Esta tese apresenta um estudo da microscopia de força elétrica em amostras de óxido de grafeno sintetizadas utilizando um método modificado de Hummer. Um modelo simplificado foi desenvolvido para analisar as medições de EFM e determinar a presença e o sinal da carga líquida da amostra, esclarecendo também a origem do fenômeno de borda observado nos experimentos.
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Microscopia elétrica de óxido de grafeno
1. José Júnior Alves da Silva
MICROSCOPIA DE FORÇA ELÉTRICA EM
AMOSTRA DE ÓXIDO DE GRAFENO
Fortaleza
2013
2. José Júnior Alves da Silva
MICROSCOPIA DE FORÇA ELÉTRICA EM AMOSTRA
DE ÓXIDO DE GRAFENO
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Física da Universidade Fe-
deral do Ceará, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Doutor em Física. Área
de Concentração: Física da Matéria Condensada.
Universidade Federal do Ceará – UFC
Departamento de Física
Programa de Pós-Graduação
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Bedê Barros
Fortaleza
2013
3. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca do Curso de Física
S578m Silva, José Júnior Alves da
Microscopia de força elétrica em amostra de óxido de grafeno / José Júnior Alves da
Silva. – Fortaleza, 2013.
100 f.: il. color. enc.; 30 cm.
Tese (Doutorado em Física) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências,
Departamento de Física, Doutorado em Física, Fortaleza, 2013.
Orientação: Prof. Dr. Eduardo Bedê Barros
1. Óxido de grafeno. 2. Eletricidade - EFM. 3. Microscopia - AFM. I. Título.
CDD 537
4.
5. Este trabalho é dedicado aos meus pais,
José Cipriano da Silva e Maria José Alves da Silva,
por serem as pessoas as quais sempre pude contar.
Muitíssimo obrigado.
6. Agradecimentos
Dedico meus sinceros agradecimentos a todas estas pessoas que de uma forma direta ou
indireta contribuíram para a realização deste trabalho
– Aos meus pais e irmãos, primeiramente;
– A todos os amigos, colegas, conhecidos e desconhecidos que estiveram comigo nos
momentos de diversão e descontração, tornado minha jornada mais feliz e interessante;
– A todos os amigos que me apoiaram nos momentos difíceis, seja com palavras de
motivação, trabalho braçal ou mesmo com ajuda financeira;
– Ao departamento de Física e à pós-graduação, por ter me acolhido tão bem e tornado
possível o desenvolvimento desta tese, principalmente na pessoa do professor Eduardo Bedê
Barros;
– Aos que fizeram parte do Laboratório de Microscopia Avançada (LMA), em especial
a Thiago de Melo Santiago, por toda a ajuda e disponibilidade para me passar seus valiosos
conhecimentos.
– À Funcap pelos financiamentos que contribuíram na execução desse trabalho.
7. “Insanidade é continuar fazendo
sempre a mesma coisa e
esperar resultados diferentes”
Albert Einstein
8. Resumo
As estruturas a base de carbono tem um papel de grande importância nos campos da ciência
e da tecnologia. Isso graças à versatilidade do elemento carbono, pilar da química orgânica,
que consegue formar uma diversidade de estruturas (cerca de 10 milhões de compostos), além
de ser um constituinte básico de toda forma de vida conhecida. Dependendo das condições de
formação, este fenomenal elemento, pode se apresentar em diversas formas alotrópicas: desde
um material extremamente frágil, como o grafite, até materiais incrivelmente resistentes como o
diamante, nanotubos de carbono e o grafeno.
Esses materiais grafíticos têm sido extensivamente estudados, apresentando propriedades únicas
e grande potencial em aplicações tecnológicas. Dentre eles, o grafeno ocupa, atualmente, a
posição de maior destaque por possuir propriedades mecânicas e eletrônicas diferenciadas. O
óxido de grafeno é uma classe de estruturas grafíticas constituída basicamente de uma camada
de grafeno decorada com grupos epóxido e hidroxila na superfície e grupos carboxílicos e
carbonila nas bordas. A sua estequiometria depende fortemente do método de obtenção. Esse
material, além de ser uma das principais rotas para a obtenção em larga escala do grafeno,
também apresenta diversas propriedades interessantes, que possibilitam, por exemplo, aplicações
biológicas, uma vez que seus grupos funcionais o tornam bastante reativo além de ser facilmente
dispersado em água.
Muitas questões relacionadas ao óxido de grafeno ainda não estão bem esclarecidas, como sua
própria estrutura, processo de formação e mecanismos de interação. Nesse sentido, foi utilizada,
como principal ferramenta, a microscopia de força elétrica (EFM) para estudar propriedades
eletrostáticas de uma amostra de óxido de grafeno obtida utilizando-se um método de Hummer
modificado [1]. Por meio de um modelo simplificado, foi possível desenvolver um método para
análise das medições de EFM e assim determinar a presença e o sinal da carga líquida da amostra.
Além de ser possível esclarecer a origem do fenómeno de borda observado nos experimentos de
EFM.
Palavras-chaves: Óxido de grafeno. Eletricidade - EFM. Microscopia -AFM.
9. Abstract
Carbon-based structures have played a major role in scientific and technological fields. This
is due to the versatility of the element carbon, the pillar of organic chemistry, which can form
a variety of structures (about 10 million compounds), besides being a basic constituent of all
known life forms. Depending on the conditions, this phenomenal element can occur in several
allotropic forms: from an extremely brittle material, such as graphite, so incredibly resistant
materials such as diamond, carbon nanotubes and graphene.
These graphitic materials have been studied extensively, and present unique properties and great
potential for technological applications. Among these materials, graphene currently occupies the
most prominent position by having special electronic and mechanical properties. The graphene
oxide is a class of graphitic structure consisting essentially of a graphene layer decorated with
epoxide and hydroxyl groups on the surface and carboxyl and carbonyl groups on the edges. Its
stoichiometry depends strongly on the method of production. In addition the graphene oxide is
one of the main routes for obtaining large-scale graphene also it has several interesting properties,
which allow, for example, biological applications, since their functional groups make it very
reactive, besides being easily dispersed in water.
Many issues related to graphene oxide are yet unclear, as also its structure, training procedure
and mechanisms of interaction. Thus, the electric force microscopy (EFM) was used as the main
tool to study electrostatic properties of a graphene oxide sample obtained by a modified Hummer
method [1]. By means of a simplified model, it was possible to develop a method for the analysis
of the EFM measurements and so determine the presence and the sign of the net charge of the
sample. Furthermore it is possible to clarify the origin of the edge phenomenon observed in EFM
experiments.
Key-words: Graphene oxide. Electricity - EFM. Microscopy - AFM.
10. Lista de ilustrações
Figura 1 – Análise da luz infravermelha vinda da nebulosa planetaria Tc 1 e detectada pelo
telescópio espacial Spitzer.[Imagem: NASA/JPL-Caltech/University of Western
Ontario] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Figura 2 – Imagens de TEM de nanotubos de carbono, com uma magnificação de 20.000x [2]. 17
Figura 3 – Linha do tempo de eventos selecionados na história da preparação, isolamento e
caracterização do grafeno.[3] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Figura 4 – Esquema da geração das demais estruturas grafíticas a partir do grafeno [4] . . . . 24
Figura 5 – Esquema da estrutura cristalina do grafeno. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Figura 6 – Espectro de dispersão do grafeno, referente aos elétrons π. . . . . . . . . . . . . 26
Figura 7 – Resistência, densidade de portadores e mobilidade do grafeno.[5] . . . . . . . . . 28
Figura 8 – Efeito Hall Quântico para os fermion de Dirac.[6] . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Figura 9 – Esquema do experimento realizado para determinar as propriedades elásticas do
grafeno suspenso.[7] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Figura 10 – Transmitância da luz sobre o grafeno.[8] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Figura 11 – Espectro Raman do grafeno (a esquerda) e os processos de espalhamento referentes
a cada pico do espectro (direita).[9] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Figura 12 – Grupos funcionais encontrados no óxido de grafeno. . . . . . . . . . . . . . 35
Figura 13 – Modelo esquemático da estrutura do óxido de grafeno 13. . . . . . . . . . . 36
Figura 14 – Esquema mostrando várias configurações das ligações de Hidrogênio no óxido de
grafite. As linhas cinza representam as camadas de grafeno. Figura adaptada do
artigo [10]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Figura 15 – Comparação da resistência à tração σ e módulo de Young E ente um conjunto de
materiais tipo papel (esquerda). As diferentes cores representam os valores mínimos
e máximos das grandezas. A direita, temos uma imagem de um pedaço de GO tipo
papel e uma ampliação da sua secção transversal feita por MEV. Figuras adaptadas
dos artigos [11, 12]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Figura 16 – Esquema de um dispositivo que permite filmes finos de óxido de grafeno serem
reduzidos e oxidados eletricamente.[13] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Figura 17 – Diagrama de funcionamento do sistema de retroalimentação em um microscópio de
varredura por sonda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Figura 18 – (a) Disposição experimental do primeiro AFM. (b) Dimensões do cantiléver que
suporta a ponta.[14] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
11. Figura 19 – Esquema de detecção ótica da deflexão do cantiléver do AFM. Um laser é refletido
na superfície do cantiléver e depois direcionado por um espelho para um fotodetector.
Inicialmente o laser é regulado para atingir o centro dos quadrantes do fotodetector.
Quando o cantiléver sofre alguma deflexão o laser atinge um dos quadrantes e dessa
forma a deflexão pode ser mensurada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Figura 20 – Modos de operação do AFM, referentes ao alcance das interações sonda-amostra. . 46
Figura 21 – Visão esquemática superior e lateral de um cantiléver genérico microfabricado. A
maioria dos cantiléveres possuem esse formato, em especial, os de operação em
modo dinâmico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Figura 22 – Cantiléver comumente utilizado no modo de contato do AFM . . . . . . . . . . . 48
Figura 23 – Modo de contato intermitente (tapping) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Figura 24 – Esquema de funcionamento dos modos de modulação de amplitude e modulação de
frequência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Figura 25 – Esquerda: Esquema da medida de topografia feita no modo tapping. Direita: Medida
de EFM, onde o cantiléver é erguido à uma distância média fixa z da superfície da
amostra. A primeira media é necessária para que se obtenha o perfil topográfico e seja
mantida constante a distância sonda-amostra. O cantiléver é excitado próximo a sua
frequência de ressonância f0, e o sinal de EFM consiste na variação de frequência
∆f do cantiléver. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Figura 26 – Duplo passo na detecção do potencial de superfície. . . . . . . . . . . . . . . . 54
Figura 27 – Esquema das capacitâncias laterais C1(z), C2(z), ..., Ci(z) entre a ponta do cantilé-
ver e uma superfície com potenciais locais heterogêneos Φ1, Φ2, ..., Φi. . . . . . . 56
Figura 28 – Amostras de óxido de grafeno. (a) Amostra bruta, logo após o processo de
síntese. (b) Amostra dialisada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Figura 29 – Difratômetro Shimadzu XRD-7000. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Figura 30 – Microscópio de varredura eletrônica TESCAN. . . . . . . . . . . . . . . . 64
Figura 31 – Espectrômetro FT-IR Bruker VERTEX 70. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Figura 32 – Microscópio Raman confocal Witec. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Figura 33 – AFM. (a) Detalhe do suporte da amostra. (b) Scanner (c) Visão geral do AFM. 65
Figura 34 – Sonda de EFM. frequência nominal f0 = 75 kHz e constante de mola nominal
k = 2,8 N/m. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Figura 35 – Esquema de montagem dos experimentos de EFM. . . . . . . . . . . . . 66
Figura 36 – XRD do óxido de grafite. O gráfico inset mostra o difratograma do grafite. . . . . . 68
Figura 37 – Espectro infravermelho do GO. Inset: Ampliação da região demarcada em cinza. . 69
Figura 38 – Espectro FTIR da amostra de óxido de grafeno (modo absorbância). O espectro
em preto é referente a amostra pouco tempo depois da sua preparação, enquanto o
espectro em vermelho se refere a amostra depois de um período de mais de um ano
desde sua preparação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
12. Figura 39 – Imagem de SEM de uma amostra de Óxido de grafeno em forma de um filme.
Podemos ver a estrutura rugosa formada devido ao seu constituinte microscópico. . 71
Figura 40 – Espectro da energia dispersiva de raios-X (EDX) de uma amostra de óxido de grafite 71
Figura 41 – Espectro Raman do óxido de grafeno. Medidas realizadas com um laser de compri-
mento de onda 488 nm e uma potência de 15 mW. Três medidas foram realizadas
em três regiões diferentes da amostra (pontos 1, 2 e 3). O espectro tomado no ponto
2 (vermelho) indica a presença de regiões grafitizadas. . . . . . . . . . . . . . . 71
Figura 42 – Comparação dos espectros Raman das estruturas grafíticas sp2 . . . . . . . . . . 72
Figura 43 – Raman do óxido de grafeno. (a) Imagem ótica de um flake de óxido de grafeno. (b)
Mapeamento da banda G sobre a região demarcada em (a). (c) Espectros Raman do
ponto indicado em (a) e a comparação com o espectro do grafeno. . . . . . . . . . 73
Figura 44 – Imagem AFM de um típico flake de óxido de grafeno. O perfil plotado sobre a
imagem é a secção tomada sobre a linha tracejada. A área varrida pela imagem é de
7 µm× 7 µm e o diâmetro médio do flake é de 3,1 µm. . . . . . . . . . . . . . . 74
Figura 45 – Medidas de EFM realizadas em dois flakes distintos e com aplicação de 10 e -10
Volts na sonda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Figura 46 – AFM, EFM e KFM de um flake de óxido de grafeno. Para as imagens de EFM a
escala representa -15 µm↔ +15 µm, para o AFM -5,0 µm↔ +5,0 µme para o KFM
-65 mV ↔ +65 mV. O gráfico abaixo e a direita representa o perfil do KFM tomado
ao longo de uma linha vertical que passa pelo centro do flake. A área varrida pelas
imagem é de 10 µm × 10 µm e foi utilizado um lift de 100 nm. . . . . . . . . . . 76
Figura 47 – Diferença de potencial amostra-substrato vs diâmetro médio da amostra. . . . . . 76
Figura 48 – Variação de potencial aplicado a sonda de EFM. A imagem (a) é a imagem
de topografia de um flake de óxido de grafeno, feita no modo tapping. As
figuras seguintes são imagens de EFM variando o potencial da sonda desde
-12 V a 12 V, com incrementos de 2 V em cada medida. A segunda varredura
das medidas de EFM foram realizadas a 100 nm da superfícies e a área varrida
foi de 3µm × 3µm. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Figura 49 – Medida de EFM: (a) imagem de altura e (b) imagem de frequência. A área varrida
nas imagens é de 2 µm × 2 µm. Para a imagem de frequência (b), foi utilizado um
lift de 100 nm e um potencial de 10 V. Em (c) são mostrados os perfis das imagens
de EFM da figura 48 tomados ao longo da linha mostrada em (b). . . . . . . . . . 79
Figura 50 – Perfil das imagens de EFM para os diversos valores de potencial da sonda. Os perfis
a esqueda (a,c) são refetentes a borda esquerda da amostra e os perfis a esquerda
(b,d) são referentes a borda direita. Os perfis acima (a,b) são referentes a aplicação
de potenciais negativo na sonda e os perfis abaixo (c,d) se referem a aplicação de
potenciais positivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Figura 51 – Comparação do perfil de topografia com o perfil de EFM. . . . . . . . . . . . . . 80
Figura 52 – Variação de frequência vs potencial da sonda. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
13. Figura 53 – EFM de uma amostra de grafeno antes e depois de ser oxidada. . . . . . . . . . . 81
Figura 54 – Esquema de capacitores em série aplicado a modelagem do problema. . . . . . . . 82
Figura 55 – Esquema do efeito de borda observado nas medidas de EFM. . . . . . . . . . . . 83
Figura 56 – Efeito de borda do EFM, obtido a partir do modelo proposto. . . . . . . . . . . . 85
Figura 57 – Perfil do caminho percorrido pela sonda de EFM. . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Figura 58 – Contribuição quadrática em V para variação da frequência nas medidas de EFM. . 87
Figura 59 – Contribuição linear em V para variação da frequência nas medidas de EFM. . . . . 87
Figura 60 – Contribuição independente de V para variação da frequência nas medidas de EFM. 88
Figura 61 – Modelo EFM. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Figura 62 – Perfil da variação de frequência na medida de EFM quando a = a . . . . . . . . . 89
Figura 63 – Efeito de borda observado nas medidas de EFM. . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
Figura 64 – Variação de frequência vs potencial da sonda. Comparação entre os dados experi-
mentais e os dados obtidos pelo modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
14. Lista de tabelas
Tabela 1 – Módulo de Young. Comparação entre os módulo de Young do GO de 1, 2 e 3
camadas e o grafeno.[15] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Tabela 2 – Diferença de potencial entre a amostra e o substrato e o valor do diâmetro médio
dos flakes de óxido de grafeno. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
17. 16
Introdução
Os materiais a base de carbono têm sido estudados desde muito tempo. No entanto, até
algumas décadas atrás, o grafite e o diamante eram praticamente as únicas estruturas alotrópicas
conhecidas do carbono.
Em 1985, pesquisadores descobriram uma nova forma alotrópica do carbono, o fulereno
[16]. Na realidade, o fulereno representa uma classe de estruturas, cuja a mais conhecida é
a C60 (ou buckyballs, em homenagem ao arquiteto Buckminster Fuller), que é formada por
60 átomos de carbono distribuídos em hexágonos e pentágonos de forma a constituirem uma
estrutura semelhante a uma bola de futebol. Essa estrutura zero-dimensional tem uma elevada
estabilidade estrutural (é necessária uma temperatura de cerca de 1000 ◦
C para se quebrar essa
estrutura) e possui propriedades químicas e físicas de grande interesse científico e tecnológico.
Recentemente, em 2010, essas moléculas foram encontradas no espaço por um telescópio da
NASA (figura 1), sendo até então as maiores moléculas já encontradas no espaço.
Figura 1 – Análise da luz infravermelha vinda da nebulosa planetaria Tc 1 e detectada pelo telescópio
espacial Spitzer.[Imagem: NASA/JPL-Caltech/University of Western Ontario]
Em 1991, os nanotubos de carbono foram observados experimentalmente por Iijima
[17] , o qual é frequentemente citado como o descobridor dessas estruturas, apesar de haverem
relatos de que um grupo de pesquisadores russos já havia observado essas mesmas estruturas
18. Introdução 17
alguns anos antes1
[2], como é mostrada na figura 2. Na realidade, Iijima foi, indiscutivelmente,
o primeiro a observar nanotubos de uma única camada. Antes dele, as observações se limitavam
a tubos de camadas múltiplas.
A estrutura dos nanotubos de carbono pode ser formada, teoricamente, a partir do
enrolamento de uma folha de grafeno (rede hexagonal formada por átomos de carbono como
base, lembrando uma tela de galinheiro). A maneira como essa folha é enrolada (quiralidade)
determina grande parte das propriedades do nanotubo, por exemplo, se ele será metálico ou
semicondutor. Os nanotubos de carbono são estruturas cristalinas unidimensionais, o que os torna
ótimos emissores de elétrons, podendo ser utilizados como componentes de telas eletrônicas
[18, 19, 20]. Além disso possuem extraordinária resistência à tensão, sendo cerca de 50 vezes
mais resistente que o aço [21, 22]. Apresentam ainda, extrema dureza (resistência a compressão)
na direção axial e enorme flexibilidade na direção radial [23]. Isso, aliado ao fato de serem um
material bastante leve, os tornam potencialmente adequado para utilização em coletes a prova de
bala, indústria aeroespacial, ou mesmo na indústria civil. Inúmeras outras potenciais aplicações
podem ser atribuídas aos nanotubos de carbono.
Figura 2 – Imagens de TEM de nanotubos de carbono, com uma magnificação de 20.000x [2].
Mais recentemente, em 2004, o grupo do professor Geim conseguiu obter em laboratório
o grafeno [24], que é a estrutura básica do grafite, contrariando as predições teóricas de sua
inexistência em temperatura ambiente. O grafeno também detém diversas propriedades inte-
1
Em 1952, dois pesquisadores russos, L. V. Radushkevich e V. M. Lukyanovich, descreveram a produção em
nanoescala de filamentos tubulares de carbono [2]; publicado em russo durante a Guerra Fria, o trabalho
recebeu pouca atenção no Ocidente.
19. Introdução 18
ressantes, dentre as quais, as que mais despertaram a atenção da comunidade científica, foram
a existência de elétrons super velozes que “possuem” massa quase nula (elétrons de Dirac) e
o efeito Hall quântico em temperatura ambiente. Outros fenômenos de transporte envolvem
o transporte balístico de elétrons, o que abre uma perspectiva de construção de microchips
ultravelozes.
Um outro avanço relacionado ao grafeno foi a descoberta de que esse material absorve
apenas 2,3% da luz que nele incide, num intervalo de frequências que vai do infravermelho ao
ultravioleta [8], o que permite sua utilização como eletrodos metálicos transparentes na indústria
de cristais líquidos e células solares. Além de suas propriedades eletrônicas, esse material é o
mais forte (resistente a tensão) já medido, cerca de 200 vezes mais forte que o aço [25].
Sistemas compostos de duas camadas de grafeno podem ter suas estruturas eletrônicas
alteradas de forma controlada. Com ajuste da concentração de portadores de carga em cada uma
das camadas, alterações do potencial Coulombiano levam a um controle na abertura do gap entre
as bandas de valência e condução. Essa característica abre uma possibilidade para sua utilização
como dispositivo de controle em escala atômica [26].
Em resumo, essas estruturas carbonáceas, e em especial o grafeno, abriram novos cami-
nhos para o conhecimento da ciência fundamental, trazendo a promessa de aplicações tecnológi-
cas em escala nanométrica que até sua descoberta eram inimagináveis.
Nesse contexto, surge o interesse por uma estrutura derivada do grafeno: o óxido de
grafeno. Ele é basicamente constituído de uma folha de grafeno adicionada de grupos hidroxila e
epóxido, que o dotam de um caráter anfifílico, sendo suas bordas predominantemente hidrofílicas
e seu plano basal predominantemente hidrofóbico. Ele pode ser dispersado em solução água, o
que, juntamente com algumas características herdadas do grafeno, pode ser de grande utilidade
em diversas aplicações. O óxido de grafeno também pode agir como um agente dispersante para
materiais insolúveis em água como grafite e nanotubos de carbono.
Apesar de ser extremamente simples a obtenção de uma única camada de grafeno, sua
produção em escala industrial ainda é um entrave. Sendo assim, a utilização do óxido de grafeno
como um meio de obtenção dessas estruturas pode desempenhar um papel fundamental no
desenvolvimento tecnológico nessa área.
O óxido de grafite é conhecido e tem sido estudado há muito tempo. No entanto, seu
constituinte monolamelar, o óxido de grafeno, que representa uma classe de nanoestruturas, só
recentemente vem sendo estudada. Dessa forma, muitas lacunas sobre o conhecimento desse
material ainda se encontram em aberto, tais como, sua estrutura precisa e o seu processo de
formação. Por ser uma estrutura de grande interesse no âmbito científico e tecnológico, o estudo
e entendimento de suas propriedades são de grande importância.
O objetivo desta Tese é estudar as estruturas de óxido de grafeno, formadas por um
processo baseado no método de Hammer (descrito no decorrer do texto), caracterizando-as
20. Introdução 19
por meio de diversas técnicas e investigando suas propriedades eletrostáticas com o auxílio de
microscopia de varredura por sonda. Basicamente, a tese está dividida em três partes: Inicialmente
serão expostas as principais propriedades e algumas aplicações reportadas na literatura, tanto do
óxido de grafeno como do seu constituinte básico, o grafeno. Posteriormente, será discorrido
sobre os fundamentos da principal técnica utilizada no decorrer desse trabalho, a microscopia
de varredura por sonda (AFM, EFM, KFM e MFM). E por fim, serão expostos e discutidos os
resultados obtidos.
21. 20
1 Fundamentação Teórica
O grafeno tem tido um grande destaque na área das ciências dos materiais e física da ma-
téria condensada. Isto, devido às suas excitantes propriedades que vêm despertando interesse em
um número crescente de grupos de pesquisa e empresas. Este material possui uma área superficial
específica bastante elevada (2630 m2
/g), alta mobilidade eletrônica (superior a 2Ö105
cm2
/vg)
[27, 28], alta dureza (modulo de Young da ordem de 1 TPa) [25]1
, alta condutividade térmica
(da ordem de 5, 30Ö103
W/mK) [29], e sua alta condutividade elétrica e alta transmitância ótica
(acima de 95%) faz dele um excelente candidato para aplicações como eletrodos transparentes
[30, 31]. Essas, entre outras, propriedades dão a este incrível material um grande potencial de
aplicações científicas e tecnológicas.
Como uma membrana robusta e flexível, o grafeno apresenta possibilidades praticamente
infinitas de modificação ou funcionalização da sua estrutura dorsal [32]. Dentre essas diversas
possibilidades, uma interessante estrutura é o óxido de grafeno que além de ser um precursor
para a produção em larga escala do próprio grafeno [33] também possui propriedades próprias
bastante interessantes, dentre elas podemos citar a sua dispersividade em água, característica não
encontrada no grafeno, o que o torna um excelente candidato para aplicações biológicas.
1
Para a maioria dos metais o módulo de Young varia entre 45 GPa, para o magnésio, até 400 GPa, para o
tungstênio.
22. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 21
1.1 Breve história
O termo grafite é derivado da palavra grega “graphein” que significa escrever. Esse
material apresenta propriedades únicas, principalmente se analisada a sua estrutura básica,
uma única camada da sua estrutura lamelar. Já na década de 1940[34], uma série de análises
teóricas sugeriam que se fosse obtido uma camada do grafite de forma isolada ela apresentaria
propriedades eletrônicas fabulosas, como por exemplo, uma condutividade elétrica 100 vezes
maior que na forma bulk. Algumas décadas depois, essa predição não foi exatamente confirmada,
no entanto, diversas outras propriedades, incluindo propriedades físicas até então desconhecidas,
foram observadas.
Camadas de átomos de carbono extraídas do grafite são comumente denominadas de “gra-
feno”. Apesar deste termo frequentemente ser usado para designar uma variedade de estruturas,
uma definição precisa desse material foi proposta em 1986 quando Boehm et al. recomendaram
a padronização do termo: “ a terminação -eno é usada para os hidrocarbonetos aromáticos
policíclicos fundidos, mesmo quando a raiz do nome é de origem trivial, por exemplo, naftaleno,
antraceno, tetraceno, coroneno, ovaleno. Uma única camada de carbono da estrutura grafítica
deve ser o membro final de tamanho infinito desta série. O termo “grafeno” deve ser utilizado para
tal camada única de carbono”[35]. Em 1997, a IUPAC (International Union of Pure and Applied
Chemistry - União Internacional de Química Pura e Aplicada) incorpora em seu compêndio de
tecnologia química essa recomendação: “previamente, descrições tais como camadas de grafite,
camadas de carbono e folhas de carbono tem sido usadas para o termo grafeno. Por que grafite
designa aquela modificação do elemento químico carbono, na qual folhas planares de átomos
de carbono, cada átomo se liga a três vizinhos numa estrutura tipo colmeia, são dispostas em
uma ordem regular tridimensional, não é correto usar para uma única camada um termo que
inclui a palavra grafite, o qual implicaria uma estrutura tridimensional. O termo grafeno deveria
ser usado apenas quando as reações, relações estruturais ou outras propriedades das camadas
indiviuais são mencionadas.”[36]
Na década de 1930, Landau e Peierls afirmaram que cristais estritamente bidimensionais
seriam termodinamicamente instáveis e portanto não poderiam existir.[37, 38] Eles argumen-
taram que as flutuações térmicas em redes cristalinas de baixa dimensionalidade levariam a
grandes deslocamentos dos átomos da rede, comparáveis às distâncias interatômicas, em qualquer
temperatura finita, o que os tornariam instáveis. Mais tarde, essa teoria veio a ser suportada
por Mermin[39] e mais uma gama de observações experimentais. A temperatura de fusão para
filmes finos decresce rapidamente com a diminuição da espessura, ficando instável e formando
ilhas segregadas ou se decompondo a partir de uma espessura da ordem de dezenas de camadas
atômicas.[40, 41]
O óxido de grafite (e o óxido de grafeno - GO-Graphene Oxide, uma única camada) tem
um papel muito importante na história do grafeno. Uma vez que, atualmente o grafeno e um
material relacionado chamado “óxido de grafeno reduzido”(r-GO - reduced graphene oxide),
23. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 22
têm sido obtidos a partir da manipulação do GO, que por sua vez tem sido largamente estudado
há quase dois séculos.
Já na década de 1840 se tem os primeiros relatos de obtenção de óxido de grafite, grafite
intercalado e a esfoliação do grafite por meio de ácidos ou metais alcalinos.[42, 43, 3] Nos
compostos de grafite intercalado, a estrutura de empilhamento de camadas se mantém. No
entanto, a distância entre as camadas pode sofrer um aumento de vários Angstroms ocasionando
um comportamento da estrutura eletrônica típica de uma única camada. Esse comportamento
da estrutura eletrônica levou, em alguns casos, a observações intrigantes, como por exemplo, a
detecção de efeitos de supercondutividade em tais materiais [44, 45, 46]. Isso, na realidade, foi o
prenúncio das incríveis propriedades eletrônicas do grafeno livre, posteriormente demonstradas.
Em 1859, Brodie modificou o método de intercalação do grafite, anteriormente des-
crito por Schafhaeutl, utilizando ácidos fortes (sulfúrico e nítrico) e oxidantes (como KClO3).
Esse procedimento não só resultou na intercalação das camadas do grafite como também na
modificação estrutural de suas superfícies, formando assim, o óxido de grafite. A modificação
química das camadas do grafite diminui a interação interplanar que mantém o empilhamento
das camadas. Dessa forma, mediante uma fonte energética, como ultrassom ou fonte térmica,
é possível obter a dissociação das camadas. Esse tipo de procedimento tem se mostrado útil
para diversos propósitos, incluindo a preparação de compostos intercalados, óxido de grafite,
e a obtenção de camadas simples de óxido de grafeno e óxido de grafeno reduzido. Décadas
depois, Staudenmaier propôs uma pequena modificação no método de Brodie, acrescentando
o sal clorado em diversas alíquotas ao longo do processo de reação, em vez de uma única
porção. Esses experimentos de intercalação e oxidação do grafite são os primeiros exemplos de
dissociação do grafite em seus constituintes lamelares. Ainda hoje, esses métodos ou similares
são bastante utilizados na obtenção de óxido de grafeno reduzido e outros tipos de grafeno
quimicamente modificados.[3]
Na figura 3, estão selecionados alguns eventos que culminaram na obtenção do grafeno
isolado: Em 1962, Boehm et al.(1962), obtiveram por meio de esfoliação química e térmica o
óxido de grafeno reduzido isolado [47]. Em 1968, Morgan e Somorjai, utilizando Difração de
elétrons de baixa energia (LEED - Low-Energy Electron Diffraction), investigaram a absorção
de diversos gases de moléculas orgânicas na superfície da Platina [48]. Em 1969, May analisa
esses dados e afirma que existem camadas simples de material grafítico resultantes do processo
de absorção [49]. Em 1975, van Bommel et al. obtiveram camadas simples de carbono consis-
tentes com a estrutura do grafeno, mediante a sublimação do carbeto de silício. Estruturas com
múltiplas camadas também foram encontradas, sendo o número de camadas dependente das
condições experimentais empregadas [50]. Em 1999, Ruoff at al. utilizaram um procedimento
micromecânico para obter finas lamelas compostas de múltiplas camadas de grafeno. Nesse
processo, um padrão de litografia do HOPG é combinado a um procedimento de etching com
plasma de oxigênio para formar pilares, os quais são transformados em finas lamelas por meio de
24. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 23
fricção [51, 52]. Finalmente, em 2004, Geim at al. aperfeiçoaram a ideia de clivagem mecânica
do HOPG, mostrando que quando a superfície do HOPG é pressionada sobre a superfície de
um wafer de Silício e então removida, finas camada de grafeno permanecem na superfície
do substrato podendo ser observada com o auxílio de um microscópio ótico [24]. Apesar de
anteriormente já se ter sido obtida uma única camada de grafeno, esse método possibilitou, pela
primeira vez, o estudo detalhado de suas propriedades de transporte. Uma vez que o grafeno
pôde ser depositado sobre um isolante elétrico (óxido de silício).[3]
Óxido de grafite
preparado por
Schafhaeutl, Brodie,
Staudenmaier,
Hummers e outros
Morgan e Somorjai
obtiveram o padrão de
LEED produzido pela
adsorção de uma pequena
molecula de Pt(100)
Blakely et al prepara
grafite de uma única
camada segregando
carbono na superfície
de Ni(100)
Boehm et al
recomendam a
utilização do termo
"grafeno" para
descrever camadas
simples de carbono
tipo grafite
Ruoff et al exfoliam
micromecanicamente o
grafite em finas lamelas
compostas de multiplas
camadas
1840-1958 1962 1968 1969 1970 1975 1986 1997 1999 2004
Geim at al
preparam o
grafeno via
exfoliação
micromecânica
Boehm at al
preparam o óxido
de grafeno reduzido
(r-GO) por redução
química e térmica
do óxido de grafite
May interpreta os
dados coletados por
Morgan e Somorjai
como a presença de
uma monocamada
de grafite na
superfície de Pt
van Bommel at al
preparam
monocamadas
de grafite por
sublimação do
silicio a partir do
carbeto de silicio
IUPAC formaliza a definição de grafeno:
"O termo grafeno deve ser usado apenas
quando as reações, relações estruturais
ou outras propriedades de camadas
individuais são discutidas."
Figura 3 – Linha do tempo de eventos selecionados na história da preparação, isolamento e caracterização
do grafeno.[3]
25. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 24
1.2 Grafeno
O grafeno é uma estrutura bidimensional constituída de átomos de carbono, cujo arranjo
assemelha-se a forma hexagonal de uma colmeia. Essa estrutura pode ser considerada como a mãe
das estruturas puramente grafíticas, pois a partir da qual outras estruturas com dimensionalidades
diferentes podem ser criadas (ver figura 4).
Figura 4 – Esquema da geração das demais estruturas grafíticas a partir do grafeno [4]
A rede hexagonal apresentada pelo grafeno pode ser pensada como a superposição de
duas redes triangulares que coincidem mediante uma operação de inversão. O vetores de rede −→a1
e −→a2, que identificam todos os elementos de uma dessas redes triangulares, podem ser vistos na
figura 5. Esses vetores da rede podem ser escritos como:
a1 =
a
2
(3,
√
3), a2 =
a
2
(3, −
√
3), (1.1)
onde a = 1.42Å é a distância carbono-carbono no grafeno. Os correspondentes vetores do
espaço recíproco serão dados por:
b1 =
2π
3a
(1,
√
3), b2 =
2π
3a
(1, −
√
3). (1.2)
Como consequência dessa estrutura, a primeira zona de Brillouin apresenta dois pontos
não-equivalentes K e K , denominados pontos de Dirac, onde ocorrem um cruzamento das
26. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 25
Figura 5 – Esquema da estrutura cristalina do grafeno.
bandas de valência e uma condução (figura 6). As posições desses pontos no espaço recíproco
são dadas por:
K1 =
2π
3a
(1,
1
√
3
), K2 =
2π
3a
(1, −
1
√
3
). (1.3)
Segundo o modelo de Tight-binding, o Hamiltoniano para os elétrons considerando que
os elétrons podem saltar tanto para os átomos mais próximos como para os segundos vizinhos é
dado por (com = 1):
H = −t
i,j ,σ
(a†
σ,ibσ,j + h.c.) − t
i,j ,σ
(a†
σ,iaσ,j + b†
σ,ibσ,j + h.c.), (1.4)
onde a†
σ,i (aσ,i) cria (destrói) um elétrons com spin σ = up, down no sítio Ri da sub-rede A
(onde é considerado apenas os átomos do tipo A). Para a sub-rede B, adota-se uma definição
equivalente. t (≈ 2.8eV ) e t (≈ 0.1eV ) são as energias para os elétrons saltarem para os
primeiros e segundos vizinhos, respectivamente. As bandas de energia para esse Hamiltoniano
têm a forma:
E±(k) = ±t 3 + f(k) − t f(k), (1.5)
f(k) = 2 cos(
√
3kya) + 4 cos(
√
3
2
kya) cos(
3
2
kxa), (1.6)
onde o sinal positivo representa a banda superior (π) e o negativo a inferior (π∗
). Da equação
1.5, percebemos que quando t = 0 então as bandas são simétricas em torno da energia zero.
Na figura 6, vemos o espectro de energia para toda a zona de Brillouin. A estrutura de bandas
próxima aos pontos de Dirac tem uma dispersão cônica:
E±(q) ≈ ±vF |q| + O(q2
), (1.7)
onde q é o momento medido a partir dos pontos de Dirac e vF é a velocidade de Fermi dada por
vF = 3ta/2 (∼ 106
ms−1
) [34].
27. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 26
A principal diferença entre esse resultado e o do caso usual, v = q2
/2m, sendo m a massa
do elétron, é que a velocidade de Fermi, na equação 1.7, não depende da energia. A dispersão
de energia da equação 1.7 assemelha-se a energia de partículas sem massa ultra-relativísticas,
descritas pela equação de Dirac.
Figura 6 – Espectro de dispersão do grafeno, referente aos elétrons π.
Os estados eletrônicos nas proximidades dos pontos de Dirac são compostos por estados
pertencentes tanto a sub-rede A quanto a sub-rede B. Dessa forma, ambas as contribuições
devem ser levadas em conta, o que é feito considerando uma função de onda constituída de duas
componentes. O Hamiltoniano efetivo pode então ser expresso pela equação de Dirac:
ˆH =
0 kx − iky
kx + iky 0
= νF σ · k, (1.8)
na qual k é o momento da quasi-partícula no grafeno e σ é a matrix de Pauli. Essa descrição
do grafeno é similar a função de onda spinor na eletrodinâmica quântica, mas com os subín-
dices representando as sub-redes distintas do grafeno ao invés do spin real dos elétrons, e são
frequentemente denominados “pseudospins".
Como um semicondutor de gap zero, o grafeno pode apresentar tanto portadores de carga
positivo quanto negativo, sendo possível uma alternação contínua entre elétrons e buracos com
uma concentração ∼ 1013
cm−2
, e com mobilidade de portador (µ) de até 15000 cm2
V −1
s−1
em
temperatura ambiente. Essa propriedade pode ser observada variando-se uma tensão de gate Vg
aplicada ao grafeno, a partir da qual, se obtém uma concentração de portadores n = αVg, que
28. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 27
utilizando um substrato de SiO2 de 300 nm como dielétrico no dispositivo de efeito de campo,
α ≈ 2, 2 × 1010
cm−2
V −1
. Para uma amostra extremamente pura e suspensa (para eliminar a
interação com o substrato), é possível atingir uma excepcional mobilidade eletrônica superior a
200000 cm2
V −1
s−1
com uma concentração de ∼ 2×1011
cm−2
.[27] A condução dos portadores
é simétrica como relação ao ponto de Dirac, como é mostrado na figura 7, indicando uma
mobilidade idêntica entre elétrons e buracos. A fraca dependência de µ com a temperatura indica
que os principais responsáveis por espalhamentos dos portadores são impurezas ou defeitos
presentes no grafeno, o que permite melhorias em dispositivos futuros mediante aperfeiçoamento
de técnicas de crescimento e purificação.[6]
Na figura 7, também podemos ver outra notável propriedade dos portadores presentes no
grafeno. Embora a densidade de portadores tenda a zero, a medida que se aproxima do ponto de
Dirac, a resistividade ρxx (calculado a partir de Rxx, utilizando a geometria do dispositivo) per-
manece finita, ou seja, apresenta uma condutividade mínima. Experimentalmente os dispositivos
apresentam ρxx que varia de 2 a 7 kΩ para baixas temperaturas.[6, 5] A origem dessa condutivi-
dade ∼ 4e2
/h ainda não é bem conhecida, sendo necessário a realização de um número maior
de experimentos, especialmente com substratos livres de impurezas ou dispositivos suspensos.
Na presença de um campo magnético perpendicular a superfície do grafeno, o espectro
de dispersão linear dos fermions de Dirac evoluem para níveis de Landau (NL) discretos dado
por
En = ±vF 2e |n|B. (1.9)
Enquanto os semicondutores 2D normalmente apresentam uma dependência linear de En com
relação a B, o grafeno se distingue desses materiais com uma dependência em
√
B.[53] Devido
a grande diferença de energia entre os NL, com ∆E0,1 = 240meV a 45 T, é possível observar o
efeito Hall quântico(EHQ) mesmo em temperatura ambiente.[54] Incluindo as degenerescências
devido aos spins e as sub-redes, o número de estados para cada NL é 4eB/h. Devido ao toque
da bandas nos pontos K e K’ o nível de Landau n = 0 é compartilhado igualmente entre elétrons
e buracos. Utilizando essa contagem para os NL, ocorre o surgimento do EHQ com índices
semi-inteiros para os NL (figura 8), os quais podem ser entendidos como uma sequência de
números inteiros convenientemente escolhidos com um deslocamento de fase de π, denominada
fase de Berry.
Quando o grafeno é submetido a campos magnéticos superintensos, maiores que 45 T, há
o surgimento de novos platôs em σxy com valores inteiros ν = 0, ±1, ±4. Esse novos platôs não
podem ser explicados apenas pela quantização de Landau. Apesar do índice ν = ±4 ter como
origem o desdobramento Zeeman[55], a natureza dos demais índices ainda não é bem entendida.
Do ponto de vista de propriedades mecânicas, o grafeno é um dos materiais mais
resistentes já medidos. Através de medidas de nanoindentação com uma sonda de AFM em
superfícies de grafeno suspensa, foi possível determinar seu módulo de Young, 1,0 TPa e a
tensão de fratura, 130 GPa.[7] Um esquema de como foi montado esse experimento pode ser
29. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 28
Figura 7 – Resistência, densidade de portadores e mobilidade do grafeno.[5]
visto na figura 9.
Uma outra propriedade do grafeno, recentemente descoberta, é a sua “invisibilidade à
água”. Ou seja, quando uma superfície é recoberta por uma única camada de grafeno ela continua
interagindo com as moléculas de água ignorando totalmente a presença do grafeno, de forma que
a maneira como as gotas se espalham na superfície não é alterada. O que era algo não esperado
já que o grafeno é conhecidamente um material hidrofóbico. Esse fenômeno pode ser explicado
devido a espessura de um único átomo da estrutura do grafeno, ou seja, por ser muito fino, a
interação entre a superfície abaixo do grafeno e as moléculas de água, que em alguns casos se
deve a forças de van der Waals (alcance de alguns nanômetros), não é alterada. O grafeno possui
uma estrutura tão compacta que não permite a passagem de um único núcleo atômico, assim ele
pode ser utilizado para evitar a oxidação de superfícies metálicas, como cobre, ouro e silício, sem
interferir na sua interação com as moléculas de água. Como aplicação prática dessa descoberta,
o grafeno poderia ser utilizado no recobrimento de superfícies de cobre em desumidificadores,
pois o cobre sofre um diminuição na sua capacidade de transmissão de calor quando é oxidado.
30. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 29
Figura 8 – Efeito Hall Quântico para os fermion de Dirac.[6]
Figura 9 – Esquema do experimento realizado para determinar as propriedades elásticas do grafeno
suspenso.[7]
Essa mesma ideia pode ser aplicada para melhorar a dissipação de calor em processadores de
computador.[56]
O grafeno apresenta uma transmitância para luz visível ∼ 97,7%, caindo linearmente a
medida que o número de camadas aumenta, como pode ser visto na figura 10. Essa quase total
transparência à luz visível permite a utilização desse material, por exemplo, em dispositivos
eletrônicos transparentes.[8]
31. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 30
Figura 10 – Transmitância da luz sobre o grafeno.[8]
1.2.1 O espectro Raman do grafeno
O espectro Raman do grafeno possui como padrão dois picos bem característicos, a
banda G em ∼ 1580cm−1
e a banda 2D (historicamente chamada de G ) em ∼ 2700cm−1
.
Quando a estrutura cristalina não é perfeita, com a presença de defeitos, surge uma banda,
denominada banda D, com uma frequência de aproximadamente metade da banda 2D (por volta
de 1350cm−1
)2
. Um outro modo que pode estar presente no espectro Raman do grafeno, é a
chamada banda D que aparece em ∼ 1620cm−1
, e também está relacionada a desordem no
sistema (ver figura 11).
Figura 11 – Espectro Raman do grafeno (a esquerda) e os processos de espalhamento referentes a cada
pico do espectro (direita).[9]
A banda G é um processo de primeira ordem proveniente do modo de estiramento dos
2
Valores de frequência para uma energia de laser de excitação de 2,41 eV.
32. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 31
pares de carbono sp2
, sendo o único processo de primeira ordem presente no espectro Raman
do grafeno. As bandas D e G são resultados de processos de segunda ordem, envolvendo dois
fônons iTO (transversais óticos no plano) próximo ao ponto K para a banda G e um fônon iTO e
um defeito no caso da banda D, como pode ser visto no esquema da figura 11 a direita.
As bandas D e G apresentam um comportamento dispersivo no espectro Raman, ou
seja, suas frequências são deslocadas a medida que a energia do laser de excitação Elaser varia.
Esse deslocamento varia linearmente com Elaser, sendo a inclinação, dada por ∂ωG /∂ωElaser
,
aproximadamente igual a 50 cm−1
/eV para a banda G e aproximadamente igual a 100 cm−1
/eV
para a banda D.
33. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 32
1.3 Óxido de grafeno
Nesta seção, serão mostrados os principais métodos de obtenção do óxido de grafeno,
algumas das propriedades até então reportadas na literatura, sendo essas, de caráter teórico e/ou
experimental, além de diversas possibilidades de sua aplicação em diversas áreas.
34. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 33
1.3.1 Sínteses
Um dos primeiros registros da produção de óxido de grafite data de 1840, por Schafhaeutl
[42], e 1859, por Brodie [57]. Em geral, o óxido de grafeno é sintetizado através da oxidação
do grafite em vários níveis. Os métodos mais comuns são o de Brodie, de Staudenmaier e o de
Hummer, ou ainda uma variação de algum desses métodos, de onde é obtido o óxido de grafite e
a partir do qual, por um processo de esfoliação, obtém-se o óxido de grafeno. A seguir, estão
descritos tais métodos.
1.3.1.1 Método de Brodie
Uma porção de grafite é misturada com uma porção de três vezes o seu peso de clorato
de potássio, e a mistura é colocada numa retorta3
. Ácido nítrico fumegante é adicionado numa
quantidade suficiente para tornar o todo fluído. A retorta é colocada em banho-maria por três ou
quatro dias a uma temperatura de 60 °C até que os vapores amarelos (NO2 e/ou N2O4) deixem
de ser emitidos. A substância é então colocada em uma grande quantidade de água e lavada por
decantação, ficando quase livre de ácidos e sais. A secagem é realizada em banho-maria e o
processo de oxidação é repetido com a mesma proporção de ácido nítrico e clorato de potássio
até que nenhuma modificação seja observada. Isso ocorre geralmente após o quarto ciclo de
oxidação. A substância é então primeiramente seca em vácuo e então a 100 °C. Uma modificação
no processo que pode ser vantajosa consiste em colocar a mistura oxidada em um frasco e expor
ao sol. Nessas circunstâncias, a mudança ocorre mais rapidamente e sem aplicação de calor. [57]
1.3.1.2 Método de Staudenmaier
Em 1898, Staudenmaier propôs uma variação do método de Brodie, onde o grafite é
oxidado em uma mistura de ácido sulfúrico concentrado e ácido nítrico, juntamente com clorato
de potássio.
Uma típica síntese utilizando esse método se dá adicionando 10 g de grafite em pó a uma
mistura de 400 ml de ácido sulfúrico (95-97%) e 200 ml de ácido nítrico (65%) enquanto é feito
um resfriamento em banho de gelo. 200 g de clorato de potássio são adicionados em pequenas
porções à mistura enquanto ela é agitada e resfriada. Após 18 horas, a mistura é posta em água
destilada e o produto da oxidação é lavado até que o pH atinja 6. [58]
1.3.1.3 Método de Hummer
Neste método, a oxidação do grafite é realizada, essencialmente, pelo tratamento com
uma mistura de ácido sulfúrico concentrado, nitrato de sódio e permanganato de potássio. O
processo como um todo requer menos de duas horas e é realizado a uma temperatura abaixo
de 45 °C, além de ser relativamente mais seguro que os métodos anteriores. O óxido de grafite
3
retorta – vaso de gargalo estreito e curvo, utilizado para destilação
35. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 34
é preparado agitando 100 g de grafite em pó e 50 g de nitrato de sódio em 2,3 litros de ácido
sulfúrico. Essa mistura é mantida a 0 °C em banho de gelo, como medida de segurança. Mantendo
uma agitação vigorosa, 300 g de permanganato de potássio são adicionadas. Essa adição deve
ser controlada de forma a prevenir que a temperatura exceda 20 °C.
O banho de gelo é removido e a temperatura da suspensão se eleva para 35 ± 3 °C, onde
é mantida por 30 minutos. A medida que a reação ocorre o volume da mistura gradualmente
aumenta enquanto a efervescência diminui. Ao final de 20 minutos, a mistura se torna pastosa com
a liberação de uma pequena quantidade de gás. Essa pasta apresenta uma cor cinza acastanhado.
Após 30 minutos, 4,6 litros de água são lentamente misturados à pasta, causando uma
violenta efervescência e um aumento de temperatura para 98 °C. A suspensão diluída de cor
marrom é mantida a essa temperatura por 15 minutos. A suspensão é então diluída para aproxi-
madamente 14 litros com a adição de água quente e tratada com peróxido de hidrogênio (3%)
para reduzir o permanganato e dióxido de manganês residual para o solúvel e incolor sulfato
de manganês. Após esse tratamento com o peróxido, a suspensão torna-se amarelo brilhante e
deve ser filtrada formando um material pastoso de cor marrom amarelada. Essa filtragem é feita
com a suspensão ainda aquecida para evitar a precipitação do sal de ácido melítico, que é pouco
solúvel, formado como reação secundária.
Lavando três vezes esse material marrom amarelado com um total de 14 litros de água
quente, o resíduo de óxido de grafite estará disperso em 32 litros de água, onde a parte sólida
representa, aproximadamente, 0,5% do total. As impurezas de sais remanescentes são removidas
por um tratamento com resina aniônica e trocadores de cátions. A forma seca do óxido de grafite
é obtida por centrifugação, seguida de desidratação a 40 °C sobre pentóxido de fósforo em
vácuo.[59]
36. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 35
1.3.2 Propriedades
O óxido de grafeno é uma promessa de aplicação em diversas áreas, como materiais
tipo papel[11], compósitos poliméricos[60], filmes condutores transparentes[61], sistemas de
armazenamento de energia[62], dentre diversas outras aplicações. É importante salientar que o
termo óxido de grafeno não se trata de uma estrutura única bem definida e sim de uma classe de
estruturas cuja formação depende fortemente do seu método de síntese. Existe uma necessidade
de se entender as propriedades fundamentais comuns a essa classe de nanoestruturas, além de se
obter um banco de dados confiável para aplicações. Por terem uma gama de variantes químicas,
é possível encontrar resultados conflitantes reportados na literatura, portanto, é de fundamental
importância ter em mente que cada amostra produzida é única, podendo ter propriedades distintas
(já que em nível nanométrico pequenas variações estruturais e composicionais podem causar
enormes modificações nas propriedades de um material). A seguir, serão mostras algumas dessas
propriedades até então relatadas na literatura.
1.3.2.1 Estrutura e morfologia
O óxido de grafeno consiste em uma rede hexagonal de carbonos, que além de apresentar
hibridização sp2
, apresentam também hibridização sp3
, trazendo grupos funcionais epóxido e
hidroxila no seu plano basal, enquanto que suas bordas são decoradas principalmente por grupos
carbonila e carboxila (figura 12).
(a) Epóxido (b) Hidroxila (c) Carbonila (d) Carboxila
Figura 12 – Grupos funcionais encontrados no óxido de grafeno.
Apesar de o óxido de grafite vir sendo estudado desde a metade do século XIX, a sua
estrutura ainda não é conhecida com exatidão. Devido a sua natureza quase amorfa, os métodos
de difração são bastante limitados. Recentemente, um modelo tipo “queijo suíço” foi proposto
para explicar dados de I-V obtidos no óxido de grafeno a medida que ele era oxidado, onde
regiões tipo grafeno estão separadas por regiões densamente funcionalizadas [63], e medidas de
microscopia de transmissão eletrônica com varredura (STEM - Scanning Transmission Electron
Microscopy) juntamente com espectroscopia de perda de energia de elétrons (EELS - Electron
Energy Loss Spectroscopy) mostraram que os grupos funcionais no óxido de grafeno estão
distribuídos de uma forma não periódica, apresentando 40% de ligações sp3
para uma proporção
O/C de 1:54
[64].
4
Para as amostras utilizadas nesse trabalho.
37. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 36
Existem diversos modelos propostos para a estrutura do óxido de grafeno, no entanto, o
modelo Lerf-Klinowski [65] é, comumente, o mais aceito. Um esquema deste modelo pode ser
visto na figura 13.
Figura 13 – Modelo esquemático da estrutura do óxido de grafeno 13.
1.3.2.2 Propriedades mecânicas
Utilizando microscopia de força atômica (AFM - Atomic Force Microscopy) no modo
contato, juntamente com o método de elementos finitos (FEM - Finite Element Method) proprie-
dades mecânicas de membranas contendo uma, duas e três camadas de óxido de grafeno, foram
determinadas. O experimento foi realizado depositando camadas de GO em um filme de carbono
com um padrão de furos circulares litografados. As membranas que ficaram suspensas sobre
esses furos sofreram o contato de uma ponta de AFM, a qual formou imagens dessa superfície
e através da análise dessas imagens, utilizando o FEM, foi possível determinar seu módulo de
Young efetivo, 207,6 ± 23,4 GPa (constante elástica 2D E2D
= 145.3 ± 16.4N/m), e uma
tensão prévia de 76,8 ± 19,9 MPa sofrida pela membrana de uma única camada, com espessura
de 0,7 nm.[15] As membranas com uma, duas e três camadas apresentam um módulo de Young
muito próximos (tabela 1), o que indica que as ligações entre as camadas são fortes o suficiente
para evitar deslizamentos entre elas (para essas medidas).
As folhas de óxido de grafeno podem se empilhar umas sobre as outras formando o óxido
de grafite. A agregação das camadas é governada por interações do tipo pontes de Hidrogênio
realizadas entre os grupos funcionais do GO. A figura 14 mostra um esquema de como se dá
38. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 37
Tabela 1 – Módulo de Young. Comparação entre os módulo de Young do GO de 1, 2 e 3 camadas e o
grafeno.[15]
Módulo de Young E2D
Pré-tensão
(GPa) (N/m) (MPa)
1 camada 207,6 ± 23,4 145,3 ± 16,4 76,8 ± 19,9
2 camadas 223,9 ± 17,7 156,7 ± 12,4 45,4 ± 8,1
3 camadas 229,5 ± 27,0 160,7 ± 18,9 39,7 ± 5,5
grafeno ∼ 1000 342 ± 30 —
essa interação. Além dos grupos funcionais presentes no plano basal do GO, este material pode
estar hidratado e as moléculas de água irão influenciar nas interações interplanares, como pode
ser visto nessa mesma figura esquemática. A umidade influencia tanto nas distâncias quanto
nas forças de interação das redes de ligações de Hidrogênio interplanares, que por sua vez é
manifestada por meio da resposta global macroscópica do material. As folhas secas de GO são
mais compactas e rígidas que as hidratadas, além disso, um aumento no percentual de grupos
funcionais também proporciona a esse material um acréscimo na sua rigidez.[10]
Figura 14 – Esquema mostrando várias configurações das ligações de Hidrogênio no óxido de grafite.
As linhas cinza representam as camadas de grafeno. Figura adaptada do artigo [10].
O empilhamento de folhas de GO pode ser utilizado para formar uma espécie de “papel”
de óxido de grafeno (figura 15 a direita) com propriedades bastante interessantes. Ao aplicar
um tensão nesse material, mesmo se mantendo no regime elástico, ele sofre uma modificação
estrutural permanente que lhe permite ter um aumento do seu módulo de elasticidade, podendo
chegar a 20% de ganho [11]. Isso ocorre porque, quando a folha sofre uma tensão, as camadas de
GO, que antes se encontravam relativamente desordenadas, tendem a sofrer uma reorganização
que permite uma maior interação entre os grupos funcionais interplanares. Esse comportamento
de auto-reforço é bem conhecido em cadeias de polímeros alinhados e outros materiais fibrosos.
O módulo de Young médio para esse material é da ordem de 32 GPa, podendo atingir
valores da ordem de 42 GPa. Esses valores são bem superiores aqueles apresentados por materiais
da mesma categoria, como buckypaper5
, materiais tipo papel a base de vermiculita, e lâminas
5
O Buckypaper, popularmente denominado Adamantiun, é uma espécie de filme feito de aglomerados de
39. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 38
flexíveis de grafite. Além disso, a resistência à tensão apresentada no GO é também muito
grande quando comparada ao buckypaper e ao grafite flexível e apenas um pouco menor que a
apresentada pelos materiais a base de vermiculita (ver figura 15 a esquerda).[11]
É importante frisar que devemos entender essa categoria como aquela integrada por
materiais flexíveis e compostos de um único tipo de componente, cujo processo de fabricação
seja por meio de uma estratégia similar ou apresente uma morfologia equivalente. Pois, de
fato, existem nanocompósitos tipo papel com propriedades mecânicas mais pronunciadas que
as apresentadas pelo GO, no entanto, esses materiais têm um processo de produção bem mais
laborioso e envolvem, em geral, mais de um componente básico.[66, 67, 68, 69, 5]
Figura 15 – Comparação da resistência à tração σ e módulo de Young E ente um conjunto de materiais
tipo papel (esquerda). As diferentes cores representam os valores mínimos e máximos das
grandezas. A direita, temos uma imagem de um pedaço de GO tipo papel e uma ampliação
da sua secção transversal feita por MEV. Figuras adaptadas dos artigos [11, 12].
1.3.2.3 Propriedades eletrônicas
O óxido de grafeno é essencialmente um isolante, com um largo gap entre as bandas de
valência e condução, e sua estrutura de bandas é fortemente dependente de sua estequiometria[70].
No entanto, a partir de um controle do seu nível de oxidação, é possível modificar a sua estrutura
eletrônica, incluindo a possibilidade de se acessar o gap de bandas nulo do grafeno por meio da
remoção de todas as ligações C-O.
Um certo controle do nível de oxidação do GO pode ser feito, de forma reversível, através
da aplicação de uma tensão de bias [13]. O filme de GO é posto de forma a fechar o contato entre
dois eletrodos e então é aplicada uma tensão de bias entre eles (ver figuras 16). Cargas elétricas
têm uma forte influência no equilíbrio termodinâmico do sistema grafeno/oxigênio. Cargas
positivas causam a oxidação do grafeno, enquanto cargas negativas potencializam a redução
do óxido de grafeno. Os flocos de GO são instáveis e se decompõem lentamente formando
nanotubos de carbono. Ele é bastante utilizado na fabricação de compósitos, acentuando de forma drástica
propriedades mecânicas de polímeros. É possível, por exemplo, fabricar materiais cujo módulo de Young pode
atingir 45 GPa [66].
40. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 39
óxido de grafeno parcialmente reduzido. Esse processo de decomposição é lento em temperatura
ambiente, de tal forma que, uma suspensão de GO começa a escurecer após alguns meses,
quando mantida a uma temperatura de 25 °C, o que indica uma redução parcial. Contudo, as
cargas negativas aumentam efetivamente a variação da energia livre da decomposição (∆G),
aumentando enormemente a taxa da reação e possibilitando uma completa redução em apenas
poucos segundos. No caso do processo de oxidação, a reação não é espontânea em condições
ambiente. No entanto, com a presença de cargas positivas, essa reação de oxidação passa a ser
espontânea. A taxa da reação depende da cobertura inicial de oxigênio, sendo lenta para filmes
de grafeno.
Figura 16 – Esquema de um dispositivo que permite filmes finos de óxido de grafeno serem reduzidos e
oxidados eletricamente.[13]
41. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 40
1.3.3 Aplicações
1.3.3.1 Rota para a obtenção de grafeno
O óxido de grafeno é uma das principais rotas para produção de grafeno em larga escala,
devido ao seu baixo custo e relativa facilidade na produção. O processo se dá inicialmente
por um dos métodos de obtenção do óxido de grafeno [57, 58, 59], em seguida, ele sofre
oxirredução através de luz, calor ou um processo químico. Convencionalmente, a redução é
realizada utilizando hidrazina. Além desses, existe um método de redução “verde”, onde é
utilizada uma bactéria que possui citocromos. [71]
1.3.3.2 Armazenamento de dados
O óxido de grafeno pode ser utilizado numa tecnologia recente de armazenamento de
dados denominada Memoria Resistiva de Acesso Randômico (RRAM - Resistive Random-Access
Memory). [72] Mas com uma vantagem em relação a alguns óxidos metálicos utilizados para
esse fim, que é o fato de ser flexível. As tecnologias de memória RAM atuais se baseiam no
armazenamento dos bits através de carga elétrica o que os tornam voláteis, ou seja, quando é
desconectado de uma fonte elétrica, a memória é perdida. No entanto, a RRAM baseia-se no
controle da resistividade do material, alternando entre estados de baixa e alta condutividade, os
quais se mantém inalterados mesmo quando a fonte elétrica é desligada, permitindo assim, a
manutenção da memória. O dispositivo RRAM a base de óxido de grafeno apresenta uma taxa
de corrente da ordem de 103
, o que representa uma excelente performance, além de apresentar
uma ótima flexibilidade sem prejudicar a performance da memória, curvando-se a 4 mm de raio,
uma baixa voltagem de operação, e uma excelente retenção de dados.[73]
1.3.3.3 Compósitos e “papel” de GO
O óxido de grafeno pode ser facilmente misturado a diversos polímeros, formando
nanocompósitos, e aumentando ou dando novas propriedades aos polímeros originais. Tais pro-
priedades incluem maior elasticidade, resistência à tensão, condutividade elétrica, e estabilidade
térmica. Na sua forma sólida, as nanoestruturas de GO tendem a formar um fino filme extrema-
mente estável, podendo ser dobrado, amassado e tensionado. Esse filme de óxido de grafeno
é cotado para ser utilizado em várias aplicações, tais como, armazenamento de hidrogênio,
condutor iônico e membranas nanofiltradoras.
1.3.3.4 Energia
O óxido de grafeno e sua forma reduzida apresentam uma grande área superficial, por
causa disso esses materiais vem sendo considerados para o uso como eletrodos de baterias e
capacitores de dupla camada, assim como células combustíveis e células solares. A fácil produção
em larga escala do óxido de grafeno permite que esse material venha, em pouco tempo, a ser
42. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 41
utilizado para algum fim relacionado à energia. A sua capacidade em armazenar hidrogênio
o credencia para uma provável utilização em células combustíveis visando a alimentação de
automóveis híbridos.
1.3.3.5 Biologia e Medicina
A fluorescência apresentada pelo óxido de grafeno abre um rota para sua aplicação como
biosensores, detecção precoce de doenças e carregadores de drogas. O óxido de grafeno tem tido
sucesso em seu uso como biossensores a base de fluorescência na detecção de DNA e proteínas,
com uma promessa de um melhor diagnóstico do HIV. Como carregador de drogas no ataque ao
câncer, apresenta-se superior a muitas outras drogas (ou fármacos), pois atinge somente células
cancerígenas e apresenta baixa toxicidade.[74]
Outra aplicação do óxido de grafeno nessa área é como antibactericida. Ele pode inter-
romper a proliferação da bactéria Escherichia coli, principal causadora de infecções alimentares.
Devido ao seu baixo custo na produção, pode ser facilmente produzido em larga escala e,
tornando-se assim uma alternativa viável na fabricação de embalagem bactericida para alimento,
o que daria uma sobrevida maior a alimentos sensíveis como carnes. [75] Além disso, estudos
nesse sentido podem levar à fabricação de filmes bactericidas passíveis de serem utilizados, por
exemplo, como curativos.
É possível, também, fabricar nanocompósitos de poli( -caprolactona) (PCL)/óxido de
grafeno formando membranas biodegradáveis e bioreabsorvíveis. A adição de óxido de grafeno a
esse polímero aumenta drasticamente sua resistência mecânica, além de proporcionar um ganho
na sua bioatividade.[76]
1.3.3.6 Surfactante
Podemos incluir, entre as propriedades do óxido de grafeno, a habilidade de agir como
surfactante, similar à capacidade que o sabão tem de dispersar a gordura em água. Essa habilidade
pode ser usada para dispersar materiais insolúveis, como é o caso dos nanotubos de carbono, em
diversos solventes.[77]
43. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 42
1.4 Microscopia de varredura por sonda
No início da década de 1980, dois pesquisadores da IBM, Gerd Binnig e Heinrich Rohrer,
desenvolveram uma nova técnica para estudar superfícies de estruturas a nível atômico, deno-
minada Microscopia de Varredura por Tunelamento (STM - Scanning Tunneling Microscopy).
Esse feito rendeu a esses pesquisadores o prêmio Nobel de 1986.6
Essa invenção foi rapidamente
seguida pelo desenvolvimento de uma família de técnicas relacionadas, que juntamente com o
STM, podem ser classificadas por uma categoria geral denominada Microscopia de Varredura por
Sonda (SPM - Scanning Probe Microscopy). Entre as técnicas desenvolvidas, a mais importante
é a Microscopia de Força Atômica (AFM - Atomic Force Microscopy).
Em todas as técnicas de SPM, a sonda interage com a superfície da amostra por meio
de algum fenômeno físico. Medindo-se uma quantidade física local e relacionando-a com a
interação, é possível construir uma imagem da superfície em estudo. Enquanto o STM mede a
corrente de tunelamento entre uma ponta metálica e uma amostra condutora, o AFM mede a
força que age entre uma pequena ponta e a amostra. Dependendo da quantidade física medida e
de como ela é realizada, cada técnica recebe uma denominação específica.
6
Na realidade eles foram agraciados com metade desse prêmio, sendo a outra metade dada a Ernst Ruska, pelo
seu trabalho fundamental na ótica eletrônica, e pelo desenvolvimento do primeiro microscópio eletrônico.
44. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 43
1.4.1 Princípio de funcionamento do microscópio de varredura por
sonda
O microscópio de varredura por sonda possui uma sonda especial na forma de uma
minúscula agulha, com um tamanho de aproximadamente 10 nm. Diversos mecanismos de
interação entre a sonda (S) e a amostra (A) podem atuar, como por exemplo, forças de caráter
atômico, elétrico e magnético. Se essa interação puder ser caracterizada por um determinado
parâmetro P e se esse parâmetro for uma grandeza suficientemente local e tenha uma dependência
unívoca com a distância sonda-amostra de forma que P = P(z), então ele poderá ser usado
em um sistema de retro-alimentação (RA) para controlar essa distância. Esse controle é feito
por meio de um material piezoelétrico (PZ), o qual sofre uma expansão ou retração mediante
uma aplicação de potencial elétrico. O sistema de retroalimentação mantém constante o valor
do parâmetro P, predeterminado pelo operador, enquanto a sonda varre a superfície da amostra.
Quando P sofre uma variação ∆P, o sistema amplifica esse sinal e emite uma voltagem para o
piezo (PZ), fazendo com que a distância sonda-amostra tenha um acréscimo ∆z para ser mantido
constante o valor de P (figura 17). Dessa forma, computando o valor de ∆z em cada ponto (x, y)
da superfície da amostra varrida, é possível criar uma imagem topográfica desse região.
Figura 17 – Diagrama de funcionamento do sistema de retroalimentação em um microscópio de varredura
por sonda
45. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 44
1.4.2 Microscopia de Força Atômica
No microscópio de tunelamento (STM), os átomos da extremidade da ponta da sonda
exercem uma força na superfície da amostra da mesma ordem de grandeza das forças inte-
ratômicas. Esse efeito impulsionou a criação do microscópio de força atômica (AFM - atomic
force microscope), que foi inventado em 1986, por Binning e colaboradores [14]. Ele permi-
tiu a produção de imagens da superfície de condutores e isolantes com resolução em escala
nanométrica.
Diferentemente do STM, que possui uma ponta de sondagem normal à superfície, o
AFM usa como sonda um cantiléver praticamente paralelo a superfície da amostra, sendo que na
sua extremidade existe uma pequena ponta, a qual de fato interage com a amostra. Quando a
sonda toca a amostra, o cantiléver sofre uma deflexão que é bastante sensível à força exercida na
amostra e portanto de grande importância na formação de imagens.
Para se medir a deflexão do cantiléver, inicialmente se utilizou uma sonda de STM, a
qual tem uma sensibilidade para medir deflexões da ordem de 10−4
Å. Como, para um átomo
típico, a frequência de oscilação é ω 1013
rad e sua massa é m = 10−25
kg, então a constante
de mola equivalente deve ser k = ω2
m = 10N/m. Portanto, para não danificar a superfície da
amostra, o cantiléver do AFM deve ter uma constante de mola menor que 10N/m.[78] A figura
18-(a) mostra um esquema da disposição experimental do primeiro AFM criado por Binning,
enquanto que a 18-(b) trás as dimensões do cantiléver utilizado.
0,8 mm
0,25 mm
25 m
Ponta de
diamante
Cantilever
(cobertura de Au)
BLOCO (ALUMÍNIO)
SISTEMA DE
REALIMENTAÇÃO
DO AFM
SISTEMA DE
REALIMENTAÇÃO
DO STM
A C
E
D
B
F F
x
z
y
1 cm
A : AMOSTRA DO AFM
B : PONTA DE DIAMANTE DO AFM
C : PONTA (Au) DO STM
D : CANTILEVER,
AMOSTRA DO STM
E : PIEZO DE MODULAÇÃO
F : VITON
(a)
(b)
Figura 18 – (a) Disposição experimental do primeiro AFM. (b) Dimensões do cantiléver que suporta a
ponta.[14]
46. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 45
Embora a sonda de AFM seja capaz de exercer uma força suficientemente pequena para
não danificar amostras biológicas (forças da ordem de 10−9
N), o monitoramento da deflexão do
cantiléver via STM provoca uma força maior, da ordem de 10−7
N. Esse, dentre outros fatores,
provocou uma limitação na técnica, forçando uma busca por alternativas de monitoramento da
deflexão do cantiléver. Os métodos óticos foram mais eficazes, já que nenhuma força extra é
adicionada ao cantiléver durante a monitoração da deflexão. Dispositivos óticos são bastante
utilizados nos AFMs modernos. Um exemplo da disposição experimental de detecção ótica pode
ser visto na figura 19.
Figura 19 – Esquema de detecção ótica da deflexão do cantiléver do AFM. Um laser é refletido na super-
fície do cantiléver e depois direcionado por um espelho para um fotodetector. Inicialmente o
laser é regulado para atingir o centro dos quadrantes do fotodetector. Quando o cantiléver
sofre alguma deflexão o laser atinge um dos quadrantes e dessa forma a deflexão pode ser
mensurada.
As forças interatômicas que agem entre dois átomos ou moléculas podem ser classificadas
de acordo com o caráter atrativo ou repulsivo e quanto ao alcance (longo ou curto alcance).
Quando em equilíbrio, a distância típica entre dois átomos está na ordem de 2 a 3 Å, abaixo dessa
distância, as forças de interação serão sempre repulsivas e de curto alcance. No entanto, para
distâncias interatômicas maiores, as forças de longo alcance poderão ser atrativas ou repulsivas.
Dessa forma, a operação do AFM pode ser dividida em três modos distintos: contato, não-contato
e contato intermitente. Para uma visualização qualitativa, podemos tomar como exemplo de
interação sonda-amostra o potencial de Lennard-Jones, o qual combina forças atrativas de van
der Waals com forças repulsivas de curto alcance de caráter eletrônico (ver figura 20).
O elemento central do microscópio de força atômica é uma mola que é sensível à força
entre a ponta e a amostra. Para medir forças normais entre a ponta e a amostra, este sensor deve
ser rígido em dois eixos e relativamente flexível no terceiro. Essa propriedade é perfeitamente
47. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 46
Figura 20 – Modos de operação do AFM, referentes ao alcance das interações sonda-amostra.
satisfeita por um cantiléver e, portanto essa geometria é normalmente utilizada para detectores
de força. Um cantiléver genérico é mostrado na figura 21. Para uma geometria retangular com
dimensões w, t e L, a constante de mola k é dada por,
k =
Y wt3
4L3
, (1.10)
onde Y é o modulo de Young. A frequência fundamental é dada por,
f0 = (0, 162)
t
L2
Y
ρ
, (1.11)
onde ρ é a densidade de massa do material do cantiléver [79].
As propriedades de interesse são a rigidez k, a frequência f0, o fator de qualidade
Q = f0/∆f, a variação de frequência com a temperatura ∂f0/∂T e a composição química e
estrutural da ponta.
A energia potencial entre a sonda e a amostra Vsa dá origem uma componente z da
força sonda-amostra Fsa = −∂Vsa/∂z e a uma constante de mola associada ksa = −∂Fsa/∂z.
Dependendo do modo de operação, o AFM usa a força Fsa ou alguma entidade derivada dela
como sinal de imagem. Fsa tem contribuições de curto e longo alcance. No vácuo, existem forças
químicas com curto alcance (frações de nm) e forças de van der Waals, elétricas e magnéticas
com longo alcance (a cima de 100 nm). Em condição ambiente, forças meniscais formadas
por camadas de adesão na ponta e na amostra (água ou hidrocarbonetos) podem também estar
presentes.
48. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 47
Figura 21 – Visão esquemática superior e lateral de um cantiléver genérico microfabricado. A maioria
dos cantiléveres possuem esse formato, em especial, os de operação em modo dinâmico.
[80]
1.4.2.1 Modo de contato
No modo contato, a sonda do AFM está sempre tocando a superfície da amostra, de
forma que a resultante das forças de interação sonda-amostra é sempre repulsiva, como pode ser
visto na figura 20. Essa é a disposição mais simples de utilização do AFM, tendo sido utilizada
nos primeiros equipamentos construídos. Como princípio de funcionamento desse modo, a força
de interação é mantida constante e igual a um valor predefinido. Esse processo é feito mediante a
utilização de um sistema de retroalimentação que trabalha para manter inalterada a deflexão do
cantiléver (e dessa forma a força).
Durante a varredura da amostra, as variações ∆z sofridas pela ponta provocam uma
variação na deflexão do cantiléver e, para corrigir isso, o sistema de retroalimentação envia
um sinal para o piezo, o qual, sofre uma expansão (ou contração) na direção z restaurando a
deflexão original do cantiléver. O valor de ∆z é computado como uma função de x e y para
a formação da imagem topográfica. Esse modo pode ainda ser operado sem que a força se
mantenha constante. Nesse caso, o sistema de retroalimentação deixa de operar e a distância
sonda-amostra z é mantida constante. Na varredura da superfície, é computado diretamente
o valor da deflexão, o qual é utilizado para gerar a imagem topográfica. Esse modo de força
variável pode ter uma maior resolução que o de força constante, no entanto, só pode ser usado
em amostras que possuam superfícies bastante planas.[81]
Para amostras duras e relativamente planas, o modo de contato certamente é o mais
adequado, pois é mais simples e rápido. No entanto, existem algum inconvenientes nessa técnica
que devem ser levados em consideração. Forças laterais podem causar danos tanto a sonda quanto
a amostra. Elas podem surgir quando a sonda cruza um degrau, ou devido a forças de adesão
ou fricção entre a sonda e a amostra. Isso pode levar também a uma diminuição da resolução
da imagem devido ao efeito “cola-desliza”. A forte interação sonda-amostra pode causar uma
deformação na amostra provocando uma subestimação da altura no perfil da imagem topográfica,
além de aumentar a área de contato comprometendo a resolução da imagem.
49. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 48
Como forma de minimizar os efeitos causados por essas forças laterais, é muito comum
a utilização de sondas com cantiléver em formato de V. Este tem uma maior resistência a torções
laterais e ao mesmo tempo uma baixa resistência mecânica a deflexões verticais. Tipicamente,
esse tipo de cantiléver tem comprimento (l) de 100 a 200 µm, largura (w) de 10 a 40 µm e
espessura (t) de 0,3 a 2 µm (figura 22).
Em condições ambiente, as forças de capilaridade da fina camada de água (tipicamente,
poucos nanômetros de espessura) que se forma na superfície devido a humidade do ar podem
causar problemas nas medidas. Para se evitar isso, é possível o estudo da amostra completamente
submersa em um líquido, o que é, em especial, favorável quando se trata de amostras biológicas.
Figura 22 – Cantiléver comumente utilizado no modo de contato do AFM
Quando o AFM é operado no modo contato, a força Fsa é traduzida na forma de uma
deflexão q = Fsa/k do cantiléver. Como a deflexão do cantiléver deve ser significantemente
maior que as deflexões sofridas pela ponta e pela amostra, restrições sobre os possíveis valores
de k se fazem necessárias. O cantiléver deve ser mais flexível que as ligações dos átomos da
ponta e da amostra. As constantes de força interatômicas em sólidos estão na faixa de 10-100
N/m, podendo ser menores que 0,1 N/m para materiais biológicos. Dessa forma, valores típicos
de k no modo contato são da ordem de 0,01-5 N/m. A frequência fundamental f0 deve ser
significantemente maior que a largura da banda de detecção desejada, ou seja, se dez linhas por
segundo são capturadas durante a obtenção de uma imagem com 100 átomos de largura, f0 deve
ter uma ordem de pelo menos 10 × 2 × 100s−1
= 2kHz para evitar excitações de ressonância
de cantiléver.
Embora seja possível alcançar a resolução atômica com o AFM no modo contato, esse
método só pode ser aplicado em certos casos. A magnitude do ruído deve ser minimizada, por
exemplo, com uma operação em baixa temperatura, na qual os coeficientes de dilatação térmica
são muito pequenos, ou construindo o AFM com um material que tenha um coeficiente de
dilatação térmica pequeno. As forças atrativas de longo alcance também devem ser canceladas, o
50. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 49
que pode ser feito imergindo a ponta e a amostra em um líquido, puxando o cantiléver após o
salto de contato ocorrer, ou aplicando uma força eletromagnética no cantiléver. [80]
Apesar da possível complicação com a realização experimental, a interpretação física
do modo contato do AFM é bem simples. A imagem fornecida por ele é um mapa topográfico
z(x, y, Fsa = cte).
1.4.2.2 Modo de contato intermitente
Para superar as limitações impostas pela existência de forças laterais no modo de contato,
foi desenvolvido o modo de contato intermitente, ou como é comumente denominado, modo
tapping. Neste caso, o cantiléver é forçado a oscilar com uma frequência próxima (ou igual)
a da sua ressonância. Quando a sonda é posta nas proximidades da amostra ocorre um toque
intermitente da superfície pela ponta da sonda, ou seja, a sonda entra em contato com a superfície
e depois se afasta, de forma periódica. Esse contato com a superfície limita a amplitude de
oscilação do cantiléver, provocando sua mudança (veja figura 23). A medida que a sonda varre a
superfície da amostra, variações de amplitude devido a mudanças topográficas vão ocorrendo.
Figura 23 – Modo de contato intermitente (tapping)
Nos modos de operação dinâmicos, em que o cantiléver é posto para vibrar deliberada-
mente, ele é montado sobre um dispositivo piezoeléctrico para permitir excitações externas de
uma oscilação. Existem, basicamente, dois tipos de modos dinâmicos: modulação de amplitude
(MA) e modulação de frequência (MF).
51. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 50
No modo tapping, a interação sonda-amostra é alterada quando a distância entre a sonda
e a amostra varia, levando a mudança da amplitude de oscilação do cantiléver. Essa mudança
de amplitude, com relação a um valor de referência pré-estabelecido (setpoint), é usada para
obter a topografia da amostra. Portanto, o modo de operação tapping é referido como modo de
modulação de amplitude (MA).
Figura 24 – Esquema de funcionamento dos modos de modulação de amplitude e modulação de frequên-
cia.
Forças repulsivas e atrativas perturbam a interação sonda-amostra, causando mudanças
na amplitude de oscilação do cantiléver, como pode ser visto na figura esquemática 24. No
modo MA, a amplitude de oscilação aumenta com o aumento da distância sonda-amostra devido
a diminuição da interação, como é mostrado na figura 24(a). As mudanças de amplitude são
monitoradas e reguladas por um sistema de realimentação para manter constante a distância
sonda-amostra e igual ao valor de referência pré-estabelecido. A dependência da variação de
amplitude com a interação sonda-amostra pode ser descrita analiticamente, por um modelo
de oscilador harmônico, e a mudança de amplitude é dependente da força entre a ponta e a
amostra. Dessa forma, a medida no modo MA representa diretamente a força entre a sonda a
amostra.[82, 83]
As mudanças de amplitude no modo MA não ocorrem instantaneamente com a mudança
na interação sonda-amostra, mas numa escala de tempo τMA ≈ 2Q/f0. Como o fator Q pode
chegar a 100000 no vácuo, o modo MA é muito lento. Este problema foi resolvido com a
introdução do modo de modulação de frequência (MF), no qual a mudança na frequência ocorre
em um ciclo de oscilação simples em uma escala de tempo τMF ≈ 1/f0 [84].
1.4.2.3 Modo de não-contato
No modo não-contato, as mudanças na interação sonda-amostra causam variações na
frequência de ressonância do cantiléver. Essa variação de frequência, como no modo tapping, é
usada como um sinal de realimentação para formação da imagem e, portanto é denominado de
modo de modulação de frequência (MF). Mudanças na distância sonda-amostra causam variações
na frequência do cantiléver, como pode ser visto na figura 24(b). Um sistema de realimentação
52. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 51
regula a variação frequência de oscilação do cantiléver para mantê-la constante e igual a um
valor de referência predefinido. A variação da frequência de oscilação é dependente do gradiente
da força entre a ponta e a amostra quando a força de restauração do cantiléver que está associada
com a energia de oscilação da sonda é grande comparada com a força de interação entre a ponta
e a superfície da amostra.
A frequência f é determinada pela auto-frequência f0 do cantiléver e pelo deslocamento
de fase ϕ entre a excitação mecânica gerada pelo dispositivo oscilador externo e a deflexão do
cantiléver. Se ϕ = π/2|, o laço oscila em f = f0.
As forças entre a ponta e a sonda causam uma mudança em f = f0 + ∆f. A auto-
frequência de um oscilador harmônico é dada por (2π)−1
k∗/m∗, onde k∗
é a constante de
mola efetiva e m∗
é a massa efetiva. Se a derivada segunda do potencial sonda-amostra ksa =
∂2
Vsa/∂z2
é constante em toda a região coberta pela oscilação do cantiléver, k∗
= k + ksa. Se
ksa k, a raiz quadrada pode ser expandida em uma série de Taylor e a variação de frequência
pode ser expressa, aproximadamente por
∆f =
ksa
2k
f0 (1.12)
Medindo-se a variação de frequência ∆f, é possível determinar o gradiente da força sonda-
amostra. O cantiléver pode ser tratado como um oscilador harmônico amortecido e forçado por
uma força externa. Para uma excitação senoidal Aexei2πfext
e um fator de qualidade Q 1, a
resposta da amplitude de oscilação do cantiléver é dada por
A
Aex
=
1
1 − fex
f0
2
+ ifex
f0Q
. (1.13)
O módulo da amplitude será
|A| =
|Aex|
1 − f2
ex
f2
0
2
+ fex
f0Q
2
(1.14)
e a fase entre o sinal de excitação e o resultante é
ϕ = tg−1
fex
Qf0 1 − f2
ex
f2
0
. (1.15)
1.4.3 Microscopia de Força Elétrica
A microscopia de força elétrica (EFM - Electric Force Microscopy) é uma técnica baseada
na medida de gradientes de forças eletrostáticas. A força F(z) sentida pelo cantiléver oscilando
a uma distância média z0 do substrato pode ser escrita, em primeira aproximação, por
F(z) = F(z0) +
∂F(z0)
∂z
(z − z0). (1.16)
53. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 52
Nessa expressão, ∂F/∂z(z0) é a derivada com relação a z da força vertical que haje sobre a
ponta do cantiléver, também denominada de “gradiente da força” que haje sobre a ponta. Ela é
equivalente a variação −∆k da constante de mola do cantiléver, a qual modifica a frequência de
ressonância f0 do cantiléver. Sendo f0 = 1/2π(k/m)1/2
, onde m é a massa efetiva do cantiléver,
a relação entre a variação da frequência do cantiléver ∆f e o gradiente da força ∂F/∂z(z0) será
∆f
f0
= −
1
2k
∂F
∂z
(z0). (1.17)
Apesar do mínimo gradiente de força detectável ser dependente de diversos fatores, como
temperatura do cantiléver, fator de qualidade Q, e em algumas situações pela propria limitação
do detector fotodiodo, um valor prático para as variações de frequência detectáveis é da ordem
de uma fração de 1 Hz, o que corresponde a valores da ordem de 10−6
para ∆f/f0 e portanto, a
gradientes de força menores que 10−5
Nm−1
para cantilévers com constante de mola de poucos
Nm−1
, e frequência de ressonância na faixa de 100-300 kHz. Essa sensibilidade é suficiente
para detectar poucas dezenas de cargas elementares presas em nanoestruturas[85]. A resolução
lateral do EFM é, em geral, mais pobre que a do AFM no seu modo de topografia, pois as
forças eletrostáticas precisam ser dissociadas de forças superficiais de curto alcance como forças
repulsivas ou de capilaridade. Portanto, em condições ambiente, a sonda é geralmente levantada
do substrato para que se possa efetuar a medida de EFM. Esse procedimento limita a resolução
lateral em, no máximo, poucas dezenas de nanômetros em condições ambiente, contudo é
suficiente para estudar e mapear propriedades eletrostáticas de nanoestruturas isoladas como
nanotubos de carbono.
As medidas são, geralmente, feitas em um procedimento de dois passos no qual a linha de
varredura do EFM é intercalada com a linha de varredura de topografia. Isto permite definir um
trajeto feito pela sonda no modo EFM com um controle da distância z acima do plano do substrato
(ver figura 25). A imagem de EFM é formada com a sonda oscilando mecanicamente próximo a
sua frequência de ressonância f0, e é aplicada uma tensão de Bias VEFM . Duas implementações
podem ser usadas. O cantiléver pode ser excitado mecanicamente com um frequência fixa f
próxima de f0, e o sinal de EFM registrado será o deslocamento de fase ∆φ da oscilação do
cantiléver. Ou, alternativamente, um sistema de realimentação pode ser introduzido para manter
o deslocamento de fase ∆φ constante, ajustando a frequência de excitação mecânica f . Nesse
caso, o sinal de EFM consistirá na variação ∆f da frequência de excitação necessária para
manter constante o deslocamento de fase ∆φ. O deslocamento de fase ∆φ pode ser relacionado
com ∆f, na frequência de ressonância, por
∆φ
2Q
=
∆f
f0
. (1.18)
No entanto, essa relação deixa de ser válida para grandes deslocamentos de frequência (∆f >
f0/2Q), devido a não-linearidade da fase do cantiléver com relação a frequência. As variações de
frequência ∆f são diretamente proporcionais ao gradiente de forças, e portanto, mais apropriadas
que as imagens de deslocamento de fase para se fazer análises quantitativas de cargas.
54. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 53
Figura 25 – Esquerda: Esquema da medida de topografia feita no modo tapping. Direita: Medida de
EFM, onde o cantiléver é erguido à uma distância média fixa z da superfície da amostra. A
primeira media é necessária para que se obtenha o perfil topográfico e seja mantida constante
a distância sonda-amostra. O cantiléver é excitado próximo a sua frequência de ressonância
f0, e o sinal de EFM consiste na variação de frequência ∆f do cantiléver.
Considerando que a amostra se encontra depositada em uma fina camada de um dielétrico
e possua uma carga líquida permanente q, então a força sofrida pela sonda poderá ser expressa
por
F =
q(CV − q)
4π 0z2
−
1
2
dC
dz
V 2
(1.19)
onde CV − q é a carga na sonda metálica. O primeiro termo, representa a força Columbiana e o
segundo as forças capacitivas, provenientes de
Fcap = −
dUcap
dz
=
d
dz
C(z)V 2
2
. (1.20)
Derivando 1.19 com relação a z, teremos
∂F
∂z
=
q2
2π 0z3
+
qV
4π 0z2
∂C
∂z
−
2C
z
−
1
2
∂C
∂z
V 2
(1.21)
Usando as equações 1.17 e 1.21, podemos expressar o sinal da variação de frequência na
medida de EFM por:
∆f = −
f0
2k
q2
4π 0z3
+
qV
4π 0z2
∂C
∂z
−
2C
z
−
1
2
∂2
C
∂z2
V 2
. (1.22)
1.4.4 Microscopia de Potencial de Superfície
Na detecção de potencial de superfície, é medido o potencial efetivo da superfície da
amostra por meio da aplicação de uma voltagem na sonda que é ajustada para minimizar a força
elétrica entre a sonda e a amostra. Essa técnica tem um sinal de ruido tipicamente da ordem de
10 mV, e pode operar tanto em regiões condutoras quanto não-condutoras.
Esse é um procedimento de duplo passo, onde no primeiro passo é obtido o perfil
topográfico utilizando o modo tapping e no segundo passo a imagem do potencial de superfície
(como pode ser visto na figura esquemática 46).
55. Capítulo 1. Fundamentação Teórica 54
Figura 26 – Duplo passo na detecção do potencial de superfície.
Podemos tratar as forças eletrostáticas envolvidas no sinal de EFM, descrevendo o
sistema ponta-substrato como um capacitor ideal C(z) e introduzindo um potencial de superfície
VS para contabilizar, por exemplo, a diferença de função trabalho ponta-superfície e estados de
superfície. Se não houver cargas no interior do capacitor ponta-substrato, o gradiente de força
sobre a ponta será
∂F
∂z
(z0) =
1
2
∂2
C
∂z2
(VEFM − VS)2
. (1.23)
Quando uma carga Q é introduzida, um potencial de superfície efetivo VQ é formado, e o
gradiente de força total pode ser escrito como
∂F
∂z
(z0) =
1
2
∂2
C
∂z2
[(VEFM − VS)2
− 2(VEFM − VS)VQ + V 2
Q] (1.24)
Portanto, a presença de cargas contribui com dois termos. O primeiro corresponde a interação
entre a carga Q e a carga acumulada na ponta da sonda de EFM, e leva a um deslocamento
de frequência proporcional a (VEFM − VS) ˙VQ. A principal vantagem desse sinal é que ele
permite determinar o sinal da carga superficial Q. O segundo (proporcional a Q2
) corresponde
aos efeitos de carga imagem. Esta contribuição, portanto, sempre corresponde a deslocamentos
negativos de frequência (gradiente de força atrativa) e é amplificada quando a superfície varrida
é isolante. As três componentes eletrostáticas do sinal de EFM podem ser separadas por uma
análise espectroscópica.
Para modular do sinal de EFM, a tensão de bias VEFM constante é substituída por uma
tensão ac + dc:
VEFM (t) = Vdc + Vac cos ωt, (1.25)
onde ω 2πf0 (aproximação quase-estática). O gradiente de força eletrostática pode então ser
reescrito como
∂F
∂z
(z0) =
1
2
∂2
C
∂z2
(Vdc + Vac cos ωt − VS − VQ)2
. (1.26)
De onde podemos extrair uma componente estática e duas outras oscilatórias com frequências ω