez que ficávamos no mesmo recinto. Rancor? Ódio? Decepção? Uma década de luto mal trabalhado? Sim, para tudo isso também. Mas nós estávamos no limite aqui. Ela podia ser de certa forma a dona da empresa que eu dei meu sangue nos últimos anos, e ela definitivamente não iria ser a mulher que eu esperei a vida inteira para chamar de esposa. De que outra forma eu poderia me comportar?
  • 48. ― Você não quer falar dos mortos? Tudo bem! - Eu falei enquanto respirava fundo e me aproximava de você outra vez. ― Não, não quero e não quero continuar falando com você também. - Ela pegou as pastas sob a mesa junto com a bolsa e passou por mim com um esbarrão. - Sob nenhuma hipótese você colocará as mãos na minha empresa, e muito menos dividirei um sobrenome com você. Nos vemos no tribunal, Sebastian Harris. Eu a vi sair pela porta e tive que me sentar para processar tudo que aconteceu naquela sala durante a última hora. A lei de Murphy agia em minha vida como um trem descarrilado recheado de surpresas... Desagradáveis. Afrouxei o nó da minha gravata e me sentei em uma das cadeiras com a pasta que Louis havia deixado para mim. O testamento era grande, e eu consegui reconhecer várias leis do direito à vontade do falecido sob um testamento. Eu realmente queria poder entender o real sentido que Edward se motivou para planejar tudo aquilo tão sorrateiramente. Nunca eu poderia esperar por tamanha bagunça. Eu passei os últimos anos da minha vida com noites sem dormir, viagens e prazos absurdos, tudo isso para fazer da minha construtora algo que eu pudesse me orgulhar, algo que não tivesse a mancha que minha vida carregava pela morte do meu pai. E eu havia conseguido. Eu havia confiado em tio Edward para me ajudar com muitas coisas que eu não queria admitir para mim mesmo que me deixavam inseguro. Eu montei a DBA Constructor dois anos depois que saí da faculdade. Eu cheguei a Europa com algum dinheiro e com vontade de trabalhar. Foi quando eu conheci o Deluca, melhor dizendo, conheci o Deluca e o cérebro dele. Ele tinha uma facilidade genial de imaginar um projeto e colocá-los no papel. Nós nos tornamos amigos muito facilmente e quando unimos sua habilidade em projetos com a minha em construir, só precisávamos de alguém que acreditasse em nós. No início eu usei um pouco do dinheiro que havia recebido de herança, mas logo percebi que precisava de uma maior contribuição e menos risco no capital da empresa. Assim, que busquei investidores e meu dinheiro ficava como um salva vidas caso algo desse errado. Tio Edward não me deixou terminar de falar quando comecei a explicar para ele minhas ideias e planos. Ele me cortou e com um sorriso nos lábios enquanto se espreguiçava em sua cadeira no escritório me disse: ― Meu filho, é só preparar os documentos e assinamos o cheque. Qualquer hotel idealizado por um Harris é garantia certa de sucesso, está no
  • 49. sangue! Ele nunca duvidou. Não era pelo sobrenome, era pelo coração. O envelope entre as pastas me chamou a atenção. Estava sendo difícil aceitar que tio Edward havia ido embora sem se despedir. A última lembrança que eu tinha era um telefonema onde combinávamos de nos encontrar. Havia um vazio no tempo sobre isso, uma coisa inacabada. Talvez aquela carta me desse a conclusão de que eu tanta necessitava. “Sebastian, Eu consigo imaginar as rugas de estresse que devem estar delineando seu rosto nesse momento. E eu gostaria de começar minha carta pedindo perdão, se de alguma forma eu o decepcionei. Quando você nasceu, eu não podia imaginar a grandeza em ser humano que iria permear minha vida pelos meus longos anos. Cada nova conquista, cada novo tropeço, cada novo desafio. Tudo que envolvia você, sempre me importou. Eu nunca quis o título de seu pai. Eu sempre lidei muito bem com ser chamado de tio e em receber os telefonemas e as visitas nos feriados. Você se tornou alguém extraordinário, que me encheu de orgulho a ponto de confiar a você minhas duas coisas mais preciosas: O Harris Palace e Emma. Existe um motivo para o Palace ser o meu hotel favorito. Além de nunca ter envolvido nenhum sócio na administração do mesmo, fui eu quem plantou a primeira viga de sustentação nesse lugar quarenta anos atrás, com minhas próprias mãos. Eu tinha menos de alguns milhares de dólares na conta e estava investindo tudo em meu sonho de hospedar pessoas. Essa sempre foi minha primeira paixão. A segunda surgiu uma década atrás. Tímida, inteligente e abandonada. Emma é um oceano de descobertas e você nunca deu uma chance para conhecê-la. Nunca, nem por um momento eu consegui convencê-lo a parar e encará-la como ela é de verdade, sem os horrores da tragédia e as mentiras que você criou para si mesmo, para se proteger. Vê-la como eu vejo. Nunca houve uma chance, meu filho. Eu nunca tive preferência por nenhum de vocês dois, aliás, meu grande pecado talvez tenha sido amá-los demais, sem ter nenhum direito legal, ou de sangue. Vocês me trouxeram tanta alegria que não houve uma só vez que eu
  • 50. não lamentasse o fato de vocês nunca terem se dado nenhuma chance. Apenas uma chance. É tudo que eu peço. Escolha bem o futuro das vigas do Palace, eu ainda posso sentir os calos que cada uma me deixou. Sinto muito haver partido. Eu também sinto a sua falta. Com amor, Tio Edward”. Eu precisei de muitos minutos para secar as lágrimas e respirar com tranquilidade. Coloquei a carta de volta no envelope e reli algumas partes do contrato mais uma vez, apenas para desencargo de consciência. Liguei para Deluca e avisei que não estaria indo para Denver visitar a obra no fim de semana e passei na sala de Louis e pedi que me enviasse um endereço pelo telefone o mais rápido possível. Sai do prédio e encarei a barulhenta Nova York com obstinação. Eu havia tomado uma decisão e nada me faria voltar atrás, eu só precisava esfriar a cabeça. Passei em casa, tomei um banho e pedi um almoço. Louis me enviou uma mensagem pela tarde. Pensei pela última vez no que iria fazer e em todos os riscos que estava correndo. Era claramente um caminho sem volta. O táxi me deixou no endereço indicado 45 minutos depois. Apertei a campainha e ouvi passos. A porta se abriu e uma Emma vestida com o que parecia roupas de yoga me encarou surpresa. ― O que você está fazendo aqui? - A voz dela soava zangada, o olhar estava indecifrável. ― Vim para te pedir que se case comigo.