1) A Síria está no centro de uma batalha geopolítica entre potências regionais como Irã, Arábia Saudita, Estados Unidos e Rússia. 2) O conflito na Síria aumentou com a intervenção militar destes países e levou a uma deterioração das relações entre Estados Unidos e Rússia. 3) O ataque dos EUA na Síria pode levar a uma escalada militar e comprometer o combate ao Estado Islâmico, potencialmente desencadeando uma nova guerra mundial.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
Síria: estopim de guerra
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SÍRIA: ESTOPIM DE UMA NOVA GUERRA MUNDIAL?
Fernando Alcoforado*
A Síria é hoje o epicentro de uma batalha que reúne vários atores: as grandes potências
regionais inimigas (Irã muçulmana xiita e Arábia Saudita muçulmana sunita) e os
aliados históricos (os Estados Unidos aliados da Arábia Saudita e a Rússia aliada do
Irã). O conflito sírio começou quando o presidente Bachar Al Assad lançou uma
ofensiva contra os rebeldes do exército livre da Síria. Entretanto, outros atores entraram
em cena, no seio do próprio movimento rebelde, seguidos pelos extremistas do Estado
Islâmico (ISIS) e pelos curdos. Tornou-se claro que os interesses geopolíticos das partes
envolvidas são muito diferentes.
Trata-se de uma situação complexa que atingiu o auge com a entrada em cena dos
Estados Unidos, da Rússia, do Irã e da Arábia Saudita. A coligação liderada pelos
Estados Unidos está lutando contra o Estado Islâmico (ISIS) e contra o regime de
Bachar Al Assad na Síria. A Rússia, aliada fiel da Síria, combate o Estado Islâmico e
bombardeia essencialmente os rebeldes anti-Assad para evitar a queda de Bachar Al
Assad. Turcos e sauditas estão do mesmo lado, isto é, contra a Síria do presidente
Bachar Al Assad. Turquia e Arábia Saudita consideram que o presidente sírio, Bachar
Al Assad não faz parte da solução para o futuro da Síria.
Associe-se a tudo isto a questão dos refugiados sírios. Desde 2011, a Turquia recebeu
1,7 milhão de refugiados sírios, uma migração que colocou um peso grande sobre as
instituições e a sociedade turcas e ajudou a minar a força política do Presidente turco
Erdogan nas regiões da fronteira com a Síria. A divisão curda na Turquia já começou
e vai acelerar. Essa divisão vai acontecer podendo ocorrer um conflito interno. A
Turquia perdeu a chance de diálogo com os curdos, para manter um país
compartilhado. A divisão curda vai afetar a região, vai acelerar a união entre os
curdos do Iraque, da Síria e da Turquia.
O cenário político no Oriente Médio, com a desagregação da Síria, o aumento do
número de refugiados e a expansão territorial do Estado Islâmico, além da
intervenção de países como Estados Unidos e Rússia, já estão levando a região a
uma guerra de grandes proporções. Além da dramática situação na Síria, com uma
guerra civil que já completou cinco anos, a situação é igualmente frágil em países
como o Iraque e nas zonas fronteiriças com o Irã e a própria Turquia, onde vivem
cerca de 15 milhões de curdos, povo que, após a 1ª Guerra Mundial, foi dividido e
vive hoje em quatro países.
Pode-se afirmar que a Síria tem uma importância estratégica fundamental porque é a
última pedra do xadrez geopolítico existente na região cuja queda de Bachar Al Assad
levaria ao cerco do Irã, possibilitando aos aliados ocidentais atingirem o território deste
país pelo Mar Mediterrâneo e pelo Iraque que garantiria passagem para tropas aliadas
atingirem fronteiras iranianas. A Síria, que faz fronteira com Israel, sempre foi
importante no Oriente Médio e, sobretudo hoje, faz parte de um xadrez geopolítico
muito delicado porque é um país aliado do Irã, junto com quem patrocina movimentos
terroristas extremamente agressivos, como o Hezbollah e o Hamas em oposição ao
Estado de Israel.
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É oportuno observar que a Rússia tem grandes interesses na região, porque há muito
tempo, desde a década de 1950, tem uma aliança com a Síria. Com a ajuda da Rússia, a
Síria tem recebido grandes carregamentos de armas e implantou uma ampla rede de
defesa aérea. Há que se considerar também o fato que é através da Síria que a Rússia
consegue monitorar o Mediterrâneo, com sua base militar de Tartur, ali instalada, a
única da marinha que ela possui fora de seu território. Trata-se, portanto, de um
confronto geopolítico muito amplo de vários matizes existente na região. A Síria tem
um Exército poderoso, equipado com armamentos fornecidos principalmente pela
Rússia e pelo Irã. A Síria possui aviões comandados por controle remoto (drones),
fornecidos pelo Irã. A Síria conta também com dois poderosos aliados, a Rússia e a
China no Conselho de Segurança da ONU.
O recente ataque norte-americano por decisão do presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, a uma base aérea de Bashar al-Assad na Síria ampliou o impasse que já
existia entre Estados Unidos e Rússia sobre a guerra civil, com ambos os lados
prometendo um recrudescimento no uso da força. O tom adotado pelas duas potências
nucleares foi de ameaça, elevando a tensão entre Washington e Moscou num nível
semelhante ao vivido na Guerra Fria. O Kremlin chamou a ação norte-americana de
“agressão” e “violação da lei internacional” e afirmou que suspenderia o canal de
comunicação com forças dos Estados Unidos usado para impedir que os dois países se
atacassem na Síria, já que ambos atuam no país.
A intervenção de Donald Trump, que enviou 59 mísseis à base síria de onde teria
partido o ataque químico que matou ao menos 86 pessoas, ainda gerou um inédito apoio
internacional, justamente quando o presidente Trump abandonou de vez a diplomacia e
a passividade que marcaram a posição norte-americana nos primeiros seis anos do
conflito sírio — quando Barack Obama comandava o país. Nações europeias, como
Alemanha, França e Reino Unido, apoiaram o bombardeio, considerado uma resposta
adequada ao uso de armas químicas no conflito sírio, creditado a Assad.
E Moscou não ficou apenas na retórica. Horas após o bombardeio, uma fragata russa
com mísseis de cruzeiro entrou no Mediterrâneo, em direção aos dois navios americanos
que lançaram o ataque, segundo informações fornecidas à Fox News por um oficial da
Defesa americana. De acordo com uma fonte do Kremlin, o navio permanecerá na costa
síria pelo menos durante um mês. A Rússia também anunciou que reforçará as defesas
antiaéreas sírias com baterias de mísseis.
O ataque da noite de 06/04/2017, quando navios norte-americanos dispararam 59
mísseis contra uma base militar na Síria foi a primeira vez em que os Estados Unidos
atacaram diretamente instalações do regime sírio desde o início da guerra civil no país,
em 2011. A ofensiva foi levada a cabo por ordem de Trump, como represália por um
suposto ataque químico do exército sírio contra civis, na cidade de Idlib, um dos
principais bastiões de forças rebeldes no país. Quais são as consequências deste ataque
no cenário internacional? A primeira é a possibilidade de dar início à escalada militar
dos Estados Unidos na Síria; a segunda diz respeito à deterioração das relações Estados
Unidos-Rússia; e, a terceira, é o comprometimento do combate ao Estado Islâmico.
Tudo o que acaba de ser relatado pode se constituir em estopim de uma nova guerra
mundial.
Um fato é evidente: o sistema internacional está desmoronando graças à ausência de
uma governança democrática mundial que deveria ser exercida pela ONU. É chegada a
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hora de a humanidade se dotar o mais urgentemente possível de instrumentos
necessários a ter o controle de seu destino e colocar em prática uma governança
democrática do mundo. Este é o único meio de acabar com as guerras e o terrorismo.
Uma governança democrática do mundo é extrememente necessária porque não existe
nenhum outro meio capaz de construir um mundo de paz e de confraternização
universal. A preservação da paz é a primeira missão de toda nova forma de governança
mundial. Uma governança com essas características só pode resultar do consenso entre
todos os povos e nações do mundo. Este seria o caminho que possibilitaria evitar as
guerras e o terrorismo e promover a convergência de todos os povos do mundo em torno
de um objetivo comum.
*Fernando Alcoforado, 77, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável-
Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do
Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social
(Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática
Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas,
Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet
(http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.